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CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

SESSÃO N.° 50

EM 9 DE ABRIL DE 1907

Presidencia do Exmo. Sr. Conselheiro Augusto José da Cunha

Secretarios - os Dignos Pares

Luiz de Mello Bandeira Coelho
José Vaz Correia Seabra de Lacerda

SUMMARIO. - Leitura e approvação da acta.- Expediente. - O Digno Par Francisco José Machado allude á conveniencia de se mandai reparar as estradas, e concluir os lanços já encetados e, em seguida, refere-se á questão do jogo de azar.- O Digno Par João Arrojo apresenta diversas considerações sobre a greve academica, e dirige a este respeito perguntas ao Governo. - Responde a S. Exa. o Sr. Ministro das Obras Publicas.- Ao mesmo assumpto se reportam os Dignos Pares José de Alpoim, novamente o Sr. João Arroyo, José de Azevedo Castello Branco e Ernesto Rodolpho Hintze Ribeiro e a todos replica por parte do Governo o Sr. Ministro das Obras Publicas. - O Digno Par Teixeira de Sousa envia para a mesa um requerimento pedindo documentos pelo Ministerio da Fazenda.

Ordem do dia.- Continuação da discussão do parecer n.° 34 relativo ao projecto de lei que trata da crise duriense. - Usa da palavra o Digno Par Pedro de Araujo.- No final da sessão referiu-se á questão academica o Digno Par Hintze Ribeiro.- O Digno Par João Arroyo requer que se generalize a discussão do incidente, abrindo-se uma inscripção especial.- Este requerimento é rejeitado.- O Digno Par Julio de Vilhena pergunta se com a deliberação da Camara ficou prejudicada a inscripção em que figurava.- O Sr. Presidente responde affirmativamente. - O Sr. Presidente do Conselho, para não contrariara resolução da Camara, promette responder ao Digno Par Ernesto Hintze Ribeiro na sessão seguinte.- O Digno Par João Arroyo insiste em que lhe seja dada a palavra para ventilar a questão academica, mas o Sr. Presidente pondera a S. Exa. que, attenta a resolução da Camara, não pode acceder aos seus desejos.- Em seguida encerra a sessão, e designa a immediata, bem como a respectiva ordem do dia.

Pelas 2 horas e 30 minutos da tarde, verificando se a presença de 26 Dignos Pares, o Sr. Presidente declarou aberta a sessão.

Foi lida e seguidamente approvada a acta da sessão antecedente.

Mencionou-se o seguinte expediente:

Officio do Exmo. Sr. Marquez de Avila e Bolama agradecendo, em nome de sua tia, a Exa. ma Sra. Duqueza de Avila e Bolama, a copia da acta da sessão em que foi celebrado o centenario de seu esposo, o Duque de Ávila e Bolama.

Para a secretaria.

O Sr. Francisco José Machado: - Sr. Presidente: começo por applaudir as declarações que hontem fez aqui o Sr. Ministro das Obras Publicas a respeito da construcção e reparação das estradas do paiz.

S. Exa. faz muito bem. em concluir as estradas que estão começadas, e reparar as que estão intransitaveis e algumas quasi destruidas em muitos pontos, como descreveu com a mais absoluta verdade hontem o Digno Par Sr. Conde de Bertiandos.

É um bom serviço, que S. Exa. presta ao paiz, concluir as estradas que estão já começadas, porque assim não se perde o dinheiro já gasto com essas estradas.

Faço votos para que S. Exa. se não esqueça das promessas que fez, acudindo ás necessidades dos povos e á boa administração dos dinheiros publicos.

Todos sabem que as estradas são elementos necessarios e indispensaveis á agricultura, que não pode passar sem as vias de communicação para levar os seus productos aos differentes mercados.

A agricultura já paga muitos impostos, e portanto não a aggravemos com falta de communicações devido ao mau estado das estradas em que já se tem gasto mais de 70:000 contos de réis.

É um crime nacional deixar arruinar as estradas que tantos sacrificios custaram e tantos serviços prestam aos povos

Para a Camara ver basta dizer-lhe que, da estação do caminho de ferro de Portalegre á cidade, um carro de bois leva um dia para transportar qualquer producto, e custa 1^200 réis, pelo mau estado em que se encontra aquella estrada.

Muitas outras eu conheço no mesmo estado. Isto é muito grave e prejudicial.

É tambem da maior inconveniencia não continuarem os trabalhos nas estradas que se acham em construcção porque seria perder o dinheiro já gasto deteriorando-se o que está feito.

O Sr. Ministro das Obras Publicas não tem culpa, nem eu mesmo quero attribuir a responsabilidade a S. Exa., porque este estado de cousas já vem de muito longe.

Eu conheço uma estrada da Lourinhã, que é muito concorrida, e que conduz á estação do caminho de ferro do Bombarral, que está n'um tal estado que é quasi impossivel ser transitada no inverno, e portanto é de absoluta necessidade ser reparada desde já porque depois esses reparos custam muito mais dinheiro.

É o mesmo que acontece com uma propriedade.

Quanto mais tarde se fizerem alguns reparos, que ao principio são insignificantes, mais dinheiro se gasta depois.

Eu agradeço ao Sr. Ministro das Obras Publicas as explicações que S. Exa. deu e que hão de ser muito agradaveis ao paiz.

Já aqui me tenho referido á estrada

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que vae da importante villa das Caldas ! da Rainha á povoação de Santa Catharina, extremo do concelho, que começou ha quinze annos e ainda está por concluir, causando immenso prejuizo aos povos d'aquella importante região agricola.

Os aterros, que tanto dinheiro custaram e não foram empedrados, estão deteriorados, sendo da mais absoluta necessidade acudir-lhe, para não se perder totalmente o dinheiro gasto.

Agora, Sr. Presidente, volto á eterna questão da regulamentação do jogo.

Eu, Sr. Presidente, sou muito teimoso e persistente, quando estou convencido das excellencias das causas que advogo.

Declaro a V. Exa. que não me agradou a resposta que o Sr. Presidente do Conselho deu ao Digno Par o Sr. Hintze Ribeiro, a respeito do jogo.

S. Exa. declarou que, se algum membro do Parlamento apresentasse uma proposta n'esse sentido, S. Exa. não só a rejeitava, mas havia de a combater a todo o tranze.

Portanto, tendo o Sr. Presidente do Conselho maioria em ambas as casas do Parlamento, é claro que o jogo ha de continuar sem ser regulamentado e sem ter a solução que tantos desejavam para bem do paiz.

Mas, francamente, eu não comprehendo o Sr. Presidente do Conselho.

Então S. Exa. apresenta um projecto para tolerar o jogo na Ilha da Madeira, e não consente a mesma doutrina para o continente?

Só se S. Exa. já não considera a Ilha da Madeira territorio portuguez.

Estou informado que em muitas das nossas colonias se joga desaforadamente, principalmente em Angola.

Não considerará o Sr.. Presidente do Conselho a provincia de Angola terra portugueza?

Como se tolera o jogo em Macau e não se permitte nas nossas praias e nas muitas termas que temos no continente ?

São modos de ver, que não comprehendo e com que não me posso conformar.

Posso affirmar que o Sr. Presidente do Conselho, não regulamentando o jogo, presta um mau serviço ao seu paiz.

Eu peço licença á Camara para ler uma carta que hoje recebi, que vem assignada por Um estori ense.

Esta carta é muito curiosa e eu desejo que a Camara tenha conhecimento d'ella, porque traduz o meu modo de pensar.

Até amigos do Sr. Presidente do Conselho vão jogar ao Estoril e S. Exa. a dizer que com as recommendações que fez nas suas circulares tem a certeza de que não se joga.

Como é que S. Exa. ha de ter força para reprimir o jogo, quando es seus proprios amigos não deixam de se entregar a este divertimento e nem sequer cedem ás suas instancias?

Vae a Camara ouvir o que se diz na carta a que me estou a referir:

Exmo. Sr. F. J. Machado. - Não posso deixar de louvar V. Exa. pela attitude correcta, sympathica e moderna que tem tomado com respeito á questão do jogo. Lembro-lhe que não fraqueje e que teime, pois é um bem para o paiz.

Aqui está acontecendo o seguinte: devido aos annuncios e reclames nos jornaes portuguezes e estrangeiros, como no Times, New-York Herald. Daily Telegraph, etc., o Monte Estoril está cheio de estrangeiros, que estão encantados com o clima e promettem voltar e fazer no seu paiz larga propaganda.

