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CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

SESSÃO N.° 51

EM 10 DE ABRIL DE 1907

Presidencia do Exmo. Sr. Conselheiro Augusto José da Cunha

Secretarios - os Dignos Pares

Luiz de Mello Bandeira Coelho
José Vaz Correia Seabra de Lacerda

SUMMARIO. - Leitura e approvação da acta. - O Sr. Presidente do Conselho responde ás considerações apresentadas pelo Digno Par Sr. Hintze Ribeiro, na sessão anterior, sobre a questão academica. - O Digno Par Sr. João Arroyo requer que se generalize a discussão do incidente, e a Camara rejeita este requerimento. - O Digno Par Sr. Teixeira de Sousa requer documentos pelo Ministerio da Fazenda.

Ordem do dia. - Continuação da discussão sobre o projecto de lei n.° 39 (parecer n.° 34) referente á crise duriense. Usa da palavra o Digno Par Sr. Teixeira de Vasconcellos, seguindo-se-lhe o Digno Par Sr. José de Azevedo, que não conclue as suas considerações.- O Sr. Presidente nomeia a deputação que ha de ir apresentar a Sua Majestade El-Rei as leis ultimamente votadas. - O Sr. Ministro da Marinha communica qual o dia e hora em que Sua Majestade receberá a deputação.- O Sr. Presidente consulta a Camara sobre se permitte que o Digno Par Sr. João Arroyo possa falar sobre os ultimos acontecimentos academicos de Coimbra. A camara resolve negativamente. - O Sr. Presidente levanta a sessão.

Pelas 2 horas e 40 minutos da tarde, o Sr. Presidente declarou aberta a sessão.

Feita a chamada, verificou-se a presença de 58 Dignos Pares.

Foi lida, e approvada sem reclamação, a acta da sessão anterior.

Não houve expediente.

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros e Ministro do Reino (João Franco Castello Branco): - Não respondi hontem ás considerações apresentadas pelo Digno Par Sr. Hintze Ribeiro, porque se estava na ordem do dia, e é minha resolução não concorrer, de qualquer forma, para a delonga dos trabalhos parlamentares, e ainda porque, tendo a Camara resolvido que o debate se não generalizasse, não poderia contrariar essa deliberação.

Começou o Digno Par por dizer que o Governo precisava de dar esclarecimentos á Camara sobre a chamada questão academica de Coimbra, e que nem a isso podia esquivar-se, por ser um dever indeclinavel.

S. Exa., em seguida, fez a affirmação de que não desejava liquidar n'este momento as responsabilidades do Governo, ou dar á questão qualquer aspecto politico e partidario; mas, a final, verificou-se que o Governo fez exactamente aquillo que o Digno Par dizia que elle não tinha feito, e verificou-se tambem que S. Exa., no seu discurso, procedeu em sentido diametralmente opposto ás affirmações que havia apresentado.

Disse S. Exa. que ao Governo competia o impreterivel dever de dar esclarecimentos á Camara, de dizer-lhe quaes as providencias adoptadas, e aquellas a que terá ainda de recorrer.

Quem ouvisse o Digno Par, e não tivesse conhecimento do que se tem passado a este respeito, poderia facilmente suppôr que o Governo em parte alguma apresentara referencias á questão academica, quando a verdade é que eu, na outra Camara, indiquei pormenorizadamente todos os aspectos da questão, de modo a não deixar duvidas sobre quaes eram as responsabilidades do Governo, os seus intuitos, e a sua maneira de pensar.

Falar na Camara dos Senhores Deputados, ou na Camara dos Dignos Pares, é sempre falar no Parlamento, e ao paiz.

Hontem mesmo, na occasião em que o Sr. Presidente me fazia saber que o Digno Par Sr. Hintze Ribeiro desejava o meu comparecimento aqui, dirigia-me eu para a Camara dos Senhores Deputados, onde me tinha compromettido a apparecer, accedendo assim ás solicitações e instancias que me haviam sido feitas.

Foi o cumprimento d'esse dever que me obrigou a demorar um pouco a minha entrada n'esta sala.

