O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

1331

CAMARA DOS DIGNOS PARES.

Extracto da Sessão de 20 de Novembro de 1814.

(Presidiu o Sr. C. de Villa Real.)

ABRIU-SE a Sessão pela uma hora da tarde, e foram presentes 53 Dignos Pares; tambem o esteve o Sr. Ministro do Reino.

O Sr. Secretario Machado leu a acta da Sessão anterior, e approvou-se.

O Sr. Secretario C. de Lumiares deu conta da seguinte correspondencia:

1.º Officio da Camara dos Sr.'Deputados, participando haverem alli sido approvadas as alterações feitas por esta ao projecto de lei que authorisava o Governo a conservar certos alumnos no Collegio militar. — Inteirada.

2.° Dito pelo Ministerio da Justiça (era referencia a outro ácerca de um requerimento do Digno Par Giraldes), incluindo uma relação recebida do da Guerra dos quatro paizanos julgados em conselho de guerra, que foram absolvidos por falta de prova. — Para a Secretaria.

O Sr. Barreto Ferraz, por parte da Commissão especial, nomeada hontem para o exame do requerimento do Sr. C. dos Arcos, leu um parecer propondo que elle seja admittido a tomar assento na Camara. — Mandou-se imprimir.

O Sr. C. de Lavradio enviou á Mesa 80 exemplares da representação da Associação mercantil Lisbonense, que S. Ex.ª tinha ha poucos dias apresentado á Camara. — Distribuiram-se,

ORDEM DO DIA.

Prosegue a discussão do parecer da Commissão especial, que o dera ácerca do projecto de lei tendente a serem confirmadas varias medidas legislativas tomadas pelo Governo.

Tinha a palavra

O Sr. V. de Villarinho de S. Romão (membro da Commissão) principiou notando, que a opposição estava sempre em bom campo, porque dirigia os seus ataques pelos meios que julgava melhores, em quanto que as Commissões eram obrigadas a manter-se no seu posto, e dentro do recinto constitucional: que já o Sr. Serpa Machado havia respondido, e mostrado evidentemente, que a maior parte dos argumentos contra o parecer não vinham para o caso, e por isso elle (Orador) só tractaria de outras objecções feitas contra o mesmo parecer.

Quanto ao argumento — de que se não regularam as finanças, nem se salvara o paiz — referiu-se ao que tinha dito um Digno Par a respeito do orçamento, que em toda a parte se tractava delle: que lá por fóra se dizia constantemente que Portugal esta carregado de tributos que o hão de subverter, e que a sua divida é tamanha que nunca se poderá remir, o que influia no animo dos povos; mas que elle (Orador) ia mostrar que Portugal esta mais prospero que nunca esteve; que a somma dos tributos que hoje paga é muito menos que d'antes se pagava; e finalmente que a divida publica, interna e externa, guardadas as proporções, é muito menor do que a das nações mais felizes da Europa.

Sobre a primeira proposição, disse que Portugal tinha augmentado em população e riqueza: que nos tempos em que se julgava que o commercio nos era favoravel, importavamos seis milhões de cereaes, de que agora lemos abundancia não só para o paiz mas até para exportar: quanto ao vinho, que a sua abundancia era tal que della nos vinha o mal, pois só os manifestados subiam a 640 mil pipas cada anno, quantidade que não póde ter sahida: que a praça do Porto, longe de mandar dinheiro para fóra, tinha um saldo de 400 e tantos contos a seu favor, isto apezar da decadencia do commercio dos vinhos, do qual todavia ainda se tirava muito interesse. Que a prosperidade era tal que admirava que o Governo podesse fazer um emprestimo de 4 mil contos a 5 por cento, como o fizera, cora a vantagem de o pagar em 23 annos: e a este respeito lembrou que em 1820 se não podéra completar o emprestimo de 10 milhões então decretado, apezar de se crer que o paiz se achava nessa época mais prospero que hoje. Disse mais que o cambio estava quasi ao par, e que os nossos fundos tinham subido, tanto fóra como dentro do paiz, achando-se as inscripções a 60 (quando ha pouco estavam a 48) sem haver quem as queira vender. E perguntava, se todas estas cousas não seriam prova de prosperidade?....

Quanto ao segundo ponto (os tributos), disse que a antiga renda da Nação (composta dos rendimentos das Alfandegas, do contracto do Tabaco, urzella, marfim, e contractos reaes) andava por 7 mil contos, supprindo os proprios da Corôa, e alguma cousa que vinha do Brazil, o que faltava para 9 mil contos, mas notou que os dizimos orçavam por 8 mil contos: que se comparasse isto com oque hoje se paga, e achar-se-ia que é muito menos actualmente. Disse que todos os dias se clamava contra a decima, mas os proprietarios que mettessem a mão' na consciencia, e dissessem se algum tempo pagavam ou não muito mais em dizimo: que tambem se clamava que a decima industrial havia de matar tudo, mas que o facto era que todos os dias se abriam lojas novas, e lojas de luxo, havendo só de confeiteiros, em Lisboa, 400 e tantas, que não existiriam senão houvesse quem lhe gastasse os generos: que nunca se viram tantos alfaiates estrangeiros, nem tantas modistas, o que indicava luxo, e este o excesso do necessario.

