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CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

SESSÃO DE 13 DE MAIO DE 1865

PRESIDENCIA DO EX.MO SR. CONDE DE CASTRO

VICE-PRESIDENTE

Secretarios, os dignos pares

Sousa Azevedo

Conde da Ponte

(Presentes os srs. presidente do conselho, e ministro da fazenda.)

Á uma hora e tres quartos da tarde, verificada a presença de 39 dignos pares, foi declarada aberta a sessão.

Lida a acta da precedente, julgou-se approvada na conformidade do regimento, por não haver reclamação em contrario.

Deu-se conta do seguinte:

Um officio da camara dos senhores deputados, remettendo a proposição, de lei, para a cobrança e, applicação dos impostos e mais rendimentos publicos, respectivos, ao anno economico de 1865-1866.

O sr. Presidente — Antes de começar a discussão dos objectos dados, para a ordem do dia, julgo do meu dever dar parte a esta camara de um triste acontecimento de que ella já deve ser sabedora por noticias particulares e até mesmo pela imprensa. O nosso digno e honrado collega, o sr. conde de Rezende, foi para melhor vida. Consta-me que sua inconsolável esposa, a sr.ª condessa do mesmo titulo, se acha bastante doente, e por isso talvez seja essa a causa porque não tenha communicado á camara tão lastimoso acontecimento. Nós porém, apesar de não termos recebido a este respeito noticia official, parece me que não devemos mostrar-nos desconhecidos a este funesto acontecimento, e devemos testemunhar o profundo desgosto com que esta noticia foi recebida (apoiados), mencionando-se na acta que a camara recebeu com subida magua tal noticia (muitos apoiados). Lançar-se-ha pois na acta.

Passâmos agora á ordem do dia. Vae ler-se um projecto de lei que ha pouco o digno par, o sr. secretario, leu como correspondencia.

O sr. Secretario: — Leu-o.

O sr. Presidente: — Nas circumstancias em que nos achâmos, a camara reconhece de certo a necessidade de se remetter quanto antes este projecto á commissão de fazenda, a fim de que ella, dando desde já o seu parecer, o projecto possa hoje ser tratado.

Assim se resolveu, e a commissão de fazenda, saíndo da sala, foi examinar o referido projecto.

Depois de alguma, pausa disse

O sr. Margiochi: — Mando para a mesa o parecer da commissão de fazenda sobre o projecto de lei que ha pouco lhe foi remettido (leu).

Leu-se novamente na mesa e entrou em discussão.

E do teor seguinte:

PARECER N.° 10 Senhores. — Foi presente á commissão de fazenda o projecto de lei n.° 10, enviado pela camara dos senhores deputados, a fim de ser auctorisado o governo a proceder á cobrança dos impostos e mais rendimentos publicos relativos ao anno economico de 1865—1866, e applicar o seu producto ás despezas do estado correspondentes ao mesmo anno, segundo o disposto na carta de lei de 25 de junho de 1864 e mais disposições legislativas em vigor, salvas as alterações estabelecidas no mesmo projecto de lei; e a commissão considerando a urgente necessidade de habilitar o governo para gerir os negocios publicos, em conformidade com a lei fundamental do estado; considerando a impossibilidade de discutir, pelas circumstancias que são notorias, o respectivo orçamento; e, considerando finalmente a conveniencia de evitar qualquer pretexto para o poder executivo saír dos tramites constitucionaes, é de parecer que seja approvado por esta camara o mesmo projecto de lei, para ser submettido á sancção de Sua Magestade.

Sala da commissão, 13 de maio de 1865. = Barão de Villa Nova de Foscôa = José Bernardo da Silva Cabral = Francisco Antonio Fernandes da Silva Ferrão = José Augusto Braamcamp = José Lourenço da Luz = Francisco Simões Margiochi, relator.

Segue o respectivo projecto, que é do teor seguinte: Artigo 1.° É o governo auctorisado a proceder á cobrança dos impostos e mais rendimentos publicos, relativos ao anno economico de 1865-1866, e applicar o seu producto ás despezas do estado correspondentes ao mesmo anno, segundo o disposto nas cartas de lei de 25 de junho ide 1864, e mais disposições legislativas em vigor, salvas as alterações estabelecidas n'esta lei.

Art. 2.° Os subsidios e vencimentos dos empregados do estado, dos estabelecimentos pios, e os das classes inactivas de consideração, a que se refere o artigo 3.° da carta de lei de 25 de junho de 1864, relativos ao anno economico de 1865-1866, serão pagos sem deducção alguma.

