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de sobra; mas quero ainda que não cresçam senão 96 mil, a 8 pipas de vinho para cada uma de agua-ardente produzem 12 mil; destas deve tirar-se a necessaria para o adubo do vinho de exportação, e para o vinho de consumo em Lisboa, que, a dous almudes por pipa no primeiro, e a um por pipa no segundo, perfaz a quantia de 2:320, crescem por conseguinte 9:680 pipas de agua-ardente; junte-se agora a agua-ardente das outras Provincias, e insista-se em que o exclusivo não as prejudica. Mas isto não e tudo: se se conceder esse mesmo parcial exclusivo, a consequencia será que elle se torna total, em primeiro logar, pela força do habito; os adubadores, acostumados pelo exclusivo a comprar á Companhia, hão de pouco e pouco habituar-se a comprar-lhe sempre; se fôssem precisos exemplos para comprovar este facto, que está na ordem das couzas, a propria Companhia o fornecia; gosando do exclusivo das tabernas do Porto por um certo numero de annos, mesmo depois do exclusivo delles acabar, dicar, e é ainda quasi exclusiva na venda do vinho naquella Cidade: mas não ha a recear só os habitos, ha tambem o systema; a Companhia, para tornar-se exclusiva absolutamente, não tem mais que vender a longos prazos; todos querem pagar quanto mais tarde, aliás perdem o vendedor condescendente e soffrem uma penhora; nenhum dos outros vendedores do Paiz está neste caso, e a consequencia infallivel é tornar-se a Companhia a unica vendedora, e por conseguinte tambem a unica compradora das aguas-ardentes das outras Provincias, que lhes comprará então a vil preço até de todo as arruinar. Mas a Companhia não terá só este interesse; o contrabando lhe offerecerá lucros enormes, e os lucros a tentarão; é possivel que ella faça o que fez sua mãe, contrabando sem termo de aguas-ardentes de França e Hespanha. Se este quadro vos parece horrivel, rejeitai o anachronico exclusivo.

Não posso concluir sem accrescentar uma reflexão. O Sr. Visconde de Villarinho de S. Romão, em 1821, n'um bello discurso contra o exclusivo, disse que, se tal privilegio se concedesse á Companhia do Douro, o unico meio que restava era fugir de um paiz barbaro, procurar estranhas terras, e á similhança de Simonides, que retratou o naufragio que o tornava vagabundo, levar tal deliberação e apresentala aos estranhos, que seria a oração mais eloquente. Agora, pergunto, não deveremos nós levar tambem o exclusivo, se elle passar em Lei? Sim, e escreveremos no painel - Nos patriox fines, et dulcia linquimus arva: Nos patriam fugimus... Que traduziremos assim - Em quanto os productores dos vinhos inferiores do Douro descançam descuidados a sombra de um exclusivo, nós vimos procurar abrigo em terra estranha, por que abandonámos a propria forçados a deixar nossas propriedades!

O SR. PRESIDENTE: - Já deu a hora, e devo prevenir a camara de que ainda se acham inscriptos oito Oradores.

O SR. VISCONDE DE FONTE ARCADA: - (Sobre a ordem.) Deu a hora, como V. Exa. acaba de observar; mas peço á Camara que se lembre de que a Sessão de hoje começou ás duas horas da tarde, e que muito conviria marcar o tempo que devemos trabalhar, de modo que as Sessões durem tres ou quatro horas (e não pouco mais de duas como hoje aconteceu), principiem embora áquella que quizerem, por que realmente não parece conveniente que trabalhemos tão pouco... (Susurro.)

O SR. PRESIDENTE: - De boa vontade consultaria a Camara se não visse que os Dignos Pares estão já levantados, e mesmo que muitos delles vão sahindo... A Ordem do dia para ámanhan é a continuação da discussão do Projecto sobre os vinhos do Douro. - Está fechada a Sessão.

Eram quatro horas e um quarto.

49. Sessão de 30 de Março. 1843.

(PRESIDIU O SR. VISCONDE DE SOBRAL - E ULTIMAMENTE O SR. CONDE DE VILLA REAL.)

Foi aberta a Sessão pouco antes das duas horas da tarde: estiveram presentes 46 Dignos Pares - os Srs. Duques de Palmella, e da Terceira, Marquezes de Abrantes, de Caslello Melhor, de Fronteira, de Loulé, das Minas, de Niza, de Ponte de Lima, e de Santa Iria, Condes do Bomfim, da Cunha, do Farrobo, de Lavradio, de Linhares, de Lumiares, de Paraty, da Ponte de Santa Maria, de Rio Maior, de Semodães, da Taipa, e de Villa Real, Viscondes de Fonte Arcada, de Laborim, de Oliveira, de Sá da Bandeira, da Serra do Pilar, de Sobral, e de Villarinho de S. Romão, Barões de Ferreira, e de Villa Pouca, Barreto Ferraz, Miranda, Osorio, Ribafria, Gambôa e Liz, Serpa Saraiva, Margiochi, Tavares de Almeida, Pessanha, Giraldes, Cotta Falcão, Silva Carvalho, Serpa Machado, Polycarpo José Machado, e Trigueiros. - Tambem esteve presente o Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros.

Lida a Acta da Sessão antecedente, ficou approvada.

O SR. VISCONDE DE VILLARINHO DE S. ROMÃO: - Mando para a Mesa uma representação, que fazem os livreiros e encadernadores desta Cidade, contendo 50 assignaturas, na qual pedem que se não deixe passar nesta Camara o Projecto de Lei que admitte a entrada de livros vindos do estrangeiro na parte relativa aos já encadernados, por isso que d'ahi lhes resultaria soffrerem grandes prejuizos depois de fazerem tantos esforços para se igualarem aos estrangeiros em perfeição. - Parece-me que esta representação vem fóra de tempo, (Apoiados.) entretanto a minha obrigação é apresentata á Camara.

O SR. VICE-PRESIDENTE: - Como o Projecto a que se refere esta representação já passou na Camara, manda-se guardar na Secretaria.

O SR. CONDE DE LAVRADIO: - Sr. Presidente, nesta Camara acham-se pendentes muitos trabalhos importantes, e estão para chegar novos Projectos de Lei, que já passaram na dos Srs. Deputados, entre outros um de grande transcendencia, que é o das

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estradas. O nosso tempo dedicado ao trabalho tem sido muito pouco, e então não será possivel que assim possâmos dar conta daquillo de que estamos encarregados: por isso pediria á Camara que fixasse um certo numero de horas em que devamos trabalhar, embora se abra a Sessão ao melodia, ás duas horas, ou em fim á meia noite. Ninguem ignora o pouco que temos trabalhado: hontem não chegámos a ter duas horas de Sessão; hoje são já duas horas passadas, e em sendo quatro ha de levantar-se a Sessão. N'uma palavra, se continuarmos deste modo, póde com razão dizer-se que o tempo de cada Sessão da Camara dos Pares e menos do que o que se gasta n'um sermão das Domingas de quaresma.

O SR. VICE-PRESIDENTE: - Não me parece dever eu determinar couza alguma sobre este objecto, por que estou presidindo só eventualmente e como substituto do Sr. Presidente; por tanto acho que será mais conveniente tractar do assumpto quando S. Exa. estiver presente; elle tomará em considerarão a observação do Digno Par, se então intender que a deve tornar a apresentar.

O SR. VISCONDE DE FONTE ARCADA: - V. Exa. acha-se hoje presidindo, e por tanto cabem-lhe todas as attribuições da Presidencia; por isso intendia eu que estava no caso de decidir o que lhe parecesse sobre este objecto.

O SR. VICE-PRESIDENTE: - Não julgo dever encarregar-me disso por ora

O SR. CONDE DE LAVRADIO: - Eu hontem, no fim da Sessão, vendo nesta Camara o Sr. Ministro dos Negocios do Reino, pedi a palavra ao Sr. Presidente, mas parece-me que S. Exa. não me ouviu por que fechou a Sessão sem que ella me fôsse concedida. Não sei se o Sr. Ministro dos Negocios do Reino poderá vir hoje a para Camara, porêm como está presente o Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros, e estou certo que S. Exa. não se esqueceria de commumcar-lhe, e aos seus Collegas, a interpellação que tive a honra de annunciar nesta Camara ha duas Sessões, a respeito da maneira por que o Governo considera os Empregados Publicos vitalicios, isto é, se se julga authorisado para demittir arbitrariamente os Empregados que tem esta condição, é provavel que S. Exa. esteja hoje na situação de podêr responder a esta pergunta, o que é muito necessario, por que careço de conhecer a opinião do Ministerio para, conforme ella, saber a Proposta que deverei fazer á Camara a este respeito. - Devo declarar que quando eu dirigi esta interpellação ao Ministerio, posto que o meu fundamento fôsse a demissão dada a um Empregado vitalicio sem motivo, comtudo de modo algum tive em vista offender o nobre Deputado que foi nomeado para o logar de que tinha sido demittido o Bibliothecario-Mór da Bibliotheca de Lisboa; e não podia ter isto em vista por muitos motivos: primeiro que tudo, por que seria um acto de grande inconveniencia que nesta Casa se fizesse uma censura aos Membros da outra Camara; (O Sr. Conde do Bomfim. - Apoiado.) em segundo logar, porque seria contra os meus principios, contra o meu caracter, e contra todos os actos da minha vida, atacar qualquer individuo sem que elle esteja presente, tenha armas iguaes ás minhas, e possa naquella occasião repellir promptamente e defender-se de qualquer ataque que eu lhe podesse assim fazer. Alem disso devo accrescentar que entre mim e aquelle nobre Deputado, e sua familia, nunca houve senão relações de amizade, de gratidão, e até mesmo de particular benevolencia: por tanto, repito, na minha interpellação não entrou nem ainda o mais remoto pensamento de offender a honra daquelle individuo nomeado para substituir o Bibliothecario-Mór da Bibliotheca Publica desta Côrte.

O SR. MINISTRO DOS NEGOCIOS ESTRANGEIROS: - Sr. Presidente, eu cumpri aquillo que tinha promettido, dando conhecimento ao Sr. Ministro dos Negocios do Reino da interpellação que o Digno Par havia aqui annunciado; foi para responder a S. Exa. que o meu Collega veiu hontem a esta Camara: mas como eu tenho estado continuamente occupado com objectos do serviço, e este negocio era directamente com elle, não me dei ao trabalho de averiguar isso, para me pôr ao alcance do caso, afim de podêr satisfazer ao Digno Par, tanto mais que o Sr. Ministro dos Negocios do Reino se prestou logo a comparecer nesta Casa. Parece-me por tanto que S. Exa. não terá duvida de renovar a sua interpellação quando o meu Collega aqui voltar, e que então, mais habilitado do que eu o posso estar neste momento, elle responderá á mesma interpellação.

O SR. CONDE DE LAVRADIO: - Como a discussão que hontem teve logar nesta Camara, e que ha de continuar hoje, era sobre materia muito importante, julguei que não devia interrompêla, nem pedir á Camara que sobreestivesse nella para eu fazer a minha interpellação: então, não obstante achar-se nesta Casa o Sr. Ministro dos Negocios do Reino, tinha-me reservado o renovala para o fim da Sessão, o que todavia não póde ter logar por occurrencias: como porêm póde acontecer que o Sr. Ministro volte aqui hoje pelo meio da Sessão, desde já peço a V. Exa. que haja de consultar a Camara sobre se convém que logo, ou antes de se fechar a Sessão, me seja dada a palavra para eu renovar a minha interpellação, aliás ficará sem resposta indeterminadamente.

O SR. VICE-PRESIDENTE: - Não é necessario consultar a Camara sobre isso.

O SR. CONDE DE LAVRADIO: - Bem: V. Exa. fica prevenido.

O SR. BARRETO FERRAZ: - Sr. Presidente, ha quasi dous mezes que eu tive a honra de apresentar a esta camara um Requerimento, que foi por ella approvado, no qual pedia que, pela Secretaria de Estado dos Negocios do Reino, mas fôssem remettidos certos esclarecimentos; desejava por tanto ser informado se já veiu alguma couza que lhes dissese respeito, ou se o meu Requerimento ainda não foi remettido ao Governo.

O SR. SECRETARIO CONDE DE LUMIARES: - É relativo a Confrarias?

O SR. BARRETO FERRAZ: - Sim Senhor.

O SR. SECRETARIO CONDE DE LUMIARES: - Por ora ainda não vieram esclarecimentos nenhuns a esse respeito.

O SR. BARRETO FERRAZ: - O meu Requerimento foi approvado em Sessão de 3 de Fevereiro: como pois o negocio seja muito simples, e o espaço que tem decurrido (quasi dous mezes) me pareça mais que sufficiente, desejaria que a Mesa tomasse alguma providencia para que este meu pedido não ficasse em esquecimento.

O SR. VICE-PRESIDENTE: - O Digno Par que

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acaba de fallar deseja que se renove o seu pedido feito ao Governo sobre Confrarias: vou consultar a Camara.

Resolveu pela affirmativa.

Passando-se á Ordem do dia, continuou a discussão dos Pareceres (da Maioria e da Minoria) da Commissão respectiva, ácêrca do Projecto de Lei, da Camara dos Srs. Deputados, sobre o modo de proteger a cultura e consumo dos vinhos do Douro &c. (V. a Sessão antecedente.)

O SR. VISCONDE DE SÁ DA BANDEIRA: - As observações que passo a fazer tem unicamente por objecto algumas partes dos discursos do Digno Par o Sr. Conde de Villa Real, e do Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros: começarei pelo que disse o Sr. Ministro.