Fica, pois, evidenciado que o Governo fez o que o Digno Par affirmou que elle não tinha feito e, pelo que respeita ao resto das affirmações por S. Exa. apresentadas, a Camara viu que o Digno Par tratou de liquidar as responsabilidades do Governo pelos actos que praticou na questão de Coimbra, e até pelos que deixou de praticar.

O Digno Par não imprimiu á questão politica uma forma calorosa e vehemente, mas disse que o chefe do Governo obedecera a um criterio estreito, a um criterio simplesmente policial.

Sr. Presidente: eu poderia sentir-me agastado por ver que tão pouco lisonjeiramente era apreciado o meu procedimento, por quem tão bem me conhece ; mas, para afastar esse agastamento, basta que me recorde de um facto que em tempo me foi narrado pelo Sr. Marquez de Soveral.

Contou-me aquelle illustre diplomata que, estranhando-se a Rosebery, distincto homem de Estado inglez, que não tivesse replicado a ataques que lhe eram dirigidos no Parlamento, elle justificara o seu procedimento com as palavras de um sargento inglez a quem

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os camaradas censuravam por deixar que sua mulher lhe batesse.

Dizia o sargento: "Para que me hei de incommodar? Ella entretem se e diverte-se em dar-me pancada, e isso em nada me prejudica; para que me hei de zangar?"

Se o Digno Par experimentou qualquer especie de regozijo nas accusações que me fez, louvo-me por lhe ter proporcionado essa satisfação.

Apresentou o Digno Par duas affirmações com as quaes eu absolutamente concordo, isto é: que a questão de Coimbra é muito importante, e que não é possivel abrigar quaesquer illusões acêrca d'ella.

Não preciso de repetir aqui o que tive a honra de dizer na outra Camara, e que é do conhecimento de todo o paiz.

A proposito da reprovação de um doutorando, resolvida por unanimidade dos que n'esse acto interferiram, fizeram-se manifestações de caracter hostil para com a faculdade de direito.

Houve alterações do" ordem e, após uma reunião da academia, foram apedrejadas as casas de alguns lentes. Os estudantes recusaram-se depois a entrar para as aulas, e dirigiram aos professores epithetos insultuosos.

Houve até, por parte de um dos amotinados, uma tentativa de aggressão, que se não chegou a realizar, porque a isso obstou a intervenção dos agentes de policia academica.

Os lentes foram enxovalhados ; repetiram-se essas scenas violentas em dias successivos, e tratou-se logo de organizar uma resistencia contra qualquer decisão do conselho dos decanos.

N'estas condições, os lentes reclamaram do reitor a suspensão dos trabalhos da faculdade de direito o reitor propoz ao Governo o encerramento da Universidade.

Sr. Presidente: não conheço factos universitarios que a estes se possam comparar em gravidade, pela attitude eminentemente hostil dos estudantes, em dias seguidos.

A tal situação só se podia pôr cobro fechando a Universidade, e mandando sahir da cidade a academia.

São casos que não podem attribuir-se a uma irreflexão de momento, a um impulso passageiro e fugitivo. São casos que denunciam um proposito de revolta.

Fechada a Universidade, immediata mente os estudantes, que mais se tinham salientado n'esses acontecimentos deploraveis, procuraram organizar em Lisboa, em .Coimbra e no Porto commissões academicas, destinadas não só a conservar a questão latente, mas a conseguir para ella o apoio de todas as outras escolas, em ordem a constituir um protesto contra a possibilidade de serem expulsos da Universidade quaesquer estudantes, e no sentido de fazerem valer o que elles chamam as suas reivindicações, no que até então, nem nos jornaes, nem nas reuniões academicas, se falára.

Um grupo de estudantes de medicina lembrou á commissão academica de Coimbra qualquer solução conciliatoria, o que foi rejeitado, mostrando-se assim o proposito de insistir nas violencias exercidas.

O Governo, perante este estado de cousas, entendeu, como entende hoje, que nem a Universidade podia ficar na situação em que os acontecimentos a deixaram, nem o Governo de forma alguma podia mostrar-se compativel com os processos usados pela academia ou, pelo menos, por muitos estudantes.

Assim, respeitando a lei, entregou ao conselho de decanos da Universidade o julgamento das faltas e das infracções commettidas, sem de outra forma pretender ingerir-se no assumpto.

