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Camara dos Dignos pares.

Em virtude de resolução tomada peja Camara dos Dignos Pares se publica o seguinte:

CÓDIGO REGULAMENTAR DE CREDITO PREDIAL, APRESENTADO NA CAMARA DOS DIGNOS PARES, EM SESSÃO DE 12 DE JULHO, PELO DIGNO PAR, FRANCISCO ANTONIO FERNANDES DA SILVA FERRÃO.

Dignos Pares do Reino. — O assumpto, que faz objecto da proposta de lei, que hoje vou offerecer nesta Camara, é talvez o mais importante de quantos podem ser submettidos ao exame e deliberação do Corpo legislativo, especialmente nas circumstancias em que se acha o nosso paiz. A iniciativa de origem não é minha, porque; provém das idéas e dos desejos, que me foram manifestados por um cavalheiro que foi membro do actual Gabinete, e por quem fui convidado a lançar alguns traços sobre a reforma do nosso systema, imperfeito e vicioso, do regimen hypothecario.

Achando-me, alem do serviço judicial e parlamentar, onerado com trabalhos relativos á revisão e reforma do Código Penal; tendo-me abstido de concorrer á commissão respectiva, em quanto não tivesse levantado um novo projecto, que, cessando de quasi completamente contemplar a vida material dos homens em sociedade, attendesse mais á sua vida moral, a que os conduz a civilisação dos tempos modernos; tendo já escripta a parte dogmática desse projecto, restando-me a muito menos difficil tarefa de redigir a parte pratica; e querendo, portanto, não interromper, antes concluir esse trabalho; produzi, para declinar o convite, a que alludo, as minhas razões de escusa, que não foram attendidas.

O Ministro instou, e eu não pude resistir abertamente aos seus desejos, recaíndo sobre objecto de tão transcendente utilidade publica, e por isso, provisoriamente, puz de parte o Direito criminal, e comecei o desempenho da nova commissão, com quanto verbalmente confiada.

Annui, mesmo por minha conta e risco, em razão dessa mesma utilidade, ou antes necessidade social, reclamada pela opinião; jurisconsultos; companhias de credito, existentes ou em projecto; decadente estado do nosso credito publico; interesses da nossa agricultura; decrescente e

vacillante valor da propriedade immovel; deficiencia das receitas do Estado; atrazo e difficuldades das nossas obras de viação publica; ausencia absoluta de outras indispensaveis; e de muitos melhoramentos moraes e materiaes, de que essencialmente depende a nossa organisação economica, assim fiscal, como colonial e penitenciaria, para segurança do paiz, e progressivo incremento da prosperidade e riqueza nacional.

No exame porém, desta materia conheci desde logo, que o meu trabalho seria mais que imperfeito, se o limitasse á reforma hypothecaria.

Além de que, essa reforma faz, e nem podia deixar de fazer, um dos objectos do novo Código Civil, que acaba de ser concluido e impresso, e cujas determinações teremos de examinar, de aproveitar, e talvez de modificar em tempo opportuno.

Oxalá que, pondo-se de parte mesquinhas rivalidades, e a inveja, que tanto mal faz neste paiz, possamos cedo dota-lo com esse Código, monumento de gloria do seu auctor, quaesquer que sejam as modificações que ao seu trabalho se devam fazer.

Portanto, o fim principal, a que resolvi propor-me, em resultado das minhas meditações, foi, não reformar, nem alterar direitos resultantes, segundo as Leis novas ou velhas, do Direito civil, mas conserva-los, protege-los todos, no interesse commum e reciproco dos cidadãos e da sociedade, sem deixar comtudo de precisar algumas noções é preceitos sobre o regimen hypothecario.

