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N.º 50

DE 15 DE JULHO DE 1887

Presidencia do exmo. sr. Antonio José de Barros e Sá

Secretarios - os dignos pares

Frederico Ressano Garcia
José Bandeira Coelho de Mello

SUMMARIO

Leitura e approvação da acta. - Correspondencia. - O digno par sr. Coelho de Carvalho interroga o governo ácerca do nosso tratado de commercio com a Hespanha e do convénio sobre a pesca Responde-lhe o sr. ministro da marinha e dos negocios estrangeiros. - O digno par o sr. visconde de Moreira de Rey pergunta se ultimamente tem tido andamento o processo do deputado o sr. Ferreira de Almeida. Responde-lhe o sr. presidente. - O sr. visconde de Moreira de Rey dá-se por satisfeito com a resposta do sr. presidente, e propõe que sejam aggregados á commissão especial, que tem de elaborar o novo regulamento da camara, os dignos pares os srs. Costa Lobo e Vasco Leão. - O sr. presidente dá conhecimento á camara de uma carta que o sr. presidente do conselho dirigira ao sr. ministro da fazenda e que o sr. Hintze Ribeiro pedia se transcrevesse na acta e no Diario das sessões. Igualmente dá conhecimento de uma representação da associação commercial contra o entreposto. Resolve-se que seja publicada no Diario do governo. - Lê-se tambem uma certidão de um facultativo, apresentada pelo digno par Antunes Guerreiro, justificando as faltas ás sessões do sr. visconde de Porto Formoso. - Ordem do dia: discussão dos pareceres n.°s 71, 74, 75, 76, 77, 78 e 79. Sobre o primeiro, attinente ao banco emissor, faliam successivamente os dignos pares Vaz Preto, Augusto José da Cunha e Antonio de Serpa, pedindo o sr. Pereira de Miranda lhe reservem a palavra para a sessão seguinte. - Trocam-se por ultimo breves explicações entre os srs. Hintze Ribeiro e ministro da fazenda a proposito da emissão e curso das notas. - Levanta-se a sessão, designa-se a immediata e respectiva ordem do dia.

Ás tres horas da tarde, estando presentes 40 dignos pares, o sr. presidente declarou aberta a sessão.

Lida a acta da sessão precedente, julgou-se approvada, na conformidade do regimento, por não haver reclamação em contrario.

Mencionou-se a seguinte:

Correspondencia

Um officio do ministerio do reino, incluindo o decreto autographo, datado de 13 do corrente, pelo qual Sua Magestade El-Rei houve por bem prorogar as côrtes até ao dia 30 do dito mez.

Para o archivo.

Outro da presidencia da camara dos senhores deputados, remettendo uma proposição que auctorisa o governo a promover a guarda marinha João Baptista Ferreira a segundo tenente, por distincção em combate, dispensando-o de concluir o tirocinio de embarque e do exame pratico a que era obrigado; e a promover o marinheiro-fuzileiro de 2.ª classe, João Martins, a cabo marinheiro-fuzileiro, tambem por distincção em combate, dispensando-o de satisfazer aos requisitos do plano da organisação do corpo de marinheiros.

A commissão de marinha.

Outro do ministerio do reino, remettendo dois maços fechados e lacrados, contendo o processo relativo á eleição que ultimamente se realisou de um par do reino no collegio districtal de Faro.

A commissão de verificação de poderes.

Um officio do digno par o sr. presidente da camara, o exmo. sr. João Chrysostomo de Abreu e Sousa, agradecendo a benevola permissão concedida pela camara, a fim de se ausentar e tratar da sua saude, bem como a menção honrosa com que os dignos pares se dignaram distinguil-o em sessão de 11 do corrente.

A camara ficou inteirada.

(Estava presente o sr. ministro da fazenda.)

O sr. Presidente: - Está sobre a mesa uma carta enviada pelo sr. ministro da fazenda, que lhe foi dirigida pelo sr. presidente do conselho, carta a que hontem se referiu o digno par o sr. Hintze Ribeiro.

Em vista da auctorisação do sr. ministro da fazenda, essa carta será inserida na acta da sessão de hoje.

Leu-se e é do teor seguinte:

"Ex.mo amigo e sr. Póde fazer a declaração, a que se refere a sua carta, isto é, que eu o auctoriso a tratar com os bancos do Porto a cedencia por parte d'estes da faculdade da emissão de notas, podendo para esse fim acceitar como base da negociação o arrendamento dos caminhos de ferro do Minho e Douro, ficando qualquer resolução a este respeito dependente da approvação do conselho de ministros. Isto é o que ha dias declarei na camara dos senhores deputados.

"Nunca disse ao Burnay o contrario d'isto. Quando elle me affirmou positivamente que estava feito um contrato de arrendamento d'aquelles caminhos de ferro com os bancos do Porto, eu respondi sempre que tal noticia não podia ser exacta, porque nem eu, nem o governo, tinhamos approvado ou auctorisado o contrato que se dizia estar concluido em determinadas condições. Esta declaração não contradiz, nem invalida, a auctorisação que eu havia dado a v. exa. para abrir negociações sobre a base indicada.

"Estes são os factos de que lealmente lhe dei conhecimento e que agora confirmo.

"Se quizer que em qualquer das camaras repita estas categoricas declarações, estou prompto para isso.

"Creia na sincera estima com que sou de v. exa. creado amigo obrigado. = José Luciano.

"Lisboa, 22 de junho de 1887."

O sr. Presidente: - Não ha mais correspondencia. Tem a palavra o digno par o sr. Coelho de Carvalho.

O sr. Coelho de Carvalho: - Sr. presidente, eu pedi a palavra unicamente para dirigir uma pergunta ao sr. ministro da fazenda.

No Diario do governo do dia 9 d'este mez vem publicado um aviso, pelo ministerio dos negocios estrangeiros, declarando que tinha caducado o tratado do commercio com, a Hespanha, e que, por accordo dos governos das duas nações, tinha sido prorogado por seis mezes o praso que permitte a continuação do convénio regulamentar de outubro de 1885 com relação á pesca.

Ora eu desejo perguntar ao governo qual será o regimen que ha de adoptar em relação á pesca, se findo o

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praso d'esta prorogação não tiver podido ultimar com o governo da nação vizinha algum novo convenio.

Ficará subsistindo, em tal caso, a não reciprocidade como agora, ou1 haverá a reciprocidade na pesca, como era anteriormente ao regimen de outubro de 1885?

S. exa. comprehende que não é indifferente para aquelles que se occupam da industria da pesca saber qual o modo por que hão de exercer a sua industria, quando findar a actual prorogação.

Eu julgo, portanto, de maxima importancia conhecer-se bem qual será o regimen que ha de vigorar depois de findo o praso a que me tenho referido.

Dada a circumstancia de não estar ainda concluido um novo tratado com a Hespanha quando terminarem os seis mezes de prorogação do actual convenio, continua, a vigorar ou não o regimen da reciprocidade da pesca?

É a isto que eu desejo que o governo responda de uma maneira clara e categorica.

O sr. Ministro da Fazenda (Marianno de Carvalho): - Se chegarmos a fazer um accordo com a Hespanha, sobre a industria da pesca, evidentemente esse convénio que realisarmos ha de a camara aprecial-o e discutil-o, antes do que não poderá ser ratificado.

O que é possivel haver é um, periodo transitorio entre a terminação da actual prorogação e o tempo necessario a fazer um novo tratado e pol-o em execução.

Pergunta o digno par o que acontecerá n'este praso?

Mas eu, posto que não tenha presente a legislação a que se refere este assumpto, se não posso responder precisamente a s. exa., comtudo parece-me e tenho quasi a certeza que ha de vigorar o regimen legal e convencional anterior ao actual, tratado.

Não póde ser outra cousa, nem mesmo é das faculdades do governo proceder de outro modo.

Portanto, o novo tratado que se fizer ha de ser submettido á sancção parlamentar.

Antes d'isto, repito, o que ha de vigorar, antes de começar a ter execução o novo tratado, é o regimen anterior.

(S. exa. não reviu.)

O sr. Coelho de Carvalho: - V. exa. e a camara ouviram que o governo, respondendo á minha pergunta, que é perfeitamente perceptivel e clara, não sabe qual será o regimen ique ha de vigorar se tiver terminado o convenio actual, sem se chegar a um accordo ou modus vivendi sobre a pesca.

Diz o sr. ministro que, dado esse caso, o regimen legal e convencional que ha de vigorar será o que vigorava anteriormente ao actual convenio.

Ora é exactamente sobre este ponto que eu tenho as minhas duvidas, porque a caducidade do tratado de 1880 não póde levar-nos á reciprocidade da pesca, que era resultante de um convenio especial, e antes se me afiugra que tem de levar-nos fatalmente á não reciprocidade, que era o que existia, não só no tratado de 1885, mas tambem n'um tratado anterior ao convenio especial.

É sobre este ponto que eu desejava saber qual era a opinião do governo; opinião que já devia estar definida, porque a industria da pesca está sem saber o que ha de fazer, caso se não chegue a ratificar um tratado com a Hespanha durante o praso da prorogação, o que não me parece possivel.