Comtudo, dizem que nada farão se não houver á noite um ponto de reunião. Esse ponto de reunião, segundo experiencias já feitas, não se poderá manter sem jogo. Que ha então a fazer?

Regulamentar o jogo, pois todos os economistas garantem que a comparencia de estrangeiros em qualquer paiz , é uma fonte de riqueza.

Nice, Biarritz, San Sebastian, Os tende, Baden, etc., são verdadeiras ' glorias e um annuncio de progresso dos paizes a que pertencem. Aqui no Monte-Estoril, alem do Casino que já ha, o primeiro do paiz, sem duvida - e , immensamente frequentada pelos maio rés vultos regeneradores, regeneradores-liberaes e progressistas, não faltando algum republicano em evidencia á mistura- está agora projectado e vae principiar a construir-se um novo e colossal Casino, um primor de arte, como os melhores lá de fóra e não será um crime de lesa bom gosto e de lesa patria tolhel-o?

Se houvesse uma liga universal contra o jogo muito bem, mas não a havendo, é forte tolice e inepcia de administração dar ainda mais garantias de exito e ganhos a favor do estrangeiro, escangalhar uma corrente lucrativa de touristes, que nos principiam a procurar e querendo-nos manter num principio falso de moralidade.

Que prohibam o jogo, tenazmente,, nas cidades, muito bem; mas, que livrem d'estes rigores as florescentes estações de inverno portuguezas e nas praias no verão, lembrando-se que sem jogo não pode haver cercles e sem cercies não pode haver estrangeiros. Não se pode mandar inglezes, allemães e francezes á noite para a botica jogar o gamão com o pharmaceutico, como no tempo dos nossos avós. Terem de ficar nos hoteis, abrindo a bocca com somno, afugenta os, fazendo-os fugir para paizes. .. onde se jogue e haja divertimentos. E ahi se vae por agua abaixo a população fluctuante ha tanto tempo ambicionada para Portugal!. . . E isto o que a experiencia agora, devido ao moderno Monte-Estoril, vae demonstrando. = Estorilense. - Abril, 1907.

Sr. Presidente: por esta carta se vê que nem o Sr. Presidente do Conselho nem ninguem pode por absoluto e por completo reprimir o jogo.

O Sr. Presidente do Conselho nem ao menos consegue isso dos seus amigos.

O Sr. Hintze Ribeiro fez essa tentativa, empregando todos os meios de reprimir o jogo, mas mallograram todos os seus esforços, porque o jogo é um vicio de tal maneira arraigado que ia de sempre continuar a exercer-se. Não ha repressão possivel.

É, pois, absurdo nós pretendermos dar lições de moralidade a paizes civilizados como a França, a Belgica, a Allemanha. Portugal, este pequeno povo, querer dar lições de moralidade áquelles povoa, que teem o seu jogo regulamentado, é irrisorio.

O Sr. Presidente do Conselho ha de ser o primeiro que se ha de convencer 1 de que a opinião que hoje tem não é boa, e estou certo de que, convencido, do contrario, virá propor a regulamentação do jogo, porque não fica mal a ninguem mudar de opinião, tanto mais sendo para melhor e em proveito publico.

O Sr. Presidente do Conselho é d'isto um exemplo e oxalá nunca mude de opinião a não ser em beneficio do paiz.

Eu ainda não o fiz, não tive occasião para isso, mas se alguma vez o fizer não me ficará mal e nem por isso deixo de ser coherente, uma vez que possa provar que a mudança, que se operou no meu modo de pensar, não é em meu proveito proprio, mas sim do paiz para o qual todos devemos trabalhar.

Uma grande parte das pessoas que jogam são estrangeiros, que veem gozar, divertir-se, e que querem passar o seu tempo como melhor lhes agrade.

O auctor da carta diz bem: não hão de ir como os nossos avós para as boticas jogar o gamão ou ficarem no seu quarto de hotel sem distracção nenhuma, sem saberem onde passar o tempo. N'este caso retiram e aconselham, a toda a gente a que não venha cá, porque se morre de aborrecimento. É isso o que quer o Sr. Presidente do Conselho ?

Quem tem dinheiro e quer jogar que jogue.

O que o jogo deve é ser regulamentado e fiscalizado. Sendo assim, não

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vejo perigo absolutamente nenhum e pelo contrario, só vejo vantagens.

Sabe-se muito bem que não é só no jogo que se teem perdido grandes fortunas. Prohiba-se os operarios de jogarem e quem lida com dinheiro que não é seu. Mas quem tem fortuna e a quer gastar que jogue, pois é um absurdo querer dar-lhe um tutor como se faz aos menores. Cada um deve ter a liberdade de gastar o seu dinheiro conforme lhe appetecer.

A minha opinião está bem expressa. E sempre que tenha ensejo hei de affirmal-a.

Talvez pareça, pelo calor com que advogo a regulamentação do jogo que sou um jogador de profissão. Affirmo a V. Exa., Sr. Presidente, e aos meus illustres collegas, que nunca joguei, nem tenciono jogar.

Tenho dito.

O Sr. João Arroyo: - Sr. Presidente: pedi a palavra para me dirigir, ao Governo acêrca da questão que, no momento presente, prende a attenção de todos. Refiro-me á questão academica.

Pode esta Camara discutir outro qualquer assumpto; mas a verdade é que, do norte ao sul do paiz, a generalidade da população segue, dia a dia, hora a hora, minuto a minuto, os acontecimentos que se desenrolam nas differentes escolas do paiz.

Eu, Sr. Presidente, entendo na minha opinião que devo dirigir-me ao Governo sobre este caso, não tão especialmente para lhe pedir a responsabilidade gravissima que lhe incumbe pela péssima orientação que deu ao assumpto, logo que da primeira vez foi chamado a intervir n'elle, mas para lhe dar um conselho, ou um aviso, na linguagem mais tranquilla e singela.

Sr. Presidente: não direi os Dignos Pares que cursaram a Universidade, mas todos os membros d'esta Casa, teem a consciencia plena da gravidade especial, do melindre particular, que factos de certa ordem, que contendem com a população academica, representam para qualquer situação governativa.

É muito facil a um Governo apresentar, perante as assembleias legislativas, um programma energico de repressões à outrance, e annunciar que o restabelecimento da ordem se conseguirá à tort et à travers, mas representa isso, quando o emprego de meios violentos tenha de incidir sobre a população academica, o desconhecimento do assumpto, e dos perigos que elle encerra.

Os homens que sobraçam uma pasta de Ministro devem saber que, em casos como aquelle de que se trata, só se devem empregar meios de conciliação, de prudencia, e de juizo, para se não chegar ao triste estremo de, ou mandarem acutilar a mocidade portugueza, ou sairem d'aquellas cadeiras por não j estarem á altura da missão que lhes foi confiada.

Pode comprehender-se que um Governo recorra a meios violentos, quando, trate de neutralizar, ou de attenuar os manejos de qualquer parcialidade politica; mas usar de violencia para com a mocidade é o que se não comprehende, o que se não admitte, e o que ninguem consentirá.

É obrigação de todo o homem de Estado, quando se encontra na necessidade de resolver uma questão, examiná-la cuidadosamente no seu inicio, para que mais tarde não tenha de praticar actos que o bom senso não pode deixar de condemnar.

Ainda hontem um Digno Par, um dos primeiros oradores d'esta Casa, se .referiu ao procedimento de alguns dos homens mais illustres do nosso paiz por occasião de incidentes, de natureza igual ao que está occorrendo.

É verdade. Homens do valor de Saldanha e de Loulé souberam ver de principio a triste consequencia a que os levaria um procedimento de severa disciplina, e trataram os academicos com benevolencia paternal, com extraordinario affecto.

Eu, Sr. Presidente, já fiz parte de uma academia que, excluida a minha modesta pessoa, muito se nobilitou no movimento de 1879.

N'esse tempo era Ministro do Reino Rodrigues Sampaio, e este notavel estadista resolveu esse movimento academico com toda a benevolencia, conciliando todas as vontades.

Seja-me permittido que, com enthusiasmo, saude a forma pacifica e de absoluta união que n'este movimento revela a academia portugueza.

Os homens de hoje são os que hão de vir a governar Portugal d'aqui a alguns annos.