Art. 3.° Os vencimentos das classes inactivas de não consideração, no continente do reino e ilhas adjacentes, serão pagos com o augmento de 25 por cento do valor nominal dos respectivos titulos.

§ 1.° Os vencimentos do monte pio militar, do exercito e da armada, até 100)5000 réis, serão pagos integralmente.

§ 2.° No augmento de 25 por cento acima mencionado comprehendem-se os decretados por leis de. 19 de agosto de 1861, 4 de abril e 15 de julho de 1863 e 25 de junho de 1864.

Art. 4.° A auctorisação concedida no artigo 1.° d'esta lei durará até que pelas côrtes sejam votadas as leis de receita e despeza para o referido anno economico.

Art. 5.° Fica revogada a legislação em contrario.

Palacio das côrtes, em 12 de maio de 1865. = Cesario Augusto de Azevedo Pereira, deputado presidente Joaquim Xavier Pinto da Silva, deputado secretario — 'Eduardo Pinto da Silva e Cunha, deputado vice-secretario.

(Entrou o sr. ministro das obras publicas.)

O sr. Conde de Thomar: — Que vota o projecto em discussão ao actual ministerio, e que o votaria a qualquer outro, attentas as circumstancias extraordinarias em que se acha o paiz; não podia mesmo deixar de o votar a qualquer governo, attenta a sua especial posição, que lhe impõe o dever, de ajudar qualquer governo a vencer as difficuldades que os acontecimentos, de todos conhecidos têem acarretado sobre a nação.

Depois de feita uma tal declaração, aproveita a occasião para fazer poucas e breves reflexões, com o fim de definir claramente a sua posição politica, pois que a tal respeito tem andado um tanto, desvairada, a imprensa periodica.

Vê no ministerio actual representado o principio progressista, nem podia deixar de ser assim, occupando presidencia, do conselho de ministros o sr. Marquez de Sá da Bandeira, e occupando duas pastas importantes, o digno par, o sr. Silva Sanches vê ao lado d'estes ministros dois cara-

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cteres muito respeitaveis, os srs. conde d'Avila e Carlos Bento da Silva, que supposto militassem n'outros tempos no partido cartista, nunca deixaram de mostrar-se muito liberaes, e é n'isto que faz consistir o progresso (apoiados). Admira-se que de terem sido cartistas estes cavalheiros se queira tirar argumento de que o ministerio não é progressista; parece que se não quer prestar attenção a que desde 1851 nenhum ministerio tem podido organisar-se sem ir procurar ás fileiras do partido cartista os homens que têem sido considerados como os membros mais conspicuos d'esses ministerios; os factos são patentes, e não carece de maior demonstração o que acaba de expor; agora mesmo, acabando duas fracções do partido progressista de fazer uma fusão, consta que o cavalheiro escolhido para ser o presidente do ministerio da fusão, é um caracter eminente do partido cartista.

(O sr. conde de Castro deixou á cadeira da presidencia, passando esta a ser occupada pelo digno par, o sr. Margiochi.)

Já se vê portanto (continuou o orador), que o partido cartista não póde ser accusado de não ser liberal, e de querer o progresso; ao lado do sr. marquez de Sá da Bandeira combateram, nas campanhas da liberdade, os homens do partido cartista) e a elles se devem em grande parte eminentes serviços á mesma liberdade e á nação. Não sabe portanto o motivo por que os membros da familia constitucional se hão de constantemente gladiar, attribuindo-se reciprocamente sentimentos e pensamentos que não nutrem nem podem ter (apoiados).