Mas como chega o sr. ministro dos negocios estrangeiros e da marinha, e como estes negocios dizem principalmente respeito ás duas pastas que s. exa. está gerindo, é possivel que s. exa. me possa dar uma resposta mais perceptivel, do que aquella que deu o sr. ministro da fazenda,

Se s. exa. quer, eu repito a pergunta; mas se s. exa. já está informado d'ella, pelo sr. ministro da fazenda, eu aguardo a sua resposta.

O sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros (Barros Gomes): - V. exa. da-me licença? Parecia-me melhor que v. exa. repetisse a sua pergunta.

O Orador: - Com relação á pesca pergunto: se não for possivel, como realmente, me parece que não é, fazer-se um novo tratado de commercio dentro do praso da prorogação actual, ou se por qualquer eventualidade, se não chegar a um accordo com a nação vizinha, qual é o modus vivendi que se adopta?

Pergunto ainda: se ficará subsistindo, em taes casos, o regimen de reciprocidade, ou o da não reciprocidade da pesca?

V. exa. e a camara sabem muito bem que antes do tratado de 1885 havia um modus vivendi, entre o governo hespanhol e o nosso, estabelecendo provisoriamente a reciprocidade da pesca.

Essa reciprocidade está de tal fórma condemnada, que o governo hespanhol no ultimo tratado teve de concordar a final em que devia ser outro o regimen a seguir.

Ora, eu o que desejo saber é se, finda esta prorogação, não se tendo ultimado um tratado, continua o regimen da reciprocidade ou o da não reciprocidade.

Sobre este ponto entendo que o governo deve ter idéas assentes, e por isso desejo ouvir a sua opinião.

Aqui tem o sr. ministro dos negocios estrangeiros as perguntas a que eu desejo- que s. exa. responda.

O sr. Ministro da Marinha e dos Negocios Estrangeiros (Barros Gomes): - Declara que ao proceder-se ás negociações para se prorogar o tratado de commercio com a Hespanha, negociações que infelizmente se frustraram, mau grado a boa vontade dos dois paizes, desde logo ficara bem accentuado por parte do nosso governo o desejo de se manter o regimen da não reciprocidade da pesca.

Que sobre isto concordara connosco o governo da nação vizinha, assim como se conformara com a prorogação do convénio até dezembro.

Que, pois, durante os seis mezes que até lá medeiam estavam removidas todas as dificuldades, e se, ao cabo d'elles ainda não estivesse ultimada, uma. nova convenção, nem por esse facto cairiamos no regimen da reciprocidade, senão que cada uma das nações vizinhas pescaria exclusivamente nas suas aguas territoriaes.

(O discurso será publicado na integra quando s. exa. restituir as notas tachygraphicas.)

O sr. Coelho de Carvalho: - Agradeço ao sr. ministro dos negocios estrangeiros a clareza e a precisão da sua resposta. Peço á camara tome nota que o sr. ministro declarou muito positiva e terminantemente que, se não for possivel fazer novo convénio alem dos seis mezes da prorogação, ficará subsistindo o regimen da não reciprocidade.

Era d'esta, declaração que eu precisava.

Louvo todos os esforços do anterior governo para estabelecer a não reciprocidade, e louvo igualmente o actual governo pela insistencia para manter esse mesmo regimen.

Lembro ao governo que a questão da pesca é importantissima para todo o nosso paiz; não prende unicamente com o Algarve, como me pareceu que o sr. ministro dos negocios estrangeiros tinha dado a entender. Tivemos umas questões gravissimas no Minho entre pescadores portuguezes e hespanhoes, e tivemos um conflicto ainda mais grave, para que chamo toda a attenção do governo, e é o que se suscitou entre os pescadores de Villa Real de Santo Antonio e os da ilha Christina, conflicto, que deu logar a reclamações por parte do governo hespanhol e, finalmente, a uma indemnisação que nos vimos obrigados a pagar.

É preciso, portanto, que nos convénios regulamentares de pesca sejamos cautelosos e que não se perca de todo no esquecimento a lição da historia.

O sr. Visconde de Moreira de Rey: - Quando pedi a palavra, não julgava que se tratasse da pesca, nem da convenção com a Hespanha, assumptos a respeito dos

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quaes o sr. ministro dos negocios estrangeiros acaba de fazer declarações tão explicitas. Mas, como se trata d'estas questões, peço licença a v. exa. para dizer ao governo que eu temo de todos os tratados, de todas as prorogações de convenções com a nação vizinha. Seria muito prudente adoptar um systema que nos evitasse toda a possibilidade de reclamações e complicações.

Creio, sr. presidente, que não é este governo que ha de conseguil-o, nem sei ainda qual será; creio que as nossas negociações com a Hespanha devem versar principalmente sobre uma combinação de pautas, estabelecendo a maxima liberdade entre os dois paizes, que é o que exigem esta affinidade de raças e as relações de vizinhos tão proximos.

E passo a outro assumpto.

Peço a v. exa. o favor de me declarar se tem tido algum andamento o processo contra um deputado, e que foi ha tempo remettido a esta camará?

(S. exa. não reviu.)

O sr. Presidente: - Ao entrar hoje na sala, foi-me apresentado pelo advogado do sr. deputado Ferreira de Almeida a contrariedade ao libello accusatorio com o respectivo duplicado, o que tudo foi mandado para a secretaria da camara para se lavrarem os competentes termos do processo.

O sr. Visconde de Moreira de Rey: - Estou plenamente satisfeito, e agradeço a explicação que v. exa. acaba de dar.

Vinha com uma desagradavel impressão a este respeito, porque me disseram lá fóra que o processo não tinha andamento, e que a prorogação das côrtes equivalia á prorogação da prisão do deputado.

Mas, pela declaração de v. exa., vê-se felizmente que o processo tem tido andamento, e essa declaração é o desmentido formal ás apprehensões que circulavam no publico. Agradeço de novo a v. exa. a sua informação, e folgo de ter concorrido para o restabelecimento da verdade.

Peço agora a v. exa. o obséquio de consultar a camara sobre se consente que á commissão especial encarregada de confeccionar ò novo regulamento interno d'esta camara, quando se constitua em tribunal de justiça, sejam aggregados os dignos pares Costa Lobo e Vasco Leão.

Esta commissão, como v. exa. sabe, foi nomeada pela mesa, mas eu, para simplificar os trabalhos, tenho a honra de propor que a essa commissão sejam aggregados aquelles dois dignos pares.

Posta á votação, foi esta proposta approvada.

(O orador não reviu.)

O sr. Presidente: - Acaba de ser apresentada á mesa, por uma commissão delegada da associação commercial, uma representação contra a proposta do governo, ácerca do entreposto. Esta representação é impressa e vae ser lida pelo sr. secretario.

Foi lida na mesa.

O sr. Ministro da Fazenda (Marianno de Carvalho): - A associação commercial, antes de apresentar á camara a representação que foi lida na mesa, procurou o governo, representado pelo sr. presidente do conselho, pelo sr. ministro das obras publicas e por mim, para declarar que essa representação não tinha o menor intuito politico e que representava apenas o seu parecer a respeito do assumpto. N'estas circumstancias, peço a v. exa. que consulte a camara sobre se consente que a representação seja publicada no Diario do governo.

O sr. Hintze Ribeiro: - Salvo o devido respeito que eu tenho pelo sr. ministro da fazenda, creio que s. exa. não póde fazer tal indicação, porque não é membro d'esta camara. No emtanto, como eu estou de accordo com o desejo de s. exa., e para regularidade do assumpto, peço a v. exa. que consulte a camara sobre se consente que a representação seja publicada no Diario do governo.

O sr. Ministro da Fazenda: - Entende que podia fazer um requerimento, por parte do governo; mas, deixando de apreciar agora se o governo tem ou não esse direito, limito-me a dizer que o meu collega dos negocios estrangeiros, que é par do reino, se promptifica a perfilhar o meu pedido.

A camara resolveu que a representação fosse publicada no Diario do governo.

O sr. Presidente: - O fim está conseguido.

O sr. Antunes Guerreiro: - Mando para a mesa um documento, que justifica as faltas ás sessões do digno par o sr. visconde de Porto Formoso.

OEDEM DO DIA

Continuação da discussão na generalidade do projecto de lei n.° 13

O sr. Presidente: - Passa-se á ordem do dia. Tem a palavra o digno par o sr. Vaz Preto.

O sr. Vaz Preto: - Sr. presidente, não tinha intenção, nas poucas palavras que vou proferir, tratar e discutir profunda e minuciosamente esta questão; nem mesmo de mostrar e descrever á camara o que, segundo a minha opinião, têem sido e são os bancos emissores na Europa: o que é aquelle de que trata este projecto; o que virá a ser depois de approvado, e o que deveria ser para satisfazer aos seus fins, protegendo principalmente nas provincias o commercio e industria, proporcionando-lhes capitães fáceis e baratos. Não é este o meu intuito, pois sei que, por maiores que fossem os meus esforços, por mais circumstanciado que fosse o exame que fizesse, e conscienciosa a minha apreciação, tudo seria inutil ante esta maioria que vota ás cegas quantas auctorisações o governo lhe pede. Se algum digno par tem a audacia, para tranquillisar o seu espirito, de arrastar com este calor suffocante, e de demorar-se nas considerações que fizer um pouco mais, ella obriga o logo a calar-se, votando-lhe uma prorogação de sessão.