Esse conselho julgou, e proferiu o accordão, de que não houve recurso algum para o Conselho Superior de Instrucção Publica por parte dos interessados.

Em harmonia com a letra do decreto que encerrou a Universidade, e ouvido o conselho das faculdades, decretou-se a reabertura da Universidade no dia 8 do corrente, adoptando o Governo a seguinte attitude:

Procurar manter a ordem publica, como é seu dever, visto que a manutenção da ordem é a unica forna de respeitar a liberdade de cada um; e, pelo modo mais prudente e cauteloso garantir, pela intervenção da forca publica, se ella fosse necessaria e reclamada, a inteira possibilidade de entrarem nas aulas aquelles que ás lições quizessem assistir.

Foi este o criterio a que o Sr. Hintze Ribeiro chamou simples criterio de policia.

Comprehende-se que os estudantes tenham o pleno direito de discutir a forma como o ensino é ministrado, e de indicar as modificações que julguem convenientes, dirigindo qualquer representação n'esse sentido aos altos poderes do Estado.

Comprehende-se que n'esse intuito se faça larga propaganda; mas por meios legitimos, e respeitando os professores, as leis, e os direitos de cada um.

Comprehendia-se que, por parte da academia, se procurasse fazer a exposição de quaesquer factos que pelos academicos fossem tidos na conta de inconvenientes; comprehendia-se que perante os altos poderes do Estado apresentassem as suas reclamações sem quebra do prestigio que é inherente a quem tem de exercer uma acção educativa; mas foi a esse meio regular, normal e correcto que se não recorreu, e adoptaram-se processos inteiramente oppostos, isto é, seguiu-se por um caminho de violencias, absolutamente intoleravel e completamente inadmissivel.

Cumpria pois ao Governo fazer observar a lei vigente, que foi promulgada em pleno periodo do Setembrismo, lei que não tem sido derogada por tantos que, fora do poder, se insurgem contra ella.

O Sr. Presidente: - Previno o Sr. Presidente do Conselho de que deu a hora de se passar á ordem do dia.

Vozes: - Fale, fale.

O Orador: - Eu já disse o bastante para explicar á Camara o que foram os acontecimentos de Coimbra e a attitude que o Governo adoptou em face d'elles.

Na sexta feira continuarei na exposição da minha defesa.

(S. Exa. não reviu o seu discurso).

O Sr. João Arroyo: - Sr. Presidente: requeiro. em vista das noticias chegadas hoje de Coimbra, que seja consultada a Camara sobre se permitte que se generalize o incidente, havendo uma inscripção especial.

O Sr. José de Alpoim: - Já hoje houve mais conflictos com a policia.

Consultada a Camara, foi rejeitado o requerimento do Digno Par Sr. João por 40 votos contra 31.

O Sr. Teixeira de Sousa: - Envio. para a mesa os seguintes requerimentos:

Requeiro que, pelo Ministerio da Fazenda, seja enviada a esta Camara a nota do estado da divida fluctuante externa, com a designação dos credores, importancia dos seus creditos, data dos contratos, prazos de validade e taxa de juro.

Camara dos Pares, 8 de abril de 1907. = Teixeira de Sousa.

Requeiro que, pelo Ministerio da Fazenda, seja remettida a esta Camara uma nota da importancia nominal dos titulos da divida externa de o por cento, da importancia recebida até á data do presente requerimento por contrato feito entre o mesmo Ministerio e a Caisse Génerale de Reports et dês Dépots, em março de 1906.

Camara dos Pares, 8 de abril de 1907. = Teixeira de Sousa.

Os requerimentos do Digno Par foram expedidos.

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O Sr. Presidente: - Vae passar-se á ordem do dia.

ORDEM DO DIA

Continuação da discussão sobre o projecto n.° 39 (parecer n.° 34) referente á crise duriense.

O Sr. Teixeira de Vasconcellos (relator): - Cabe-me a palavra depois de ter falado o Digno Par Sr. Pedro de Araujo sobre o projecto em discussão,.

É notavel o meu embaraço em responder lhe, visto que S. Exa., alem de ter sido durante muitos annos presidente da Associação Commercial do Porto, tem, sobre o assumpto, competencia especial pela ordem de estudos a que se dedica.