S. Exa. significou que, ainda que era partidista do exclusivo da agua-ardente para a Companhia, comtudo inclinava-se a que se adoptasse a base dos 150 contos de réis estimo muito que S. Exa. voltasse a este caminho, por que então não terei de me occupar com as suas opiniões, emittidas na Camara dos Deputados em Sessão de 12 de Março de 1841, aonde S. Exa., n'um discurso brilhante, fulminou as razões que deram os partidistas do exclusivo; tenho aqui presente a Sessão desse dia na dita Camara.

Agora observarei de novo que S. Exa., na occasião em que respondeu ao meu discurso, guardou silencio absoluto sobre as duas interpellações que eu tinha dirigido a S. Exa., a primeira relativamente á intelligencia do Artigo 15.° do Tractado feito com Inglaterra; se se fizera alguma declaração, por Nota, Memorandum, ou por qualquer outra fórma, por onde o Governo Portuguez se obrigasse a não dar uma interpretação á palavra Regulamento que tivesse por objecto a renovação do monopolio. S. Exa. igualmente não respondeu, e guardou o mesmo silencio relativamente á interpretação que a este Artigo 15.° dava a outra parte contractante, por que em Tractados não vale só a interpretação que dá uma parte, é preciso que concorram as duas. Este silencio de S. Exa., combinado com outros dados que tenho, me faz continuar na persuasão de que o Governo sabe perfeitamente que não poderia restabelecer o monopolio em relação aos subditos Britannicos, e que tambem sabe muito bem que, estando as duas terças partes do commercio do vinho do Porto nas mãos dos Inglezes, se fôsse restabelecido o privilegio da venda das aguas-ardentes (ou o exclusivo, ou favor, como lhe queiram chamar) em proveito da Companhia, o seu resultado seria que, não ficando os subdilos Britannicos obrigados a comprar á Companhia porção alguma de agua-ardente, o resto do commercio do vinho, aquelle que e feito pelos Subditos Portuguezes, passaria a fazer-se pelas casas Inglezas, ou pelo menos debaixo de suas firmas, as quaes não as prestariam sem que se lhes desse a competente commissão. Com taes conhecimentos, o Governo deveria declarar francamente aos lavradores do Douro que o monopolio se não póde restabelecer: não o fazendo assim, para o anno havemos de ter os mesmos peditorios. Desde 1837 que se pretende restabelecer o exclusivo; esta pretenção em cuada anno tem ganho terreno, como neste se viu na Camara dos Srs. Deputados, onde o numero de votos que lhe fóram favoraveis não tinha precedente. Seria pois humano e justo que o Governo

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declarasse que, em consequencia do Tractado com Inglaterra, não podendo ser obrigados os subditos Britannicos ao exclusivo, não póde este restabelecer-se sem que desde logo deixe de ser prejudicial para os Portuguezes. Esta declaração serviria para que os interessados abandonassem esperanças impossiveis de realizar. O Governo, que está habilitado para fazer uma tal declaração, recuzando fazêla incorre em graves suspeitas: alguem poderia dizer que era para conservar popularidade no Alto Douro; não entro na questão se e ou não é por isso.

O Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros fallou ainda na existencia de grande porção de vinhos nos depositos e nas dócas de Inglaterra, álem dos que existem no Porto: isto é verdade; mas tambem o é que parte desses depositos são devidos á abundancia que ha de vinhos nos mercados da Europa, e outros provêm de causas especiaes, entre ellas a propria negociação do Tractado entre Portugal e Inglaterra para a reducção dos direitos: este estado de couzas e que seria bom acabar o mais proximamente possivel, (O Sr. Conde da Taipa: - Apoiado.) porque esta questão, que tanto se tem procrastinado, faz com que se diminuam as transacções. Ha pouco tempo li uma representação dos commerciantes Inglezes de vinhos do Porto residentes em Inglaterra, e nella pediam ao thesouro Britannico que, no caso de se concluir um Tractado com Portugal, no qual se tractasse de diminuir os direitos sobre os vinhos em geral, os que estivessem em deposito na Inglaterra pagassem os direitos da nova pauta; e allegavam para isso que, depois que se tinha faltado no Tractado, haviam cessado as compras, e que se tinham visto obrigados a não mandar ordens para o Porto para a remessa de vinhos, por que os especuladores esperavam comprar todos os dias a mercadoria por preços resultantes da diminuição dos direitos. Eis aqui uma das principaes causas da accumulação dos vinhos nos depositos, causa que o Governo póde remover cada vez que quizer, terminando-se o Tractado, de uma maneira ou de outra, não se fazendo, ou fazendo-se.

Por esta occasião, e em referencia á declaração que fez o Digno Par, o Sr. Conde de Villa Real, em consequencia de se não ter concluido o Tractado depois de Septembro de 1836, direi que se não concluiu por que não se pôde trabalhar nelle, e foi deixado no mesmo estado por que outra negociação chamou a attenção do Governo - o Tractado sobre o trafico da escravatura - por isso não entrou naquelle objecto: conseguintemente não vejo que haja motivos para fazer increpações.

Como de passagem, disse eu aqui, em outra Sessão, fallando sobre o consumo dos nossos vinhos, que conviria fazer algum arranjo com a Russia, mas nesta parte concordo com o Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros; disto não se tirarão logo extensos resultados, podêr-se-ha comtudo enviar alli alguns milhares de pipas de vinho; entretanto será lentamente, e se lembrei isto foi simplesmente como uma reflexão.

Por esta occasião emittirei tambem a minha opinião a respeito dos Tractados com Inglaterra relativamente a vinhos: digo que, se por este Tractado não podérem os nossos vinhos entrar nos mercados Britannicos com um direito que não exceda a 40 por cento ad valorem, nenhuma, ou pouca vantagem

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traremos de um tal Tractado. Vou ler a Camara um documento pelo qual se póde tirar por [...] o que acabo de patencear; e elle uma nota dos vinhos exportados de Lisboa para Inglaterra nos tres annos de 1828 a 1830, quando os vinhos de Portugal tinham uma differença de direitos sobre os vinhos Francezes, pagando menos a terça parte que pagavam estes. - O [...] exportação de Lisboa em cada anno foi de 1$500 pipas. Nos tres annos subsequentes á guerra civil, de 18... a 18..., quando o direito sobre os vinhos Portuguezes se havia augmentando e igualado com o dos vinhos Francezes, em consequencia do acto do Parlamento de 1831, a exportação media annual de Lisboa para os portos Britannicos foi de 1:800 pipas. Apezar do augmento da exportação na segunda epocha, eu tiro disto a consequencia de que a alteração de direitos não concurreu nada para augmentar ou diminuir o commercio dos vinhos Portuguezes, mas que esse commercio se conformou quasi exclusivamente com o gosto dos consumidores. - Se pois nos temos já o exemplo de que a imposição de direitos sobre os nossos vinhos no mercado Britannico, que os poz a par dos Francezes, não fez alteração importante no commercio relativo de taes vinhos, segue-se que, se nos fôssemos agora fazer um Tractado de Commercio em o qual restabelecessemos as couzas ao mesmo estado em que se achavam antes de 1831, ficariamos reduzidos a circumstancias iguaes aquellas em que já [...] não augmentou [...] a nossa exportação, e não alcançariamos para o nosso principal genero [...] que podesse augmentar a sua exportação. Se porém o consumidor Inglez podesse comprar o nosso vinho [...] do que a cerveja, elle sem duvida [...] mas isto não se poderá conseguiu, por que o consumidor tem hoje um gallão, ou seis garrafas de cerveja, por poucos pennys, em quanto uma garrafa de vinho do Porto, e mesmo do de Lisboa, lhe custaria umas poucas de vezes o preço do gallão da cerveja; não se poderá conseguir, por que os legisladores Inglezes, proprietarios do solo que produz a cevada de que se faz a cerveja, não consentiriam no depreciamento do genero de que, em grande parte depende a sua riqueza.

Tambem o Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros fallou contra a emenda do Digno Par, o Sr. Silva Carvalho, para que se substituam os 100 contos, proposto; pela minoria da Commissão, pela diminuição de 6$000 reis nos direitos de cada pipa de vinho exportado do Porto. Eu concordo com a emenda do Digno Par por varias razões, e uma dellas é a seguinte. S. Exa., o Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros, disse que a diminuição dos direitos de sahida não faria differença para a exportação; eu acho que alguma resultaria, por que se uma casa commercial, por exemplo, exportar mil pipas de vinho, ella terá que pagar doze contos de réis de direitos, dinheiro este que não ganha juros em quanto essa casa não vende os seus vinhos, sendo a consequencia o ter que soffrer um tal desembolso, talvez por muito tempo, sem tirar do seu dinheiro proveito immediato. E será este o unico de fomentar o commercio? Certamente não. Considero pois muito mais util a medida indicada [...]. De mais, Sr. Presidente [...] jecto da minoria da Commissão, como se poderia recusar a Extremadura que paga cada anno mais de 300 contos de réis de direitos de consumo dos seus vinhos em Lisboa um pedido similhante se ella o fizesse? Era de justiça que se lhe concedesse igual beneficio, não só por que esta Provincia concorre para o cofre da Alfandega das Sete Casas com uma somma annual aquella com que concorre o Douro pelos direitos de sahida dos vinhos, mas tambem por que fazendo nós a Extramadura uma concessão similhante favoreciamos a exportação dos seus vinhos.

Direi tambem que outras medidas ha, álem das lembradas, que podem concurrer para favorecer a exportação dos nossos vinhos. Nos termos nas Colonias Portuguezas do continente Africano a urzella, que é um commercio livre, mas este commercio podia ser dado por monopolio, por que não é um producto de cultura mas sim espontaneo. E, pergunto eu, não seria possivel que a concessão deste monopolio fôsse dada ao homem, ou companhia, que se obrigasse por um certo numero de annos a exportar para a Africa uma quantidade determinada de vinho ou de agua-ardente correspondente? Creio que sim. Outro monopolio, o marfim, tambem podia ser dado com as mesmas condições. Ainda ha mais um meio de protecção para a cultura dos vinhos, que é o estabelecimento de Bancos ruraes, e já nós temos em Portugal um exemplo que nos mostra a possibilidade de os fundar com vantagem. Em Serpa estabeleceu-se um Banco rural, com o fundo de 40 a 50 contos de réis, para naquelle Conselho ajudar a promover a lavoura dos Cereaes mediante o [...]. É que tem se tirado grandes resultados, segundo as informações que me foram dadas pelos Dignos Pares Marquez de Carvalho e Mello Breyner, e por outra pessos. Este estabelecimento tem feito desinvolver a agricultura de uma maneira admiravel, e libertado os lavradores do podêr dos compradores monopolistas. Ha tres annos, logo depois da colheita, offereciam estes 240 réis por alqueire de trigo, então a direcção do Banco annunciou que compraria a todos os lavradores do Concelho que quizessem vender por 360 réis cada alqueire; isto foi o que bastou para que os monopolistas se tornassem razoaveis, de modo que o Banco não teve a comprar em só alqueire de trigo. - Em França, onde a saraiva cahe muito mais frequentemente que em Portugal, e onde causa grandes estragos, principalmente nas vinhas, ha em muitos departamentos sociedades de proprietarios de seguro mutuo contra a saraiva. Esta especie de Banco rural merece ser bem estudado e em parte adoptado. Na Silesia, depois da guerra dos sete annos, tendo sido o theatro principal das operações, achou-se a nobreza de tal sorte arruinada que não podia pagar os juros das grandes dividas que havia contraindo durante a guerra: postas em venda as propriedades, o grande numero que dellas apparecia em praça fazia abaixar cada vez mais o preço das que se offereciam para a venda (como em Portugal hoje acontece a respeito dos Bens Nacionaes); houve então a idéa de crear um Banco de segudo mutuo, o qual, com o nome de Systema de credito provincial, recebeu por hypothese as propriedades dos accionistas, sobre ellas emittiu bilhetes em pergaminho (cada um dos quaes designava a propriedade que responsia pelo dinheiro) a juro de 5 por cento em cada semestre:

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os bilhetes davam aos portadores a preferencia sobre os mais credores ás propriedades nelles designadas; estes curriam como as Notas dos nossos Bancos. Capitaes estrangeiros concurreram a este Banco; e seu effeito foi muito acima do antecipado, por que dentro em poucos annos a agricultura restabeleceu-se, e o paiz começou de novo a prosperar. E não podêmos nós fazer alguma couza similhante a favor dos productores dos nossos vinhos? Certamente.

Vou terminar as minhas observações, e resumilas dizendo: primeiro, que julgo ser um dever do Governo o fazer perder aos vinhateiros do Douro toda a idéa de restabelecimento do monopolio: segundo, que a concessão do monopolio da urzella e do marfim póde concurrer para a exportação dos nossos vinhos para a Africa: terceiro, que é muito possivel promover a prosperidade agricola pelo estabelecimento de Bancos ruraes.

Aproveitarei esta occasião para suggerir uma lembrança a S. Exa. o Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros, e vem a ser, o pedir-lhe que recommende, ou determine aos nossos Agentes Diplomaticos residentes em paizes vinhateiros que lhe mandem informações exactas a respeito da cultura dos vinhos, e do seu consumo nos paizes em que residem; e para uniformidade de redacção se poderá fazer na Secretaria dos Negocios Estrangeiros uma instrucção, para o que ninguem é mais proprio do que S. Exa.: estas informações deveriam ser impressas, e enviadas ás Camaras, o que favoreceria muito a confecção das Leis a este respeito.