Não é, pois, o meu intuito nem esclarecer a camara, nem fatigar-me. O meu intuito é outro.

O meu fim é, em largos traços, justificar o meu voto e dos meus amigos, e conjunctamente levantar as palavras do sr. ministro da fazenda, pronunciadas na ultima sessão. S. exa. estranhou á opposição d'esta camara o ter votado auctorisações mais largas, e de maior valor, quasi sem lhe merecerem reparo.

Sr. presidente, não acceito a censura do sr. Marianno. Não admitto, tão pouco, que s. exa. a possa fazer em relação a mini, e aos meus amigos.

Pela minha parte devo declarar que tenho votado contra todas essas auctorisações que o governo tem pedido. Não tenho hesitado um só momento em dar o meu voto contra as propostas do governo.

Sr. presidente, eu reprovo em geral e em principio todas as auctorisações. Entendo que só excepcionalmente se devem conceder em circumstancias especiaes e urgentes, quando a camara não pôde, com a brevidade possivel, satisfazer ao serviço que precisa reformar-se, alterar-se, ou regular-se. As auctorisações concedidas são uma confissão tacita dos parlamentos da sua incapacidade, é a delegação de uma attribuição que a constituição lhes confere.

Sendo tudo isto assim, os governos, reconhecendo a docilidade das suas maiorias, abusam quasi sempre d'estas auctorisações que consideram para todos os effeitos no sentido mais lato, e tarde ou nunca dão conta ás côrtes do uso que fizeram d'ellas, e se dão, as côrtes, sem examinar o modo como foi exercida, dão tudo por bem feito.

Ora, como eu não tenho confiança n'este ministerio e estou convicto das rasões que acabo de expor, não lhe votarei auctorisação alguma, ainda a mais simples; e a mais innocente. Portanto, a censura do sr. Marianno de Carvalho, não tem cabimento pelo que me respeita.

Diz s. exa. que nós, opposição, temos escrupulos de lhe

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votar a auctorisação que se pede n'este projecto, e que não tivemos escrupulo de lhe votar outra mais lata, que se pedia para a reforma da contribuição industrial; que a opposição não só votou, mas nem sequer fallou!

Esta asserção é simplesmente inexacta.

Eu votei contra, sem fazer discurso para combater essa uctorisação, e sabe a camara a rasão por que? Porque me pareceu que o modo por que estão correndo as discussões n'esta casa não é serio; Eu exponho á camara como se passaram os factos. Estava em discussão o projecto de contribuição sumptuaria, que eu impugnei, e bem assim o systema adoptado pelo sr. ministro. Apresentei áquelle-projecto differentes modificações, contava discutil-o largamente e combater a doutrina què me parecia má, e que a meu ver dava resultados negativos. Estavam inscriptos outros dignos pares, e não obstante, no outro dia, apenas, abriu a sessão, ainda não eram tres horas quando entrei, e como por encanto achei tudo votado;

Entraram outros projectos em discussão e entre elles o da contribuição industrial, e eu limitei-me a votar contra, visto a convicção que tinha de que a maioria queria approvar tudo e não ouvir rasões convincentes.

Parece-me que pela exposição simples e clara que acabo de fazer, a camara reconhecerá que as arguições do sr. ministro são mal fundadas, pelo menos quanto a mim, que s. exa. conhece já de longa data, e sabe perfeitamente que em certos pontos sou intransigente.

Dadas estas explicações, e ditas as rasões por que em principio, e em geral, voto contra todas as auctorisações, vou explicar tambem os motivos por que voto contra esta, e bem assim aquelles em que assento o meu voto. Sem pretensões a fazer discurso, em rapidas e singellas considerações, direi á camara o meu modo de ver sobre o assumpto.

Sr. presidente, este projecto contem em si differentes auctorisações. Não é uma só que o governo pede são differentes. A do § 2.° não se explica nem sei como aqui foi introduzida. Eu voto contra todas.

O meu voto ficaria completamente justificado declarando simplesmente que eu não tenho a mais minima confiança no governo. Mas não é esta só a rasão, ha outros motivos que influiram e determinaram o meu animo. Esses nascem da natureza do assumpto que deve ser considerado em relação ao nosso pequeno paiz, e ás circumstancias e condições em que elle se acha. Não basta o que se passa n'ou-tros paizes, é necessario discriminar bem as condições de cada um, e as differenças que existem e o meio em que se vive. Eu entendo que nos paizes pequenos e pobres como o nosso, os bancos emissores não podem prosperar, nem dar os resultados que dão nos paizes poderosos e que têem grandes riquezas.

N'um paiz como o nosso, assoberbado por una deficit enorme, por uma divida fluctuante crescente, n'um paiz que vive do credito e em que os bancos estão ligados com os governos, o mais leve abalo a mais minima perturbação nos negocios europeus, faz-se logo sentir. entre nós com o seu cortejo de desgraças.

Este banco emissor deve conservar em deposito muitas fortunas do paiz, fazer muitas e variadas operações em conformidade com os seus estatutos. Tem contratos com o governo e com elle está intimamente ligado, portanto O abalo que soffrer ha de ser muito maior e repercutir-se era todo o paiz.

Eu receio muito que o mal venha a succeder um dia, ou, peior ainda do que succedeu em 1846 com é banco de Lisboa.

N'um paiz em que não ha déficit ou pelo menos em que o credito repousa sobre grandes riquezas, comprehendem-se bem as vantagens de um banco emissor. N'um paiz grande e rico os bancos emissores podem realisar as Vantagens progressos e melhoramentos que a theoria indica; mas num paiz pequeno como o nosso, pobre e mal administrado, em que todos os estabelecimentos bancarios estio mais ou menos ligados e dependentes do governo, (sirva de exemplo a crise de 1876) a ponto de todos os capitães que apuram serem collocados immediatamente na divida publica os desastres são provaveis e fun'estas consequencias. N'um paiz assim, o banco emissor, em logar de um bem póde ser uma grande calamidade. Deus afaste para longe de nós qualquer abalo europeu! Pois se elle vier, reflectir-se-ha immediatamente no nosso paiz, e não se admirem se ao banco emissor e ao paiz acontecer peior do que aconteceu ao banco de Lisboa em 1846.

Como a camara toda sabe, aquella epocha era um pouco revolucionaria, e o povo portuguez, que ainda tinha crenças e acreditava no systema liberal, ao mais leve impulso expandia o seu enthusiasmo e a sua indignação. Todos conhecem a revolução chamada da Maria da Fonte. O credito ressentiu-se logo, o banco de Lisboa não resistiu ás primeiras corridas, e desde esse dia as notas por elle emittidas perderam de valor a ponto de ninguem as querer acceitar; desceram a um preço baixo, já ninguem as queria por metade do seu valor, e todas as transacções que se faziam envolviam logo a condição de serem satisfeitas em metal sonante. Mesmo nas transacções de todos os dias, quando se entrava n'uma loja para se comprar qualquer objecto, o caixeiro perguntava logo se se pagava com dinheiro de contado ou em notas, porque assim o genero tinha differente preço.

Esta crise que se tornou bastante grave, deu em resultado grandes perdas para os depositantes do banco.

Cada um perdeu conforme a epocha em que retiraram os, depositos. Uns perderam ametade da fortuna, outros a terça parte, de fórma que familias ricas, e abastadas algumas, caíram na desgraça e na miseria, e outras apenas ficaram com o estrictamente necessario.

As circumstancias agora são muito peiores do que n'aquella epocha; a nossa divida tem crescido collossalmente, o deficit acclimatou-se de tal fórma que já parece planta indigena, e as fontes de receita vão-se exhaurindo; n'esta conjunctura, se houver qualquer crise temerosa na Europa, ha de immediatamente reflectir-se entre nós, e o seu abalo deve ser ingente e temeroso, e eu receio muito que n'essa occasião o banco emissor tenha a luctar com maiores difficuldades do que luctou em 1846 o banco de Lisboa. O que eu receio é que as cousas se aggravem de fórma que o banco emissor e o governo tenham de recorrer aos extremos. N'essa occasião o banco emissor em logar de ser um bem torna-se uma calamidade, que póde arrastar o paiz á bancarrota.

O governo ha de ver-se na necessidade de dar ás notas o curso forçado, e assim teremos outra vez o papel moeda n'umas circumstancias difficeis e desgraçadas.

Eu receio que o que se deu em França com o systema de Law, se de em Portugal com o estabelecimento do banco emissor.

Sr. presidente, eu detesto o papel moeda, e entendo que só convem para os paizes ricos e poderosos, que podem com facilidade trocal-o por numerario. N'esses paizes comprehende-se como meio de facilitar operações commerciaes, mas nos paizes pequenos que têem abusado do credito, e que delle vivem, é uma calamidade que póde dar resultados mais sinistros do que deu a doutrina de Law em França.

Se o banco emissor, não tivesse operações com o governo e podesse em qualquer crise ou abalo pagar immediatamente as notas emittidas, n'esse caso seria util.