(Sussurro).

O Sr. Presidente (agitando a campainha) : - Peço a attenção da Camara.

O Sr. Ernesto Hintze Ribeiro: - A attenção da Camara não está voltada n'este momento senão para a questão academica.

O Sr. José de Alpoim: - É a questão do dia.

O Sr. Ernesto Hintze Ribeiro (voltando-se para o Sr. Teixeira de Vasconcellos) :- Nós temos muita consideração por V. Exa.

Esta agitação é a natural resultante da votação de ha pouco.

O Orador: - Agradeço a V. Exa., mas eu não me queixei.

Visto ter-se-me concedido a palavra, direi que nem todas as opiniões apresentadas pelo Digno Par Sr. Pedro de Araujo foram de molde a demover a convicção de que me acho possuido.

Disse o Digno Par que era intransigente na questão da restricção da barra do Douro e, para mostrar os inconvenientes d'essa restricção. apresentou dados estatisticos.

S. Exa., que tinha proclamado a inconveniencia. de se abusar das estatisticas porque, ás vezes, chegava-se por ellas a conclusões erradas, foi exactamente ás estatisticas que recorreu para concluir que nos annos de franquia da barra era extraordinaria a exportação.

O Sr. Pedro de Araujo: - O que eu apresentei á Camara foi a media da exportação durante todo o regimen da restricção.

O Orador: - Factos economicos só se podem comparar quando se produzem dentro das mesmas circumstancias de meio e de tempo.

Não se pode, por exemplo, comparar a Inglaterra de 1861 com a Inglaterra de hoje, que tem actualmente o triplo da população da que tinha n'essa epoca.

Não admira, portanto, que da comparação das estatisticas feita pelo Digno Par resulte uma determinada vantagem em relação á franquia da barra do Porto.

Em relação a estatisticas recordo-me da forma por que o Sr. Ramalho Ortigão se expressou, a respeito de um discurso pronunciado, era latim, pelo Nuncio de Sua Santidade.

Disse esse illustre escriptor que o facto de se falar em latim era o modo mais eloquente de não dizer nada.

Longe de mim a ideia de suppor que o Digno Par, a quem respondo, invocou os algarismos das estatisticas pela impossibilidade de adduzir argumentos que justificassem o modo por que encara o assumpto; mas a verdade é que as estatisticas se amoldam á vontade de quem a ellas recorre.

A restricção, contida na proposta de lei que se discute, de forma nenhuma pode prejudicar os interesses geraes do paiz.

Com a liberdade absoluta o que tem avolumado é o commercio dos vinhos verdes.

A exportação, de 1865 em deante, não cresceu nem diminuiu; manteve-se n'uma estabilidade consoladora.

O Porto tem importado vinhos do sul para lotar com as qualidades que o seu solo produz. Se pela barra do Douro se facultar de futuro só a sahida de uma certa qualidade de vinhos, não se pode dizer por isso que o projecto é mau, e antes absolutamente bom.

Disse o Digno Par que durante a crise da phylloxera o norte viu-se obrigado a importar vinho do sul para manter as necessidades da sua exportação.

Tambem a França, quando viu reduzida a sua massa vinaria pelos destroços da epiphytia, lançou mão de igual processo.

Entre nós, desapparecida, ou, pelo menos, attenuada a razão que determinou esse processo, foi elle mantido, naturalmente porque o commercio reconheceu que d'ahi lhe advinha qualquer vantagem.

Seja como for, é convicção minha que o Douro, para sustentar o seu commercio, e manter os seus creditos, não precisa de recorrer a vinhos de outras procedencias.

Disse o Sr. Ministro das Obras Publicas que os vinhos do Porto são muito apreciados nos mercados de Inglaterra, independentemente dos seus preços.

Folguei de ver que o illustre Ministro fizesse essa affirmação e aproveito o ensejo que se me depara para tributar a S. Exa. as homenagens que são devidas ao seu indiscutivel talento, e ás diligencias que empregou no intuito de conciliar tantissimos interesses em litigio.

A Hespanha tem alcançado vantagens no mercado inglez, comtudo a Inglaterra sabe muito bem quaes são as casas portuguezas que exportam o genuino vinho do Douro.