O SR. VISCONDE DE VILLARINHO DE S. ROMÃO: - Sr. Presidente, quando hontem pedi a palavra foi para responder á excellente falla feita pelo meu nobre amigo, o Sr. Silva Carvalho, por que o Digno Par apresentou algumas idéas que me pareceu causarem bastante impressão na Camara, e por isso precisava rebatêlas; mas o Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros respondeu-lhe hontem por tal modo que pouco, ou quasi nada me deixou a dizer, e assim menos tempo occuparei na satisiacção deste meu proposito.

O meu illustre Collega disse que o remedio para salvar o Douro consistia na diminuição dos direitos de exportação dos vinhos: não nego que esta diminuição lhe servisse de algum beneficio, mas nego que ella, só por si, fôsse bastante para salvar o Douro da crise em que se acha, por que similhante arbitrio não daria em resultado que aquelles vinhos podessem concurrer nos mercados estrangeiros com outros de algumas Nações.

Quanto ao que disse o Digno Par sobre Bancos ruraes, eu tambem intendo que isso é muito bom, e não só para os lavradores de vinho, mas igualmente para os do milho, de azeite, e de outros diversos generos, por que é certo que qualquer lavrador soffre grande prejuizo quando é obrigado a vender o seu producto em um tempo determinado, pois não tendo dinheiro na epocha da colheita acha-se em grave embaraço, e diz comsigo - se eu não fizer a tempo a colheita perco tudo, logo é melhor sacrificar uma pequena parte e salvar o resto vendo por tanto o seu genero por pequeno preço, ou então vae pedir emprestado com grande usura, e assim se arruina: ora os Bancos ruraes podem adeantar-he dinheiro a um juro modico, e por isso eu os reputo de bastante utilidade para o lavrador; isto não é questão.

Disse-se, porêm, que se não houvesse um complexo de medidas, as quaes todas concorram para a salvação do Douro nunca se poderia fazer bem, nenhum, áquelle paiz; mas nós não tractâmos agora disso, e sim da urgente necessidade que ha em acudir ao Douro, com a maior brevidade possivel, afim de que elle não morra, por quanto fiquem os Dignos Pares certos de que, se aquellas vinhas ficarem por cultivar, dentro em poucos annos hão de estar reduzidas a matos; é preciso que não percam de vista esta circumstancia. (Apoiados.) E então porque se não dará ao Douro o mesmo auxilio que se tem dado a outras partes da Monarchia? Por ventura não foi a ilha Terceira soccorrida quando alli teve logar a ultima catastrophe? Sem duvida: o Governo concurreu com doze contos de réis, propoz outro auxilio pelo qual as Camaras tambem concurreram, e fez-se, álem, disso, uma subscripcão para a qual tantos Portuguezes se prestaram da melhor vontade, e assim os que estavam no Reino como os que se achavam fóra delle. Ora se nós fizemos tudo isto a favor daquella Ilha (e acho que foi muito bem feito), por que razão não havemos de acudir ao Douro com um tão pequeno soccorro, que mal chegará para que os lavradores possam tirar algum pequeno lucro da sua lavoura? Deste modo sempre se tiram daquella calamidade em que estão, e por tanto faça-se ao menos isto em favor delles. Eu estou persuadido de que nem mesmo o governo do usurpador era capaz de negar-lhe este auxilio, e por isso muito me admiraria que n'um governo que tem concurrido para a felicidade de Portugal se recuzasse tal beneficio, quando por outro lado delle resultaria tambem uma grande vantagem para o commercio, por que em fim este ramo rende centos de contos de réis para o Thesouro, nos direitos que paga: conseguintemente ninguem póde negar que do vinho do Douro provêm grandes interesses a todo o Paiz; entretanto ha quem diga que este lucro é pequeno, e por consequencia que se lhe deve negar o auxilio fazendo-se forte opposição ao exclusivo proposto pela Commissão.

Sr. Presidente, eu não me envergonho de sustentar este favor, por isso que elle é muito vantajoso para o Douro, e mesmo para as outras Provincias do Reino. Mas é notavel o que aconteceu á proposta do exclusivo! Era um pygmeu, e fez-se delle um gigante, por que na realidade as vantagens que d'ahi poderiam resultar haviam de abarcar toda a Nação, e não unicamente a Companhia, ou o paiz do Douro.

O meu illustre amigo, o Sr. Silva Carvalho, fallou a respeito dos côrtes das vinhas, e regulou-se pelo preambulo do Alvará de 16 de Dezembro de 1773: segundo as razões que neste só davam parecia que no Douro havia terras que podiam ser cultivadas de pão, pois no paragrapho 2.° se determina - que sejam arrancadas todas as vinhas da Ribeira de Jugueiros, e dos caboucos de uma e outra margem do rio Douro, por serem terras proprias para dar pão e legumes; e que o mesmo se praticaria nos districtos de ramo e de embarque em todos os bacellos ou vinhas que tivessem sido plantadas ha oito annos, bem como os bardos e chantoadas, e todas as que tivessem sido plantadas em olivaes, soutos, e terras que davam pão &c. - Ora, Sr. Presidente, eu sou do paiz do Douro, e nunca pude saber o que eram caboucos; mas, consultando o diccionario Por-

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tuguez-Latino de Fonseca, achei explicado aquelle termo, que vem a ser, uma padreira, a que em Latim corresponde o vocabulo [...]: por tanto já se vê que as pedreiras de uma e outra margem do rio Douro eram optimos terrenos para dar pão e legumes? Quanto á Ribeira de Jugueiros, é ella um pedaço de terra plana, mas não tem agua de rega sufficiente senão de inverno: então como seria possivel cultivar pão no paiz vinhateiro do Douro, se os gados alli eram prohibidos, e não havia estrumes nem prados, aonde pastassem os bois, da lavoura? Cada alqueire de pão que lá se colhesse ficaria por mais de um quartinho de despeza, e por consequencia mais facil seria deixar encher do silvas aquelles terrenos do que cultivalos de pão. Outro tanto digo a respeito dos bardos e latadas: é verdade que elles são umas tiras de terra plana e humosa, abstrahindo a idéa das videiras que tem, mas não é possivel cultivar alli os legumes em razão de faltar a agua e o estrume. Mas tem sido mama de alguns dos nossos antigos Ministros, quererem determinar aos lavradores aquillo que hão de semear em suas terras, sem repararem que o terreno proprio para um producto não o é igualmente para outro. Entretanto é certo que pela Lei do Marquez de Pombal não se arrancaram as vinhas de todo o districto do Porto, e que isso teve logar sómente em uma pequena parte delle.

Agora tractarei de responder a alguns dos argumentos apresentados por um Digno Par que se assenta deste lado.

O Sr. Tavares de Almeida fez em discurso poetico (ao qual ou dei muita attenção) por que andou pela Asia, Africa e America, em fim, por toda a parte, mas de tudo quanto lhe ouvi, o que me admirou mas foi que um tão illustre Orador comparasse uma vinha com uma salina, uma vinha, que custa tantos annos a plantar, e que, depois de cançada, por muitas diligencias que se façam não produz mais! - Disse tambem o Digno Par que, em phrase de Companhia, no Douro havia tres qualidades de vinho: o fino; aquelle que se mistura com o fino para embarque; e outro a que chamou frouxo: S. Exa. confessou que as duas primeiras qualidades eram uma verdadeira, riqueza nacional, mas que estava informado de que taes vinhos não careciam de protecção, e que os da terceira não mereciam favor nenhum; accrescentou depois que se aquelles davam interesse não precisavam de intervenção de Companhias, e que se este o não dava, tambem não era necessario nem conveniente proporcionar-lhe auxilio: não direi que são as suas proprias palavras, mas o argumento do Digno Par reduz-se a este dilemma. Peço licença para dizer a S. Exa. que está mal informado a respeito dos vinhos do Douro, e tanto que até se serviu de certa palavra que não expressa verdadeiramente a qualidade de uma parte delles; esse vinho que denominou frouxo é aquelle a que lá chamam de côr, ou colorante, o qual tem muito bom cheiro e muito espirito, e é assim que se quer que seja para podêr entrar no commercio; mas nada se fará com elle se, não prometter algum proveito: ora todo o que entra em Inglaterra paga os excessivos direitos que se sabe, e por consequencia, a não haver algum favor, o comprador preferirá ir buscalo á Catalunha, fazendo com elle uma mistura, e dizendo que é do Porto, por que este nosso vinho tem alli grande estimação, e deste modo fraudulento o venderá, resultando d'aqui a perda e o descredito do producto do Douro. Tambem devo observar ao Digno Par que nos primeiros annos do estabelecimento da Companhia, não havia senão estes vinhos, que agora se diz que não prestam para nada, mas depois viram que não chegavam os de feitoria, e então foi feita uma segunda demarcação, a que se chamou subsidiaria. Durante este tempo, tendo apparecido um Escocez chamado. ...(*), fez elle um serviço importante ao paiz do Douro, porque mandou vir de fóra certas castas de vinhas muito boas, as quaes fóram plantadas na sua quinta, e d'alli se espalharam para muito outros terrenos que estavam virgens; então appareceram esses vinhos superlativos, que tanto agradam ao commercio, e que chamam superfluos: fôram elles que por muito tempo fizeram a riqueza do Douro, por que, não obstante serem pouco cubertos, tem muito espirito, muita fragancia, e bom sabor. Agora, pergunto eu, será util, ou justo encaminhar as couzas para anniquilar pela producção, e fazer com que aquelle paiz acabe, continuando os proprietarios desgraça em que estão, para que cheguem a pedir esmola? Eu digo que não. Elles são Portuguezes, e por isso devem merecer a mesma attenção que os habitantes da ilha da Madeira, do Riba-Tejo, e de outras partes, que tem sidos occorridos pelas Côrtes e pelo Governo; sejâmos justos. Por tanto, se o gigante (o exclusivo) mette medo aos Dignos Pares, e por isso não querem votar por elle, votem ao menos por esse pequeno auxilio dos 150 contos, pela mesma razão porque outros similhantes se tem dado aos lavradores do Riba-Tejo; os de vinho não devem mrecer menos attenção que os de trigo. Pela minna parte, declaro que hei de votar pelo parcial exclusivo, por que estou intimamente persuadido que é elle o que póde salvar o Douro; entretanto, se se não vencer, votarei pela base proposta no Projecto originario.

Os Dignos Pares meus antagonistas tem procurado as fallas que fiz nas Côrtes de 1821, e o que depois escrevi nas minhas Memorias, para me colherem em contradicção; mas eu respondo, primeiro, que não póde haver paridade (como já disse neste debate) entre o monopolio antigo, que era geral e não tinha encargo algum, e aquelle que propôem a maioria da Commissão, por que a par do favor vem a obrigação imposta á Companhia. Entretanto, os argumentos que se querem tirar dessa minha supposta contradicção são muito fracos, por duas razoes, uma dellas é por que quem se funda em similhantes argumentos mostra que não tem outros melhores, e a segunda por que só agora me contradizem, passados vinte annos. Frequentemente me terei enganado, não o duvido; terei mesmo mudado de opinião, mas isto não me está mal, e é melhor proceder assim do que insistir no erro quando se esta convencido delle. Porêm eu tinha então muita razão para atacar aquelle antigo exclusivo, assim como estou persuadido que tambem a tenho agora para defender este: sei que não posso vencer, mas como para mim existe convicção, e não contradicção, hei de sustentar o Parecer que assignei, e se ceder votando pelos 150 contos, e por que desejo que alguma couza se faça, já que não posso obter o melhor.

Resta-me agora fallar sobre o discurso do Digno

(*) O Tachygrapho não percebeu.

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Par o Sr. Trigueiros; e, como Relator da maioria da Commissão, direi alguma couza em resposta. - Notou S. Exa. estas palavras que se lêem no Parecer da mesma maioria:... «tornando na devida consideração as petições que lhe fóram presentes, e que enviaram a esta Camara outros proprietarios vinhateiros das outras Provincias do Reino (referia-se aos da Extremadura, Minho e Beira), em sentido contrario ás primeiras (ás do Douro)... opina a maioria da Commissão... que em compensação destes encargos se conceda á Companhia um favor especial na venda da agua-ardente para adubo e beneficio dos vinhos de exportação &c. (Segue a substituição ao Artigo 12.° do Projecto da outra Camara).» O meu nobre e respeitavel amigo disse que não percebia como isto fôsse, nem como deste modo se attendesse ás supplicas das Provincias que representavam contra o exclusivo. Ora eu direi ao Digno Par que cheguei a persuadir-me de que elle, assim como outro qualquer proprietario da Extremadura, votaria pelo parcial exclusivo proposto pela maioria da Commissão, e isto com o mesmo affinco com que eu por elle voto, por ser muito util a todas as Provincias de Portugal, e principalmente á Extremadura que é a que póde com mais vantagem levar aguas-ardentes ao Porto. Estas aguas-ardentes, que vão concurrer com as do Douro, convenho que não possam vender-se senão depois; mas assim tem acontecido todos os annos, por que os lavradores do Douro estão precisados, estão (como bem disse o Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros) pedindo esmola - e muito a proposito trouxe S. Exa. a comparação dos mendigos de Inglaterra que em vez de pedirem andam pelas ruas offerecendo méchas, alfinetes, e atacadores - então os negociantes dizem aos lavradores que a agua-ardente das outras Provincias está a 50 mil réis, e que lhes não dão mais pela delles: os lavradores conformam-se com esta offerta, em consequencia da sua precisão, e o negociante ganha na transacção por que a agua-ardente do Douro é da mesma força alcoholica, e talvez muito melhor que as das outras Provincias pois tem mais fragancia. O lavrador da Extremadura, como cada pipa de vinho lhe póde sahir o moeda, queima-o e manda agua-ardente para o Porto, vendendo-a facilmente, por que os do Douro quasi nunca podem dala por esse preço: é o que está acontecendo, mas seria certamente para desejar que não continuasse. O Sr. Silva Carvalho mostrou uma lista estatistica da agua-ardente que tem sahido da Figueira e da Ericeira, mas não disse que o deposito das do Douro anda por oito mil pipas, por que aquelles lavradores não podem vendêla quando os das outras Provincias a vendem; porêm, se nós fizermos com que os mesmos lavradores não passem pela vergonha de andar pedindo esmola, tomando-se uma medida que eleve o preço do seu genero, tambem a agua-ardente das outras Provincias ha de entrar em maior porção, e pelo menos obter um preço mais alto, visto que no Douro apenas póde fabricar-se uma parte da que é necessario, para o adubo dos vinhos.