Mas nas condições em que elle é creado duvido.

Eu não quero que o desastre que se me afigura mais ou menos remoto venha a ser realidade no nosso paiz e por isso voto contra o projecto.

Sr. presidente, se esta é uma rasão preponderante considerando o projecto sob um ponto de vista de maior alcance, nem por isso deixo de ter muitas outras, considerando o projecto nas suas bases. Essas são de me-

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nos peso, e posto que eu não queira discutir o projecto minuciosamente sempre notarei de passagem alguns pontos que me feriram, e cuja modificação eu proporia, se não soubesse que qualquer discussão que a opposição tenha a este respeito, é inutil, porque o projecto já está approvado de antemão pela maioria.

Sr. presidente, eu digo a v. exa. e á camara que me parece que não tem justificação possivel a sobretaxa de 2 por cento permittida n'uma das bases para o banco levar numerario ás provincias. Uma das vantagens que deveria advir deste novo banco era que elle podesse levar dinheiro ás provincias em boas condições e barato a fim de que esse dinheiro aproveitasse ao commercio, á industria e mesmo á agricultura.

Permitte-se ao banco emprestar dinheiro sobre penhores, descontar, comprar e vender letras, etc., mas não se permitte emprestar com hypotheca sobre propriedades.

Eu sei a resposta que me hão de dar, que não é da natureza d'estes bancos fazerem emprestimos sobre hypothecas. Seja, pois, assim mas arrangem um modo qualquer de fazer operações que aproveitem á propriedade. Eu não quero bancos com privilegios do estado só para proveito dos accionistas. Pela fórma que este banco está organisado, a agricultura não póde contar com os capitães que o banco lhe podia fornecer, embora a agricultura seja uma industria applicada á terra.

A agricultura fica excluida das vantagens do banco, continuará a viver n1 uma situação precaria, por não ter capitães baratos, porque este banco só favorecer outras industrias e o commercio.

Sr. presidente, eu não quero bancos só para os accionistas, quero-os principalmente para o paiz, visto os governos darem-lhes protecção e soccorrel-os nas crises.

Sr. presidente, por este projecto o banco em Lisboa e Porto, se elevar a taxa de 5 por cento até 6 por cento, divide entre si e o governo este augmento; se passar de 6 por cento, o lucro será todo para o governo.

Está claro que nunca passará de 6 por cento a taxa, visto o banco com isso nada lucrar.

Para as provincias fez o projecto uma excepção, pois admitte poder elevar a taxa dois pontos, sendo todo o lucro para o banco. A rasão que o sr. ministro da fazenda deu sobre este inconveniente não se póde admittir. S. exa. disse que a rasão justificativa por que se eleva a taxa nas provincias é porque ha dificuldade em organisar lá as caixas filiaes, transportar para lá o numerario e habituar os povos ás transacções.

Tudo isso póde succeder no principio, quando ainda não estejam estabelecidas as caixas filiaes, mas depois de estabelecidas, de organisado o serviço, dentro de dois, tres, quatro e cinco annos de existencia, tudo entrará no curso regular. Depois de passado o periodo de ensaio e de ensino, que assim se lhe póde chamar, o regimen devia ser igual ao que está estabelecido para Lisboa e Porto.

Concordava que o governo por alguns annos d'esse ao banco a vantagem de elevar a sobretaxa dois pontos, mas, passado esse periodo provisorio desde que o serviço se tornasse regular, entendia que o governo devia ter principalmente em vista levar ás provincias capitães baratos. Dizer-se que as provincias não têem habitos de commercio é um absurdo. O que ellas não teem é transacções em grande escala por haver pouco numerario e muito caro.

Por consequencia, o que o governo favorece n'esta parte é principalmente o banco, e não o paiz, nem a agricultura.

Sr. presidente, se pozermos n'uma concha da balança as vantagens d'este projecto, e na outra concha as desvantagens, tornar-se-ía logo bem sensivel a differença para o lado dos inconvenientes. Não são, pois, só estas as rasões por que eu voto contra.

A rasão principal por que eu voto contra esta auctorisação, que influe poderosamente no meu espirito e me determina, é o receio que tenho de poder entrar em tudo isto um syndicato, é o receio que tenho de que este banco possa cair no poder de um syndicato, que não só olhe á alta finança, mas que tenha intuitos politicos, como muito bem disse o digno par o sr. Hintze Ribeiro.

Sr. presidente, esta é a rasão poderosa que me determina. Basta ter entrado no meu espirito a idéa de ser possivel este banco tornar-se uma instituição para qualquer syndicato explorar em proveito seu, para eu votar contra;

Eu sou contrario aos syndicatos, porque elles estão influindo de uma maneira perigosa na politica portugueza. Elles vão relaxando os costumes a ponto de chamarem para o seu gremio os homens politicos de todas as procedencias para explorarem o paiz em favor dos seus interesses.

Eu estou bem ao facto de que os syndicatos são associações, agremiações, sociedades, como lhe quizerem chamar, e, que sempre existiram e em todos os tempos, mas sei tambem que os syndicatos modernos, representando grandes companhias, para fazerem valer melhor os interesses dessas companhias, têem chamado a si os homens politicos, e é isso que eu considero uma grande calamidade, porque para serem bons directores hão de ser maus politicos e péssimos ministros.

Diz o sr. Mariano de Carvalho que os syndicatos não são maus, nem os teme, quando elles estão no logar que lhes pertence. Mas como eu tenho visto que elles são poderosos e procuram assoberbar tudo; mas como eu tenho visto que elles são poderosos e querem mandar, em logar de serem mandados; mas como eu tenho visto que elles já obrigaram o sr. ministro da fazenda a renegar e abdicar os seus principios economicos, eu receio os syndicatos e não quero esta arma poderosa na sua mão.

O sr. Marianno de Carvalho, como todos sabem, tinha principios de economia e de boa administração; queria o porto de Lisboa feito com o rendimento que lhe estava votado, feito economicamente e a pouco e pouco; entendia que não se podia organisar a fazenda publica sem estricta economia, que as concessões deviam ser feitas por concurso. Estes eram os seus principios, mas depois que os syndicatos influiram n'elle, fugiram espavoridos, e agora quer as obras do porto de Lisboa, em grande escala, e quer o caminho é ferro de Cascaes sem concurso, e quantos caminhos de ferro imaginaveis e possiveis; e não contente com isto, inventa o entreposto, invenção que ha de custar milhares de contos ao paiz, para interesse do syndicato.

O sr. Marianno bem sabe que o entreposto, que dá vida e valor ao caminho de ferro de Cascaes, não ha de realisar-se sem se gastar n'elle milhares e milhares de contos de réis, e tudo isto quando se tratava de organisar a fazenda publica, promettendo s. exa. acabar com o deficit!!! Isto quer dizer que as novas theorias, proclamadas no publico pelo syndicato, influiram por tal fórma no sr. ministro da fazenda, que o converteram a ponto de abandonar as suas doutrinas economicas e credo politico.

Sr. presidente, eu sinto que o syndicato obrigasse o sr. ministro a não cumprir a sua palavra, pois homens politicos, e principalmente os que occupam as cadeiras de ministros, desprestigiam-se quando não honram os seus compromissos.

Eu quizera que o sr. ministro fosse coherente, e se desempenhasse da sua promessa. S. exa. prometteu acabar com o déficit e fazer economias. Nem uma cousa nem outra fez. O deficit cresceu e as despezas augmentaram.

Em França, Rouvier, o presidente da commissão do orçamento, fez caír o gabinete Goblet, pela necessidade de fazer reducções e extinguir o deficit; substituiu-o, e a primeira cousa que fez foram economias, e de tal ordem que deram o resultado que elle indicava ao seu antecessor. Isto entende-se. Rouvier subiu ao poder e poz immediatamente em pratica a sua theoria e doutrina e realisou as suas as-severações, Fez reducções na importancia de uns poucos

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de milhões de francos, que lhe deram em resultado a extincção do deficit, e um saldo positivo.

Isto foi o que fez o sr. ministro da fazenda em França,. Em Portugal, porém, o sr. ministro da fazenda está fazendo exactamente o contrario, e, em vez de economias, tem creado novas e importantissimas despezas.

Os syndicatos são um estorvo grande á extincção do déficit. Os syndicatos são antinomicos com as economias e reducções, porque desejando obras em grande escala, exigem as despezas correlativas a esses melhoramentos,

O sr. ministro das obras publicas, que é ainda mais apologista dos syndicatos, que parece ler por elles verdadeira paixão, disse ainda ha pouco, n'uma das sessões n'esta camara, que os syndicatos eram bons, valiosos e prestantes, em quanto não passassem do rez-du-chaussée e não subissem ao andar nobre. Será assim, mas o facto é que os syndicatos, com relação a este sr. ministro, não têem cerimonia, tratam-o com demasiada confiança. Sobem para o primeiro andar e deixam-o no rez-du-chaussée.

Estas minhas asserções não são gratuitas. Firmam-se em factos, são elles que as provam á evidencia. Senão vejâmos.