Referindo-se á reforma do Thesouro, disse que ella tinha produzido uma economia de 38 contos de réis annuaes, e que o Governo sem nova despeza havia estabelecido o Tribunal de Contas: que dêsses emolumentos em que hontem fallara um Digno Par entrava grande parte para a caixa da Nação, que dahi revertiam para as mesmas classes infelizes. — O Orador ponderou então a grande quantidade de papeis que a Junta do Credito Publico estava continuamente queimando, tanto assim que fazendo o Governo ultimamente uma operação mixta, os mutuantes não poderam achar os papeis com que deviam entrar.

Tractou, do mostrar que a nossa divida é mais pequena que a de outras nações que se reputam prosperas, e leu um calculo em que se comparavam as dividas das Nações franceza e ingleza com á portugueza, do qual resultava que esta ultima era muito menor. Disse que a verdadeira prosperidade consistia no augmento do trabalho, e sustentou (com outro calculo que desenvolveu) a possibilidade de pagarmos a divida interna e externa sómente com o producto do accrescimo do trabalho que ha de vir da abolição de alguns dias santos, o que todavia desejava se fizesse pelo meio competente.

Affirmou que o paiz estava salvo, e aprova era estarem alli (os Dignos Pares), e a opposição dizer quanto quer ao Ministerio: que nunca as authoridades foram tão respeitadas como agora, e que se por ventura existiam algumas cinzas mal apagadas da revolta, pedia ao Governo que fôsse bem vigilante, certo de que havia de achar apoio da parte de todos aquelles que não querem revoltas.

Quanto a dizer-se que o Governo invadira as attribuições das Côrtes, disse que isso elle mesmo (Governo) o confessava; mas que se entrára pela casa alheia fôra para apagar o fogo que a ia devorar: recordou então o acontecimento de Torres Novas, sobre o qual, suas tendencias e ramificações expoz algumas considerações, entre outras que o Governo inglez, em certa crise, havia obrado como o nosso, mandando sustar os pagamentos do Banco de Londres, do que resultára salvar-se aquelle paiz, postoque, apresentando-se Pitt no Parlamento a expor as razões de suas medidas, ahi houvesse uma discussão tão encarniçada, como agora havia entre nós, porém, que a final fôra absolvido, e que elle (Orador) esperava que tambem o fosse o Ministerio naquella Camara.

Proseguiu respondendo á asserção de que as medidas do Governo tinham uma origem viciosa, entre outras cousas com a razão de que todo o Governo era obrigado a abafar qualquer revolta, e por isso tributava os seus elogios ao actual.

Voltando ao Decreto sobre o Contracto do Tabaco, disse que em consequencia delle se iam regularisar as finanças do paiz, cujas rendas estavam anticipadas, porque assim fôra mister para acabar a maldita revolta: que por tanto não se podia governar sem meios, e era preciso da-los ao Governo, como se fazia nas outras nações, e dar-lhos quanto antes.

Concluiu que votava por todas as leis, e por quaesquer outras que tivessem um fim tão justo como aquellas.

O Sr. Bispo de Bragança disse, que havendo o Sr. Conde de Lavradio appellado hontem para os Bispos, apesar delle (Orador) ser o minimo de todos, assim mesmo queria mostrar ao Digno Par que a parte direita defendia a verdade, e a defendia fundando-se em bons principios. Que reconhecia os muitos talentos do Digno Par, mas que não podia deixar de dizer que se enganou naquella occasião.

Que o Digno Par fizera um grande discurso, porém que se elle (Orador)-quizesse fallar muito, e fazer alli grande figura, passaria para o lado esquerdo: entretanto que a verdade era sempre uma unica, e as falsidades infinitas (apoiados). Que se houvesse um só ponto, na parede daquella Gandra, que deitasse agoa, bastaria tocar nesse ponto para que a agoa corresse; mas, ao contrario, sempre se podia fallar muito a respeito da falsidade, que a tudo quer objectar, e não admirava porque tambem se negava proposições mathematicas, assim na Trigonometria espherica, como em Astronomia. Que o discurso do Digno Par havia sido muito eloquente, porém a belleza não precisava de ornatos: que assim como á donzella por si perfeita qualquer cousa a apresenta estimável, havia outras que por feias precisam de muitos atavios: S. Ex.ª exemplificou isto com o caso da Rainha Esther, e accrescentou que os ornatos empregados pelo Sr. Conde de Lavradio no seu discurso eram um indicio da falsidade que encobriam, e queria defender; que usava de muitos affectos, mas que estes escureciam a razão: que sendo Galba accusado de ter morto quinze mil portuguezes á falsa fé, isto dera logar, pelo desenvolvimento dai paixões, a que Viriato fizesse guerra aos Romanos que se viram proximos á sua destruição.