Lembrem-se os Dignos Pares do que disse o Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros, por que desgraçadamente é uma verdade: os lavradores do Douro (não fallo dos poucos que tem sempre certa a venda dos seus vinhos) estão empenhados em muitas dezenas de contos de réis, e alguns delles tem vendido até as suas baixelas e mobilias, e se não lhes der-

1843 - MARÇO.

mos algum auxilio as vinhas morrerão todas dentro de quatro annos, por que no Douro, se passarem dous annos sem ellas se cultivarem, já não prestam para nada são uns matos rasteiros, e esse vinho que podiam dar, e que havia de levar muita agua-ardente das outras Provincias não existirá. Está provado que se não quer fazer guerra a ninguem; se insistimos neste pequeno exclusivo é por que o reputâmos o unico meio de salvação para o Douro: e não sei para que nos fazem a nós esta guerra os lavradores da Extremadura, a não ser que elles queiram commerciar sós, por que isto que se propôem agora não tem comparação nenhuma com o antigo exclusivo de que tanto abusava a Companhia.

Em fim, para não demorar mais a Camara, vou concluir com algumas breves observações sobre as vantagens que se esperam da diminuição dos direitos nos vinhos que importarmos para Inglaterra: já em outra occasião fallei nisto, mas quero agora fixar bem a minha opinião a esse respeito.

Sr. Presidente, quando essa tão desejada diminuição de direitos se verificasse, declaro que d'ahi não resultaria vantagem nem para o Douro, nem para a Extremadura, nem para parte nenhuma deste Paiz; e a minha convicção funda-se toda na experiencia. Quando se fez o Tractado de Methuen julgou-se que elle era todo a favor de Portugal; entretanto o resultado foi que as importações de Inglaterra augmentaram de uma maneira espantosa, ao mesmo tempo que a exportação dos nossos vinhos apenas teve um insignificante accrescimo: ahi estão as estatisticas em que estes factos se acham consignados; aquelle Tractado foi muito proveitoso, sim, mas para os Inglezes, por que só de lanificios (que até então não tinham entrada nestes Reinos) introduziram elles para cima de tres milhões de Libras esterlinas. Veiu depois o Tractado de 1810, e não será necessario repetir os males que elle causou a este Paiz, por que toda a gente está persuadida disto; immensos fóram esses males, sem que por nossa parte tivessemos vantagem alguma. Ora, tendo nós sido enganados já por duas vezes nestas negociações, acaso poderei eu persuadir-me de que agora (que ainda nos achâmos em peiores circumstancias do que então estavamos) venhÂmos a tirar vantagens de couzas similhantes? Eu não o creio, ou antes, creio que d'ahi nos não póde resultar outra couza álem da ruina das nossas vinhas, por que pelo Tractado de Methuen ainda os lanificios Inglezes pagavam um direito de 30 por cento ad valorem, e de 15 pelo Tractado de 1810, mas agora o que pagam os pannos finos, em algumas occasiões, talvez não passe de 10 por cento; e então se um tal direito ainda se reduzisse (não digo que assim aconteça, mas é possivel) não sei o que seria das nossas fabricas. Ellas não são o que se tem dito nesta Camara tractando-se de questão diversa, e realmente merecem mais protecção... Sr. Presidente, insensivelmente ia eu entrando nesta analyse; mas vou concluir por que me lembra de que ninguem quer accreditar nestas minhas asserções, e tanto que em outra occasião, quando eu fallava neste objecto, até houve hilaridade na Camara; porêm a mim não me importa que se riam. Tenho aqui um livro com que podia responder: mas em fim não se faz caso de que eu digo, entretanto o tempo mostrará que não me engano; e se fallo assim, é por que occupo esta cadeira, tendo por isso obrigação de dar a minha

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opinião conscienciosa sobre as materias que aqui se discutem.

Terminarei pois dizendo que, se se não quer votar pelo exclusivo, vote-se ao menos pelo auxilio dos 150 contos de réis: dê-se, já que outro se não quer dar, este pequeno remedio aos lavradores do Douro, por que as suas calamidades são muito serias, e por isso merecem muita consideração da parte dos Legisladores.

O SR. CONDE DA TAIPA: - Sr. Presidente, antes de entrar na materia deste debate, devo declarar á Camara que eu estou persuadido ser ociosa qualquer discussão a respeito do exclusivo, por que os Srs. Ministros, na minha opinião, não querem que elle se vença; e dou a razão. É voz constante que o Ministro de Inglaterra declarara abertamente que os subditos Britannicos não se subjeitariam ao exclusivo em virtude do Tractado ha pouco concluido; dizendo-se mesmo que, sobre o Artigo que parece exceptuar os Regulamentos a respeito dos vinhos do Douro da disposição geral do mesmo Artigo, houvera Notas passadas interpretando esse Artigo no sentido contrario aos exclusivos.... (O Sr. Duque de Palmella: - Permitta-me o Digno Par que lhe diga que não houve taes Notas.) Bem; não houve taes Notas: era o que eu queria ouvir, o que já tinha perguntado por vezes sem podêr obter uma resposta cathegorica. Mas, quer houvesse explicações a este respeito quer não, o certo e que os Inglezes sustentam que o Tractado os eximo de todo e qualquer exclusivo, e por tanto se passasse este exclusivo, o Ministerio, ou largaria as pastas, ou apresentaria ao Paiz a vergonhosa contradicção de lhe pôr veto depois de o ter sustentado apparentemente. Todavia, Sr. Presidente, não é por essse motivo que eu o vou combater, mas por duas poderosas razões; e vem a ser primeira, por que o exclusivo dado a uma companhia não traria allivio á triste e enganada gente do Douro; segunda, por que elle iria mattar uma industria nascente, que tem prosperado, que ha de prosperar, que é natural deste Paiz, e que deve fazer a base do nosso commercio externo se a animarmos, tractando razoavelmente com as Nações estrangeiras, principalmente com a Inglaterra.

Sr. Presidente, a historia do passado é a licção para o futuro: nós já tivemos uma Companhia dos Vinhos do Alto Douro: e qual é a historia dessa Companhia? Principiou com exclusivos enormes: tinha o exclusivo das aguas-ardentes; tinha o exclusivo da venda de vinho para consumo na Cidade do Porto; e sobre tudo tinha o exclusivo de exportar os vinhos do Douro para o Brazil: e o que fez a Companhia com todos estes exclusivos, exclusivos enormes como nunca teve companhia nenhuma, por ventura augmentou o commercio dos vinhos? Olhem os Dignos Pares para as estatisticas officiaes da Alfandega do Porto, e verão que, dez annos antes e dez annos depois do estabelecimento da Companhia, não houve nenhuma alteração na exportação dos vinhos do Douro, pelo contrario, a exportação esteve estacionaria; e quando principia a augmentar, lançando os olhos para umas taboas chronologicas, os Dignos Pares verão que esse augmento foi devido a circumstancias politicas estranhas á Companhia. Mas a Companhia, com todos estes exclusivos, e que principiou com a enorme somma de milhares de contos de réis, não só não augmentou o seu capital, mas endividou-se em quantias enormissimas, e a final estava banca-roteira. Ora como se póde esperar que uma Companhia que nunca podem juntar as sommas que a outra juntou, e só com meio exclusivo das aguas-ardentes fique habilitada para minorar os males que soffrem as gentes do Douro?

Sr Presidente, a Companhia extincta era um potentado profligado, que tinha os seus cortezãos como tem os senhores de mão larga: tinha Deputados com bons ordenados e grande clientela: tinha administrações: ia para o Douro e fazia do vinho máu vinho bom, sem a ser, aquillo que era de uns dava-o aos outro: todas estas circumstancias deixaram muitas saudades, e para se alliviarem estas saudades toma-se por pretexto os soffrimentos do Douro. Triste Douro! .. É certo, Sr. Presidente, que muita gente advoga a causa do Douro com verdadeiro interesse pelos seus soffrimentos, com convicção e boa fé, mas esses são os illudidos, de trás está a agrotagem.

Sr. Presidente, o grande mal que vae fazer este, meio exclusivo, é destruir a nossa industria da destilação das aguas-ardentes, induzia que nasceu quando morreu a Companhia, e que morreria se ella tornasse a resuscitar. Só no Districto Administrativo de Coimbra existem vinte e duas machinas de destillação continua, afóra muitas outras menos aperfeiçoadas; o Districto de Leiria ainda trabalha mais nesta industria, não fallando no resto da Extremadura.

A influencia da Companhia foi tal que era necessario importar agua-ardente estrangeira quando o exclusivo existia, o que a Companhia fazia por contrabando. O Deputado ao Congresso das Necessidades, José Ferreira Borges, fallando a este respeito, disse que para se fazer esse contrabando mandavam vir agua-ardente das Ilhas para a introduzir pela barra do Porto como se fôsse das nossas Possessões, mas (accrescentava elle) ainda que as pedras suassem agua-ardente não podiam de lá exportar tanta quanta fôsse necessaria para adubar os vinhos do Alto Douro.

Mas diz-se - este exclusivo é para se acudir ao Alto Douro. - Não Senhor: ainda que se désse á Companhia dobrado exclusivo, o Alto Douro sempre havia de ficar nas mesmas circumstancias, por isso que ninguem póde fazer de pedras pão; isso fêlo só Deus, mas a Companhia não faz milagres. Ha muitas vinhas que não estão no caso de se cultivar, pois não podem concurrer com a outra industria vinhateira do Paiz, e isto por que fóram plantadas insensatamente no tempo em que o vinho valia muito; mas na Camara dos Deputados provou-se até á evidencia que todo o vinho bom que produz o Douro tem sempre uma venda certa e regular, augmentando ou diminuindo comforme a sua qualidade, e melhor ou menor colheita: quando esta e boa, succede o contrario do que acabou de dizer o Sr. Visconde de Villarinho, isto é, em logar de andar o lavrador atrás do negociante, anda o negociante atrás do lavrador; por exemplo, ninguem dirá que o dono da quinta do Rolim vae a casa dos negociantes pedir que lhe comprem o seu vinho, antes pelo contrario elles e que vão rogar-lhe que prefira este ou aquelle em iguaes circumstancias.

Sr. Presidente, levantar um imposto sobre uma industria nascente, e que está progredindo, para se ir sustentar um vinho que não offerece fortuna, se-

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ria o mesmo que lançar um tributo aos lavradores do Riba-Tejo e das planicies do Alem-Tejo para obterem um lucro certo os da Serra da Estrella afim de cultivarem os seus cumes, aonde se poderão pôr uns poucos de alqueires de trigo, mas, cujo fabrico custaria mais do que a immensa quantidade daquelle que se semeia no Riba-Tejo e no Alem-Tejo: e haverá quem sustente como vantajoso ao Paiz o pôrem-sa Cereas n'uma terra destas reputando isso um meio de animar a industria agricola? Creio que não. Pois a differença de uma couza á outra não e muito grande.

A Companhia e verdade que tinha apologistas, (se os havia de ter!) porque em fim não ha ninguem que decida sobre interesses pessoaes que não tenha tambem logo quem lhe faça apologias; ora nós sabemos a dependencia que havia da Companhia, nem admira, por que ella tinha o podêr de fazer transmigrar as almas de uns para outros corpos, ou (como eu já disse) de tornar o vinho mau em vinho bom, e vice versa.

Agora direi ao Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros que nunca ouvi um discurso mais triumphante do que o proferido por S. Exa. quando em 1841 combateu o exclusivo na Camara dos Deputados: pulverizou todos os argumentos dos advogados da Companhia, não lhe deixando se quer um palmo de terreno para se susterem; S. Exa. disse então, entre outras couzas, o seguinte, segundo consta do Diario daquella Camara:

«... Depois da Companhia, nos primeiros annos soffreu muito o Douro, e a Companhia foi creada debaixo d'um falso presupposto: os annos de 1754 e 55 tinham sido de difficuldade de venda; isto acontece em todos os ramos; ainda ha bem pouco os proprietarios do Alem-Tejo e Riba-Tejo seviram assoberbados com grande quantidade de pão a que não podiam dar sahida, eis o que aconteceu lá tambem por este ou outros motivos, e então uns poucos d'homens ambiciosos aproveitaram a algumas reflexões que muito naturalmente lhes fizeram os compradores, e esforçando-se a interpretalas pelo lado odioso, conseguiram que o grande homem que nesse tempo estava á testa do Governo, decretasse o estabelecimento da Companhia..... Realmente, com todo o respeito que eu consagro ao author deste estabelecimento, acho que a medida foi muitissimo impolitica; e que só os erros dominantes do tempo a podem desculpar.»