A Hespanha exporta para Inglaterra grande quantidade de vinho de pasto, que ali é consumido pelas classes inferiores ; mas o vinho do Porto encontra compradores certos nas classes abastadas, que muito apreciam o typo do nosso vinho, sem rival na Europa.

Posso asseverar que já se teem feito varias tentativas para imitar o vinho do Porto, mas essas diligencias teem sido infructuosas.

Falsifica-se vinho do Porto, e dá isso lucros a quem se arroja a essa empreza, mas não se consegue illudir o paladar dos que conhecem o vinho.

A exportação do vinho hespanhol para os mercados inglezes não teve influencia alguma no consumo, ali, dos vinhos portuguezes, sendo, entretanto, de altissima conveniencia que os premios estabelecidos pelo Sr. Ministro das Obras Publicas se estendam aos vinhos de pasto do sul e do norte, com o que muito lucrariam as differentes regiões vinhateiras do paiz.

A despeito, pois, da grande exportação de vinho hespanhol para os mercados inglezes, creio que ainda ha ali bastante espaço que pode ser occupado pelos nossos vinhos, sendo convenientissimo que os premios sejam estabelecidos para os vinhos de 12° a 14°, embora se saiba que d'essa regalia se aproveitam, em geral, os intermediarios e não os productores.

A provincia do Douro tem direito a exigir que a não deixem morrer de fome. As privações a que os seus habitantes teem estado sujeitos podem occasionar uma questão social de grandissima importancia.

Na provincia do Douro ha muita energia para o trabalho, a qual deve ser bem aproveitada.

Disse tambem o Digno Par Sr. Pedro de Araujo que a crise vinicola foi devida á super abundancia da producção.

Entendo que uma tal crise é devida ás falsificações (Apoiados do Digno Par Sr. Francisco José Machado), e posso documentar esta proposição.

Para provar que a crise é devida ás falsificações, basta consultar a estatistica do real de agua, pela qual se vê que o consumo de vinho, em Lisboa, é

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superior ao consumo de todas as provincias do paiz.

Estou convencido de que o maior ma que afflige a vinicultura são as falsificações, que se desenvolvem com o auxilio dos poderes publicos.

Ora os vinhos que entram na, capital são vinhos para desdobrar, porque teem 18°, 19° e 20°.

E, vinhos com uma tal graduação só são bons para os pretos.

Quando se observam as estatisticas aduaneiras, e se quer apurar o estado do nosso desiquilibrio economico, fica se verdadeiramente assombrado.

Portugal, não produzindo cereaes em quantidade sufficiente para o seu consumo, tem de importal-os, e assim, qualquer desequilibrio financeiro, ou fluctuação cambial, pode fazer surgir um conflicto ou difficuldades que assoberbem este ou outro Governo.

É preciso alargar a acção commercial, de forma a dar collocação remuneradora a toda a producção vinicola do paiz.

O projecto que se discute serve não só para resolver um conflicto de producção, mas ainda para melhorar a situação da provincia do Douro, cujas reclamações teem de sei* attendidas, a não ser que se queira inutilizar os braços dos que ali residem.

Relativamente a tratados de commercio, afigura-se-me indispensavel conseguir um com a Allemanha, que é hoje uma nação que importa muito vinho, sendo que a importação augmenta de anno para anno prodigiosamente.

O mercado allemão deve ser o objectivo das nossas diligencias, como não deve ser esquecida a necessidade de se pôr de parte a pauta de 1892, essa obra monstruosa que impede a celebração de convenios commerciaes com outros povos.

A exportação das uvas para a Allemanha tambem cresce sempre de anno para anno.

A negociação de um tratado de commercio com a Allemanha é um dever de alto patriotismo, porque se não pode esperar que o Brasil, só por si, salde a divida commercial.

A Hespanha tem procedido sobre este assumpto com grande habilidade, e é hoje a segunda nação exportadora de vinhos para a Allemanha.

Torna-se indispensavel, portanto, que o problema vinicola seja estudado a serio, e patrioticamente, porque a falta de exportação de vinhos é que colloca a nossa agricultura em condições desastrosas. E cumpre notar que o Douro, tendo de cessar a sua producção vinicola, fica um deserto.