Disse que ha doze annos que não havia assistido "a reuniões ministeriaes; pertencendo a um partido decaído, a sua posição não lhe permittia tomar parte em taes reuniões. Fora, não ha duvida, á reunião que teve logar na secretaria do reino, tendo toda a camara dos pares sido convidada pelo sr. presidente do conselho. Declarára n'essa reunião, quo na sua posição de membro de um partido, ha tantos annos excluido do poder, não podia ser ministerial d'este ministerio, nem de qualquer outro, porque desejava sempre conservar a sua independencia para approvar ou reprovar o que lhe parecesse mais justo ou injusto; que não tinha porém duvida em declarar, que se o ministerio actual se propunha ser governo para o paiz, e não para os corrilhos politicos, que até agora mais ou menos tem exercido pressão nos ministerios antecedentes, elle, orador, para ver cessar as scenas vergonhosas que se têem passado, não teria a menor duvida em prestar com os seus amigos todo o apoio ao actual ministerio. Não podiam continuar as scenas de ver os homens, que todos se dizem do partido progressista, atacarem tão violentamente a honra uns dos outros; que vira uma camara eleita sob a influencia do sr. duque de Loulé, promover a queda do. seu chefe politico; que vira abortar uma outra organisação ministerial, porque na presença da mesma camara fôra impossivel ao sr. marquez de Sá da Bandeira formar então uma administração; que vira, depois da segunda queda do sr. duque de Loulé, formada a actual administração, seguindo-se logo um decidido empenho para a derribar, tornando-se assim impossivel qualquer governo na presença da mesma camara (apoiados).

Que não tem rasão a imprensa em considerar do partido conservador o actual ministerio, e desvaira quando sustenta que deve ir occupar a presidencia do conselho o conde de Thomar. Não sabe a rasão porque se ha de fallar em lei das rolhas, e em eleições de 1845. Não teme as comparações, e ha de chegar occasião em que este ponto ha de ser devidamente esclarecido; ha de provar que a primeira reclamação para uma lei forte contra os abusos da imprensa, partiu das fileiras progressistas, porque foram os srs. Leonel Tavares e José Estevão que primeiro a reclamaram em 1837.

A camara e a nação conhecem agora os motivos por que elle apoia o actual ministerio. Tem concluido.

O sr. Conde de Castro: — A camara não estranhará de certo que eu peça a palavra, depois da declaração que acaba de fazer o sr. conde de Thomar, de que eu havia sido indigitado para primeiro ministro no futuro gabinete.

O sr. Conde de Thomar: — Perdôe-me V. ex.ª, não disse isso.

O Orador: — Mas V. ex.ª referiu-se a mim.

O sr. Conde de Thomar: — Não me referi a ninguem.

O Orador: — Pois o digno par não quiz fallar no conde de Castro?

O sr. Conde de Thomar: — Não, senhor.

O sr. Orador: — Não disse que era um homem que havia servido no seu ministerio?

O sr. Conde de Thomar: — Não disse tal cousa.

O Orador: — Não fallou n'um homem altamente collocado que tinha pertencido ao partido cartista? Muito bem; eu não quero dar largas a uma questão inopportuna, quando considero a camara toda unanime em votar a lei de meios; quero já acreditar que o digno par se não referisse a pessoa alguma, e que eu é que sou em demasia susceptivel; mas preciso explicar este negocio, porque taes insinuações prendem com boatos que eu não quero aqui qualificar.

Sr. presidente, houve um grande acontecimento n'este paiz, e é este o que se chama a fusão dos dois grandes partidos: progressista e regenerador. E preciso que eu explique como este negocio veiu ao meu conhecimento, e como lhe dei a minha completa approvação. A camara me desculpará de certo qualquer falta; ha tanto tempo assentado naquella cadeira da mudez (a da presidencia), estou tão pouco habituado á polemica parlamentar, que talvez difficilmente me possa explicar; no entanto eu conto com a benevolencia da camara.

O ministerio presidido pelo nobre duque de Loulé caiu, e caiu a meu ver, mais por desgosto de s. ex." e dos seus companheiros, do que por qualquer acto da maioria que o houvesse debellado; e eu ouvi mesmo, e mais alguem, dizer a s. ex.ª, quando saía do conselho d'estado, em que acabava de approvar-se o adiamento das camaras = que não queria mais nada do ministerio, e que não voltaria á sua camara como membro da administração E qual de nós não sabe de d'onde provinha esse desgosto do nobre duque de Loulé; qual de nós não sabe que esse ministerio não caiu constitucionalmente, não caiu derribado por uma maioria parlamentar?

Quando se tratava de formar a administração que se acha funccionando, e depois de formada, succederam-se os acontecimentos que todos temos presentes, e que nos conduziram á triste alternativa ou da sua demissão ou da dissolução da camara electiva. Não me darei eu agora ao trabalho superfluo de os explicar para não tomar tempo á camara, e para que se não deixe de tratar quanto antes da questão de meios. Esses acontecimentos são já do dominio do publico.