Qualquer que seja a minha opinião sobre os pormenores do conflicto, e qualquer que seja a impressão que me causem os acontecimentos academicos, ou a que pode incidir sobre a possibilidade de faltas commettidas; não posso deixar de saudar com vivo enthusiasmo a maneira cordata e pacifica por que os estudantes se apresentam.

É indispensavel que o Governo, sem perda de tempo, ponha de parte velleidades de poder, meios extremos, sentimentos de orgulho e teimosias, porque os chefes de familia assim lh'o exigem, porque assim o reclama a tranquillidade publica, e se volte para os academicos com generosidade, e com disposições benevolentes.

Peço ao Sr. Malheiro Reymão, que i tambem foi estudante e meu companheiro nas lides academicas, que faça ver ao Sr. Presidente do Conselho a necessidade que ha de se adoptar um procedimento que tranquillize os espiritos.

A greve pode ser longa e transformar-se em acontecimento de ordem politica.

Podia explorar o assumpto em sentido partidario, mas o meu intuito limita-se a pedir ao Governo que ponha de parte teimosias ei intransigencias, e que pronuncie uma palavra que represente um espirito de benevolencia, de generosidade, e de largo alcance politico e governativo.

Vozes: - Muito bem.

(S. Exa. não reviu).

O Sr. Ministro das Obras Publicas (Malheiro Reymão): - Ouvi attentamente as ponderações feitas pelo Digno Par, relativas a um assumpto que está preoccupando a attenção do paiz, assumpto que é grave, e que demanda reflexão e muito cuidado, e d'elle se está occupando o Governo.

É um assumpto que não corre pela minha pasta. Pertence á do Sr. Presidente do Conselho e Ministro do Reino.

Attenta a gravidade da questão, eu peço licença á Camara para não dizer quaes são as providencias que o Governo tenciona adoptar, mas em breve tempo, talvez hoje mesmo, o Sr. Presidente do Conselho comparecerá á sessão, e poderá declarar quaes os intuitos do Governo a este respeito.

O que é certo é que o Governo não esquece os seus deveres em relação á ordem publica, que importa que sejam respeitados, nem põe de parte aquelles principios de moderação e generosidade a que forçoso é recorrer desde que se trata de crianças e de adolescentes.

(S. Exa. não reviu).

O Sr. José de Alpoim: - Sr. Presidente: cheguei agora a esta Camara. Não imaginava que me chegasse a palavra. Ouvi com surpresa as ultimas palavras pronunciadas pelo Sr. Ministro das Obras Publicas.

Este assumpto não pode ser posto de parte, porque interessa o paiz inteiro. (Apoiados).

Não só porque este incidente é de natureza grave, pelos factos que hontem se deram na Escola Polytechnica, e em outros pontos do paiz, como em Coimbra, mas ainda porque a elle está ligada a sorte e o futuro de milhares de estudantes, o que representa sacrificio de milhares de familias, eu entendo que o chefe do Governo deve comparecer n'esta casa apenas tenha liquidado este assumpto na outra Camara, a fim de referir á Camara quaes as providencias que tenciona adoptar.

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Deploro que um assumpto de tamanha importancia não tenha sido tratado em Conselho de Ministros.

O Sr. Presidente do Conselho tem obrigação de vir aqui immediatamente dar explicações á Camara.

Solicito, pois, a presença do Sr. Ministro do Reino e Presidente do Conselho, uma vez que as explicações dadas pelo Sr. Ministro das Obras Publicas sobre um assumpto de tanta importancia e urgencia não satisfazem, visto que apenas deu uma resposta vaga.

É necessario uma sessão especial para se tratar d'este assumpto.

(S. Exa. não reviu).

O Sr. Ministro das Obras Publicas (Malheiro Reymão):- V. Exa. dá me licença que o interrompa?

V. Exa. disse que eu ignorava quaes eram as resoluções tomadas.

Permitta-me V. Exa. que eu esclareça esse ponto.

Julgo inconveniente dizer, por agora, quaes as providencias de que o Governo se está occupando, mesmo porque ainda não tomou uma resolução com caracter definitivo.

O Sr. Ernesto Hintze Ribeiro: - O inconveniente em dar essas explicações provem de ser V. Exa. quem as dê? Cessa o inconveniente, desde que seja o chefe do Governo quem dê essas explicações ?

O Orador: - Acabei de dizer que ainda se não assentou n'uma resolução definitiva.

Logo que se completem as diligencias era que o Governo anda, nenhum inconveniente ha em dizer o que ficou resolvido.

O Governo preoccupa-se com a questão academica, cuja gravidade não pode deixar de reconhecer, mas por emquanto não estão ainda assentes por completo quaes as resoluções a adoptar.

Não me parece conveniente n'este momento fazer quaesquer outras declarações.

O que posso dizer é que a ordem tem sido mantida, em todos os estabelecimentos de instrucção, e até n'alguns as aulas teem funccionado com regularidade.

O Sr. João Arroyo: - V. Exa. diz-me onde foi isso?

O Orador: - No Lyceu da Lapa e na Escola do Commercio.

Em Coimbra ha completo socego. Em Lisboa houve apenas os incidentes da Escola Polytechnica, que são de todos conhecidos.

O melhor será esperar que o Sr. Presidente do Conselho venha a esta Casa dar as explicações que tão insistentemente são pedidas.

(S. Exa. não reviu).

O Sr. José de Alpoim: - Sr. Presidente : continuo nas observações que estava fazendo, agradecendo ao Sr. Ministro das Obras Publicas as palavras com que me interrompeu, e digo agradecendo, porque não me molestam nunca as suas interrupções, antes, pelo contrario, muito me agradam.

Sr. Presidente: o que me parece é que o Sr. Ministro das Obras Publicas não tem auctorização do Sr. Presidente do Conselho para vir á Camara dar conta das resoluções do Governo e das providencias que adoptou.

Peço, portanto, ao Sr. Presidente que se digne convidar o Sr. Presidente do Conselho e Ministro do Reino a vir a esta Camara dar explicações..

É indispensavel que o assumpto seja ventilado, larga, nobre e urgentemente.

Não posso deixar de protestar contra factos que nunca occorreram em Coimbra, como a entrada da policia civil nos geraes da Universidade, facto odioso que rebaixa o reitor. (Apoiados).

É extraordinario que um Governo que saiu da alliança de dois partidos liberaes, commetta arbitrariedades tão absolutamente condemnaveis!

É necessario pôr cobro a um estado de cousas tão anormal e tão insolito!

Não prosiga o Governo em actos violentos e desarrazoados, não deixe que percam o anno, na Universidade, tantas centenas de estudantes, porque isso representa duros sacrificios para milhares de familias.

(S. Exa. não reviu).

O Sr. Ministro das Obras Publicas (Malheiro Reymão): - Pedi a palavra simplesmente para declarar ao Digno Par que as instrucções dadas pelo Governo, e isto seria escusado dizel-o, porque é já do conhecimento de toda a Camara, foram para que os professores se apresentassem a reger as suas cadeiras.

Estas instrucções são as mesmas que hoje se mantiveram. Todos os professores compareceram nas aulas, e as informações, que tenho são de que a greve continua, e que as aulas teem sido pouco frequentadas.

V. Exa. comprehende que, n'um assumpto que está impressionando a attenção publica, ha umas resoluções tomadas que são as que acabo de expor á Camara, e ha resoluções a tomar que são aquellas que não conheço, visto se não ter realizado o Conselho de Ministros.

É uma questão que está preoccupando a attenção do Governo, e que elle ha de procurar resolver por forma que a todos agrade.

Eram estas as explicações que por parte do Governo tinha a dar ao Digno Par. Quanto ás providencias a adoptar, ignoro quaes sejam, pois que o Gabinete ainda se não reuniu em conselho, alem d'isso só de manhã me encontrei com o Sr. Presidente do Conselho.

Tem-se procurado manter a necessaria disciplina, de forma que os alumnos que queiram frequentar as aulas não encontrem obstaculo á realização dos seus desejos.

O Sr. João Arroyo: - Não foi isso que V. Exas. fizeram. V. Exas. entregaram os estabelecimentos de ensino á policia e á forca armada..

O Orador: - A policia unicamente tratou de impedir que fosse perturbada a ordem.

O S?- João Arroyo: - Os telegrammas de hontem diziam que o reitor da Universidade passara o dia no governo civil.