«E aqui posso eu dizer - nunca as Companhias apparecem, nunca os ambiciosos apresentam os seus alvitres senão quando um commercio está creado; este commercio estava creado havia mais de setenta annos, e então foi que appareceram homens que se atreveram a aconselhar o transtorno da sua marcha regular formando uma Companhia com monopolios e exclusivos, não appareceram para o começar, ou para lhe abrir mercados; vieram quando já estava creado, e até de idade madura. Isto mesmo tem acontecido em todos os Paizes, e é por isso que eu em these voto contra todas as Companhias de privilegios, com muito pequenas excepções. Quando fôsse necessario, por exemplo, crear um commercio no meio de uma Nação barbara, que fôsse indispensavel fortificar o local da Feitoria, fazer intrincheiramentos, construir castellos; que fôsse necessario despender uma grande somma de dinheiro antes de entrar em operações, não podendo chegar para tudo os capitães de um particular, nesse caso, ou outro similhante, não duvido que uma Companhia com privilegios podesse ser proveitosa, mas pelo contrario não ha senão atrazo e ruina quando se cria uma Companhia para um commercio que já está creado sem auxilio algum do Governo.

«Sr. Presidente, o progresso que fez o commercio dos vinhos depois da Companhia é nada, é absolutamente nullo comparado com o que se tinha observado nos annos antecedentes: dentro nos trinta annos immediatamente anteriores á creação da Companhia subiu a exportação desde oito mil pipas annuaes a mais de dezoito mil; e a oito mil tinha ella subido desde quatrocentos em um periodo precedente pouco maior; e ao depois, isto é, dentro em trinta annos, immediatos á creação da Companhia o termo medio foi um augmento annual de duas mil e tantas pipas! .. Haverá alguma comparação entre um e outro progresso? Pelo contrario ninguem poderá dizer que depois da Companhia não houvesse uma especie de paralysação nesse progresso: aqui estão os mappas, Sr. Presidente, são authetiticos; nos; primeiros trinta annos regulou a exportação termo; médio 21107 pipas que comparado com o termo médio dos trinta annos precedentes, de 18494 pipas, e dá o simples augmento annual de 2613 pipas, mesquinho em verdade, quando comparado com o progresso de um igual periodo antecedente de liberdade commercial, temos aqui nos trinta annos anteriores á Companhia 180494 pipas de sahida, termo médio; veja-se o progresso que tinha feito este commercio sem dependencia de restricções, nem de Bancos, nem de couza alguma; unicamente entregue ás faculdades naturaes do comprador e vendedor; e depois da Companhia, os primeiros dez annos fôram de uma paralysação completa, fôram de preços menores; fôram de uma crise; e mesmo tomando o numero de trinta annos dão termo médio, 21107 pipas; por consequencia duas mil e tantas pipas de accrescimo que como acabo de dizer não tem comparação alguma com o que se havia observado antecedentemente. Agora, Sr. Presidente, no que se faz a maior força, e que em annos seguintes a exportação chegou a 40 e 50 mil pipas; não ha duvida que assim foi; chegou a mais, Sr. Presidente; chegou no anno de 1801 a 66629 pipas, aqui tenho tambem os mappas relativos a esse periodo; mas acaso a razão desta immensa sahida não foi já muito bem explicada pelo illustre Deputado Sr. Silva Carvalho; não e ella ha muito sabida de todos os homens que despreoccupados tem considerado esta materia: esta grande exportação não podia deixar de a haver, por que a guerra primeiro da America, e depois, e principalmente da França tinha feito grandemente augmentar a procura; e pela revolução Francesa houve anno que fechados todos os portos da Europa aos mercados Inglezes só lhe restava o do Porto e da Madeira, e então nesse tempo, o termo médio foi de 47012 pipas: agora pergunto eu, será razoavel attribuir este excesso aos officios da Companhia, ou ás circumstancias politicas da Europa?

«Compare-se anno por anno a sahida dos nossos vinhos com as vicissitudes Europeas, e achar-se-ha a razão: ninguem porá isto em duvida &c.»

Estas eram as idéas do Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros faz agora dous annos; com ellas

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derribou completamente as doutrinas em contrario, de fórma que ninguem mais abriu a bocca quando se tractava de restabelecer a Companhia. Estas, sim, é que são as inducções que se devem tirar das couzas do nosso Paiz; aqui deparam-se os verdadeiros principios de Economia-politica. E todavia S. Exa. sustenta agora opiniões que vão completamente de encontro ás que defendeu em 1841. Confesso que estou admirado!

O Sr. Ministro disse (no seu discurso de hontem) que esta medida era um remedio moral: ora e verdade que o caso dos habitantes do Douro, até certo ponto, póde reputar-se moral, porque em fim quem padece no physico tambem soffre moralmente algumas vezes; comtudo para o nosso caso pouco aproveitarão remedios moraes: a fome, ou seja tida como um mal physico ou como um mal moral (eu cá estou persuadido que é physico) não póde remediar-se a não ser com pão, ou com alguma outra couza que satisfaça physicamente. Mas os pobres lavradores do Douro estão em más circumstancias, assim como acontece a muitas outras clases da Nação. E que remedio podêmos nós dar (por exemplo) ás classes inactivas? Nenhum, porque o unico que as allivraria era pagar-lhes, e não pagâmos, por que não podêmos pagar-lhes. Que remedio daremos aos reformados, ás viuvas &c. &c.? E aos lavradores do Riba-Tejo, que soffreram tantos prejuizos?.. O Governo mandou-lhes, é verdade, um auxilio de 25 contos de réis, quasi uma irrisão em comparação das suas perdes, entretanto o Governo não lhes acudiu com outros soccorros por que não podia. Mas estes pobres habitantes do Douro fôram enganados; fizeram-lhe conceber esperanças que se não podiam realizar, - Sr. Presidente, nós seriamos mais humanos, e até mais politicos, se respondessemos como Sr. Robert Peel. Quando a Inglaterra estava quasi levantada, quando tinha necessidade de estender o seu exercito pelas provincias manufactoras, perguntado aquelle Ministro sobre qual seria o remedio que a administração tinha em contemplação para acudir á miseria que apparecia tão immmente, elle respondeu: que se tractava de alguns dos seus compatriotas, e que tinha um coração sensivel ás desgraças desses infelizes, entretanto, accrescentou, - eu não quero nutrir a ninguem de esperanças que não sei se poderei realizar; o governo não póde com medidas directas melhorar a sorte desses homens, e pensa que só com ellas mediatas alcançará fazer alguma couza a beneficio delles, procurando novos mercados aos diversos productos para que concorrem e que espera achar algum allivio ás classes desvalidas. - Sr. Presidente, assim tambem e que eu o intendo, isto é que e desengano: se nós não estamos ao alcance de satisfazer as necessidades dos lavradores do Douro, pede a boa razão que não os illudâmos com esperanças enganosas, que, no fim de tudo, não apartariam a crise, e antes apressariam os seus effeitos. Entretanto elles fôram enganados, e enganados por quem já tem enganado a muita gente, que e a agiotagem; dia e quem engana todos os incautos: qual outro Protheu, muda de fórma, toma quantas raras póde haver no mundo para abusar da boa-fé. A agiotagem, quando não tem operações mixtas, nem transacções na Junta dos Juros, nem antecipações, nem estradas, lança mão dos monopolios e dos exclusivos o charlatão vae pelos campos em procura dos pobres de espirito para os enganar, se encontra algum doente abandonado e quasi a morrer diz-lhe - eu posso-te curar, se queres toma lá este frasquinho e da-me cá dinheiro; - assim diz a agiotagem a esses homens do Douro - que os seus vinhos hão de ser vendidos maravilhosamente, que elles hão de passar da miseria para a abundancia, para o paiz del Dorado, com tanto que haja o exclusivo. - Mas eu hei de defender os interesses da Nação, e por tanto nunca votarei pelo tal exclusivo. Sem duvida que é preciso melhorar o estado do Douro, e tractar de minorar os seus padecimentos; mas, da maneira que se propôem no Projecto, elle ficaria nas mesmas circumstancias. Desenganem-se que a Companhia não é quem bebe vinho; para que o Douro prospere faz-se necessario haver compradores ao seu genero. Ora se se desse o proposto exclusivo era impossivel que certos proprietarios continuassem apresistir, porque ha vinhos de logares muito agrestes e de cultura muitissimo difficultosa, alguns dos quaes não servem senão para queimar em agua-ardente.

O consumo está paralysado por força de circumstancias: ninguem quer pagar direitos senão do vinho que tem a certeza de vender n'uma semana, por que não sabe se na seguinte haverá diminuição de direitos, e por isso o negociante Inglez, que vê as dócas cheias, repugna a fazer novas compras. Assim o melhor de tudo é deixar as couzas no seu estado natural. As vinhas que não se podem grangear, um dia hão de deixar de ser cultivadas; não admira. Quantas vezes tem acontecido que uma cultura florescente em certa localidade acaba, só por que uma nova apparece em outra localidade? Consta da historia que a Ilha da Madeira estava cheia de cannas de assucar; as Ilhas de Cabo-Verde tinham tambem immensos engenhos; mas como no Brazil havia assucar mais barato, e como o fabrico naquellas Ilhas sabia mais caro, o resultado foi que ninguem quiz continuar com similhante industria. Querer-se que prosiga uma cultura á custa do suor dos lavradores, que aliás podem tirar algum proveito do seu trabalho, é pouco mais ou menos, o mesmo que dizer - porque ha tres mil infelizes, haja tres milhões: - quer-se verificado o Solatio est miseris socios habere penantes!

Em conclusão, Sr. Presidente, eu rejeito o exclusivo, por que rejeito a Companhia, persuadido do que ella daria lucros a poucos, e nenhuns ao Douro; tambem rejeito a concessão do subsidio dos 150 contos pela mesma razão: voto pela diminuição de ametade dos direitos de sahida no vinho do Douro, por ser o unico remedio efficaz que julgo se possa dar áquelle paiz, por ser um remedio directo dado aquelle commercio que não currerá o risco de ficar devorado sem que os habitantes do Douro recebam nenhum beneficio.

O SR. MINISTRO DOS NEGOCIOS ESTRANGEIROS: - Será permittido dar eu uma explicação, visto que o Digno Par que acabou de fallar entreteve a maior parte do seu discurso com o que eu tinha dito em outra Sessão?.. Se a Camara concede... (Vozes - Falle. Falle.)

O SR. ViCE-PRESIDENTE: - A generalidade da Camara parece convir em que o Sr. Ministro se explique; (Apoiados.) tem a palavra.

O SR. MiNISTRO DOS NEGOCIOS ESTRANGEIROS: -

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Sr. Presidente, o nobre Par intendeu que podia fazer uma grande impressão na Camara apresentando-me em contradicçao com as minhas idéas, e citou e leu grande parte de um discurso meu de ha dous annos; eu tambem aqui o tenho deante de mim, e declaro que não renego do que então disse. Eu ainda não fiz elogio nesta Camara á Companhia; ninguem deplora mais os erros daquella casa do que eu, principalmente o erro capital de abandonar o consumo dos nossos vinhos no Brazil, erro que ninguem lhe poderá perdoar. Nós tinhamos aquelle commercio exclusivo, e nenhuma corporação podia neutralisar a entrada de vinhos estrangeiros como ella; com pequenos sacrificios que fizesse, por tres ou quatro annos, havia de privar, ou pelo menos difficultar muito, aos estrangeiros de irem alli levar os seus vinhos, por que os nossos eram superiores aos da Sicilia, aos Catalães, e aos Francezes. Disposta uma corporação tão forte como a Companhia dos Vinhos do Douro a supprir as Colonias, e a arrostar qualquer diminuição de preço por tres ou quatro annos, necessariamente havia de impedir que os estrangeiros podessem arreigar aquelle commercio, juntando á má qualidade dos seus vinhos a falta das relações commerciaes que nós possuiamos. Outro grande erro foi o abandono do commercio da Russia... Mas acaso tracta-se aqui da antiga Companhia, de analysar a sua boa ou má gerencia, os seus erros ou os seus acêrtos, ou a questão é se se hão de queimar mais dez mil pipas de vinho, ou não? É a historia da Companhia o de que hoje se tracta? Eu não creio que assim seja. Ora relativamente ao que disse em 1841, e que tenho muito na lembrança, nem as circumstancias de hoje são as de então, nem o que eu combati tem similhança alguma com o que hoje apoio, unicos casos em que se podia dar a contradicção de que o Digno Par me accusa.

Em 1841, não só eu, mas muitos dos meus Collegas da Camara dos Deputados, que hoje votam comigo, estavamos persuadidos de que se poderia salvar o Douro sem medidas especiaes álem daquellas que se haviam posto novamente em vigor no anno de 1837, e que, auxiliadas com a maior extensão que o Governo procurava obter aquelle commercio, deviam produzir o equilibrio de que elle carecia. Oxalá que assim tivesse acontecido. Mas as circumstancias de hoje serão as mesmas? Podia prever-se que o Tractado de Inglaterra, que todos julgavam a ponto de concluir-se e no qual se trabalhava havia mais de um anno, não viesse a ultimar-se, e que o Tractado com os Estados-Unidos da America, que se havia feito no anno precedente, havia de ser esteril em resultados, não provindo delle a exportação de uma unica pipa de vinho do Douro? (Apoiados.)

Com aquellas esperanças, e com as faculdades de provas, e approve, e outras, já investidas na actual Companhia, bem podia, e devia eu oppôr-me á creação de uma companhia monstro, complicadissima em suas operações, com que então se pretendia dotar as duas Provincias de Trás os Montes e Beira. Repito por tanto que nem as circumstancias eram as mesmas, nem o que então combati eram as mesmas do que hoje se tracta. Combati então com as melhores armas que pude, e tive a satisfacção de conseguir, com a maioria de que fiz parte, que ás

1843 - MARÇO.

calamidades do Douro e da Beira se não juntasse a do Projecto que nessa epocha se discutia, e cujas consequencias, na minha opinião, seriam irremediaveis.

