676 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO
de milhões de francos, que lhe deram em resultado a extincção do deficit, e um saldo positivo.
Isto foi o que fez o sr. ministro da fazenda em França,. Em Portugal, porém, o sr. ministro da fazenda está fazendo exactamente o contrario, e, em vez de economias, tem creado novas e importantissimas despezas.
Os syndicatos são um estorvo grande á extincção do déficit. Os syndicatos são antinomicos com as economias e reducções, porque desejando obras em grande escala, exigem as despezas correlativas a esses melhoramentos,
O sr. ministro das obras publicas, que é ainda mais apologista dos syndicatos, que parece ler por elles verdadeira paixão, disse ainda ha pouco, n'uma das sessões n'esta camara, que os syndicatos eram bons, valiosos e prestantes, em quanto não passassem do rez-du-chaussée e não subissem ao andar nobre. Será assim, mas o facto é que os syndicatos, com relação a este sr. ministro, não têem cerimonia, tratam-o com demasiada confiança. Sobem para o primeiro andar e deixam-o no rez-du-chaussée.
Estas minhas asserções não são gratuitas. Firmam-se em factos, são elles que as provam á evidencia. Senão vejâmos.
Ha tempos, o sr. ministro das obras publicas espontanea e livremente expediu duas portarias a respeito dos estudos do caminho de ferro da Beira Baixa; estabelecia terminantemente á companhia que se cingisse ao traçado mais eu to, fazendo um tunnel na serra da Grardunha, em valle derPrazeres, para não haver perda de tempo. Estas portarias foram expedidas, intimando terminantemente a companhia a que não apresentasse outros estudos, que por forma alguma lhe seriam approvados. Era tão firme e tão inabalavel a vontade e a resolução do sr. ministro das obras publicas, que, n'este ponto, até dispensava o parecei do junta consultiva!
Pois, sr. presidente, essas portarias mais tarde desappareceram, o sr. ministro tinha-as engulido com a mesma facilidade com que as publicou, nem sequrer se lembrou que a sua dignidade e brio ficavam compromettidos.
Pedi-lhe explicações sobre similhante facto, pouco regular e tão inexplicavel; quiz lançar poeira aos olhos da camara e do publico, sustentando a nova directriz, por elle condemnada de antemão, e mostrar que ella trazia comsigo altas vantagens para a Covilhã. Por mais que eu lhe mostrasse o absurdo das suas considerações, entrincheirava-se sempre atrás da Covilhã e do caminho de ferro seguir a margem direita do Tejo e não saia d'aqui.
Eu vi então que havia alguma cousa imperiosa e occulta em toda esta farçada, fil-o sentir á camara, e não me enganei. A imprensa publicou poucos dias depois a historia d'essa negociata, que é a seguinte:
A companhia concessionaria do caminho de ferro da Beira Baixa tratou com o syndicato a construcção do caminho de ferro da Beira mediante uma certa e determinada quantia, com a condição expressa de dar, alem d'aquella quantia, 600:000$000 réis áquelle celebre syndicato, de acções, que expulsou os francezes da direcção da linha de norte e leste.
O syndicato de construcção vendo que com o tunnel na Gardunha não ganhava bastante para pagar aquella somma, declarou que não começava a obra, e não despendia um real emquanto não lhe modificassem a directriz, de fórma, que elle ganhasse e podesse pagar os 600:000$000 réis ao outro syndicato!
O caso era grave, seria a exigencia, porque a honra e dignidade do ministro iriam pela agua abaixo se reconsiderasse. Não obstante, a directriz foi modificada, o sr. Emygdio Navarro enguliu as famosas portarias e o syndicato ganhou os 600:000$000 réis.
Subiu para o primeiro andar para o andar nobre a saborear o seu triumpho e deixou o sr. ministro das obras publicas no rez-du-chausée a afagar as suas famosas portarias que tinham voltado á casa paterna!!!
Sr. presidente, sinto que não esteja presente o sr. ministro das obras publicas, aliás explicaria mais circumstanciadamente este negocio. Mas como está o sr. ministro da fazenda, a quem peço para lhe transmittir as minhas observações, não teve duvida de me referir a factos que s. exa. poderia contestar se não fossem verdadeiros. Eu voto contra todas as auctorisações pedidas por este governo, e principalmente contra a auctorisação do § 2.° do artigo 1.° d'este projecto, em que o governo pede auctorisação para negociar com os bancos do Porto a cedencia do privilegio da emissão de notas. Deixa ver a redacção do § 2.° a sua inutilidade, pois diz o sr. ministro da fazenda que se saír fóra da esphera da sua actividade na realisação de qualquer accordo com os bancos o trará á camara.
Se assim é, se nós não damos auctorisação ao ministro que dispense o nosso exame ao novo contrato, segue-se que este paragrapho é desnecessario, porque todos sabem que o governo póde fazer todos os accordos, negociações, operações e contratos que estejam dentro da sua esphera de acção e que desde o momento em que fizer algum fóra das suas faculdades, ha de forçosamente recorrer ao parlamento para o discutir, examinar e approvar.
Por este motivo acho que este paragrapho não tem ra-são de ser.
Alem d'isto, sr. presidente, eu entendo que os bancos do Porto não têem, na realidade, direito a indemnisação alguma.
A faculdade da emissão de notas foi-lhe concedida por titulo gratuito e não por titulo oneroso; logo, é um favor que deixa de existir pela vontade de quem o fez; logo, é um favor, e quem recebe esse favor não tem direito a conserval-o desde o momento que assim o queira a entidade que o concedeu.
Portanto, os bancos do Porto não têem direito a indemnisação alguma.
Ninguem concede favores até á consummação dos seculos, e muito menos com o direito concedido aos que o receberam de pedirem indemnisações. O estado podia conceder ou deixar de conceder áquelle favor. Ainda que o não declarasse, subentende-se que áquelle favor duraria emquanto o estado assina o quizesse.
Mas o estado declarou-o, e precisamente. A lei de 14 de abril de 1874 diz assim:
"Artigo 3.° O privilegio e faculdade da emissão das notas não poderá ser retirado ao banco do Portugal nem aos mais estabelecimentos a que haja sido, ou de futuro for, concedido senão por disposição da lei que regule de outro modo a circulação fiduciaria."
Aqui está bem expressa a condição. Este é o caso a que se refere o artigo que tem applicação para a hypothese sujeita. O governo regulou por outro modo a circulação fiduciaria e pôde, em virtude do seu direito, tirar aos bancos a faculdade de emittir notas, que lhes concedeu condicionalmente. Logo, os bancos do Porto, ou quaesquer outros estabelecimentos, que tivessem a faculdade de emittir notas, não têem direito a indemnisação alguma.
Eu ouvi na discussão deste projecto, tanto n'esta como na outra casa do parlamento, que o pensamento do governo era indemnisar os bancos do Porto pela perda que tinham tido com o caminho de ferro de Salamanca.
Uma similhante declaração pela parte do governo, sr. presidente, surprehendeu-me. Ella quer dizer que o governo pensou burlar e illudir o paiz.
Pois o que têem os negocios de Salamanca com o banco emissor?
Os assumptos não são de natureza inteiramente diversa?
O governo póde fazer desses negocios ou negociatas quantos accordos quizer e trazel-os depois á camara?
Se assim é, para que vem aqui este paragrapho completamente deslocado?
Eu gosto que estes assumptos sejam tratados com muita clareza e minuciosidade. Se o paragrapho não tem, pois,