Disse que o Digno Par apresentava um papel, que achára (o Orador accrescentou — que não sahia aonde), no qual se desacreditava a respeitavel Camara: que ahi se dizia que uns dos seus membros eram nobres mas não tinham vintem, e quo outros eram ricos mas ignorantes; de fórma que afinal tudo alli parava em nada! Se eu achasse similhante papel (exclamou o Orador) não teria a ousadia de o trazer a esta Camara (muitos apoiados); eu o rasgaria. Que os nobres que alli se achavam presentes, ainda que não tivessem muita riqueza, tinham a coragem que os portuguezes mostraram na batalha de Alcacer-ceguer. Que alli se achavam igualmente um Conde de Porto Côvo, um Conde do Farrobo, um Duque de Palmella, e o Sr. José da Silva Carvalho, que o Digno Par tanto elogiara.... E perguntava se aquella Camara era a dos pobres? — Que o Digno Par achára no seu papel que ella era a minoria dos sabios; mas que alli se achavam os talentos mais profundos de Portugal, que o mesmo Digno Par tinha hontem elogiado, e com razão, como o Sr. Cardeal Patriarcha e o Sr. Bispo de Leiria, alem dos quaes alli havia outros Prelados (o Orador declarou que se não contava a si, que não era nada) que subiram áquelle logar pelas suai grandes virtudes, pelo seu talento, e pelos seus vastos conhecimentos. Perguntava pois se aquella era a minoria dos sabios?

Que o mesmo Digno Par tinha dito que os Bispos haviam sido chamados áquella Camara para com sua moralidade conservarem a moralidade na mesma Camara, e depois accrescentára que commetteriam um erro quando não fossem da sua opinião: eu perguntaria ao Digno Par (continuou o Orador) V. Ex.ª quer ensinar o Padre nosso ao Vigario?... (Riso) Se elles tem moralidade hão de regular-se pela sua consciencia.

Que o mesmo Digno Par tinha dito que se os (Sr.s) Bispos approvassem os Decretos do Governo não poderiam ser olhados pelas suas ovelhas senão como lobos devoradores; mas que se assignassem o contrario então é que seriam olhados como taes, e quando chegassem aos seus Bispados o povo diria. — Quem vem ahi? é o nosso pastor: pois é pastor um homem que nos deve edificar pelas suas virtudes, e que mostrou a maior ingratidão?... Observou o Orador que quem não linha gratidão era um monstro; e que os Bispos, tendo sido levados aos seus Bispados, sómente pelo Ministerio que se achava presente, deviam conservar-lhe por isso a mais profunda gratidão, se queriam dar bons exemplos aos seus diocesanos por suas palavras, e por suas obras: que de outra sorte seriam monstros de ingratidão; e então não eram lobos, porque o lobo como é fraco lá foge do homem; não eram leões, porque o leão quando esta farto, se o homem se lhe humilha, continua a sua carreira; mas que eram tigres, porque tigre é o homem que faz mal porque quer. Que assim seria o Prelado que approvasse cousas contrarias ao pensamento desses Ministerio que o reconduziu, e que levou a paz ás Provincias. E que era Portugal antes da nomeação delle (perguntou o Orador)? Era um inferno porque o marido fugia da mulher e a mulher do marido; os filhos separavam-se de seus pais, porque nem rezar o Padre nosso queriam com elles; as tropas corriam por toda a parte a fazer prisões, a espancar, a matar. Que eram os Ministros presentes os que tinham trazido a paz o socego; e por tanto todo o Prelado que não désse o seu parecer conforme os Decretos desse Ministros era o homem mais indigno que cubria o sol.

Proseguiu S. Ex.ª que (por não ter feito apontamentos) não poderia seguir passo a passo os Dignos Pares que haviam fallado contra, mas com tudo tractaria dos dous principaes Decretos que faziam o ponto essencial desta questão.

Sobre o Decreto das transferencias, disse que passava a mostrar que todos os Juizes tinham o maior interesse em que subsistisse esse Decreto que os grandes Ministros apresentavam á Camara, e que por elle a Carta era observada, exactamente preenchida, e corroborada; longe de a destruir, que era o seu principal apoio. — Disse que não havia lei alguma sem sancção, e que todas as vezes que a não tinha deixava de ser lei, isto é, premio ao bom, castigo ao máo. Que a Carta decretava certos castigos para os Juizes, mas estes não eram bastantes para a observancia da mesma Carta, e por isso os Ministros da Corôa tinham feito muito bem para que ella fôsse observada com mais vigor. — O Orador quiz provar a sua asserção com o exemplo de dous pais de familia, um dos quaes ameaçasse simplesmente seu filho tendo este a certeza de escapar ao castigo, e o outro que não só ameaçasse, mas que seu filho ficasse certo de que seria castigado se desobedecesse. — Proseguiu que a Carta se achava nas circumstancias do primeiro, o então o grande Ministerio lhe ajuntara uma sancção: que não derogára a lei, mas que a fortifi-