É certo, e eu n'esta parte faço justiça aos srs. ministros, que ss. ex.ªs não praticaram illegalidade alguma pela qual merecessem que lhe fosse denegado o apoio das camaras; mas tambem o que é certo, o que se diz, o que esta no conhecimento de todos, é que houve grandes inconveniencias que foram pouco a pouco, e direi antes rapidamente, afastando dos srs. ministros a camara electiva, e citarei apenas um exemplo para não ser diffuso. Quando o ministerio se apresentou na outra camara, é facto de todos sabido, que houve um sr. deputado, o qual disse pouco mais ou menos as seguintes palavras: «Eu desejo dar o meu apoio ao ministerio, mas para lh'o dar careço primeiro saber em que sentido elle será completado?» Todos sabem que o ministerio se apresentou, como ainda esta, com quatro membros. Sr. presidente, esta pergunta que me parece altamente constitucional, não só foi mal respondida, mas foi logo capitulada de questão de pastas. Este e outros factos levaram as duas grandes fracções daquella camara a entenderem-se, e d'ahi nasceu naturalmente uma reconciliação, visto que as suas divergencias em nada offendiam os principios do progresso e da ordem; mas tambem a esta reconciliação se deu o nome de questão de pastas, e é este o modo como se têem querido tornar odiosos todos os procedimentos vindos da parte não ministerial. Questão de pastas! Acreditem que não ha tal questão, e eu pela minha parte, todo o mundo o póde saber, tenho tido a maior abnegação sempre que se trata de formar ministerios; cheguei já a dizer que emigraria terceira vez se acaso me forçassem a entrar no governo. Tive duas experiencias, dois tirocinios; de ambos elles saí desgostoso, e protestei nunca mais ser ministro.

Mas qual é esta fusão para denegar o apoio ao ministerio? E muito simples, sr. presidente, juntas as duas grandes fracções, quando El-Rei houvesse de nomear um membro dellas para formar uma nova administração, esse membro quer proviesse da direita, quer da esquerda, ficava compromettido a organisar um ministerio mixto, um ministerio forte, que, como disse o proprio sr. conde de Thomar, é o que ha muito se deseja e a opinião publica pede ha muito tempo; mas um ministerio forte, como n'este caso era menos difficil de formar, porque em uma area mais larga melhor se poderiam escolher as primeiras ¦ notabilidades do paiz; e no caso de Sua Magestade usar da prerogativa dissolvendo a camara electiva, a direita e a esquerda iriam á uma unidas e tratariam de promover uma eleição segundo os seus principios.

Eis aqui esta o facto, este grande attentado da fusão, isto que tem posto em convulsão todo o paiz no entender de alguns dignos pares!

Ora isto, sr. presidente, é cousa muito simples, e tão natural que se contém naquelles dois unicos artigos. Não ha tal questão de pastas.

E como era possivel dar as pastas que só pertencem ao poder moderador? Ninguem póde de boa fé acreditar similhante cousa.

Agora n'estas circumstancias, se me é permittido, direi tambem a minha opinião sobre a alternativa. Achando-se o ministerio desamparado da camara electiva, e tendo uma opposição de noventa e oito votos contra quarenta e cinco, o que parecia regular era que esse ministerio fosse dar a sua demissão. Os srs. ministros dirão talvez que foi isto o que fizeram; muito bem, têem cumprido com o seu dever e não são responsaveis pelo expediente que El-Rei tomou no exercicio do poder moderador...

O sr. Ministro das Obras Publicas (Carlos Bento): — Nós sós é que somos os responsaveis e mais ninguem.

O Orador: — Deixe-me V. ex.ª fallar. Nós havemos de fallar n'este negocio como homens velhos e experimentados. Conhecemos o que são os partidos politicos, e que vamos caminhando para melhores idéas e para melhores tempos; por consequencia, devemos fallar com toda a placidez.

Se os srs. ministros pediram a Sua Magestade a sua demissão, na minha opinião cumpriram o seu dever; mas note-se bem, se lhe não fizeram esse pedido puro e simples, se foram menos exactos na apreciação das circumstancias, então sobre elles pésa uma grande responsabilidade, porque se isto não é dar conselhos, é pôr El-Rei em difficuldades na sua deliberação...

O sr. Ministro da Fazenda (Conde d'Avila): — Peço a palavra por parte do governo.

O Orador: — Tenho dito o que penso a este respeito. Não sei se me fiz entender bem; mas se isto é certo, ainda o repito, o governo não andou bem. Eu sou responsavel pelas minhas opiniões, e não vim aqui impor-me ao paiz por aquillo que não sou.