Restabelecidos assim os factos, o que agora nos cumpre examinar é se deveremos procurar um remedio para o Douro, ou se adormecidos sobre as theorias o devemos deixar ir a pique. - Já hontem um Digno Par disse - que o Douro estava adolescente de mais (ou couza similhante) e que quando uma industria, ou um ramo de agricultura cahe em desuso não ha remedio a dar-lhe! Disse isto acaso Sir Roberl Peel aos manufactores que ha pouco acudiram a elle? Não; não lhes disse que a sua manufactura cahira em desuso; não se negou a propôr as medidas que exigia o objecto; isto é conservar, é governar: esta a grande politica de Inglaterra que o nobre Par não ignora. Com um exemplo (citaria mil) mostrarei a veneração que alli ha sempre pelos interesses creados. Que attenções se não tiveram com o porto de Falmouth depois da creaçao dos vapores? Que fizeram agora com os Cereaes? Deram acaso a liberdade absoluta desse commercio, ou estabeleceram um meio terrno que respeitasse todos os interesses? É assim que se deve caminhar; é isto o que nós devemos fazer: não são as companhias como estava aquella constituida o que se deve hoje crear ou fomentar. Havia uma companhia e um systema que se alterou completamente; era ao mesmo tempo authoridade administrativa e commerciante; informava o Governo da existencia do vinho e o consultava sobre a porção que era necessario approvar para a exportação de Inglaterra, e ao mesmo tempo estabelecia o preço por que havia de comprar ao lavrador; tinha a preferencia sobre os outros compradores; tinha o exclusivo da venda na Cidade do Porto, e o de toda a agua-ardente de que o commercio carecia. Se o Digno Par se quizesse dar ao trabalho de examinar o Archivo da Secretaria dos Negocios do Reino acharia as Consultas feitas a este e outros respeitos, e poderá então fazer uma idéa do que existia, do que hoje existe, e do que aqui se propôem no momento actual.

Infelizmente a mudança daquelle systema não foi feita com a prudencia e moderação de que nos dão o exemplo os nossos alliados a que acabo de referir-me. Depois do Decreto de 1834, em que se estabeleceu neste ramo inteira liberdade de commercio, os vinhos das Provincias limitrophes acudiram ao Porto e deram um golpe mortal no credito de pureza de tão precioso vinho; este mal tem continuado constantemente. Em 1837 para 1838 muito acertadamente se encaminharam as couzas estabelecendo-se essa tal qual authoridade administrativa, ou policial, que hoje existe: póde ser que o Digno Par não votasse por isso, mas foi na Constituinte, de que S. Exa. era Membro, que a medida passou; e muito se remediou, honra seja aos que a proposeram. Nós não devemos ser tenazes nas nossas opiniões; mas devemos olhar para os factos, estudalos, e tirar delles a licção necessaria para encaminhar com acerto as couzas do nosso Paiz.

Agora peço perdão ao Digno Par do lado direito da Camara, que censurou que então se deixasse existir uma Companhia, e que se lhe não désse dinheiro, por quanto pelos esforços que nesse tempo se fizeram algum dinheiro se deu e pagou a essa Com-

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panhia; não menos de 700 a 800 contos de réis em acções da Junta do Credito Publico se lhe deram por conta do que se lhe devia. Justou certo que o meu nobre amigo, o Sr. Conde de Villa Real, não terá duvida em admittir que os esforços que por essa occasião se fizeram não fóram ficticios nem calculados unicamente para alcançar popularidade... (Rumor.) Já dous Dignos Pares disseram a meia voz que não se expressaram assim, e eu com isso me contento, por que o meu fim é meramente estabelecer a verdade dos factos sem o que nunca se póde marchar com segurança. Tracta-se agora unicamente de melhorar o primeiro ramo de industria de Portugal, e de o constituir como o exige o interesse geral do Paiz.

Sr. Presidente, é muito bom fallar em liberdade de commercio; nada ha mais facil, mas as difficuldades estão na applicação. O Digno Par sabe muito bem que estes principios se applicam sempre com muita reserva em Inglaterra. Cito de preferencia esse paiz por que o Digno Par costuma-o trazer sempre para texto (e fez muito bem), mas é necessario imitalo com mais regularidade, não seguindo umas couzas e desprezando outras, por ventura as de mais natural applicação ao nosso Paiz. Quando se quer sustentar que os exclusivos estão abandonados naquelle paiz, era bom primeiro examinar a sua legislação e os seus Tractados: já aqui fiz ver que estava um Tractado modernamente feito entre a Inglaterra e a Russia, que contêm alguns cinco exclusivos; e então peço licença para perguntar que foi feito neste caso das regras geraes, e os principios por que os não applicaram rasgadamente como recommenda o Digno Par? Mas não é assim, Sr. Prisidente, murchar de vagar e gradualmente, estudando cada ramo de commercio em todas as suas differentes relações, posto que sempre com o norte nos verdadeiros principios, é o que álem se faz, e é o que poderá fazer a felicidade de um governo qualquer. Pois para favorecer o Douro é acaso necessario que se sacrifiquem as outras Provincias? ha por ventura liberdade em todos os ramos de commercio excepto no commercio dos vinhos do Douro? Onde existe ella? Quando os negociantes do Douro quizerem exportar, e trazer em retorno trigo, ou milho, ou farinha, podem acaso fazêlo? Não: é-lhes vedado por Lei: esta Lei foi feita em beneficio dos lavradores de Cereaes; careciam della, foi muito justa, e se lhe quizesseis tocar os clamores subiriam até ao Céu; as vozes mais altas sahiriam dos proprios que aqui pedem o rigor dos principios. Pois então sêde coherentes; ou dai essa liberdade ao Douro, ou dai-lhe essas medidas que a sua posição especial reclama. Mas não, Senhores, os do Douro tem sido bastardos e não filhos, e eu posso provalo.

Sr. Presidente, quando no Riba-Tejo houveram prejuizos graves por causa de uma cheia, as Camaras de 1834 fôram promptas em acudir-lhe com um emprestimo de 400 contos de réis para os lavradores que mais necessitassem, dos quaes uma grande parte ainda existe pela mão dos mutuantes; mas os do Douro nessa mesma epocha tinham tres novidades perdidas em razão do assedio do Porto, e nem uma só voz se levantou em seu favor! Disse-se uma vez em favor das Provincias do Sul - não haja nem baldeação para os generos Cereaes - e assim se determinou logo mas não se fez nada em favor do Douro. E eu bem sei a razão: e por que infelizmente o Douro tem sido sempre mal representado nas duas Camaras, devido talvez ao pequeno numero de seus Representantes; mas nestas couzas não ha prescripção, Sr. Presidente, não se segue que o Douro não possa dizer com a força irresistivel da justiça - vós que nos obrigaes a tantos onus, consenti ao menos que possâmos reduzir a agua-ardente algum vinho que temos de sobrecellente.

E agora, perguntarei eu, donde procedem tantos embaraços; qual é o grave prejuizo que se antolha á Provincia da Extremdura para que cadaum de seus Representantes se tenha tornado um athleta contra esta idéa? É todo este arruido para que a Extremadura possa enviar para o Porto mais cinzentas ou quatrocentas pipas de agua-ardente em cada anno! Sacrifica-se a regeneração commercial de um paiz a uma, vantagem quasi imperceptivel de outro!

Ouvi dizer, Sr. Presidente, que, se acaso a Companhia fizer essa agua-ardente, o vinho será depois mais caro mas não é assim, por que essa differença seria nada comparada com o grande juro que hoje se está pagando pelo enorme deposito existente, o qual todo péza sobre o preço do vinho: não ha pois nem esta razão para combater a medida que actualmente se discute nesta Camara, ou seja a do exclusivo, ou seja a do subsidio dos 150 contos.

Admiro-me porêm de ver que alguns illustres Oradores (para combater a medida) recorram aos sustos para com a Inglaterra, e que outros recorram á historia da Companhia lanç-se mão destes meios por que não se quer ir ás cifras, e com ellas a uma analyse severa dos factos, por que se a esta recurressem veriam que os seus sustos e receios eram infundados.

Seja como fôr, o que eu porêm peço aos Dignos Pares com toda a efficacia de uma profunda convicção é que vejam bem o que fazem, e que attendam para essa grande população que está morrendo de fome. Não se diga que os 150 contos de nada servem: servem, Sr. Presidente; se elles se concederem servirão para soccurrer os lavradores que mais precisarem de auxilios, mediante a facilidade que a Companhia terá com este meio de lhe comprar seus vinhos menos procurados, desobstruindo assim o mercado do Douro em beneficio geral de todos os proprietarios. Peço pois á Camara que attenda ao que eu acabo de expôr-lhe, e que se attenda tambem a que o Douro não pede favor, pede justiça.

O SR. VICE-PRESIDENTE: - Devo prevenir a Camara de que a hora já deu, e que ainda estão inscriptos alguns Oradores.

O SR. MARQUEZ DE PONTE DE LIMA: - (Sobre a ordem.) Eu pedia a V. Exa. quizesse consultar a Camara para prorogar esta Sessão por mais uma hora. (Apoiados.)

Sendo effectivamente consultada, resolveu pela affirmativa.

(O Sr. Visconde de Sobral deixou a Presidencia, que foi occupada pelo Sr. Conde de Villa Real.)

O SR. SILVA CARVALHO: - Eu não fazia tenção de fallar mais sobre a questão dos vinhos, e por isso direi muito pouco, começando por declarar que não intendi as razões que deram os Dignos Pares contra a minha emenda: o Sr. Visconde de Villarinho de S Romão empregou meu nome durante a dicussão; e então eu, que não sou muito costumado a isso não posso agora deixar de me refeir tembem ao seu

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- S. Exa. disse que a Lei do Marquez de Pombal não mandara arrancar todas as vinhas do districto do Porto, e que isso só fôra em uma pequena parte: eu porêm não estava enganado quando asseverei o contrario antes de hontem; para o provar agora não tenho outro remedio senão ler a Lei, e a Camara formará o seu juizo. No paragrapho 4° do Alvará de 16 de Dezembro de 1773 diz-se...«E ordeno outro sim, que da mesma sorte sejam arrancadas todas as que se tem plantado de oito annos a esta parte, assim nos referidos districtos &.c.» Será isto parte ou será todas?.. Eu creio que fallei com exactidão.

Agora, e já que tenho a palavra, não posso deixar de aproveitar-me della, bem a meu pezar, para remover o equivoco que (com proposito ou sem elle) se terá querido descubrir em alguma phrase minha. Quando eu disse que rejeitava as principaes provisões do Projecto, poderia intender que ellas não prestavam, ou não se prestavam (que é o mesmo) para o pretendido fim de auxiliar o productor e o exportador do vinho do Douro; esta accepção nem merece censura, nem inculca desprêzo de nenhum Projecto, e quem rejeita, ou um Projecto, ou alguns Artigos delle, certamente o faz quando os não julga prestantes ao fim que se propôem. Isto digo, sem embargo de não conceder ter usado da phrase que mui gratuitamente se me attribue.

Agora pelo que respeita a uma expressão do Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros, pela qual S. Exa. pretende avaliar o grau de resolução, ou coragem de que eu seja dotado para ver sem commover-me os infortunios da Provincia do Douro, poucas palavras direi, por que quanto menos ellas fórem talvez mais signifiquem: a phrase de que S. Exa. usou, ainda no Parlamento a não ouvi empregar como elogio daquelle a quem se refere: eu, naturalmente comedido na expressão de que uso, e tanto que nenhum homem ainda se offendeu della, contento-me agora com declarar que me admirei de ouvila aqui, principalmente sahindo da bocca do Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros em relação a mim! Coragem (tomada no bom sentido), graças a Deus, não me faltou nunca, nem nos azares domesticos, nem nas difficuldades publicas; não vejo com insensibilidade, a que o Sr. Ministro chamou coragem, os infortunios do Douro, vejo sim, e intendo que os meios propostos para remediar esses infortunios são insufficientes; propuz os que me parecem só efficazes - remoção de tropeços á producção, e allivio de direitos á exportação - d'aqui segue-se o augmento do consumo, e este augumento do consumo é o que toda a gente conhece como absoluta e indispensavelmente necessario; se é coragem reprehensivel não ver eu um objecto senão pelos meus proprios olhos, e não pelo mesmo prisma por que os outros o vêem, não sei como qualificar a preterição de qualquer que me queira obrigar a ver pelos seus.

A minha idéa - mal faço em chamar-lhe minha - a idéa geral, a opinião de todos é sabida; aqui não ha interesses oppostos em classes e corporações differentes, o commercio é a agricultura, e a agricultura o commercio; produzir o genero e vendêlo no paiz, exportar o genero e vendêlo em mercado estrangeiro, é uma sequencia de operações em que todos tem iguaes interesses e em que cadaum concorre para a prosperidade do paiz: nestas noções simples é que se acha a verdade; eu ponho sempre de parte, por que as não accredito, essas combinações artificiosas, essas subtilezas de especulação, que muitas vezes se fazem valer contra a combinação doss factos em grande e as vistas de maior alcance; ao examinar a serie desses factos que vejo eu? Vejo n'um lance de olhos varias representações do Corpo do Commercio, feitas em varias epochas a differentes Governos, e por individuos differentes ainda que pertencendo á mesma corporação, as quaes todas parecem escriptas por um só homem e n'um só dia; em todas se mencionam as causas da decadencia do valioso producto da Provincia do Douro, e o remedio apontado e só um allivio da imposição para facilitar a exportação. Leio (Leu em varios papeis, e proseguiu)

Eu fujo das theorias por que cada um as encara como lhe parece; e trouxe isto para mostrar as razões pelas quaes devo apresentar a minha opinião afim de se tirarem os direitos ao vinho que se exporta pelo Douro, direitos que fóram postos em tempos calamitosos, por que o Thesouro necessitava meios para acudir aos seus encargos em que a guerra o empenhava; mas nós chegámos a um estado normal, por conseguinte é necessario que as couzas venham tambem a esse estado normal.