Ha tempos, o sr. ministro das obras publicas espontanea e livremente expediu duas portarias a respeito dos estudos do caminho de ferro da Beira Baixa; estabelecia terminantemente á companhia que se cingisse ao traçado mais eu to, fazendo um tunnel na serra da Grardunha, em valle derPrazeres, para não haver perda de tempo. Estas portarias foram expedidas, intimando terminantemente a companhia a que não apresentasse outros estudos, que por forma alguma lhe seriam approvados. Era tão firme e tão inabalavel a vontade e a resolução do sr. ministro das obras publicas, que, n'este ponto, até dispensava o parecei do junta consultiva!

Pois, sr. presidente, essas portarias mais tarde desappareceram, o sr. ministro tinha-as engulido com a mesma facilidade com que as publicou, nem sequrer se lembrou que a sua dignidade e brio ficavam compromettidos.

Pedi-lhe explicações sobre similhante facto, pouco regular e tão inexplicavel; quiz lançar poeira aos olhos da camara e do publico, sustentando a nova directriz, por elle condemnada de antemão, e mostrar que ella trazia comsigo altas vantagens para a Covilhã. Por mais que eu lhe mostrasse o absurdo das suas considerações, entrincheirava-se sempre atrás da Covilhã e do caminho de ferro seguir a margem direita do Tejo e não saia d'aqui.

Eu vi então que havia alguma cousa imperiosa e occulta em toda esta farçada, fil-o sentir á camara, e não me enganei. A imprensa publicou poucos dias depois a historia d'essa negociata, que é a seguinte:

A companhia concessionaria do caminho de ferro da Beira Baixa tratou com o syndicato a construcção do caminho de ferro da Beira mediante uma certa e determinada quantia, com a condição expressa de dar, alem d'aquella quantia, 600:000$000 réis áquelle celebre syndicato, de acções, que expulsou os francezes da direcção da linha de norte e leste.

O syndicato de construcção vendo que com o tunnel na Gardunha não ganhava bastante para pagar aquella somma, declarou que não começava a obra, e não despendia um real emquanto não lhe modificassem a directriz, de fórma, que elle ganhasse e podesse pagar os 600:000$000 réis ao outro syndicato!

O caso era grave, seria a exigencia, porque a honra e dignidade do ministro iriam pela agua abaixo se reconsiderasse. Não obstante, a directriz foi modificada, o sr. Emygdio Navarro enguliu as famosas portarias e o syndicato ganhou os 600:000$000 réis.

Subiu para o primeiro andar para o andar nobre a saborear o seu triumpho e deixou o sr. ministro das obras publicas no rez-du-chausée a afagar as suas famosas portarias que tinham voltado á casa paterna!!!

Sr. presidente, sinto que não esteja presente o sr. ministro das obras publicas, aliás explicaria mais circumstanciadamente este negocio. Mas como está o sr. ministro da fazenda, a quem peço para lhe transmittir as minhas observações, não teve duvida de me referir a factos que s. exa. poderia contestar se não fossem verdadeiros. Eu voto contra todas as auctorisações pedidas por este governo, e principalmente contra a auctorisação do § 2.° do artigo 1.° d'este projecto, em que o governo pede auctorisação para negociar com os bancos do Porto a cedencia do privilegio da emissão de notas. Deixa ver a redacção do § 2.° a sua inutilidade, pois diz o sr. ministro da fazenda que se saír fóra da esphera da sua actividade na realisação de qualquer accordo com os bancos o trará á camara.

Se assim é, se nós não damos auctorisação ao ministro que dispense o nosso exame ao novo contrato, segue-se que este paragrapho é desnecessario, porque todos sabem que o governo póde fazer todos os accordos, negociações, operações e contratos que estejam dentro da sua esphera de acção e que desde o momento em que fizer algum fóra das suas faculdades, ha de forçosamente recorrer ao parlamento para o discutir, examinar e approvar.

Por este motivo acho que este paragrapho não tem ra-são de ser.

Alem d'isto, sr. presidente, eu entendo que os bancos do Porto não têem, na realidade, direito a indemnisação alguma.

A faculdade da emissão de notas foi-lhe concedida por titulo gratuito e não por titulo oneroso; logo, é um favor que deixa de existir pela vontade de quem o fez; logo, é um favor, e quem recebe esse favor não tem direito a conserval-o desde o momento que assim o queira a entidade que o concedeu.

Portanto, os bancos do Porto não têem direito a indemnisação alguma.

Ninguem concede favores até á consummação dos seculos, e muito menos com o direito concedido aos que o receberam de pedirem indemnisações. O estado podia conceder ou deixar de conceder áquelle favor. Ainda que o não declarasse, subentende-se que áquelle favor duraria emquanto o estado assina o quizesse.

Mas o estado declarou-o, e precisamente. A lei de 14 de abril de 1874 diz assim:

"Artigo 3.° O privilegio e faculdade da emissão das notas não poderá ser retirado ao banco do Portugal nem aos mais estabelecimentos a que haja sido, ou de futuro for, concedido senão por disposição da lei que regule de outro modo a circulação fiduciaria."

Aqui está bem expressa a condição. Este é o caso a que se refere o artigo que tem applicação para a hypothese sujeita. O governo regulou por outro modo a circulação fiduciaria e pôde, em virtude do seu direito, tirar aos bancos a faculdade de emittir notas, que lhes concedeu condicionalmente. Logo, os bancos do Porto, ou quaesquer outros estabelecimentos, que tivessem a faculdade de emittir notas, não têem direito a indemnisação alguma.

Eu ouvi na discussão deste projecto, tanto n'esta como na outra casa do parlamento, que o pensamento do governo era indemnisar os bancos do Porto pela perda que tinham tido com o caminho de ferro de Salamanca.

Uma similhante declaração pela parte do governo, sr. presidente, surprehendeu-me. Ella quer dizer que o governo pensou burlar e illudir o paiz.

Pois o que têem os negocios de Salamanca com o banco emissor?

Os assumptos não são de natureza inteiramente diversa?

O governo póde fazer desses negocios ou negociatas quantos accordos quizer e trazel-os depois á camara?

Se assim é, para que vem aqui este paragrapho completamente deslocado?

Eu gosto que estes assumptos sejam tratados com muita clareza e minuciosidade. Se o paragrapho não tem, pois,

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relação com o banco emissor, não ha rasão alguma para o não eliminar.

Admira-me e surprehende-me este cuidado que o governo progressista tem hoje pelos bancos do Porto!

Surprehende-me a dor que o governo sente por elles agora, quando n'outro tempo o partido progressista, a meu lado, combatia a especulação de Salamanca e não lhe importava que os bancos quebrassem!

Sr. presidente, então n'aquella epocha o partido progressista não lhe importava que os bancos estivessem compromettidos nas negociatas de Salamanca. Agora já lhe importa e julga-se solidario com elles, a ponto de illudir o parlamento e o paiz para lhe arranjar uma indemnisação pelas perdas!!!

Isto é admiravel!

Não o sei explicar, mas deve ter a sua explicação n'alguma rasão occulta.

Eu combati então o mais que pude aquelle arranjo, por entender que era anti-patriotico o subsidiar a construcção de caminhos de ferro em paiz estrangeiro, em territorio que foi regado com sangue portuguez. Combati então as especulações inconvenientes d'aquelles bancos, assim, como combato hoje as suas revoltantes pretensões.

Eu combati n'aquella epocha os bancos do Porto por entrarem em especulações que não lhes eram permittidas pelos seus estatutos, e combato-os hoje por terem a audaciosa pertensão de imaginarem que o estado deve reparar-lhes os prejuizos devidos aos seus erros e desacertos.

N'estas circumstancias, sr. presidente, eu entendo que o estado não tem obrigação alguma de indemnisar os bancos por lhe haver falhado uma operação prohibida nos estatutos, e se a tem, então tambem tem obrigação de soccorrer todas as outras classes que se virem atrapalhadas nos seus negocios.

O beneficio e protecção do estado é para todas as classes, para todas as associações, para todos os cidadãos, quer em collectividade, quer isolados, quando contratempos de força maior ou desgraças exigem essa protecção.

Não é, porém, para auxiliar especulações illegaes e favorecer interesses illicitos. Isto não póde admittir-se e esta auctorisação não póde ser dada por fórma alguma ao governo, porque demais a mais ella envolve uma especie do mysterio qual é o de passar das mãos do governo para as de uma companhia, o caminho de ferro do Minho e Douro sem sabermos como nem por que fórma se ha de fazer essa operação, lucrativa sem duvida para alguem, mas não para o estado.

Bastava só esta rasão para votar contra este projecto, porque eu não desejo por forma alguma que as companhias poderosas tenham na sua mão todos os nossos caminhos de ferro, antes pelo contrario, o que eu desejo é que elles estejam na mão do governo, e aquelles que ainda não estão que sejam resgatados.

Nos paizes pequenos como o nosso e a Bélgica os caminhos de ferro devem estar na mão do estado. Não convem que uma força tão poderosa esteja em mãos estranhas.

Se procedessemos assim os nossos politicos importantes não estariam directores de companhias, entregando se de todo aquelles negocios, esquecendo-se do estado. Isto conduz á mais perfeita e completa desmoralisação.