Portugal, em relação a cereaes, não tem o que baste para seu consumo tendo por isso que recorrer aos mercados estrangeiros.

Tratemos pois de valorizar os pró duetos especiaes do nosso solo, com< são o vinho, o azeite e a cortiça.

(S. Exa. foi cumprimentado).

(O Digno Par não reviu este extracto, nem as notas tachygraphicas do seu discurso).

O Sr. José de Azevedo: - Começarei por confessar que desejava, discutir com toda a serenidade, e com bastante largueza, o projecto em debate.

Desejava discutil-o largamente, porque este assumpto prende com os interesses da região onde eu proprio tenho interesses, e prende com a economia do Douro, uma provincia que lucta desesperadamente pela vida ha largos annos.

Quando parecia que a boa vontade dos poderes publicos ia acudir-lhe com remedio apropriado; quando aquella provincia se sentia lisonjeada com promessas tão risonhas, vê mais uma vez que as suas esperanças foram completamente illudidas, porquanto o projecto em discussão parece ter sido elaborado por quem desconhece as circumstancias em que se encontra aquella região..

Desejava, repito, falar coo serenidade, porque, tratando-se de um assumpto importante, e tendo eu de combater as decisões e intuitos do Governo, preciso seria que as minhas palavras correspondessem a outras que foram pronunciadas com intenção sincera.

Desejava, como disse, falar com muita serenidade ;a mas ha acontecimentos importantes e graves, e ha situações de espirito que o maior habito das luctas parlamentares não logra dominar ou modificar.

N'este momento, o meu espirito, e a minha alma, voltam-se para Coimbra, onde tenho um filho, com os seus coifas em greve, e para os quaes os poderes publicos não parecem dispostos outra cousa que não seja a violencia e a repressão tumultuaria.

Dada a solidariedade que reveste a manifestação academica, só pode haver ima resolução a tomar: um acto de justiça humana, venha ella da iniciativa do Governo, ou contra a vontade do Governo. (Apoiados).

Ninguem pode esquecer a profunda desolação e tristeza que causou ha pouco a resolução da maioria d'esta Camara, não deixando que se tratasse da questão academica, como ninguem pode esquecer a profunda magna que occasionou o discurso hoje aqui proferido pelo Sr. Presidente do Conselho, discurso em que se não mostrou uma unica palavra de generosidade.

E as ultimas noticias vindas de Coimbra, e que já estão confirmadas, dizem ter havido conflictos sangrentos, e facil é, dada a natural exaltação dos academicos, que factos ao começo insignificantes se possam avolumar e converter em desordens, para as quaes o criterio estreito do Sr. Ministro do Reino só encontra, como remedio, a acção violenta e oppressiva das forças policiaes.

Não posso, portanto, ter a serenidade que é indispensavel para discutir o projecto em ordem do dia, e não ouso, n'este momento, pedir aos Srs. Ministros presentes que dêem quaesquer informações sobre os acontecimentos de Coimbra, porque, pela muita consideração pessoal que tributo ao titular da pasta das Obras Publicas, não quero obrigar S. Exa. a reproduzir a triste situação em que hontem se encontrou.

O Sr. Presidente do Conselho, com o seu habitual feitio, quer para si todas as glorias e todas as responsabilidades; S. Exa., coro. o seu feitio absorvente, com a sua indole despotica, tão em contraste com a indole generosa e magnanima do. povo portuguez, nem sequer se digna tranquilizar a Camara, dando lhe conhecimento de quaes são os seus intuitos e propositos perante os acontecimentos que estão occorrendo no paiz.

O Sr. João Arroyo: - Esse espirito de teimosia ha de ter um limite, tel-o-ha, quando os pães de familia se resolverem a não consentir que lhes maltratem os filhos.

O Orador: - Se os factos chegarem ao ponto de eu ter de me determinar pelos meus sentimentos paternaes, não ha regimento da Camara, nem mesmo sequer respeito pessoal que me inhibam de pedir ao Sr. Presidente do Conselho estreitas contas das suas- responsabilidades.