Outra sombra de equivoco me parece haver-se lançado sobre algumas das minhas phrases quando se notou que eu insistia na diminuição dos direitos de sahida sem que me referisse á compensação deste beneficio em Tractado com alguma Potencia: eu declaro que nenhuma allusão fiz em meu animo a Tractados ou Convenções que se estejam estipulando; o Projecto apresentado aqui, e sobre o qual versaram as minhas reflexões, é todo de economia interna, e de modo algum transcendi os seus limites. A hypothese apresentada pelo Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros, que pareceu convir na diminuição dos direitos de sahida, se n'outra parte houvesse diminuição nos direitos de entrada, nem a mim me pertence avaliala, nem era de certo para o terreno em que nos achâmos; eu tenho motivos pessoaes para não alludir a taes Convenções; nem o Ministerio me communicou a minima parte dellas, nem desejo que m'as communique, e sem embargo não estou tão ignorante do assumpto como talvez se pretenda; mas repito ainda, as minhas reflexões não passaram do Reino de Portugal até o limite dos seus portos.

Concluirei enviando para a Mesa a minha emenda que não mandei na Sessão passada; e a seguinte:

Emenda.

Os vinhos d'embarque para Inglaterra que até agora pagavam doze mil réis por sahida, pagarão da data desta Lei sómente seis mil réis. - Sala da Camara dos Dignos Pares 28 de Março de 1843. - José da Silva Carvalho.

- Foi admittida á discussão.

(O Sr. Presidente tomou a sua Cadeira).

O SR. CONDE DE VILLA REAL: - Sr. Presidente, procurarei resumir quanto seja possivel as poucas observações que tenho a fazer; mas tendo o Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros alludido ao que na Sessão passada eu dissera nesta Camara, e desejando ser exacto nas minhas asserções, deveria ter explicado hontem que, quando se restabeleceu a Companhia, se lhe deu á conta do seu grande cre-

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dito um certo auxilio, como indicou o Sr Ministro mas que este auxilio não tinha sido completo, visto que se lhe ficaram ainda a dever sommas consideraveis, por quanto, apezar do não ter relações com; Companhia, concurri, por intervenção de outras pessoas, com tres individuos (dos quaes um é hoje Deputado da Nação) na apresentação de uma representação dirigida ao Ministerio desse tempo, na qual a Companhia pedia o pagamento da sua divida. Quando pois ou alludi ao restabelecimento da Companhia, deveria ter accrescentado isto que acabo de declarar.

Passando á questão, direi que não tomaria novamente a palavra se não fôsse Membro da Commissão, mas não tenho esperança de conseguir couza alguma porque, vejo que tudo o que tende a dar mais força aos fundamentos da opinião da Commissão, ou a fazer conhecer as verdadeiras circumstancias e posição do Douro, de nada serve: é inutil repetilos, por que nada do que eu disse, por parte da maioria da Commissão, mereceu a consideração da Camara, nem tambem me parece que se desse mais pezo aos argumentos de alguns outro, illustres Oradores, que fallaram no mesmo sentido, e que são muito melhores juizes das circumstancias do Douro do que outros que impugnaram o Parecer da maioria, os quaes todavia não tem nenhum conhecimento da Provincia... (Sussurro.) Eu pediria só um momento de attenção, para dizer mais duas palavras. - Já hontem expliquei o sentido em que a maioria da Commissão deu o seu Parecer, e por tanto não tinha o Digno Par (que eu muito respeito pelas suas luzes e talentos) razão para applicar ás intenções da maioria, em quanto ao exclusivo que ella propôem, o verso de Camões - E se mais mundo houvera lá chegara. - A fallar a verdade não esperava ouvir similhante accusação, por que nós, o Membros da maioria da Commissão, não mostrámos tal predilecção para toda a sorte de exclusivo que justificasse o Digno Par em figurar que pretendiamos prégar o exclusivo em toda a parte, parecendo que queria acautelar a todos dizendo que tivessem cuidado com a concessão do exclusivo. Apezar de só desejar dizer poucas palavras, permittir-me-ha a Camara que leia outra parte do papel a que já alludi, e que mostra tambem a opinião, para mim tão respeitavel, do seu author, em quanto aos abusos da antiga Companhia, por que eu já partilhava a mesma opinião muito antes de 1820. Como esta opinião é expressa em linguagem melhor do que eu poderia usar, passarei a lêla. Escrevia pois a pessoa a que me refiro alguns annos antes:

«Queira V. Exa. passar pelos olhos o Codigo da Companhia e sentirá arripiar-se de horror; e quando se enfade desta licção, desta Legislação mais que turca, bastará para ter uma idéa della ler a Memoria que se acha a pag. 73 do Tom. 3.º das Memorias Economicas da Academia. Não obstante a Lei despotica do arranco das vepas brancas e rigorosa devassa que pezou tres annos sobre o Douro, deve confessar-se que este monopolio da Companhia, mal administrado, como sempre o foi por homens postos alli por empenhos, ou por protecção, assim mesmo fez augmentar a lavoura, a producção e commercio.

«Concurreu ao maior augmento da importação em Inglaterra o bill que Mr. Pill fez passar sobre a contrafacção dos vinhos em Inglaterra, e a diminuição dos direitos que nessa epocha houve no vinho, com a proporção vantajosa estipulada em favor dos nossos.

«Abundancia do genero em maior quantidade que a necessidade do mercado em Inglaterra suscitou á Cornpanhia a idéa das terças e ametades reduzir das a vinho de ramo ou a serem queimadas, pela a prohibição de serem exportadas para Inglaterra. Este iniquo procedimento foi o que lembrou a uma Junta que durante a sua administração não tinha procurado dar sahida por outras partes aos nossos vinhos, afim de não estarmos totalmente dependentes dos Inglezes. O estabelecimento que procurou fazer na Russia foi conduzido por principios tão absurdos como por individuos pouco fieis e ignorantes. O commercio do Brazil ainda foi conduzido com maior e mais imperdoavel negligencia. Ao mesmo tempo que gozavam do privilegio das aguas-ardentes, que lhe tinha sido concedido, não só deixaram de aproveitar-se delle para lhe não ser necessario pedirem, como pediram por diversas vezes, a entrada de aguas-rdentes estrangeiras, mas nem mesmo souberam jámais aperfeiçoar as nossas até igualarem aquellas.»

Penetrado destas verdades, não podia eu, apezar de assignar o Parecer da maioria da Commissão, ser de opinião que se restabelecesse a Companhia antiga. Mas ouvi dizer a um Digno Par que, em geral, não gostava nada de companhias, e se o Digno Par estendesse essa idéa a toda a especie de companhias sem excepção alguma, não tinha pela minha parte duvida em renunciar mesmo ao estabelecimento de algumas que eu julgaria uteis, por que acho que fariamos um grande bem ao Paiz com a abolição de todas.

S. Presidente, eu não sustentei a antiga Companhia do Alto Douro, mas não posso deixar de tiiar uma conclusão destas opiniões, e do que se disse, que haviam sabido pela barra da Figueira muitas mil pipas de agua-ardente em certo numero de annos: se a maior parte desta agua-ardente não foi para o Porto, não póde fazer mal áquella industria o exclusivo que se quer dar á Companhia; mas parece que toda foi para essa Cidade, e então concluo que as outras Provincias se tem aproveitado das tristes circumstancias do Douro, e que apezar de estar hoje talvez por esse motivo na maior decadencia não se lhe quer conceder favor nenhum.

Ainda farei uma observação sobre o que ouvi ao Digno Par que sustentou que a Companhia do Douro estava extincta porque tinha perdido os tres privilegios que indicou. A sua asserção trouxe-me á lembrança o facto de um antigo Marechal de França que perdeu uma perna, um braço, e um olho, mas a quem não consta pela historia que nenhum medico dissesse que se devia considerar um homem morto por esse motivo, ou que fôsse preciso mattalo, por que, pelo contrario, ainda viveu assim alguns annos. A Companhia havia perdido esses privilegios, é verdade; mas ainda assim mesmo tinha muito meios de vida nos grandes estabelecimentos com os quaes podia augmentar muito o seu commercio.

O Digno Par que hontem fallou disse mais que era lavrador; e por esta circumstancia ha de conhecer que para estabelecer uma grandes lavoura se tornam precisos tambem muitos objectos que exigem grandes desembolsos, como são, utensilios, gados, e vastos estabelecimentos: se estes se tiram ao lavrador, elle não terá

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meios de fazer prosperar a sua lavoura. O mesmo succedeu com a Companhia. Se não tivesse sido extincta pelo modo por que o foi, ainda teria tido meios de fazer um grande commercio pelos estabelecimentos que tinha.

S. Exa. fallou tambem a respeito dos habitos dos Povos. Convenho que muito se deve attender a elles: mas como póde o Digno Par fallar em habitos, no sentido em que fallou, quando todos vimos o facto que aqui aconteceu ha poucos annos, na epocha em que de Inglaterra se mandou buscar trigo a Lisboa? Deveria presumir-se que todos procurassem remetter o melhor: pois, pelo contrario, segundo se disse em toda a parte, foi pessimo trigo o que se enviou. Póde-se pois tirar deste facto a consequencia de que a nossa industria se deva entregar a si mesma?.. Não é só por theorias que nos devemos guiar, mas convêm applicalas aos nossos usos, aos nossos habitos. Como porêm só se argumentou com theorias, e pelo mais que se disse fórmo uma opinião fixa e decidida, concluo com ella dizendo que o que se pretende e não dar auxilio nenhum ao Douro.

(O Sr. Presidente deixou a Cadeira, que foi novamente occupada pelo Sr. Conde de Villa Real.)

O SR. DUQUE DE PALMELLA: - Sr. Presidente, esta questão tem sido já tão longamente debatida, e tem-se apresentado em pró e em contra tantos argumentos, que eu receio enfastiar a Camara com a reproducção de reflexões que já lhe terão sido presentes: por tanto serei o mais conciso que podér.

Começo, em referencia ás palavras que acabou de pronunciar o Digno Par que se acha agora na Presidencia da Camara, por declarar que, longe de recusar soccorro ao apuro em que se acham presentemente os lavradores do Douro, desejo pelo contrario que acertemos com os meios mais efficazes para dar nova vida e augmento a esse ramo o mais brilhante do nosso commercio externo; este mesmo desejo e por certo o de toda a Camara, e o duvidar disso seria fazer-lhe uma grave injustiça. É porêm necessario que o auxilio que lhe prestarmos seja um auxilio efficaz. A questão por tanto deve versar sobre a escolha dos meios, e podem existir differentes opiniões ácêrca da efficacia dos que se apresentam.

Não ha duvida nenhuma que a exportação dos vinhos do Porto tem diminuido, e se acha estagnada; que este ramo de commercio, outr'ora tão prospero, tem decahido; e que os vinhos não obtem actualmente no mercado um preço igual ao que alcançavam em tempos anteriores. Este mal provêm, em parte, de causas que hão de cessar, e em parte, de outras sobre as quaes não podem ter influencia as medidas que se adoptarem. Uma causa transitoria e a suspensão em que se está ha dous annos, ou perto delles, em consequencia da negociação de um Tractado com a Inglaterra, por que os negociantes Inglezes demoram o mais que podem a entrada dos seus vinhos nas alfandegas de Inglaterra, despachando apenas aquelles que são indispensaveis para consumo immediato e conservando o resto, na esperança de que uma diminuição de direitos os habilitará a introduzilos com mais vantagem: (Apoiados.) esta mesma razão embaraça que se comprem em Portugal, donde resulta um augmento muito consideravel nos depositos dos vinhos deste Reino, e principalmente nos do Douro. Esta causa puramente transitoria ha de cessar, como disse, decidindo-se, ou que

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não haja alteração nos direitos, ou que se estipule nelles uma reducção. A decisão a este respeito, qualquer que seja, ha de dar movimento ao commercio dos vinhos do Porto, e remediar até certo ponto o mal que neste momento se padece.

Outro mal que tem concurrido para este resultado triste, está inteiramente fóra do alcance de quaesquer medidas legislativas que se possam adoptar: talvez que tenha diminuido algum tanto em Inglaterra o gosto dos nossos vinhos depois da introducção dos vinhos de Xerez, que pouco se conheciam naquelle paiz ainda no principio deste seculo, e dos quaes agora se introduzem alli para cima de quarenta mil pipas por anno. Porêm ha males que trazem muitas vezes comsigo o remedio, por que acontece com estes vinhos o mesmo que acontece com todos os generos cujo mercado augmenta rapidamente. Os especuladores já começam a adulteralos, e a introduzir com o nome de vinho de Xerez vinhos de qualidades muito inferiores: d'ahi resultará gradualmente a diminuição do valor, dos ditos vinhos, e provavelmente uma reacção a favor dos nossos vinhos do Porto, como tambem dos vinhos brancos da Extremadura, uma vez que possam introduzir-se em Inglaterra pagando menores direitos, por que então poderão competir com os de Xerez.