Os negocios das companhias são, pôde-se talvez dizer, antinomicos como os do estado.

As companhias querem lucros em grande escala, interesses subidos, e o estado carece de boa administração e de muita economia. O estado quer que as companhias aufiram os lucros rascaveis e devidos, mas que não se locupletem á custa d'elle. Sendo assim não se póde ser conjunctamente bom director e bom ministro. Os interesses do estado são oppostos aos das companhias, portanto, o director que é ministro, ha de forçosamente atraiçoar ou o estado ou a companhia.

Isto é claro.

Para evitar, pois, estas scenas de immoralidade e de corrupção é que entendo que os poderes publicos devem estigmatisar este systema.

Sr. presidente, os homens publicos devem ser como a mulher de Cesar, devem ter muito cuidado em não deixar transparecer no publico as suas fraquezas e faltas.

Tenho dito.

O sr. Augusto José da Cunha (relator do projecto): - Entende que elle não fôra verdadeiramente atacado, nem pelo orador que iniciara o debate, nem por aquelle que acabava de fallar.

A par disto, o sr. ministro da fazenda respondêra tão cabal e proficientemente aos seus contradictores que, por muito que elle, orador, rebusque agora, acaso se lhe depara objecção que esteja ainda de pé.

Que, entretanto, não podia deixar sem resposta o facto de terem affirmado os srs. Hintze Ribeiro e Vaz Preto que se arreceiavam do banco emissor, por ser uma grande força.

Julga este argumento de maneira frouxo que, se o sujeitássemos á pedra de toque da lei das progressões, nos devera resultar igual receio para com todas as grandes forcas que o progresso humano tem inventado, taes como o vapor, a electricidade e até mesmo o exercito; que mal dirigido nos póde ser funesto. .

Nota que, havendo quem ainda se pronuncie pelo principio da liberdade e pluralidade dos bancos, ou quem antes lhe prefira o da unidade e privilegio, felizmente succedia que em geral os parlamentos e governos illustrados se manifestavam pela unidade de emissão.

Refere-se á sobretaxa para as provincias e reputa-a bem cabida, por ser uma justa compensação das incertezas e contingencias que em maior numero ahi póde ter qualquer transacção.

Rebate por ultimo os argumentos do digno par o sr. Vaz Preto, contra a disposição do projecto, que não permitte ao banco emissor effectuar com a agricultura qualquer emprestimo sobre a propriedade, faz ainda mais algumas ponderações, e conclue por exaltar os serviços do sr. ministro da fazenda, de cujos merecimentos muito havia a esperar.

(O discurso de s. exa. será publicado na integra, quando haja revisto as notas tachygraphicas.)

O sr. Presidente: - Tem a palavra o digno par o sr. Antonio de Serpa.

O sr. Antonio de Serpa: - Não tenho necessidade de dizer agora que hei de ser breve, como disse a proposito de outro assumpto que aqui se discutiu, porque o digno par e meu amigo o sr. Hintze Ribeiro tratou todos os pontos do projecto tão minuciosa e cabalmente, que pouco ha já que discutir.

Alem d'isto, o digno par começou por tratar um assumpto, que apenas tem uma ligação, por assim dizer, moral e de tendencia com o projecto que se discute, e que eu me absterei de tratar.

Refiro-me aos syndicatos. O digno par tratou este assumpto com tanta delicadeza, com tanto tacto, com tanta ligeireza, na boa accepção da palavra, que não póde ser excedido.

O digno par fez-me lembrar aquelles habilissimos cirurgiões que fazem as suas operações de uma maneira tão delicada, que ò paciente quasi que não sente os dedos do operador, e no emtanto, a operação fica feita e bem feita. Não tenho esta habilidade, e por isso não fallarei dos syndicatos.

Tratarei propriamente do assumpto que nos é apresentado, e permitia-me o meu antigo collega e amigo o sr. relator do projecto, que eu estranhe que elle viesse pôr aqui a questão de confiança politica.

O meu antigo collega e amigo estranhou um pouco que o sr. Hintze fizesse ver no banco que se pretende crear um perigo, porque o considerava uma grande força, e que

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portanto podia sei uma grande arma nas mãos do governo.

A este respeito disse o sr. relator que quem tinha confiança no governo approvava o projecto, quem a não tinha, rejeitava-o.

Não me parece que se deva nunca pôr a questão de confiança n'estas importantes questões economicas.

Sr. presidente, o projecto tem tres disposições que são as principaes, e todas as quaes eu acceito; divergindo, porém, sobre algumas disposições complementares, e estranhas até ao assumpto principal.

A principal disposição é a que estabelece a unidade de circulação fiduciaria, dando a um banco o exclusivo d'esta emissão. Quasi que não poderia deixar de approvar este pensamento, por ter, como ministro da Fazenda, apresentado uma proposta similhante sobre circulação fiduciaria. Digo quasi, porque poderia ter com o tempo e a experiencia de outros paizes mudado de opinião, mas não mudei.

Entendia e entendo que uma larga circulação fiduciaria é de grande vantagem, e entendo que a maneira de a obter é a unidade da emissão.

Esta unidade póde obter-se sem dar o exclusivo a um só banco, que é systema seguido nos Estados tinidos.

Mas eu entendo que nas nossas circumstancias e preferivel o systema mais usado na Europa, o de um só banco emissor.

Este systema está no projecto; por consequencia já n'esta parte eu estou de accordo.

O segundo ponto é o que estabelece que o banco seja a caixa ou o caixeiro do estado.

O governo todos os dias tem muito que pagar e muito que receber, e d'aqui resulta que necessariamente todos os dias tem nos seus cofres uma somma que a commissão de fazenda da camara dos senhores deputados calculou, termo medio, em 1.800:000$000 réis.

Eu supponho que seja mais, e ha de vir a ser mais. Em todo o caso é sempre uma somma muito consideravel.

Esta somma era até hoje improductiva.

Passando este saldo, assim como as funcções da caixa, para o banco, o estado recebe juros por esta somma na rasão de 3 por cento ao anno. Ora isto é uma Vantagem incontestavel.

Alem d'isso ficando O governo livre do serviço de pagar e receber, deixa de ter certas despezas inherentes a este serviço, alem das despezas com a, transferencia de fundos, a despesa com o vencimento de alguns empregados.

A terceira disposição importante é o, contrato para o pagamento das classes inactivas, o que tambem approvo, posto que me não enthusiasme com esta operação, que é apenas um emprestimo.

Mas approvo o, porque o encargo é regular e sobretudo por causa do artigo que permitte ao governo, liquidar a operação, quando lhe aprouver, isto é, quando entenda que póde fazer outra em melhores condições.

O sr. ministro da fazenda teve o cuidado de nos dizer que as operações anteriores d'esta natureza feitas por outros governos tinham sido mais caras. E assim é. A ultima foi feita com o juro de 6 por cento.

Esta não tem juro fixo, masvariavel, segundo o preço dos fundos.

No momento actual, ou com a actual cotação dos fundos, o juro seria, pouco mais ou menos, de 51 1/2 por cento.

O sr. Ministro da Fazenda: - Actualmente é de 5 1/4 .

O Orador: - É verdade. A ultima operação d'este genero foi ao juro fixo de 6, e já anteriormente tinha havido outra a 7.

Isto explica-se perfeitamente.

Quando se fez o primeiro contrato as circumstancias financeiras eram difficeis.

Quando os fundos estavam pouco acima de 40, não era facil fazer uma operação d'estas a menos de 7 por cento de juro.

Mais tarde, em melhores circumstancias financeiras, renovou a operação a 6 por cento, e agora que as circumstancias financeiras ainda são melhores, em que os fundos estão mais elevados, a operação póde ficar a 5 1/4 .

O systema agora proposto differe dos anteriores em que n'aquelles a operação era um pouco aleatoria.

Sendo o juro fixo, era favoravel ao banco se os fundos subiam, mas era favoravel ao governo quando elles desciam.

Pelo systema agora proposto o juro varia segundo o preço dos fundos.

Seria neste momento de 5 1/4 se o contrato já estivesse feito, mas subiria, por exemplo, a 7 1/2 se os fundos descessem a 40.

O systema proposto é mais equitativo porque não tem nada de aleatorio.

Ha apenas um ponto, que me parece inconveniente, mas que está de certo remediado. É o que estabelece, contra os interesses do governo, o limite minimo do juro a 5 por cento, de maneira que, se os fundos forem subindo acima de 60, 65, 70 ou 80 a que corresponda um juro menos de 5 por cento, o estado tem sempre de pagar 5.

Esse inconveniente, porém, está remediado, porque o governo póde, quando quizer, distratar o contrato.

Concordo, pois, com os tres pontos capitães do projecto, e aqui verá o sr. relator da commissão como fez mal em pôr a questão de confiança, porque eu que estou longe de ter, como s. exa. disse de si, uma confiança illimitada no sr. ministro da fazenda, estou de accordo com estes tres pontos capitães, que são a essencia do projecto.

Não concordo, porém, com alguns pontos especiaes. E para não tomar tempo á camara limitar-me-hei a tratar de dois, que eu reputo mais importantes.