Tendo-me desviado do assumpto para que pedi a palavra, vi que o Sr. Presidente me não interrompeu, o que da parte de S. Exa. evidenceia o reconhecimento de serem de profunda justiça as palavras que estou proferindo.

Vou agora entrar no assumpto que ne obrigou a pedir a palavra.

Não acompanharei o Digno Par Sr. Teixeira de Vasconcellos nas suas considerações.

O discurso de S. Exa., proprio de um homem muito illustrado, foi cheio de observações curiosas, mas S. Exa. esteve fora da ordem de ideias que me levaram a inscrever-me.

Não venho discutir o projecto sob o ponto de vista economico nem financeiro.

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Venho encaral-o nos seus intuitos, é na sua finalidade.

Quero apurar se dentro dos intuitos do Governo é acceitavel ou conveniente a solução do problema.

Iniciou a discussão d'este projecto o Digno Par Sr. Teixeira de Sousa.

S. Exa. apresentou uma tal abundancia de conhecimentos, e explanou tão largamente o assumpto que, pode dizer-se, o esgotou completamente.

Qualquer orador que pretenda anã lysar largamente o projecto terá de reeditar as ponderações por S. Exa. apresentadas.

Não poderei entrar n'essa larga explanação com os profundos conhecimentos de que S. Exa. dispõe, nem é ella precisa para o caso sujeito.

Comtudo, declaro desde já que respeito absolutamente a opinião de S. Exa., quando disse que este projecto deve ser melhorado.

Disse tambem o Digno Par que, tratando-se de um assumpto de administração, não faria intervir nas suas apreciações qualquer nota politica ou partidaria.

Politica, e politica da peor especie é aquella que faz que um projecto tendente a debellar a crise do Douro se converta, peia evolução dos factos, n'uma providencia que beneficia a agricultura do centro e do sul do paiz.

Venho dizer como comprehendo a resolução do problema do Douro, que não é um problema especial da agricultutura portugueza; mas o symptoma de um mal-estar geral.

Exactamente porque o- Governo e as pessoas que intervieram na elaboração d'este projecto não quizeram considerar a crise do Douro como um phenomeno parcial, é que se caiu n'um empirismo grosseiro, que só pode ser justificado pela necessidade de acudir a uma situação má, mas que não é de receber por um Governo que dispõe de outros elementos de estudo.

Houve a invasão da phylloxera, que não foi simultanea, nem foi geral em todo o paiz. Se a invasão da phylloxera tivesse sido geral, as condições seriam muito outras.

O Douro foi tambem invadido pelo mal, e pode imaginar-se quanta força de vontade, quantos esforços herculeos, quanta tenacidade tiveram de ser empregados para que se encontre hoje a replantada uma parte minima da sua area.

Não ha ninguem medianamente versado em assumptos vinicolas, que não conheça os encargos pesadissimos que para o Douro representa a replantação dos seus vinhedos. Basta dizer que a replantação de um milheiro de bacellos custa, ali, 600$000, 800$000 réis, e até 1 conto de réis.

Pode, pois, dizer-se que a crise do Douro está no preço da mão de obra, e que é isto que difficulta, e muito, a collocação do producto.

Como não é no pouco tempo que decorre até o encerramento da sessão que posso tratar d'este assumpto capital, e como o Digno Par Sr. Arroyo pediu a palavra, e deseja falar ainda hoje, peço a V. Exa., Sr. Presidente, que se digne reservar-me a palavra para a sessão seguinte.

(O Digno Par não reviu o seu discurso).

O Sr. Presidente: - Fica V. Exa. com a palavra reservada. A deputação, que lia de apresentar a Sua Majestade El-Rei algumas leis ultimamente votadas será composta dos seguintes Dignos Pares:

Ernesto Hintze Ribeiro.
Veiga Beirão.
Pimentel Pinto.
Antonio de Azevedo.
Antonio Candido.
Moraes Carvalho.
Julio de Vilhena.

O Sr. Ministro da Marinha (Ayres de Ornellas): - Communico que a deputação nomeada por V. Exa. será recebida por Sua Majestade El-Rei ámanhã, á hora e meia da tarde.