V. Exa., que foi um estudante distinctissimo, diga-me se comprehende, e acha digno de applauso, que o Prelado da Universidade passe o dia no governo civil.

O Sr. José de Alpoim: - Como que desempenhando um papel de esbirro!

O Orador: - V. Exa. está-se referindo a telegrammas que eu nem sequer conhecia.

Sr. Presidente: o dever do Governo é assegurar a tranquillidade dentro das escolas. A policia não entrou dentro dos estabelecimentos de instrucção, senão quando os seus directores requisitaram essa intervenção, por se julgarem incompetentes para manter a ordem e a disciplina.

E, Sr. Presidente, n'um acontecimento d'esta ordem e d'esta natureza, convem que não sejamos precipitados nos nossos juizos.

N'um assumpto d'esta ordem, repito, a moderação é aconselhada por todos os motivos.

O procedimento do Governo ha de ser em harmonia com o rumo que os acontecimentos tomarem.

(S. Exa. A não reviu).

O Sr. Presidente: - Vou dar a palavra ao Digno Par José de Azevedo que a pediu para um requerimento.

Tem S. Exa. a palavra.

O Sr. José de Azevedo: - Não justifico o meu requerimento, que creio estar na consciencia de todos. Requeiro que se consulte a Camara sobre se ella entende que se devem suspender os-

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nossos trabalhos até estar presente o Sr. Presidente do Conselho, para nos dar explicações sobre as occorrencias academicas.

Como S. Exa. não está na outra Camara, não terá grande difficuldade em vir aqui.

Consultada a Camara, rejeitou este requerimento por 28 votos contra 25.

O Sr. Presidente: - O Digno Par Hintze Ribeiro tinha pedido a palavra.

Como, porem, já ha muito tempo se devia ter entrado na ordem do dia, não posso satisfazer os desejos do Digno Par, sem primeiro consultar a Camara.

Consultada a Camara, esta resolve affirmativamente.

O Sr. Ernesto Hintze Ribeiro: - Sr. Presidente: o debate não pode proseguir sem estar presente o Sr. Presidente do Conselho.

O assumpto, versado é de magno interesse para o paiz.

O Sr. Ministro das Obras Publicas declarou que o Governo estava tomando providencias no intuito de liquidar a questão academica, mas não sabe quaes sejam essas providencias.

Não comprehendo que qualquer membro do Governo se julgue assim impossibilitado de dar conhecimento ás Camaras e ao paiz das providencias adoptadas ou a adoptar em semelhante conjuntura. Isto fica com o Sr. Ministro, que por motivos que ignoro, e que não sou capaz de descobrir, entende nada dizer á Camara.

O Sr. Ministro das Obras Publicas (Malheiro Reymão): - Declaro novamente que não posso dar as explicações pedidas, por não terem ainda tornado uma forma concreta as providencias que o Governo tenciona levar á pratica.

O Orador: - A Camara decerto estranha as palavras do Sr. Ministro das Obras Publicas, affirmando mais uma vez não estar habilitado a dizer-nos o que se passa.

Interpretando o sentir da Camara, peço ao Sr. Presidente que faca saber ao Chefe do Governo que a Camara aguarda o seu comparecimento durante .o decorrer da sessão, para dar os indispensaveis esclarecimentos.

Espero que o Governo entre n'um caminho desafogado e generoso,- e que seja isto o que o Sr. João Franco nos venha dizer aqui.

Lamento que o Sr. Ministro das Obras Publicas se não julgue habilitado a dizer á Camara o que ella tanto deseja saber. O debate não pode ficar por aqui, e esta questão tem que seguir, naturalmente, os seus lermos, não direi até o apuramento das responsabilidades do Governo, porque, n'este momento, é ainda o que menos me preoccupa, mas até o conhecimento exacto do que se resolve e providencia, porque é isso o que mais, n'esta occasião, directamente nos interessa.

Desde que o Sr. Ministro das Obras Publicas se não julga habilitado a dizer o que nós tão insistentemente desejamos saber, peço a V. Exa., interpretando o sentir dos meus collegas que não podem deixar de me acompanhar n'este ponto," que se digne significar ao Sr. Presidente do Conselho que a Camara espera ainda hoje, na presente sessão e tão depressa possa, que S. Exa. venha a esta casa inteiral-a do que ha, dar-lhe as informações que tiver e. ao mesmo tempo, tranquillizar o nosso espirito.

Afigura se-me que será um procedimento que a todos agradará, porque o paiz, sobresaltado como está, precisa evidentemente das informações do Governo e, sobretudo, affirmações peremptorias de que, pondo de parte quaesquer resistencias, e conscio dos perigos que surgem, está disposto a entrar n'um caminho de dignidade, sim, mas compativel- com a generosidade que a juventude merece.

É isto o que esperamos ouvir do Sr. Presidente do Conselho, e creia V. Exa., Sr. Presidente, que o proprio interesse do Governo, está em não demorar essas informações que o Sr. Ministro das Obras Publicas não pode fornecer-nos.

A Camara, resolveu que se passasse a tratar por agora de outro assumpto 5 acatemos a resolução parlamentar, mas signifique V. Exa. ao Sr. Presidente do Conselho a urgencia que ha em que S. Exa. aqui venha para, em cumprimento do seu dever, dar conta ao Parlamento do que se tem feito, do que se está passando, e expor quaes são as suas ideias e os seus propositos n'esta grave questão.

Sr. Presidente: para isto precisamente se fizeram os Parlamentos; é para tratar das questões que mais interessam aos povos, e este assumpto sobreleva a todos os outros.

Creia V. Exa. que o nosso intuito não é criar difficuldades ao Governo. Pelo contrario, desejamos que esta questão termine bem, honrosamente para todos, sem sacrificios, sem vexames nem perdas para milhares de familias que esmeram ansiosamente a liquidação do incidente.

Tenho dito.

(S. Exa. não reviu).

O Sr. Presidente: - Vou mandar saber onde se encontra agora o Sr. Presidente do Conselho, para communicar os desejos que V. Exa. acaba de expor.

É o que posso fazer por agora.

Vae passar-se á ordem do dia.

Tem a palavra o Sr. Pedro de Araujo.

O Sr. Teixeira de Sousa: - Mando para a mesa os seguintes requerimentos:

"Requeiro que, pela Ministerio da Fazenda, sejam remettidos a esta Camara os seguintes documentos:

1.° Copia dos officios ou queixas que a Camara Municipal da Figueira da Foz dirigiu ao inspector dos impostos de Coimbra, acêrca da diminuição da receita das contribuições indirectas municipaes e da escripturação das mesmas na repartição de fazenda d'aquelle concelho;

2.° Copia do processo e da investigação a que por esse motivo se procedeu e existe no Ministerio da Fazenda (Direcção Geral das Contribuições Directas), para onde foi remettido em 22 ou 23 de março ultimo;

3.° Mappa da receita de cada um dos differentes generos sujeitos ao real de agua no concelho da Figueira da Foz, nos annos de 1905, 1906 e 1907: e mappa da receita de cada um dos differentes generos sujeitos ao imposto municipal indirecto n'aquelle concelho, nos mesmos annos, por forma a poder-se saber quanto rendeu em cada um d'aquelles annos cada um d'aquelles generos, tanto para o Estado como para o municipio;

4.° Nota das taxas municipaes lançadas pela Gamava Municipal da Figueira da Foz em cada um d'aquelles annos de 1905 a 1907, e de cada um dos generos tributados.

Camara dos Dignos Pares, em 8 de abril de 1907.= Teixeira de Sousa".

Foram expedidos.

ORDEM DO DIA

Continuação da discussão do parecer n.° 34, relativo ao projecto de lei n.* 39, referente á crise duriense.

O Sr. Pedro de Araujo: - Ao terminar as considerações que hontem fizera, e depois de ter demonstrado, de modo absolutamente incontestavel, o enorme desenvolvimento da exportação de vinhos pela barra do Porto, desde que em 1865 se estabelecera o actual regimen de liberdade commercial, accentuara que a verdadeira solução para a crise dos vinhos licorosos do Douro consiste na modificação do regimen fiscal da Gran-Bretanha e no fornecimento da aguardente necessaria para a beneficiação de vinhos do Douro, por occasião da vindima, por preço não superior áquelle por que este producto entra em Hespanha.