Constituir a certeza de todos os direitos prediaes ou sobre a propriedade immovel, segundo o seu diverso modo de ser, legal ou convencional; restabelecer a confiança e o credito da mesma propriedade, base real do credito publico; manter para esse fim. rigorosamente, o principio, hoje incontroverso, da publicidade de todos os direitos prediaes; dar toda a força e importancia aos factos da posse e da prescripção, por tal modo que possam vir a ser dispensadas as provas, do dominio, e diminuida mais e mais, com a acção do tempo, e em poucos annos, a possibilidade de litigios sobre taes direitos; eis o alvo complexo, a que se dirige, em todas as suas relações, o projecto de lei, que ora tenho a honra e a satisfação de vos apresentar, acompanhado de outro, que, por sua comprehensão, alcance, objecto e predominio regulamentar, denominei Codigo Regulamentar de Credito Predial.

Não fazendo actualmente parte do Gabinete o cavalheiro, que, em quanto Ministro, me fez a honra da incumbencia, e tendo eu em muito excedido a missão que me tinha por elle sido confiada, seria temerario se me abalançasse a usar assim da minha iniciativa, sem marchar de accôrdo com o Governo.

Não só isto, seria altamente reprehensivel é imprudente, se, confiando nas minhas debeis, e já cançadas forças, não procurasse esclarecer-me; e fortificar-me com as idéas e opiniões de homens mais competentes sobre a materia.

Diligenciei remover estes inconvenientes, não só prevenindo os actuaes Ministros da Corôa, obtendo a sua annuencia e esperança de protecção, mas fazendo uma exposição do meu systema e seus desenvolvimentos a distinctos jurisconsultos, que tiveram a paciencia de me ouvir, assim nesta capital, como na nossa Universidade, aonde estive ha dias; e é só animado com os seus suffragios, e de haver depois retocado e ampliado o meu trabalho, aproveitando as observações que se me fizeram, que me decidi a submette-lo ao vosso exame.

Por elle conhecereis, Dignos Pares do Reino, que sendo no meu projecto base fundamental, e em termos os mais absolutos, a publicidade de todos os direitos e encargos sobre a propriedade immovel, sem o que impossivel é o credito real, era indispensavel a creação de um registo, franco e accessivel a todos os cidadãos, para consulta ou descripção, assim como era preciso, para demonstrar a exequibilidade desse registo, o regulamentar minuciosamente o serviço que lhe respeita.

Proponho, portanto, não só o estabelecimento de Conservatorias de registo predial em todas as comarcas do reino, auxiliadas, em casos de urgencia, e para maior commodidade dos povos, pelos registos provisorios perante os Tabelliães de notas, nos concelhos de fóra da sede das mesmas Conservatorias, mas estabeleço a organisação do pessoal adequado, designando as habilitações que devem te>r os funccionarios respectivos; os livros especiaes que devem existir nos archivos, de registo, seus requisitos, e objecto década um e deveres correlativos a todas as pessoas, que, officiosa ou voluntariamente, activa ou passivamente, teem de intervir neste serviço.

Para que no mesmo serviço haja perseverança e acerto, e para que delle se removam quaesquer difficuldades, e evitem as irregularidades ou deficiencia de execução no fiel cumprimento da Lei, proponho mais, por uma parte, a presencial e proxima fiscalisação incumbida aos respectivos Juizes de direito, e por outra a creação de um Conselho Conservador central, que, junto do Governo, providenceie, consulte ou proponha as medidas de repressão ou legislativas que a experiencia mostrar necessarias.

É facil antever os uteis e ferteis resultados da austera observancia do referido principio da publicidade legal, e portanto do systema proposto para a tornar effectiva.

Por sua mesma natureza conduz, sem o menor sacrificio, nem dispendio para o Thesouro publico, a um cadastro descriptivo de toda a propriedade immovel, e de seus direitos e encargos inherentes, cadastro que, sem ter a verdade geodésica, se lhe aproximará, e será verdade quasi completa, em relação a parcellas prediaes, e quanto a dominio, posse e encargos reaes; cadastro que será um poderoso auxiliar e parte complementar do cadastro definitivo, quando delle se possa e deva tractar; cadastro, em fim, que desde logo poderá offerecer preciosas indicações, para a observancia da igualdade e da justiça relativa na distribuição dos impostos directos, e certeza da sua cobrança.