O Sr. Presidente: - O Digno Par Sr. Arroyo veio prevenir-me de que pedira a palavra para uma questão urgente. Teve a amabilidade de me dizer que o assumpto era uma communicação de Coimbra sobre um conflicto havido entre a academia e a policia, que d'esse conflicto tinham resultado ferimentos, e que alguns estudantes se achavam no hospital.

Não posso dar a palavra ao Digno Par sem consultar a Camara. Os Dignos Pares que são de parecer que se dê a palavra ao Digno Par Sr. João Arroyo tenham a bondade de se levantar. . .

(Protestos da opposição).

O Sr. Julio de Vilhena: - Isto não póde ser! A nossa palavra não está sujeita á resolução da Camara. Isto não póde ser.

O Sr. Teixeira de Sousa: - V. Exa. é que dirige os trabalhos.

O Sr. Presidente: - A Camara é soberana.

O Sr. João Arroyo: - Eu disse a V. Exa. que desejava, falar sobre uma noticia de Coimbra, pela qual consta estar um estudante no hospital e haver outros feridos. Sobre este assumpto urgente, de ordem publica, é que eu desejo falar.

O Sr. Presidente: - Pois muito bem. É sobre isso que consulto a Camara, porque entendo ser mais regular o proceder assim. (Interrupção do Sr. Conde de Lagoaça). V. Exa. não me interrompa. Peço á Camara que decida esta questão, pois entendo que a devo consultar. Os Dignos Pares que approvam se conceda a palavra ao Digno Par Sr. Arroyo, para tratar do assumpto que me expoz e considera urgente, tenham a bondade de se levantar.

(Novos protestos da opposição).

O Sr. Teixeira de Sousa: - É preciso que algum dos Senhores Ministros informe a Camara sobre a verdade das ultimas noticias de Coimbra.

(Realizada a votação, foi rejeitado o requerimento do Digno Par Sr. João Arroyo).

O Sr. João Arroyo: - É a primeira vez que no Parlamento de Portugual se pratica um acto d'estes! (Apoiados).

O Sr. Presidente (agitando a campainha): - A ordem do dia para sexta feira, 12, é a continuação da que vinha para hoje.

Está levantada a sessão.

Eram 5 horas e 20 minutos da tarde.

Dignos Pares presentes na sessão de 10 de abril de 1907

Exmos. Srs.: Augusto José da Cunha ; Sebastião Custodio de Sousa Telles; Marquezes: de Avila e de Bolama, de Gouveia, de Lavradio, de Penafiel, de Pombal, da Praia e de Monforte, de Sousa Holstein, da Praia de Monforte (Duarte); Condes: de Arnoso, de Bertiandos, do Bomfim, do Cartaxo, de Castello de Paiva, de Figueiró, de Lagoaça, de Paraty, de Sabugosa, de Samodães, de Tarouca, de Villa Real, de Villar Sêcco; Viscondes : de Athouguia, de Monte-São; Moraes Carvalho, Alexandre Cabral, Pedira de Miranda, Antonio de Azevedo, Eduardo Villaça, Costa e Silva, Santos Viegas, Costa Lobo, Teixeira de Sousa, Telles de Vasconcellos, Campos Henriques, Arthur Hintze Ribeiro, Ayres de Ornellas, Palmeirim, Vellez Caldeira, Carlos Maria Eugenio de Almeida, Eduardo José Coelho, Serpa Pimentel, Ernesto Hintze Ribeiro, Fernando Larcher, Mattoso Santos, Veiga Beirão, Dias Costa, Ferreira do Ama-

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540 ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

ral, Francisco Machado, Francisco de Medeiros, Francisco Maria da Cunha, Baptista de Andrade, Gama Barros, Jacinto Candido, D. Joio de Alarcão, Mendonça Cortez, João Arroyo, Teixeira de Vasconcellos, Mello e Sousa, Avellar Machado, Vasconcellos Gusmão, José de Azevedo, Moraes Sarmento, José de Alpoim, José Maria dos Santos, Silveira Vianna. José Vaz de Lacerda, Julio de Vilhena, Luciano Monteiro, Rebello da Silva, Pimentel Pinto, Pessoa de Amorim, Poças Falcão, Bandeira Coelho, Affonso de Espregueira, Raphael Gorjão e Pedro de Araujo.

O Redactor,

ALBERTO PIMENTEL.

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