Todos os algarismos a que se referiu no seu discurso de hontem foram fornecidos pela Alfandega do Porto, sendo

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portanto baseados em documenteis officiaes.

Mas antes de fazer mais longas referencias a estes dois pontos, vae responder, embora muito resumidamente, a varias considerações feitas pelos dois illustres oradores que o precederam no uso da palavra sobre o projecto em discussão.

Começaria pelo . Sr. Ministro das Obras Publicas, por ser mais facil a tarefa, visto S. Exa. se ter limitado á defesa, a bem dizer, de pontos secundarios do projecto, e não da sua base fundamental - a restricção da barra.

Referindo-se á base 2.ª que disse importar, sendo approvada, a guerra civil do Douro, e relacionando-a com disposições da base 3.ª, falou largamente sobre a legislação aduaneira applicavel, salientando os inconvenientes de taes medidas.

Rebateu o regimen dos warrants, accentuando que elle não offerecia garantias para o Estado, visto como o penhor podia não lhe ser entregue.

Insurgiu-se contra a prohibição de distillação de vinhos no Douro, como prejudicialissima para essa região e para o commercio de vinhos finos do Douro, e especialmente dos Vintage, Wines, e estranhou a declaração do Sr. Ministro das Obras Publicas, de que os dois grupos de representantes do Douro não ligavam importancia de maior a semelhante disposição.

Expoz largamente o que eram Vintage Wines e como constituiam a parte mais lucrativa do commercio de vinhos do Porto.

Estranhou que se dessem premios de exportação aos vinhos de graduação até 17° centesimaes, salientando a incoherencia de isso se fazer á custa dos verdadeiros vinhos do Porto, precisamente em um projecto que se dizia destinado a proteger o Douro.

Accentua que ouviu com satisfação a declaração feita pelo Sr. Ministro das Obras Publicas de que no commercio do vinhos a lucta é quasi exclusivamente de preços, doutrina que elle orador sempre tem sustentado pelo que respeita aos vinhos do Douro de 2.ª e 3.ª categoria, pois os finos com as suas qualidades caracteristicas, inconfundiveis e typicas, não teem rival no mundo.

Refere se ainda largamente ás causas que impedem o augmento do consumo interno e o augmento da nossa exportação, e repelle a insinuação de egoismo imputado ao commercio, accentuando que todos os que trabalham teem direito a retribuição pelos seus serviços, quer sejam advogados, medicos, funccionarios ou commerciantes, accreseentando que, se o agricultor não exporta directamente os seus vinhos para os mercados consumidores, é porque não pode fazel-o com vantagem, como lhe succede a elle, orador, que , tambem tinha vinhas, como toda a gente.

Mais uma vez accentua o desenvolvimento havido na nossa exportação, desde que está em vigor o actual regimen de liberdade e faz o elogio caloroso dos exportadores de vinho do Porto, pela forma intelligente por que procederam por occasião da invasão phylloxerica, demonstrando como conseguiram manter a exportação durante o longo periodo que levou a reconstituição dos vinhedos pela cepa americana, lendo a proposito trechos da representação da Associação Commercial do Porto acêrca do projecto.

Referindo-se ao decrescimento da exportação para Inglaterra, expõe novamente os factos que a motivaram, e diz que esse decrescimento é menor do que parece, porquanto deve ter se em vista que, com as facilidades maritimas que hoje gozamos, deixam de exportar-se para Inglaterra alguns milhares de pipas, que antigamente eram d'ali distribuidas pelos, differentes .mercados consumidores, especialmente no norte da Europa, para onde fazemos hoje exportação directa.

Relativamente á quebra do valor exportado, diz que elle é incontestavel, em consequencia da concorrencia nos differentes mercados, mas não tão grande como se infere das estatisticas.

Disse que folgava muito em ver o Sr. Teixeira de Sousa referir-se com elogio ao procedimento da França, emquanto não refazia os seus vinhos de Gironde, vindo buscar vinhos a Portugal e outros paizes para manter a sua exportação.

Fôra precisamente o que os negociantes de vinhos do Porto fizeram por occasião da invasão phylloxerica, adquirindo vinhos escolhidos do sul e que alguns d'elles continuavam fazendo, a fim de poderem competir com os vinhos baratos de outros paizes.

Então já o Douro via que, segundo a opinião auctorizada do Sr. Teixeira de Sousa, as lotações cão eram tão más como se dizia.

Era evidente que para o Porto era preferivel adquirir no Douro todos os vinhos, mas isso já hoje não era possivel, em vista da producção de vinhos licorosos em outras regiões do paiz.

Expõe o que era a demarcação do Douro decretada por Pombal, e o que é a do projecto, dentro do qual ha vinhos das qualidades mais diversas, acrescentando que ainda achava pequena a actual demarcação, pois que a queria desde Monção até Faro..

Lê á Camara- trechos do artigo do Sr. Batalha Reis sobre vinhos licorosos e sobre as differentes regiões do paiz que os produzem.

Refere-se á differença do valor dos vinhos vendidos em Inglaterra com ou sem marcas de casas exportadoras e lê um trecho de uma monographia em que a Real Companhia Vinicola do Norte de Portugal diz que, fiel aos principios dos seus fundadores, nunca exportará com o nome de vinho do Porto senão vinhos da região duriense.

Disse a proposito que todas as casas exportadoras do Porto e Gaia, que prezavam o seu nome e a sua marca, procediam do mesmo modo, e que de resto estava n'isso o seu proprio interesse, porquanto o comprador estrangeiro sabia muito bem o que compra e a quem.

Não podia surprehender pessoa alguma que em 1864 houvesse pessoas respeitaveis e esclarecidas que defendessem o exclusivo da barra.

O que surprehendia era que as houvesse agora, em face dos resultados que as estatisticas apresentavam.

Se o projecto concedesse ao Douro o exclusivo dos vinhos licorosos seria injusto, mas ainda se comprehendia. Assim não, pois que, sendo restricta a producção de vinhos finos do Douro, é o evidente que os de categorias inferiores teem de supportar a concorrencia dos similares de casa e de fora, e, como não podem competir em preços, terão de ficar nas adegas dos infelizes viticultores durienses.

O Sr. Teixeira de Sousa referiu se á resolução tomada em 1905 pela maioria das casas inglezas exportadoras do Porto de considerarem como vinho do Porto unicamente o produzido na região.

Se assim foi, mudaram de opinião, pois que em março de 1906 essas casas dirigiram um officio ao Sr. Ministro dos Estrangeiros da Grã-Bretanha dizendo que vinho do Porto era vinho de Portugal, embarcado no Porto; mas se ámanhã essas casas entenderem que por qualquer motivo lhes convem considerar sobre essa designação o vinho que embarcarem de Lisboa, é claro que o fazem, e, procedendo assim, estão ao abrigo dos regulamentos aduaneiros inglezes, que consideram vinho do Porto todo o vinho embarcado de Portugal e até o que for de Jersey, por exemplo, quando acompanhado de um certificado portuguez de origem.

Facto identico se dava relativamente á sentença do tribunal de, Dublin, a que alludiu o Sr. Teixeira de Sousa, pois que um anno depois o High Court of Justice da Grã-Bretanha, que corresponde ao 30SSO Supremo Tribunal de Justiça, declarava que vinho do Porto era vinho de Portugal, sem fazer a menor referencia á região duriense.

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Concordava absolutamente com o Digno Par na condemnação dos premios concedidos aos vinhos de 17°, e que só por irrisão poderiam admittir-se em um projecto destinado a valer ao Douro, e, depois de fazer o confronto entre os vinhos arrolados em Gaia e Alijo, disse que a estranheza do Digno Par pela annuencia da viticultura do sul ao limite maximo de 2,62 para o alcool em aguardente não tinha razão de ser, porquanto convinha ter em vista que esta já começava a sentir-se exportadora de vinhos do Porto baratos, e tanto que estava persuadido de que das 30:000 pipas de vinhos licorosos arrolados no sul, nem metade iria já para os armazens de Gaia, porque, infelizmente para o Douro, já isso se não tornaria necessario, visto nos ultimos tempos ter começado já a estabelecer-se a exportação directa de Lisboa para alguns mercados consumidores, e nomeadamente para Inglaterra, o que constituia a mais grave ameaça para os interesses do Porto e Gaia e do proprio Douro.