Sem se sobrecarregarem os povos com impostos novos directos, e sem que elles vejam augmentar materialmente em quantidade ou extensão o sólo que possuem, pagando mais, pagarão menos, porque serão mais ricos; e os capitães, convergindo para a propriedade immovel, facilitarão e multiplicarão as transacções de mutação ou transmissão, tomando assim maior vulto as receitas do Thesouro, e as fortunas individuaes, fontes dessas receitas.

Os cofres do Estado, bolsa commum do povo, assim melhor habilitados, e renunciando-se por uma vez á feitura de caminhos de ferro por meio de emprezas, hoje em estado de descredito e reacção passiva, poderão mais facilmente prover a tão urgente necessidade por meios directos, mais economicos, immediatos e dignos, e sem legarmos a nossos vindouros pesadissimos encargos, nem corrermos os riscos de morrer, moral ou politicamente, abraçados com obras superiores aos nossos actuaes recursos.

A propriedade immovel poderá ser representada por meio de apolices transmissiveis por endosso ou negociaveis por companhias ou bancos de credito predial, legitimamente auctorisados. O mesmo Banco de Portugal, em proveito de seus accionistas, dos proprietarios e da agricultura, poderá alargar a esphera de suas transacções commerciaes, não se restringindo, como até aqui, a operações com o Governo ou sobre o credito pessoal e individual, sempre fallivel sempre arriscado, e por isso limitado e mesquinho sempre.

Admittida, como vereis, pelo Código Regulamentar a mobilisação da propriedade immovel, por um methodo similhante ao já conhecido e experimentado em outras nações, e excluida em todo o caso a expropriação forçada dos mobilisadores, nada obsta a que a mesma propriedade vinculada em capella ou morgado, assim como a possuida por pessoas moraes perpetuas, ou corporações de mão morta, participe e aproveite do credito resultante a favor da propriedade livre, e assim ficarão attenuados em grande parte os inconvenientes que provém da amortisação de taes bens.

O Governo poderá, sem a menor violencia, nem emprego da sua auctoridade, prender na posse e fruição das mesmas corporações a maior parte dos titulos de divida fundada interna, e estas com os mesmos juros, pagos pelo Estado, ver remido o empenho contraído pela mobilisação, adquirindo novo capital permanente e productivo, que lhes augmente os seus recursos, ao mesmo passo que assim se poderão evitar, para o futuro, os terriveis inconvenientes da deploravel emissão, desses titulos, que teem progressivamente augmentado entre nós alem dos limites da circulação do commercio.

É, pois, na mais firme convicção da conveniencia e urgencia da minha proposta, que eu invoco as vossas luzes e patriotismo.

Não é preciso, nem mesmo adequado, que vos entregueis a um minucioso exame e discussão de cada um dos capitulos, a cujo complexo dei a qualificação de Código. Basta que approveis a unica e simples idéa que o domina, e, em geral, o seu systema pratico, auctorisando o Governo para lhe dar execução, depois de ter mandado revêr e modificar o mesmo trabalho por pessoas habilitadas a delle formar juizo, com a circumspecção, proficiencia, e imparcialidade que demanda a transcendencia e gravidade do objecto. É neste sentido que proponho o seguinte

projecto de lei.

Artigo 1.º É o Governo auctorisado a mandar pôr em execução o Código Regulamentar de Credito Predial, que faz parte desta Lei.

Art. 2.º O Governo, antes de usar da auctorisação que lhe é concedida pelo artigo antecedente, fará examinar, por uma commissão composta de pessoas competentes, o mesmo Código; a fim de nelle introduzir aquellas correcções, ampliações ou declarações, que, sem offensa do principio da publicidade de todos os direitos de propriedade ou sobre propriedade immovel, julgar convenientes.

Art. 3.° O Governo dará conta ás Côrtes na proxima Sessão Legislativa do uso que tiver feito desta auctorisação, e proporá de futuro as providencias complementares que forem necessarias.

Art. 4.º Fica revogada toda a Legislação em contrario.