Eu já fui ministro, e se tivesse uma opposição de noventa e oito votos contra quarenta e cinco, pedia a Sua Magestade a minha demissão, e havia de pedi-la singelamente, porque o facto ahi estava patente para tornar desnecessaria toda e qualquer consideração.

Ora, agora, se El-Rei mandou dissolver a camara, eu sou o primeiro a respeitar o mandado regio; e commigo estão todos os cavalheiros que se sentam n'esta e na outra casa do parlamento; não ha uma só voz que se levante contra uma solução que é legal e constitucional (apoiados).

Estimarei muito que o ministerio se desenvolva de tal modo, que faça com que este grande abalo não seja demasiado sensivel ao paiz; mas não ha duvida nenhuma que o remedio mais energico e mais heroico que tem a carta constitucional é o da dissolução, aconselhada unicamente quando periga a segurança do estado.

O que temos nós visto? Temos visto que as duas fracções da camara dos senhores deputados estavam harmonisadas, e que todas as desaffeições tinham desapparecido. Esta fusão, esta harmonia, tinha de se photographar em todos os cantos do paiz. Era impossivel que não tivesse grande influencia em todas as cidades e villas do reino, onde por vezes os partidos têem chegado a um estado bem deploravel.

Concluindo, sr. presidente, direi que não se offereceram pastas algumas; não se tratou senão de chamar á fusão os homens de boa vontade.

A questão das pastas não existiu; e, principalmente pelo que me toca, posso dar a minha palavra que não existiu. Como já acabei de dizer o convenio é muito simples, pois limitou se a que o cavalheiro que El-Rei se dignasse chamar para formar o novo ministerio, se considerasse comprometido a forma-lo de ambos os grandes partidos da camara; mas, como isto não teve logar e veiu a dissolução, estas duas fracções da camara, que são as mais poderosas, e que hoje são uma e a mesma maioria, vão trabalhar de commum accordo nas eleições, e eu espero que muitos dos cavalheiros, que votaram com o ministerio, hão de concorrer para este grande resultado; as pessoas, que estão ao facto d'este incidente politico, sabem as circumstancias por que um ou outro deixou de votar com a maioria; esses mesmos hão de vir juntar-se aos outros, e as eleições não podem ser duvidosas se os srs. ministros cumprirem, como eu o creio, aquillo que affirmaram na outra camara, isto é, que haviam de fazer umas eleições livres, impedindo que as influencias individuaes fossem vexadas com a pressão das auctoridades. Ora, sendo isto assim, como é de esperar, necessariamente ha de saír reeleita a mesma camara, porque nos dois grandes partidos que a compõem, e que hoje estão unidos, estão as primeiras notabilidades do paiz. Então o que se ganhou com a dissolução? Nada. Perda de tempo e atrazo de leis urgentissimas que a nação reclama.

Esteja, portanto, o meu nobre amigo, o sr. conde de Thomar, certo que aqui não ha questão de pastas, e que só existe o interesse do bem publico e a maior abnegação. Concordo em quasi tudo o mais que s. ex.ª disse; e dou-lhe rasão nas queixas que tem do modo, pelo qual tem sido tratado o partido a que pertence e a que eu ha muito deixei de pertencer, porque foi sempre o meu systema auxiliar aquellas administrações que dessem mais provas de tolerancia. Isto não quer dizer que os ministerios de que o sr. conde de Thomar fez parte não fossem tambem tolerantes, mas quer dizer que os que se lhe seguiram não o foram menos, e deram ao mesmo tempo segurança de estabilidade e de paz.

O sr. duque de Loulé, por exemplo, governou nove annos, e houve sempre tranquillidade no paiz, que é aquillo de que elle carece mais para desenvolver a sua riqueza e o seu bem-estar. Foi isto que me ligou ao governo do sr. duque de Loulé, tanto no tempo em que lá estava o sr. conde d’Avila, que vi saír com sentimento, como depois, pelas garantias que me dava da conservação da ordem publica, o que é, como acabo de dizer, a primeira necessidade do paiz, quando se não infrinjam os preceitos constitucionaes e se attenda ao seu desenvolvimento moral e material.

Eis-aqui o que eu tinha a dizer sobre este assumpto, e tornarei a pedir a palavra, se julgar preciso, para explicar melhor as minhas idéas e a minha posição.