Era evidente, que o Douro não pedira o exclusivo da barra para prejudicar o commercio do Porto. Pedira-o para evitar a concorrencia dos vinhos licorosos do sul, que, pela modicidade do seu preço, dificultavam, segundo allegava, a collocação dos seus vinhos de segunda e terceira categoria. No entender d'elle, orador, os vinhos do sul, em vez de prejudicarem antes beneficiavam os typos inferiores do Douro, que sem essa lotação não poderiam obter collocação em consequencia do seu preço excessivo e porventura em muitos casos até da sua qualidade. Mas comprehendia que o viticultor duriense, conhecendo mal a lucta vivissima que o commercio tinha constantemente de sustentar nos mercados consumidores, apenas se insurgisse contra o concorrente que apparentemente lhe difficul-tava a venda do seu producto, visto offerecer genero semelhante por preço muito mais modico, posto já fosse menos comprehensivel a sua hostilidade ás lotações, que se fazem em todos os grandes centros productores, até com vinhos de países differentes, quer para corrigir e aperfeiçoar typos, quer para os harmonizar com as exigencias economicas da venda, O que, porem, de modo algum podia comprehender era a attitude do Douro perante as modificações introduzidas no projecto primitivo pela Camara dos Senhores Deputados, pois que, allegando o Douro, e com muita razão, que o custo da sua producção era incomparavelmente superior ao do sul, e pedindo, portanto, um regimen que lhe permittisse sair da sua precaria situação, parecia dar o seu assentimento a um conjunto de medidas, que evidentemente visavam a encarecer a sua producção e a baratear a do sul.

Effectivamente, confrontando-se o primitivo projecto com o que estava em discussão, via-se que, como compensação do exclusivo da barra do Porto concedido aos vinhos licorosos do Douro, a viticultura do sul conseguira, alem de outras vantagens de menos importancia :

a) Monopolio da aguardente, visto ficar prohibida a distillação de vinhos na região duriense, criando assim uma situação critica para determinadas qualidades de vinhos do Douro, com a aggravante de se correr o risco de prejudicar irremediavelmente os Vintage Wines.

b) Garantia de um preço minimo sufficientemente remunerador para a aguardente, visto a Caixa Geral de Depositos fazer sobre ella adeantamentos correspondentes quasi á totalidade do seu actual valor no mercado.

c) E finalmente suppressão dos premios de exportação aos vinhos do Porto, dando-os aos do sul á razão de 5$000 e tantos réis por pipa de vinho licoroso exportado com graduação não excedente a 17° centesimaes, o que não pode aproveitar aos vinhos da região duriense, visto exigirem mais graduação.

Envidaram-se, pois, todos os esforços para elevar o preço da aguardente, que como já dissera entra por 25 por cento no preparo dos vinhos licorosos do Douro, dificultando, portanto, ainda mais a collocação dos seus vinhos de segunda e terceira categoria em concorrencia com os similares de outras regiões do paiz, onde a producção é incomparavelmente mais barata.

Far-se-ha assim derivar gradualmente para o sul, segundo todas as probabilidades, a exportação dos vinhos licorosos baratos do typo Porto, isto é, com mais de 19° centesimaes, correndo-se alem d'isso o risco de comprometter tambem a exportação dos Vintage Wines e consequentemente em prazo mais ou menos curto, a, dos vinhos caros, isto é, dos vinhos finos do Porto. Finalmente promove-se o desenvolvimento das imitações grosseiras de vinhos do Porto, por meio de premios de exportação retirados a estes e concedidos aos vinhos com graduação não excedente a 17°, difficultando assim ainda mais a exportação de vinhos licorosos com graduação superior a 19°, que já luctam com a disparidade de tributação, que em Inglaterra, nosso principal mercado, excede £ 10 por pipa.

Eis a situação que vae resultar da approvação do projecto que está em discussão e que tão calorosos applausos tem merecido dos defensores consagrados d'aquella infeliz região. Ora o que é que principalmente propunham, alem da reducção, senão eliminação dos impostos do consumo, aquelles que ainda hoje parecem ser considerados pelo Douro como seus inimigos?

Convenção com a Gran-Bretanha no sentido de se obter, não um regimen excepcional, que ella de maravilha nos concederia, pois que nem ás suas colonias o tem querido fazer, mas uma modificação no seu regimen pautai, reduzindo para todos os paizes, sem excepção, o actual direito de 3/- para 2/-, o que evitaria a maior parte das imitações que ali se fazem de vinhos de 17° (que apenas pagam o direito de 1/3) com vinhos de 19° a 24° (que pagam 3/-) e são ali vendidos, depois de lotados, como vinhos do Porto, em prejuizo nosso e da receita fiscal d'aquelle paiz.

Deu minuciosas informações a esse respeito.

Fornecimento pelo Estado aos viticultores do Douro de aguardente de boa qualidade, por occasião de vindima, ao preço de 100 réis, cotação habitual d'este artigo em Hespanha.

É evidente que isso representava um encargo mais ou menos avultado para o Thesouro, mas sem duvida incomparavelmente inferior ao que lhe resulta da approvação do presente projecto.

E de resto tambem o actual regimen de cereaes foi criado principalmente para aproveitar, como aproveitou, a uma determinada região do paiz, sem que ella atravessasse a crise que o Douro está soffrendo, e que cada vez se aggravará mais,

E quer a Camara saber o que esse ramo de agricultura nacional tem aproveitado com esse regimen durante o ultimo quinquennio, para não remontar mais atrás?

Como é sabido, está computado em 192 milhões de kilogrammas o consumo de trigo em cada anno cerealifero, e, não produzindo o paiz ainda essa quantidade, tem o respectivo deficit de ser coberto pela importação, que só é permittida, após varias formalidades, mediante o pagamento de um direito, que varia conforme as cotações dos differentes paizes productores, pois consiste na differença entre o preço fixado na lei, como suficientemente remunerador para o trigo nacional, e o preço por que fica o trigo estrangeiro nos portos portuguezes.

Contos de réis

Ora em 1902 foi permittida a importação de 60 milhões de kilogrammas que, á taxa de 19 réis por kilogramma fixada n'esse anno, produziu a receita fiscal de 1:140

Em 1903 foi permittida a importação igual, que, á taxa de 18 réis, produziu 1:080

Em 1904 foram permittidas

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duas importações na totalidade de 80 milhões de kilogrammas, que, á taxa de 14,5 réis, produziram 1:160

E, 1905 foram tambem permittidas duas importações na totalidade de 56 milhões de kilogrammas, que pagaram parte a taxa de 20 réis e parte a de 21 réis, produzindo 1:136

Finalmente, em 1906 foi permittida apenas a importação de 16 milhões que, á taxa de 26,5 réis, produziu 424

ou seja uma receita total de 4:940

cobrada pelas alfandegas do para nos ultimos cinco annos, por virtude do regimen estabelecido para o trigo.

Vejamos agora quaes foram os beneficios que d'elle resultaram para os nossos agricultores de trigo.

Contos de réis

Deduzindo as quantidades, cuja importação foi auctorizada, dos 192 milhões de kilogrammas de trigo em que está computado o consumo annual, vê-se que a producção nacional foi em 1902 de' 132, milhões de kilogrammas, que, á taxa fixada n'esse anno para a importação, obtiveram, portanto, a protecção pautal de 2:508

Em 1903 foi igual a producção o que, á taxa de 18 réis, corresponde a 2:376

Em 1904 baixou a producção para 112 milhões, que, á taxa de 14,5 réis, corresponde a 1:624

Em 1905 subiu a producção para 136 milhões, que, á taxa media de 20,5 réis, corresponde a 2:788

E, finalmente, em 1906 elevou-se a producção, salvo correcções que ainda podem fazer-se, visto não ter terminado o anno cerealifero, a 176 milhões que, á taxa de 26,5 réis, corresponde a 4:664

ou seja um total de 13:960

que em cinco, annos o paiz pagou a mais no trigo* que consumiu para proteger uma determinada região do paiz, cuja prosperidade é por isso manifesta.

Não lhe quer mal por isso, mas justo é que se dêem ao Douro algumas migalhas d'esse lauto banquete e que se sacrifique uma parte da receita que o Thesouro tem auferido de um regimen que taes resultados tem dado para valer ao Douro, que bem merece esse auxilio.

É de 6.000:000 de litros approximadamente a quantidade de aguardente de que o Douro carece annualmente por occasião da vindima.