Sala da Camara dos Dignos Pares, 12 de Junho de 1858. = Francisco Antonio Fernandes da Silva Ferrão.

CÓDIGO REGULAMENTAR DE CREDITO PREDIAL.

capitulo I.

Objecto t fim do Código. Artigo 1.º O presente Código tem por objecto e fim conservar todos os direitos de propriedade predial, em utilidade assim individual, como social.

Art. 2.º Será condição essencial, para certeza e conservação de quaesquer direitos reaes ou possessórios sobre a propriedade immovel. a publicidade por meio de um registo geral, franco e accessivel, em que todos sejam descriptos ou averbados.

§ unico. São unicamente exceptuados do registo os direitos cuja publicidade se achar satisfeita independentemente do registo, e que são declarados no Código.

Art. 3.º Todas as pessoas que se propozerem adquirir direitos prediaes, por actos translativos do dominio ou posse, ou constitutivos de encargo predial, deverão consultar previamente os competentes registos.

capitulo II.

Da revisão e reforma hypothecaria com sujeição ao registo predial.

Art. 4.° Até á publicação do novo Código Civil, e sem prejuizo dos direitos adquiridos e garantidos pelo presente Código, a legislação em vigor sobre hypothecas se applicará para os effeitos do registo predial, subordinada ás disposições contidas neste capitulo.

Art. 5.º As hypothecas, ou comprehendem uma indeterminada porção de bens, e são geraes; ou effectam designados predios, e são especiaes.

Provém da determinação da Lei, independentemente de convenção ou disposição de ultima vontade, e são legaes; ou provém exclusivamente da mesma convenção ou disposição, ou são convencionaes.

Art. 6.° Todas as hypothecas, satisfeito o requisito da sua publicidade, produzem garantia e preferencia segundo a sua prioridade; Estes effeitos são provisorios nas hypothecas geraes, definitivos nas hypothecas especiaes.

Art. 7.º Tem hypotheca geral por virtude da Lei:

1.° A Fazenda Publica e quaesquer pessoas moraes ou corporações de mão morta, nos bens dos seus gerentes, thesoureiros, administradores, exactores, cobradores ou mandatarios.

2.° A mulher, pelo dote, em não designados predios, promettido, ou estimado, ou recebido em dinheiro; ou pelos bens excluidos de comunicação, sobre os bens e direitos prediaes do promittente, do marido ou de qualquer outro detentor ou possuidor em toda ou parte do mesmo dote ou ditos bens pessoaes.

3.° A viuva pelos alfinetes, arrhas ou apanagios, legaes ou convencionaes, sobre os bens e direitos prediaes do promittente, de seu marido ou dos que delles derivarem a sua posse nos mesmos bens e direitos.

4.º O menor, ausente, interdicto, condemnado, ou por qualquer modo incapaz de administrar, a respeito de seus bens e rendimentos, sobre os bens e direitos prediaes de tutores, curadores ou administradores.

5.° Os offendidos pelo crime, nos bens e direitos prediaes dos seus offensores, para a reparação do damno, registavel desde a pronuncia ou desde a primeira sentença condemnatoria.

6.° Os que por sentença transitada em julgado, ou por outro documento por execução apparelhada, tenham direito a uma quantia liquida ou illiquida, ou á prestação de algum facto susceptivel de avaliação.

7.° O Banco de Portugal contra seus devedores ou responsaveis por emprestimos sobre letras de cambio, salvas as modificações e ampliações prescriptas neste Código.

8.º Os herdeiros ou legatarios contra os cabeças de casal, testamenteiros ou detentores legitimos de bens pro indiviso.

9.° O ausente em parte incerta, e seus herdeiros, necessarios ou instituidos, ou legatarios, a respeito dos bens e rendimentos da herança, contra os que, pela presumpção de fallecimento daquelle ab intestato, tiverem tomado posse judicial.

10.° As pessoas que pela Lei, testamento, cedicillo, ou convenção tiverem direito a ser alimentadas, em geral pelos bens transmittidos a outrem, sem que para isso tenha um dever especial.