O sr. Presidente: — Lembro aos dignos pares que o que esta em discussão é o projecto vindo da outra camara para a lei de meios. Têem diversos dignos pares pedido a palavra, e esta determinado pela camara que, quando um projecto esta em discussão, se peça a palavra a favor ou contra. Creio que os dignos pares que pediram a palavra não querem usar d'ella sobre o projecto, mas para explicações, e então não sei se a camara quer que dê a palavra aos oradores, pela ordem em que estão inscriptos, sem fazerem a declaração de fallarem pró ou contra?

O sr. S. J. de Carvalho: — Não lhe parece muito irregular que se vote primeiro o projecto em discussão, e depois se continue a dar a palavra aos dignos pares que a pediram sobre o incidente (apoiados). Por isso requeria se consultasse a camara n'este sentido.

O sr. Visconde de Gouveia: — Peço a palavra sobre este requerimento, que é muito importante.

Vozes: — O requerimento não tem discussão.

O sr. Visconde de Gouveia: — Então peço a palavra sobre o projecto.

Posto á votação o requerimento do sr. S. J. de Carvalho, foi approvado.

Entrou em discussão o projecto sobre a lei de meios, na generalidade.

(Entrou o sr. ministro do reino.)

O sr. Visconde de Gouveia: — Levanto-me mais para fazer uma declaração de voto, do que para apoiar ou combater o projecto de lei que esta em discussão, e sobre o qual se pede o assenso da camara. A recusa da approvação da lei de meios que se apresenta, traria em resultado uma medida dictatorial do governo, e eu não quero contribuir, nem directa nem indirectamente, para que se sanccione esta flagrante violação da constituição.

Voto, portanto, pelo projecto do governo, mas voto des-

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Ligado de toda a idéa de confiança. Voto, deplorando que, por mais uma vez, fique preterida uma das formulas mais sacramentaes do systema representativo, tal é a discussão e maduro exame do orçamento do estado. E deploro por esta occasião que se tenha gasto o primeiro anno de uma sessão legislativa, sem que uma unica medida de interesse publico tenha enobrecido os fastos parlamentares.

Deploro que os odios politicos, as desconfianças partidarias, as recriminações de toda a especie, tenham substituido a discussão dos grandes principios da governação publica e das reformas radicaes de que tanto carecemos. Deploro, finalmente, que na occasião em que parecia tudo disposto para acalmar os odios, cicatrisar as feridas, e para entrar n'um caminho de fraternidade e de paz, n'essa occasião appareça de novo uma luta inglória, o paiz entregue á excitação das paixões, e chamado ao exercicio de um direito, aliàs muito sagrado, mas que, por culpas que não são do povo, começa a tornar-se-lhe indifferente e pesado.

Sr. presidente, eu ouvi da bôca de um dos srs. ministros, alma e principal agente da situação, que o programma do gabinete seria a conciliação e o progresso. Conciliação e progresso é uma santa e nobre divisa, mas as divisas não valem só pelo que se escreve nas bandeiras, valem pelo que esta no coração, valem pelo que se manifesta nas obras (apoiados).

Sr. presidente, seja-me permittido dizer n'esta occasião com aquella rude mas leal franqueza com que exponho sempre as minhas opiniões no parlamento, e sem offensa dos caracteres respeitaveis que se sentam naquellas cadeiras (apontando para as cadeiras do governo), e aos quaes tributo todo o respeito e consideração; seja-me pois permittido dizer que á vista das circumstancias, que rodeiam a situação, não posso deixar de ficar numa receiosa espectativa emquanto á realisação d'este programma.

Uma voz: — Isto não é o projecto.

O sr. Presidente: — Eu não quero interromper o digno par, mas não posso deixar de dizer que me parece que nos vamos desviando alguma cousa da ordem, porque se vae entrar outra vez na questão politica.

O sr. Visconde de Gouveia (continuando): — Eu não canso mais a camara com as minhas explicações, porque o meu fim foi unicamente fazer uma declaração de voto. Não levarei pois mais tempo com estas observações, que estão inteiramente ligadas com a materia de que se trata; e concluo declarando que o desejo mais ardente do meu coração é que, quando em julho voltar a sentar-me n'esta cadeira, não me veja forçado a pedir estreitas contas aos srs. ministros pela execução do seu mote e divisa de honra.

Conciliação e progresso, é tambem o meu mote e divisa, mote e divisa de todo o bom portuguez. Cumpram os srs. ministros as suas promessas, realisem o seu programma, e estejam' certos que eu serei o seu mais strenuo defensor e admirador.