Este anno tem a respectiva cotação regulado a 140 réis por litro, de sorte que o Estado apenas teria de sacrificar 40 réis em litro, ou seja 240 contos de réis.

Em outros annos seria o sacrificio maior e, quem sabe, talvez menor em outros, pois não havia realmente motivo para que a, viticultura do sul não pudesse em annos de colheita abundante, acompanhar os preços da nossa vizinha Hespanha.

Esta questão é economica, não é politica, por isso não ficara mal ao Governo reconsiderar, se se convencer que errou.

Acceitasse, pois, as soluções simples e praticas que tivera a honra de submetter á Camara e que alem de deverem contribuir poderosamente para facilitar a collocação dos nossos vinhos, teem pelo menos a vantagem incontestavel de onerar muito menos o Thesouro do que as medidas propostas; e ponha de parte o projecto, que a ninguem satisfaz, nem ao proprio Governo, e que, fazendo-nos retrogradar seculo e meio, nos colloca, perante o estrangeiro, na ridicula situação de pretendermos por meio de leis internas encarecer artificialmente um artigo destinado á concorrencia universal.

(O Digno Par não reviu este extracto nem as notas tachygraphicas).

O Sr. Ernesto Hintze Ribeiro: - Sr. Presidente: a questão para que foi reclamada a presença do Sr. Presidente do Conselho é & que, n'este momento, mais preoccupa a attenção do Parlamento.

A Camara comprehende que, tratando-se de um assumpto que assim prende, agita e excita os espiritos de todos por esse paiz fora, é, não só um direito, mas um dever do Parlamento trazer essa questão ao debate, a fim de sobre ella o Governo se pronunciar, e dar as informações que são de sua obrigação parlamentar.

A Camara está discutindo um as sumpto importante, mas que não exige uma resolução immediata. Trata-se de um problema economico, que precisa de ser ventilado largamente, com o intuito de conciliar os diversos interesses que a esse problema se ligam, mas a questão do dia, a questão de momento, é a greve academica, acêrca da qual o Governo tem obrigação de dizer o que entende fazer a bem de todos. (Apoiados).

A Camara não espera, decerto, que eu vá proferir um discurso violento, com apreciações apaixonadas.

Dada a situação que na politica portugueza occupo, de sobra conheço os deveres que me incumbem, e as responsabilidades que me pertencem.

O partido a que pertenço nunca foi fautor de desordens.

O partido regenerador, em presença de circunstancias que ameacem perturbar a tranquillidade publica, tem sempre dado provas de uma absoluta isenção, e a esses principios me subordinarei hoje, como me tenho subordinado sempre; mas é necessario que a questão academica se esclareça, e que sobre ella o Governo dê todas as informações que forem pedidas, annunciando os propositos que o animam.

Trata-se de uma questão que é aguda e instante, e o Parlamento tem o direito de saber quaes as providencias que o Governo conta adoptar, e aquellas que já adoptou.

Não é meu intento, muito serenamente o declaro, collocar o Governo em dificuldades, nem enredar a questão com commentarios ou apreciações que possam excitar os animos; mas não posso, reportando me ao inicio do conflicto, deixar de impor ao Governo as responsibilidades que lhe competem.

O Governo, porque em Coimbra se deram manifestações por parte da academia em seguida á reprovação de um candidato em acto de conclusões maguas, entendeu dever encerrar a Universidade, e encerrou-a por um decreto em que duas cousas declarou: que mandaria instaurar promptamente os processos academicos emquanto a Universidade estivesse fechada, para apuramento das responsabilidades em que os academicos tivessem incorrido, e que as aulas seriam reabertas quando estivessem julgados esses processos.

Tive occasião, assim que foi publicado esse decreto, de ponderar ao Sr. Presidente do Conselho que, a meu ver, era errado o caminho que S. Exa. trilhava.

Conservador, sim; mas, liberal, repugnava-me que corressem processos academicos, para imposição de responsabilidades, quando es proprios academicos estavam inhibidos de permanecer no local em que o respectivo julgamento se realizava.

Não discuto n'este momento o foro academico, que é, por emquanto,. lei do paiz. Comprehendo que o Sr. Presidente do Conselho não alterasse essa lei no proprio momento em que ia ser applicada; mas o que não está no foro academico, o que não pode estar em nenhuma lei, é que o processo corra e o julgamento se faça á revelia forçada dos accusados, pois que de Coimbra tinham sido expulsos os que n'esses processos figuravam, quando é principio elementar de direito criminal que se dê aos accusados a maxima latitude de defesa.

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O Sr. Presidente do Conselho, declarou que reabria, a Universidade, findos que fossem os processos academicos, e eu ponderei então a S. Exa. que só devia franquear de novo as, aulas aos estudantes, quando visse que isso se podia fazer em termos convenientes.

O Sr. Presidente do Conselho, mandando reabrir a Universidade em seguida á publicação do accordão dos decanos, tornou impossivel o caminho da conciliação, que acima de tudo se impunha a qualquer Governo, desde que se tratava de uma academia inteira. (Apoiados}.

A primeira imprevidencia do Sr. Presidente do Conselho está na publicação do decreto a que me refiro, pois é obrigação de um Chefe de Governo, que tem sobre os seus. hombros as pesadas responsabilidades da governação do Estado, não proceder como S., Exa. procedeu.

S. Exa. não era lente, e não fazia parte do conselho de decanos, e não era magistrado, que só conhece, o rigor inexoravel da lei. S.. Exa. a,. como Chefe do Governo, é o depositario da confiança da nação, para que nos problemas que mais interessam ao paiz,, e nos de maior melindre, proceda com observação,, com prudencia e com o conhecimento dos factos e das cousas.

A obrigação do Governo era inteirar-se do estado das cousas e da disposição dos espiritos, a fim de traçar o seu caminho.

Se S. Exa. se tivesse submettido a. esta orientação, ter-se hia convencido de que não era com o seu decreto nem ainda com os outros meios, a que recorreu, que podia resolver uma questão de tal ordem e de tal natureza.

S. Exa., com o seu procedimento, só logrou irritar e aggravar uma questão de sua natureza delicada. (Apoiados}.

Se o Sr. Presidente do Conselho imaginou que, findo o julgamento dos processos e reaberta a Universidade, poria termo á questão, illudiu-se completamente.

S. Exa. devia estar informado de que o facto da reabertura da Universidade não implicaria a pacificação dos espiritos, e que não era por esse meio que conseguiria estabelecer a disciplina, que é necessario que se mantenha dentro dos edificios escolares.

A responsabilidade do Sr. Presidente do Conselho está em não ter previsto os acontecimentos.

O Chefe do Governo manteve-se n'uma attitude pura e absolutamente policial. (Apoiados).

S. Exa. declarou que se desinteressava do assumpto, que o sujeitava á apreciação do conselho de decanos, e que tratava, tão só, de manter a ordem.

Pode ser este o criterio estreito de um commissario de policia, mas não o de um Ministro" do Reino e Presidente do Conselho. S. Exa. foi até o ponto de dizer que mandaria para Coimbra forças policiaes em numero preciso para garantir a entrada nas aulas áquelles que as quizessem frequentar e, se assim o disse, melhor o fez.

Mandou que entrassem na Universidade forças policiaes para facilitar a entrada dos estudantes, não se lembrando que isto só provocaria a desordem.

Pode haver maior provocação á desordem do que mandar invadir a Universidade por forças policiaes! (Apoiados).

Ora governar não é proceder com um criterio tão estreito e tão restricto. Governar é conhecer os homens e as cousas, e. S. Exa. sabe perfeitamente que, nos novo?, são faceis os impulsos, as arremettidas e os excessos, mas que tudo isso. é perdoavel por se considerar fruto da mocidade.

Collocar a policia dentro da Universidade era, evidentemente, excitar os animos e provocar a desordem. Um tal procedimento é de quem estava apostado em que a greve se generalizasse,, e o conflicto se aggravasse.

Mas, como se tudo isto fosse pouco, S. Exa. declarou que só fecharia a Universidade quando todos os alumnos houvessem perdido o anno!

É esta uma declaração propria de um Chefe de Governo?

É esta uma declaração que se faça perante uma academia que se mantem n'uma attitude pacifica, como de outra não ha memoria nos annaes da Universidade de Coimbra?