Mas em fim, olhando para a questão como ella se acha agora, e estabelecendo que o unico remedio efficaz para os males de que se queixa o Douro será o promover um maior consumo dos seus vinhos, vejo que este remedio não se póde conseguir senão por tres maneiras, a saber: melhorando o seu fabrico; removendo os estorvos que impedem a sua introducção nos paizes estrangeiros, e tornam mais dispendiosa a sua exportação; e applicando a este commercio capitaes reaes e verdadeiros, e não capitaes ficticios e resultantes de monopolios (O Sr. Silva Carvalho: - Muito bem. Apoiado.) Eu reconheço que o espirito de associeção é de certo muito vantajoso para o commercio e industria, mas é quando das associeções resulta uma melhor applicação de trabalhos e uma maior applicação de capitaes; mas as associeções quando não são acompanhadas destes dous requisitos, e não se podem sustentar sem monopolios, não produzem sempre bons resultados. Depois desta observação previa, escusado e dizer que, na minha opinião, o favor que sequer conceder ao Douro não será productivo das vantagens que os vinhateiros daquellas Provincias por ventura imaginam: entretanto devemos considerar o commercio do Douro como a mina mais preciosa que possue esta Monarchia, (Apoiados,) porquanto e quasi unicamente por meio dos vinhos do Douro que se conserva a circulação do commercio externo, e que se paga, se não em todo, ao menos em grande parte, a introducção dos generos estrangeiros, quer dizer, que se mantem a balança do commercio. Considerando isto, e reconhecendo que o Douro está doente, que pede remedio, e que julga que esse determinado remedio lhe será proficuo, é minha opinião que a Camara lh'o não deve negar, (Apoiados.) ainda quando não conceba as mesmas esperanças que manifestam os interessados. - Confesso porêm a verdade, eu desejaria que este remedio podesse differir-se, ou addiar-se por algum tempo, isto é, até ao exito da negociação com Englaterra, para ver se o resultado dessa negociação traria comsigo um melhoramento no commercio dos vi-

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nhos sufficiente para que não fôsse reclamada com urgencia qualquer outra medida: entretanto não me atrevo a aconselhar esta demora, e talvez ao ponto a que chegaram as negociações não seja preciso suspender-se esta discussão nas Camaras, por que antes della se terminar, ou, pelo menos antes que a Lei que se propôem obtenha a Sancção Regia, terá Governo dados mais seguros para proceder com conhecimento de causa.

O doente pede um remedio, e o remedio e o restabelecimento da Companhia do Alto Douro: nisto discorre, como frequentemente se discorre neste mundo; lembra-se que estava melhor quando existia Companhia, e julga que para tornar ao pristino estado bastará que se torne a estabelecer aquella corporção. Po t hoc, ergo propter hoc, é, como já disse, um conclusão que frequentemente se tira, mas que nem por isso é exacta. O restabelecimento da prosperidade do Douro não será (com magoa o digo) uma consequencia do restabelecimento da Companhia, por que a decadencia deste commercio provêm de outras causas as quaes não existiam quando a Companhia estava em pe. (Apoiados.) No entanto tenho uma tal consideração pelo doente, e elle solicita com tanta ancia o remedio, que sou de opinião de que a Camara não lh'o deve negar. (Apoiados.)

Embora se conceda pois um auxilio para habilita a Companhia a preencher os encargos que se lhe commettem, porêm de maneira nenhuma se funde similhante auxilio n'um privilegio exclusivo. A este respeito tem-se aqui esgotado todos os argumentos. O exclusivo que a maioria da Commissão apresenta tem, entre outros grandes inconvenientes, o de fazer um que peze sobre um ramo especial de industria em todo o Reino o onus do soccorro que se que prestar a esse mesmo ramo de industria na Provincia do Douro. A prestação dos 150 contos que se tracta de conceder, sahindo do Thesouro Publico, apresenta ao menos a vantagem de evitar uma injustiça relativa; (Apoiados.) e um soccorro prestado pela Nação toda, e para o qual concorrem com a sua respectiva quota parte os proprios habitantes das margens do Douro, por conseguinte traz um caracter maior de justiça do que o outro que sahiria á custa de um só ramo de industria, que já tem crescido e vae prosperando muito nas outras Provincias.

Não me cançarei em demonstrar que uma medida desta natureza, ainda que não comprehendesse toda a porção de agua-ardente que se emprega na confecção do vinho do Douro, não deixaria por isso de dever ser considerada como um monopolio parcial. O meu illustre visinho e amigo, o Sr. Visconde de Villarinho de S. Romão, comparou este exclusivo que agora se reclama a um pygmeu á vista do gigante que antes existia; mas este pygmeu tem a mesma natureza do gigante, e por consequencia apresenta inconvenientes similhantes, posto que talvez em grau menor.

Sr. Presidente, o remedio que o Douro pede e o estabelecimento, ou antes a consolidação de uma Companhia; e então, se lhe applicarmos qualquer outro meio que não seja para esse effeito, poderá dizer que não se [...] aos seus votos, e que o remedio que se lhe offereceu não é efficaz. Esta observação dirige-se a provar que a emenda do Digno Par, o Sr. José da Silva Carvalho, que consiste na diminuição dos direitos de sahida dos vinhos do Porto, posto que fundada em bons principios, não satisfaz ao que se pretende. - Abstracção feita porêm da questão de que se tracta, declaro que pela minha parte apoio tambem a proposta do Digno Par, por que não e justo que se exija um direito de exportação sobre o vinho do Douro, não se exigindo sobre o das outras Provincias do Reino, e por que é contrario a todos os principios de Economia-politica o pórmos estorvos á exportação dos productos em que consiste a riqueza do Paiz. - Repito porêm que esta medida não offerecerá á Companhia nenhum auxilio directo e immediato, e se a Companhia reputa que não póde subsistir sem que se lhe preste um soccorro, e se os negociantes do Douro julgam que não podêm prosperar sem a existencia da Companhia, segue-se que e necessario prestar-lhe um auxilio que concorra para a sustentar. Por tanto, na minha opinião, não podêmos deixar de annuir aos, votos dos habitantes daquella Provincia, como aconteceria se lhes negassems o socorro que pedem para manter a Companhia. Todavia este soccorro deverá talvez prestar-se por um espaço de tempo limitado, na esperança de um futuro mais favoravel que habilite a Companhia a prescindir da sua continuação.

Com isto tenho dito o que julguei indispensavel expôr sobre a questão; e sómente accrescentarei, com relação aos Tractados de Commercio (visto que se tornou a fallar nelles) que me admira de que os Dignos Pares, que mostram opposição a esses Tractados (entre outros o meu illustre amigo, que está ao pé de mim), e que manifestam esta opposição sobre tudo com relação a Inglaterra, reputando que uma diminuição consideravel dos direitos de entrada dos, nossos vinhos naquelle paiz não augmentaria o consumo destes vinhos, queiram comtudo que se procure negociar com a Russia, a Porta Ottomana, e ouras Nações, com as quaes, não direi que não se deva tractar, mas que por certo não podem offerecer-los a esperança de grandes vantagens immediatas; por quanto os inconvenientes que o Sr. Visconde de Villarinho ponderou hontem, e que resultam do obstaculo que embaraça a entrada dos nossos navios o Mar Negro, não impede os navios Russos, ou os de qualquer outra Nação, a cuja bandeira não seja vedada a passagem dos Dardanellos, de virem aos nossos portos buscar os productos deste Reino. Não quero dizer por isto que não se devam fazer diligencias para abrir tambem esta nova estrada á bandeira Portugueza, e talvez mesmo que, á hora em se estâmos fallando, já esteja concluida com a Porta Ottomana a Convenção necessaria para este fim. Em quanto ao Tractado com a Russia, ou com qualquer outro paiz onde se possa desejar introduzir uso dos nossos vinhos, observarei á Camara que similhantes Tractados nunca podem conseguir-se sem conceder vantagens reciprocas, vantagens de igual dureza das que será necessario conceder á inglaterra para o mesmo fim: sendo porêm de advertir de o mercado que já existe em Inglaterra para os nossos vinhos merece sacrificios incomparavelmente maiores que se podem, offerecer a qualquer outra Nação.

Desculpe a Camara esta digressão, que só teve objecto o mostrar que os Dignos Pares, que julgam lesivos e onerosos os sacrificios que se exigem

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para concluir um Tractado com a Inglaterra, estão em contradicção comigo mesmos quando aconselham que se negoceiem Tractados de Commercio com outras Nações, por que nenhuma dellas nos concederá vantagens gratuitas. - Estou persuadido que a Camara não quererá ouvir agora mais extensas explicações a este respeito, e por tanto reservalas-hei para outra occasião mais appropriada.

Terminarei declarando que voto na questão de que se tracta com a minoria da Commissão. (Apoiados.)

O SR. VICE-PRESIDENTE: - Devo observar á Camara que já passou a hora por que foi prorogada esta Sessão assim como é da minha obrigação prevenila de ainda se acham inscriptos alguns Dignos Pares: vou por tanto fechar a Sessão, visto que não ouço propôr, nem me parece que os Dignos Pares estarão hoje dispostos a que tenhâmos uma nova prorogação. (Apoiados.) - A Ordem do dia para ámanhan é a continuação do debate sobre o Projecto relativo aos vinhos do Douro. - Está fechada a Sessão.

Passava das cinco horas.

N.º 50. Sessão de 31 de Março. 1843.

(PRESIDIU O SR CONDE DE VILLA REAL.)

Foi aberta a Sessão pela uma hora e tres quartos da tarde: estiveram presentes 47 Dignos Pares - os Srs. Duques de Palmella, e da Terceira, Marquezes de Abrantes, de Castello Melhor, de Fronteira, de Loulé, das Minas, de Niza, de Ponte de Lima, e de Santa Iria, Condes do Bomfim, da Cunha, do Farrobo, de Lavradio, de Linhares, de Lumiares, de Paraty, da Ponte de Santa Maria, de Rio Maior, de Semodães, da Taipa, e de Villa Real, Viscondes de Fonte Arcada, de Laborim, de Oliveira, de Sá da Bandeira, da Serra do Pilar, de Sobral, e de Villarinho de S. Romão, Barões de Ferreira, do Tojal, e de Villa Pouca, Barreto Ferraz, Miranda, Osorio, Ribafria, Gambôa e Liz, Ornellas, Serpa Saraiva, Margiochi, Tavares de Almeida, Pessanha, Giraldes, Silva Carvalho, Serpa Machado, Polycarpo José Machado, e Trigueiros. - Tambem estiveram presentes os Srs. Ministros dos Negocios do Reino, e dos Estrangeiros.

Foi lida a Acta da Sessão precedente, e ficou approvada.

O SR. SECRETARIO CONDE DE LUMIARES: - Tenho na mão uma representação da Camara Municipal da Villa de Alemquer, contra o exclusivo das aguas-ardentes.

O SR. GAMBÔA E LIZ: - Mando para a Mesa duas representações, da Camara Municipal do Concelho da Agueira, e dos lavradores vinhateiros do mesmo Concelho, tambem contra o exclusivo das aguas-ardentes.

Ficaram todas em cima da Mesa.

O SR. PESSANHA: - Tenho a honra de mandar para a Mesa um requerimento da Baroneza d'Arcoçó, em que pede se lhe conceda o soldo por inteiro (pago com as classes activas) de seu defuncto marido, o Barão do mesmo titulo; o costume é irem estes requerimentos á Commissão de Petições, peço que a ella seja mandado para fazer a justiça que intender. - assim se resolveu.

O SR. CONDE DE LAVRADIO: - Por duas vezes, Sr. Presidente, dirigi uma interpellação ao Ministerio, e por duas vezes ella me foi illudida por um dos Srs. Ministros que então se achava presente: receando agora que não tenha a honra de ver tão cedo nesta Camara o Sr. Ministro dos Negocios do Reino, vou apresentar um Requerimento, por que me parece que o negocio insta, e desejo uma resolução sobre elle. Devo observar que a minha interpellação não era exclusivamente dirigida, a um só dos Ministros, posto que a ella désse logar um acto do dos Negocios do Reino. Como porêm vejo que se vae illudindo a resposta, tomo a liberdade de pedir á Camara queira dar andamento ao seguinte

Requerimento. (*)

Requeiro que a Mesa desta Camara dirija officialmente ao Sr. Presidente do Conselho de Ministros o seguinte quesito:

Se o Governo se julga authorisado, pela Legislação vigente, a demittir arbitrariamente os Funccionarios Publicos, cujos Empregos, ou por clausula expressamente consignada no Diploma de nomeação, ou por antigo costume, são considerados vitalicios?

- Sala da Camara dos Pares em 31 de Março de 1843. - Conde de Lavradio.

O SR. VICE-PRESIDENTE: - Eu julgo que este Requerimento não é daquelles que devem ficar para segunda leitura.

O SR. CONDE DE LAVRADIO: - É da mesma natureza de outros que aqui se estão fazendo todos os dias, e que são votados immediatamente. - O motivo de eu mandar o meu quesito para a Mesa, foi o não se me haver proporcionado occasião de interpellar directamente o Sr. Ministro dos Negocios do Reino, por não se ter achado presente nas Sessões passadas antes de começar a Ordem do dia: entretanto creio que o Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros não deixaria de lhe communicar o objecto da minha interpellação (visto que S. Exa. se quiz prestar a isso), e por tanto, renovando-a agora, pergunto - se o Governo se considera authorisado para demittir arbitrariamente os Funccionarios Publicos, cujos empregos são reputados vitalicios?

O SR. VICE-PRESIDENTE: - É da minha obrigação perguntar ao Digno Par se ainda sustenta o seu Requerimento?

O SR. CONDE DE LAVRADIO: - Isso será dependente da resposta que os Srs. Ministros derem á minha interpellação, e creio que SS. Exas. estarão agora promptos para responder.

O SR. VICE-PRESIDENTE: - Ainda que o Digno

(*) Ao concluir-se a leitura deste Requerimento, entraram successivamente na Sala os Srs. Ministros dos Negocios Estrangeiros e do Reino.

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