Um d'elles é o que diz respeito ao accordo com os bancos do Porto.

Eu não tenho necessidade de fazer a critica d'esse artigo. A critica acerba foi feita pelo proprio sr. ministro da fazenda.

S. exa. disse que aquella disposição não valia de nada, nem servia para nada.

Cumpre advertir que este não era o artigo primitivo, mas o que lhe substituiu a illustre commissão de fazenda da camara dos senhores deputados.

Disse s. exa. que é governo podia fazer um accordo com os bancos do Porto, caso esse accordo não envolvesse materia legislativa, e que, se a envolvesse, havia de o trazer ao parlamento. Para declarar isto, não se precisa de lei.

Isto é escusado dizer-se. Toda a gente o sabe. Esta disposição aqui é perfeitamente inutil.

Mas não acho sómente esta disposição inutil, acho-a prejudicial, porque ella presuppõe que se possa fazer una accordo para indemnisar os bancos de interesses effectivos que deixam de ter, sem que este accordo envolva materia legislativa.

E muito mais perigoso quando se diz que se quer ligar a indemnisação pela cessação da emissão de notas com a indemnisação por causa do contrato de Salamanca. Essa indemnisação ha de ser mais importante.

Eu não posso imaginar como se possa vir a um accordo com os bancos para os indemnisar de importantes damnos que soffrerem, ou de cessação de, lucros que vão soffrer, sem que esse, accordo envolva materia legislativa.

Como é feita então essa compensação?

Em dinheiro? Em outras concessões? Em algum exclusivo previlegio?

Por qualquer d'estas fórmas o governo terá necessariamente de trazer á camara o resultado do accordo, e acho muito perigoso que a lei estabeleça como possivel a hypothese de que póde haver n'este caso um accordo, que não contenha materia legislativa.

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Alem d'isto, ha aqui uma questão, em que é preciso que nos expliquemos bem. É preciso que nós saibamos quaes são as intenções do governo sobre um ponto importante.

Tenciona o governo indemnisar apenas os bancos que têem usado do privilegio da emissão de notas, e de que têem tirado vantagem, ou tambem aquelles que nunca usaram d'esse direito, embora a lei lh'o tenha concedido?

É preciso pois resolver se a indemnisação deve ser só dada aquelles bancos que tenham emittido notas, ou tambem aos que as não emittiram, mas que poderiam usar d'esse privilegio.

Tudo isto ainda mais evidenceia a inutilidade d'este artigo, e a conveniencia da sua substituição por outro que dissesse positivamente que o governo traria á camara qualquer projecto de accordo que houvesse de fazer com os bancos.

O sr. ministro disse a este respeito uma cousa, com a qual eu concordo inteiramente.

Disse que era licito a qualquer ministro entabolar negociações, sem necessidade da auctorisação dos seus collegas ou do conselho de ministros. Compromissos é que não podia tomar sobre assumpto grave sem o assentimento dos seus collegas.

Porém, o que eu me permitte achar um pouco exquisito, e digo exquisito, á falta de outro termo mais proprio, é que um ministro vá negociar ácerca de um assumpto que depende principalmente das attribuições de um dos seus collegas.

Isso tem o inconveniente que já o sr. ministro da fazenda encontrou n'este assumpto de que estamos tratando.

O sr. ministro das obras publicas declarou na camara dos srs. deputados que, emquanto elle fosse ministro das obras publicas não consentiria que a administração do caminho de ferro do Minho e Douro passasse para as mãos de qualquer companhia, e se o sr. ministro da fazenda o tivesse consultado, já não entabolava aquella negociação, pelo menos emquanto aquelle seu collega fosse seu collega. Por isso digo que acho exquisito que o sr. ministro da fazenda entabolasse negociações para aquella transferencia, assim como acharia inconveniente que o sr. ministro das obras publicas entabolasse negociações a respeito das colonias, sem consultar o seu collega da marinha, ou que o sr. ministro da marinha entabolasse negociações com a curia romana para uma concordata sem consultar o sr. ministro dos negocios estrangeiros.

A respeito dos caminhos de ferro, tambem o sr. ministro da fazenda apresentou theorias com as quaes não posso concordar sem restricções.

Disse s. exa., e isto a proposito de dar aos bancos do Porto a administração do- caminho de ferro do Minho e Douro, que os caminhos de ferro, em regra geral, eram mais bem administrados por uma companhia do que pelo estado. Até certo ponto eu estou de accordo que uma companhia administra melhor do que o estado, e é este um facto que se dá em quasi todos os paizes, é não só quando se trata de caminhos de ferro, mas de toda e qualquer exploração industrial, porque podem administrar com mais economia, porque administram de maneira a tirar mais rendimento directo.

Mas o estado precisa de attender a outros fins e a interesses publicos de outra ordem, e não sómente ao lucro directo, quando tem de construir e de explorar um caminho de ferro, interesses que nem sempre estão plenamente de accordo com o interesse immediato e directo de uma companhia exploradora. Por exemplo, o abaixamento das tarifas póde dizer-se que é uma vantagem para as companhias, porque tendem a augmentar o movimento e o rendimento das linhas. Mas isto tem certos limites, porque uma companhia, n'este abaixamento, olha sómente ao seu interesse, e o estado olha não sómente a este interesse directo da exploração, mas ao interesse indirecto do commercio, da industria e da agricultura. O estado, que é muito mais poderoso do que uma companhia, póde sacrificar algumas dezenas de contos, na certeza de que as recuperará indirectamente, ou mais tarde, e uma companhia não póde sacrificar, muitas vezes, o interesse immediato dos accionistas a uma compensação futura, e ás vezes problematica ou longinqua

Os caminhos de ferro do Minho e Douro estão sendo, segundo me consta, administrados muito habilmente, com economia e vantagem do publico.

O sr. ministro da fazenda diz que o caminho de ferro do Minho e Douro está sendo explorado a 56 por cento. Isto é muito. A maior parte das companhias administram por muito menos. Mas quem sabe se explorados por menos, isto é, com mais economia, e dando mais algum producto liquido, o publico não seria peior servido?

Ha ainda outro ponto, sobre a exploração dos caminhos de ferro, com o qual não estou de accordo, senão até certo ponto. Disse o sr. ministro da fazenda que varios caminhos de ferro aggrupados, formando uma só rede, ou ligados todos pela mesma administração, podiam ser explorados muito mais economicamente,, e dar no seu conjuncto uma maior receita. Isto é verdade.

Uma só administração seria de grande vantagem.

Para o demonstrar basta ver que um caminho de ferro de pequena extensão kilometrica, por exemplo, tem os mesmos encargos de administração geral que um caminho de ferro de maior extensão. Logo é certo que haveria uma grande economia se, em logar de tres ou quatro administrações, houvesse uma só. Mas esta regra tem limites bastante restrictos. Se um caminho de ferro atravessar uma região pobre, sem recursos agricolas ou industriaes, e pouco povoada, nunca será um caminho rendoso, ainda que a sua administração seja annexada á administração- de outros caminhos, que com elle entroncam. Agora, se o caminho de ferro atravessa provincias importantes, povoadas e em condições prosperas de agricultura, como, por exemplo, o Minho e Douro, então é uma empreza prospera ainda que não esteja sob a mesma administração de outras linhas ferreas com que está ligado.

O sr. ministro da fazenda fallou-nos nas vantagens de ligar as linhas do Minho e Douro, sob o ponto de vista administrativo e de exploração commum, com os de Salamanca, de Medina e da Beira Alta. Mas não me parece que essas vantagens sejam tão extraordinarias que nos levem a alienar ligeiramente as linhas do Minho e Douro que são productivas e boas, para fazerem parte d'aquelle grupo.

Sr. presidente, ha outro ponto n'este projecto, do qual vou agora occupar-me.

É a auctorisação que o governo pede para reformar como entender o serviço do pagamento da divida publica.

Eu não digo que não seja muito conveniente reformar este serviço, mas queria que o projecto estabelecesse as bases em que havia de ser reformado.

Não queria dar ao governo esta auctorisação amplissima, e tão ampla que por ella se póde supprimir a junta do credito publico.

O sr. ministro da fazenda disse já que não era essa a sua intenção, mas só o facto de se dar, uma auctorisação governo, em virtude da qual elle póde abolir a junta do credito publico para que se lhe dá uma auctorisação amplissima e incondicional.

A junta do credito publico, segundo as intenções manifestadas pelo sr. ministro da fazenda, fica apenas como um elemento da fiscalisação e da escripturação. O serviço do pagamento da divida interna fica a cargo do banco, e a da divida externa a cargo do Comptoir d'escompte ou do estabelecimento financeiro, com que o governo renovou o contrato de março de 1879. Estou perfeitamente de accordo com estas bases, mas queria que ellas viessem na lei.

Por outro lado, feita uma reforma, como esta, em que muitos dos serviços da junta e do ministerio da fazenda

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680 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

passam para o banco, ha de ser possivel diminuir o numero dos empregados, e talvez crear alguns novos, em todo o caso alterar os quadros, as categorias e os vencimentos.

Ora parece-me que não é um bom presente que fazemos ao governo dar-lhe esta auctorisação.