Parece que o Sr. Presidente do Conselho está apostado em brincar com o fogo, e que deseja provocar mais graves acontecimentos.

O meu intuito não é liquidar hoje as responsabilidades que impendem sobre o Sr. Presidente do Conselho. Outro ponto mais grave, um sentimento affectivo me anima a falar n'esta occasião. Se o Sr. Presidente do Conselho entende que, com mão de ferro, intransigente e irreductivel, pode resolver a questão universitaria, illude-se deploravelmente. Isso importará mais do que um prejuizo, um verdadeiro desastre. Dizer o Sr. Presidente do Conselho que se desinteressa da sorte dos academicos é uma barbaridade que nenhum parlamentar pode dizer, quanto mais o Chefe do Governo. S. Exa. não diz só uma barbaridade: mostra .uma aberração de espirito, que eu nem sequer chego a comprehender.

O que me impressiona é, por um lado, a generalização da greve, e por outro lado o caracter pacifico que ella reveste, porque perturbações de ordem publica, até agora, só são aquellas que a policia tem provocado. (Apoiados).

Não tem havido desacato ou offensas aos professores, e, muito ao contrario, teem elles sido alvo de deferencias e attenções por parte dos estudantes, que declaram ser o seu procedimento resultante do que julgam ser uma aspiração nobre e um dever de solidariedade.

N'estes termos não se pode nem deve esperar da parte do Governo, nem insistencias demasiadas, nem repressões violentas, nem intransigencias absolutas, nem nervos, nem caprichos, nem teimas.

Pedi a palavra, não para arguir o Governo - a tempo o poderei fazer - mas para proporcionar ao Sr. Presidente do Conselho o ensejo de pronunciar uma palavra que signifique, não direi transigencia, porque isso pode repugnar aos nervos de S. Exa., mas uma palavra de isenção e de generosidade, que assenta bem n'um homem, por mais elevada que seja a posição em que se. encontre.

Espero que o Sr. Presidente do Conselho diga o que tenciona fazer em face da greve academica, e espero que não deixe sair hoje d'aqui os Pares do Reino sob. a impressão dolorosa de que, perante uma questão de tal gravidade, o Governa não a comprehender nem a sabe resolver.

Espero que S. Exa. não deixe encerrar a sessão de hoje sem pronunciar uma palavra que represente o criterio de um espirito justo e conciliador.

Desejo saber quaes as providencias com que o Chefe do Governo tenciona acudir aos acontecimentos de occasião, e bom seria que S. Exa. diga que o seu procedimento será compativel com a justiça, sim mas tambem com a benevolencia de que é digna a juventude academica.

Bom será tambem que S. Exa. não insista no que eu reputo um erro grave, qual é o de deixar que uma situação assim tensa, mas pacifica, possa amanhã gerar acontecimentos lamentaveis.

Desejo saber se S. Exa. está effectivamente convencido de que uma tal situação se deve prolongar até que o ultimo academico da Universidade perca o anno.

Uma tal attitude por parte de um Governo seria um erro tamanho, que eu nem por sombras quero acreditar que o Sr. Presidente do Conselho se atreva a pratical-o.

Creio bem que ninguem pretende, na presente occasião, derrubar o Gabinete. O que se pretende é que a questão academica termine, e que termine desde já. (Muitos apoiados).

O momento é grave e delicado, e é preciso que o Sr. Presidente do Con-

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selho mostre que é um homem de governo e um estadista. (Apoiados).

(O Digno Par não reviu).

O Sr. João Arroyo: - Sr. Presidente : rogo a V. Exa. que se digne consultar a Camara sobre se quer generalizar a discussão d'este assumpto para o que se abrirá uma inscripção especial.

(Consultada a Camara sobre o requerimento do Digno Par Sr. Arroyo, foi rejeitado por 36 votos contra 25).

O Sr. João Arroyo: - Peço então a V. Exa. a fineza de convidar o Sr. Presidente do Conselho a comparecer n'esta sala, para eu trocar com S.. Exa. algumas explicações sobre este assumpto.

(O Digno Par não reviu).

O Sr. Presidente: - O Digno Par Hintze Ribeiro pediu que communicasse ao Sr. Presidente do Conselho o desejo de que aqui viesse, para o Digno Par lhe dirigir algumas perguntas sobre a questão academica. Foi isto que já communiquei ao Sr. Presidente do Conselho.

O Sr. João Arroyo: -Se V. Exa. se limitou a essa communicação foi em extremo parcimonioso.

O Sr. Julio de Vilhena: - Pergunto a V. Exa. se a minha inscripção é mantida ou prejudicada pela deliberação da Camara?

O Sr. Presidente. - V. Exa. pergunta?...

O Sr. Julio de Vilhena: - A minha pergunta é muito clara e precisa: pergunto se a minha inscripção é mantida ou prejudicada pela deliberação da Camara. Sujeito-me ao que for resolvido, mas desejo saber qual a minha situação.

O Sr. Presidente: - A Camara já se pronunciou no sentido de que se não generalizasse- a discussão do incidente, e por consequencia, em relação a elle, deixa V. Exa. de estar inscripto, mas eu vou conceder a palavra ao Sr. Presidente do Conselho.

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros e Ministro do Reino (João Franco Castello Branco): - Direi apenas duas palavras.

Amanhã, pelas duas horas e meia, e antes da ordem do dia, estarei aqui n'esta Camara para responder ao Digno Par Sr. Hintze Ribeiro.

A Camara resolveu que não se abrisse uma inscripção especial sobre o incidente e não seria eu, que não tenho a honra de ser membro d'esta Camara, quem iria contra a sua resolução.

(O Digno Par não reviu).

O Sr. João Arroyo: - Peço a palavra para antes de encerrar a sessão.

O Sr. Presidente: - A que assumpto deseja V. Exa. referir-se ?

O Sr. João Arroyo: -Desejo alludir á gravissima questão que prende as attenções de todo o paiz.

Não se podem passar vinte e quatro horas sem que se conheça a opinião do Governo, e quaes as providencias que vão ser tomadas para resolver o conflicto academico.

O Sr. Presidente: - Attenta a deliberação da Camara, e a declaração do Sr. Presidente do Conselho, não posso dar a palavra ao Digno Par.

Vozes: - Mas faltam ainda cinco minutos para a hora. Ainda não deu a hora.

O Sr. José de Alpoim: - Estes factos só acontecem no tempo da virtude triumphante.

O Sr. João Arroyo: - É o puro Governo pessoal.

O Sr. Presidente: - A proximo sessão é amanhã, com a mesma ordem do dia que vinha para, hoje.

Está levantada a sessão.

Eram 5 horas e 25 minutos da tarde.

Dignos Pares presentes na sessão de 9 de abril de 1907

Exmos. Srs.: Augusto José da Cunha, Sebastião Custodio de Sousa Telles ; Marquezes: de Avila e de Bolama, de Gouveia, de Lavradio, de Penafiel, de Pombal, da Praia e de Monforte, da Praia e de Monforte (Duarte); Condes : de Arnoso, de Bertiandos, do Cartaxo, de Castello de Paiva, de Figueiró, de Paraty, de Samodães, de Thomar, de Villa Real, de Villar Sêcço, do Bomfim; Viscondes: de Athouguia, de Monte-São; Moraes Carvalho, Alexandre Cabral, Pereira de Miranda, Antonio de Azevedo, Santos Viegas, Teixeira de Sousa, Telles de Vasconcellos, Campos Henriques, Arthur Hintze Ribeiro, Ayres de Ornellas, Palmeirim, Vellez Caldeira, Carlos Maria Eugênio de Almeida. Eduardo José Coelho, Serpa Pimentel, Ernesto Hintze Ribeiro, Veiga Beirão, Ferreira do Amaral, Francisco J. Machado, Francisco de Medeiros, Francisco Maria da Cunha, Baptista de Andrade, Gama Barros, Jacinto Candido, D. João de Alarcão, João Arroyo, Teixeira de Vasconcellos, Gusmão, José de Azevedo, Moraes Sarmento, José de Alpoim, Silveira Vianna, José Vá z de Lacerda, Julio de Vilhena, Luciano Monteiro, Rebello da Silva, Pimentel Pinto, Pessoa de Amorim, Poças Falcão, Bandeira Coelho, Affonso de Espregueira, Raphael Gorjão e Pedro de Araujo.

O Redactor,

ALBERTO BRAMÃO.

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