O sr. Conde de Thomar (sobre a ordem): — Sr. presidente, pedi a palavra sobre a ordem, porque depois da resolução tomada pela camara de discutir o projecto da lei de meios, não me parecia que se devesse entrar na discussão politica, como o fez o digno par, porque n'esse caso devia dar-se a palavra pela ordem da inscripção.

O sr. Ministro da Fazenda: — Eu, sr. presidente, não tenho nada a dizer, porque nem o digno par, nem pessoa alguma impugnou o projecto; como porém me acho inscripto para explicações, mostrarei então cabalmente quem foi que não quiz a paz nem a conciliação; o que me parecia desnecessario em vista das explicações, que já dei a"este respeito na outra casa do parlamento.

O sr. Presidente: — O sr. conde de Castro pediu a palavra sobre o projecto?

O sr. Conde de Castro: — Pedi a palavra para explicações.

Não havendo mais ninguem inscripto, o sr. presidente poz o projecto á votação, sendo approvado tanto na generalidade como na especialidade.

O sr. Ministro da Fazenda: — Sr. presidente, eu pedi a palavra para participar a V. ex.ª e á camara, que Sua Magestade recebe a deputação que for nomeada para lhe apresentar este projecto, na' proxima segunda feira á uma hora da tarde..

O sr. Presidente: — Estão inscriptos para explicações os dignos pares os srs. visconde de Gouveia, ministro da fazenda, conde de Castro, conde de Thomar; S. J. de Carvalho; Vaz Preto, ministro das obras publicas, e outra vez o sr. Ministro da fazenda. Não sei se o digno par, o sr. visconde do Gouveia...

O sr. Visconde de Gouveia: — Eu, sr. presidente, já usei da palavra.

O sr. Ministro da Fazenda: — Sr. presidente, eu serei muito breve, e começarei por agradecer á camara o ter votado esta medida, e considero a adhesão da camara como uma apreciação justa da gravidade dás nossas circumstancias e por consequencia não hei-de abusar da sua paciencia, mas direi sempre ao sr. visconde de Gouveia que sinto muito não o ter ouvido em uma das ultimas sessões em que s. ex.ª affirmou que o ministerio não tinha maioria n'esta camara que d’este facto se poderia deprehender o contrario.

Pediu a palavra o sr. visconde de Gouveia

O sr. Ferrer: — Teve até a unanimidade.

O Orado: — Se a questão tivesse tomado um caracter politico, ainda creio que esta camara havia auxiliar o governo com a sua coadjuvação.

(Susurro:)

Tenho esta convicção, não m'a queiram destruir sem provas.

Sr. Presidente, eu não posso entrar no campo para que me chama o meu collega e antigo amigo o sr. Conde de Castro. Quando s. ex.ª disse que se haviam commettido inconveniencias na outra camara, e creio mesmo que' disse que essas inconveniencias foram commettidas por parte do governo, a phrase trahiu o desejo de s. ex.ª, não era esse por certo o seu pensamento. S. ex.ª disse, sem duvida, o que não queria dizer; mas disse-o, e eu respeito muito o pensamento do digno par! Lançarei pois um véu sobre a phrase, porque depois de todos saberem a resolução adoptada a respeito da camara dos senhores deputados, não parece conveniente que nós estejamos n'este momento a discutir os actos d'ella.

Repellirei comtudo a idéa de que houve inconveniencia da parte do governo no seu comportamento na camara dos senhores deputados; mas o que eu não posso deixar de notar, sr. presidente, é que os cavalheiros que estão tão contentes com a fusão rejeitem a dissolução.

Disse-se: «O paiz esta comnosco; a fusão é um acto conveniente»; pois bem; consulte-se o paiz por meio de uma eleição. Sr. presidente, nós tomámos toda a responsabilidade do acto da dissolução, e eu pela minha parte estou prompto para dar depois todas as contas ao digno par o sr. visconde de Gouveia. E começo já dizendo-lhe, que quem primeiro tentou dar esse abraço fraternal fui eu; e sabe o sr. visconde de Gouveia o que me responderam os seus amigos? Responderam-me que era impossivel com o sr. marquez de Sá; que • representava todas as responsabilidades de umas certas administrações. Por parte da antiga maioria fizeram-se-me graves censuras por ter querido a fusão entre homens que se tinham constantemente guerreado, e, que partilhavam opiniões diametralmente oppostas. Depois d'estes factos, sr; presidente, esses homens abraçaram-se; os que se não podiam abraçar com o sr. marquez de Sá abraçaram-se com os que tinham mais responsabilidade do que s. ex.ª nas administrações a que se referiam; abraçaram-se com a opposição os membros da maioria que na vespera tinham o maior horror por esse abraço. Foi o bem publico que inspirou essa approximação? O paiz o dirá. Mas todas as vezes que se fallar d'essa fusão diante de mim, tenho direito de levantar a minha voz, e hei de levanta-la emquanto houver uma casa do parlamento em que me sente, para fazer ver a verdade ao paiz; porque a verdade não esta muitas vezes no que lhe apresentam os partidos.