O governo vê-se constantemente cercado de exigencias, de pressões, quando se trata de interesses pessoaes.

Isto é natural. Ora, os governos constitucionaes em geral são fracos. Não digo que o governo constitucional, abrangendo n'esta designação o poder legislativo,1 seja um governo fraco; mas o governo constitucional, referindo-me só ao executivo, é e não póde deixar de ser um governo fraco, e expol o a certas exigencias e pressões inevitaveis, auctorisando-o a fazer favores, mas ao mesmo tempo a fazer descontentes, não se lhe faz um grande serviço.

Pelo contrario, quando a reforma do serviço é feita por uma lei, ninguem tem a queixar-se do governo. São estas as rasões por que não posso votar nem o que se refere ao accordo com os bancos do Porto, nem esta auctorisação ampla para reformar o serviço de pagamento de juros da divida.

Para não cansar a camara, abster-me-hei de discutir outros artigos; mas não quero terminar sem fazer algumas observações, que não têem nada contra o projecto, a respeito da circulação fiduciaria, observações que têem unicamente por fim chamar a attenção do governo para este assumpto, que me parece importante.

O sr. ministro da fazenda disse aqui outro dia que o alargamento da circulação fiduciaria não dependia nem do governo, nem do banco, mas dependia dos particulares, dependia do publico.

Isto é exacto em geral; ha apenas uma ligeira correcção que fazer a este principio; é que pelo projecto as notas têem curso legal, quer dizer, que não obriga, os particulares, mas obriga as estações publicas e os credores do estado a receberem os pagamentos em notas.

(Aparte do sr. Pereira de Miranda.)

Obriga os particulares entre si? Então é curso forçado!

Pois se nós votarmos esta lei, os particulares são obrigados a receber notas como dinheiro? Isso é curso forçado.

O sr. Pereira de Miranda: - Recebem as notas e, querendo, podem trocal-as no banco.

O Orador: - Emquanto o banco trocar.

(Aparte do sr. ministro da fazenda.)

Mais ajuda o meu raciocinio. Então o alargamento, da emissão das notas não depende só dos particulares, depende da lei; se todos são obrigados, a receber notas, está claro que augmenta consideravelmente a circulação fiduciaria.

Os inglezes têem um costume bom, que é? quando fazem uma lei, definirem as palavras nella empregadas.

Seria tambem conveniente que se definisse no projecto o que se deve entender entre nós por curso legal, porque hoje o curso legal das notas do banco de Portugal, isto é, o curso que estas notas têem segundo as nossas leis, é serem obrigatorias para os estabelecimentos do estado, para os cofres publicos, mas não para os particulares.

Até hoje não tem sido possivel ao banco de Portugal alargar a sua circulação fiduciaria alem de 5.000:000$000 réis.

(Aparte do sr. Pereira de Miranda.)

Pois sejam 7.000:000$000 réis.

Eu estou persuadido que uma das rasões que impedem que a circulação não tenha augmentado, e digo isto unicamente para chamar para este ponto a attenção da camara e do governo, encontra-se no nosso systema monetario. O facto de nos servirmos de moeda ingleza, de não termos moeda nossa, faz com que não possamos alargar a circulação das notas.

A mais ligeira alteração de cambios, que faça vantajosa a operação de mandar libras para Inglaterra, é nosso oiro desapparece, e o banco vê-se na necessidade de mandar vir libras de Inglaterra, e esta importação de dinheiro inglez tem sido feita á custa de grandes sacrificios dos accionistas do banco.

Todos os annos o banco de Portugal manda vir de Londres grandes quantidades de libras, e esta importação ha de ser maior, quanto maior for a emissão; e sendo maior a emissão, os especuladores hão de necessariamente ir buscar o oiro á grande reserva do banco, levando-lhe as notas que estiverem em circulação. Quando digo especuladores, não se imagine que quero censurar os individuos que procuram, tirar partido de uma operação fructuosa e legitima, pois que é evidente que se trata de um negocio como qualquer outro.

O que digo, repito, não é n'este ponto uma impugnação do projecto. Tambem não é meu intuito convidar o sr. ministro da fazenda a propor uma alteração no nosso systema, monetario. Mas chamo apenas a attenção para este assumpto.

Os inconvenientes que cito não se dão nas mesmas proporções nas outras nações que têem moeda de oiro sua, com o seu cunho especial e com um toque inferior ao da libra esterlina, como a Hespanha, a França e a Allemanha.

N'estes paizes, em dadas circumstancias, tambem ás vezes foge o oiro; mas é necessario que a crise seja muito grande; é necessario que a alteração do cambio seja tal, que torne fructuosa a exportação do oiro com toque inferior ao da libra, e descontada a despeza de refundir a moeda exportada e convertei-a, em libras.

Chamo sobre este ponto a attenção do governo e da camara, porque me parece que questões d'esta ordem são complicadas, e sobre ellas os economistas ainda se não pronunciaram de uma maneira unanime.

Repito, pois, que a falta do nosso actual systema monetario me parece que ha de trazer ao banco emissor pesados encargos, que diminuirão as vantagens do alargamento da circulação fiduciaria.

O sr. Presidente: - Segue-se na ordem da inscripção o digno par o sr. Pereira do Miranda, mas como apenas falta para dar a hora menos de um quarto, talvez s. exa. prefira começar a fallar ámanhã.

O sr. Pereira de Miranda: - Faz-me v. exa. muito favor em me reservar para a sessão seguinte a palavra, vitito-o pouco tempo que resta hoje de sessão e as considerações algum tanto copiosas que desejo apresentar á camara.

O sr. Hintze Ribeiro: - Sr. presidente, pedi a palavra por ter ouvido umas interrupções (uma creio que do proprio sr. ministro da fazenda) ao que o digno par o sr. Antonio de Serpa estava dizendo a proposito do curso das notas.

Torna-se indispensavel uma explicação do illustre ministro sobre este ponto, que é muito importante.

Pareceu-me ouvir dizer que havia o curso legal, mas que os particulares seriam obrigados a receber as notas em pagamento de divida.

Ora, eu desejava que este ponto fosse esclarecido, porque me parece confundir-se d'esta maneira o curso legal com o curso forçado.

Desejava, portanto, que o sr. ministro nos esclarecesse, sobre este importante ponto da questão.

O sr. Ministro da Fazenda: - Sr. presidente, tenho de repetir á camara a definição dos diccionarios e a interpretação que desde que o systema bancario tomou desenvolvimento, se tem dado em todos os contratos, propostas e projectos de lei á classificação do curso das notas.

Ha tres especies de cursos. Ha o curso a que simplesmente chamarei fiduciario,, que unicamente se baleia no credito, sendo que n'este caso a acceitação da nota é voluntaria,, mas não extingue divida.

Ha o curso legal propriamente dito, que extingue a divida, mas no qual se todos são obrigados a receber a nota,

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SESSÃO DE 15 DE JULHO DE 1887 681

igualmente por sou turno, tem o banco obrigação de a trocar logo que lhe seja apresentada.

Ha, por ultimo, o curso forçado, quando a lei ordena que se receba a nota em pagamento, ainda que o banco não a desconte á vista. Constitue isto o chamado papel moeda.

Dizendo que o projecto se refere ao curso legal, segundo a definição que repeti, parece-me haver esclarecido completamente este ponto e ter satisfeito aos desejos do digno par o sr. Hintze Ribeiro.

(S. exa. não reviu.)

O sr. Presidente: - A primeira sessão será amanhã, continuando a mesma ordem do dia.

Está levantada a sessão.

Eram guasi cinco horas da tarde.

Dignos pares presentes na sessão de 15 de julho de 1887

Exmos. srs. Antonio José de Barros e Sá Marquez de Pomares; Condes, de Alte, de Castro, da Folgosa, de Magalhães, de Valenças; Viscondes, de Alemquer, da Azaru-jinha, de Benalcanfor, de Moreira de Rey; Barão do Salgueiro, Adriano Machado, Ornellas, Agostinho Lourenço, Braamcamp Freire, Aguiar, Pereira de Miranda, Quaresma, Sousa Pinto, Silva e Cunha, Antunes Guerreiro, Pequito de Seixas, Serpa Pimentel, Telles de Vasconcellos, Cau da Costa, Augusto Cunha, Carlos Bento, Sequeira Pinto, Pinheiro Borges, Hintze Ribeiro, Fernando Palha, Costa e Silva, Francisco Cunha, Van Zeller, Ressano Garcia, Barros Gomes, Henrique de Macedo, Larcher, Candido de Moraes, Melicio, Holbeche, Valladas, Vasco Leão, Coelho de Carvalho, Gusmão, Braamcamp, Bandeira Coelho, Baptista de Andrade, Costa Pedreira, Ayres de Gouveia, Fernandes Vaz, Silva Amado, Lobo d'Avila, Ponte Horta, Sá Carneiro, José Pereira, Mexia Salema, Silvestre Ribeiro, Bocage, Camara Leme, Seixas, Pereira Dias, Vaz Preto, Franzini, Miguel Osorio Cabral, D. Miguel Coutitinho, Gonçalves de Freitas, Placido de Abreu, Serra e Moura.

Redactor = Ulpio Veiga.

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