Fallou-se em questão de pastas; não entro em explicações a este respeito, não tenho direito já de dar essas explicações; porque não posso vir aqui discutir o que se passou na outra camara.

O sr. visconde de Gouveia disse que eu era a alma do ministerio, permitta-me s. ex.ª que lhe diga que a alma do ministerio é o sr. presidente do conselho; para que pois dizer-se que o sou eu? É para me entregar ás feras pelos actos que o governo tem praticado? Eu já disse na outra camara que tomo a responsabilidade de todos os actos dos meus collegas, que não precisam que eu tome a responsabilidade dos actos d'elles, mas tomo-a; o que na verdade me parece pouco conveniente é vir dizer-se que a alma do ministerio sou eu, fazendo-se quem o diz echo de um certo corrilho para me fazer guerra? Que quer isto dizer? Aqui esta um ministerio, não esta um homem, sr. presidente; e se alguem representa o pensamento do ministerio, é o presidente do conselho.

Declarou-se tambem aqui que para as futuras eleições iriam todos os partidarios da fusão, unidos, á uma, e até se declarou qual ha de ser o resultado da eleição; é muito saber! Pois, sr. presidente, os ministros hão de manter toda a liberdade da uma, para que o paiz pronuncie o seu verdadeiro pensamento. E porque -é que os homens que se mostram mais ardentes partidarios da fusão queriam que se sacrificasse o sr. marquez de Sá? Valia a pena que se explicassem a este respeito diante do paiz.

Uma voz: — Mas V. ex.ª tambem queria a fusão. O Orador: — Peço perdão, não era esta a fusão que eu desejava, e atrevo-me a acrescentar que não é esta a fusão que o paiz quer; e se o paiz a quer esta no seu direito, manifeste-o agora pelo seu voto, e a corôa saberá tambem onde ha de> ir buscar ministros.

Disse-se: «Se os srs. ministros deram a sua demissão pura e simples, fizeram o seu dever, mas se aconselharam a corôa pintando-lhe a situação de uma maneira inexacta, deram um mau passo.» Não reconheço em ninguem aqui o direito de nos perguntar quaes foram os conselhos que demos á corôa...

O sr. Conde Castro: — Mas ninguem fez tal pergunta.

O Orador: — Mas disse-se que tomámos uma grande responsabilidade em aconselhar a dissolução, nós tomámos toda a responsabilidade d'essa medida, e repetimos que havemos empregar todos os meios para que a liberdade da uma seja mantida.

O sr: Conde de Castro: — Mas a proposição é verdadeira?

O Orador: — De que tomámos a responsabilidade é.

O sr. Conde de Castro: — Mas se não houve tal pergunta.

O Orador: — Então para que veiu o dilemma? Era melhor que não viesse... Podiamos tentar um meio mais suave. Pois se a camara nos negava... Diz-me o meu collega que eu não posso discutir aqui o que se passou na outra camara e então peço que me não provoquem, porque realmente é um tormento que haja toda a liberdade no ataque e que a não possa haver na defeza.

A paz é a primeira necessidade d'este paiz; sr. Presidente, todos nós a queremos; v. ex.ª sabe que nenhum de nós se senta aqui pela primeira vez, todos nós temos já uma longa carreira politica (infelizmente para nós porque menos annos temos a viver), e o nosso unico desejo é fazermos algum serviço ao nosso paiz; e não estamos aqui por o gosto amargo de ter uma pasta, para ouvir as amabilidades que nós temos ouvido e parece-me que ninguem pode desejar tal senão algum inexperiente.

Sr. presidente, eu acabo repetindo duas declarações que fiz já. A primeira é, que nós assumimos toda a responsabilidade dos conselhos dados á corôa foi por conselho nosso que se decidiu a dissolução; a segunda é, que havemos de empregar todos os esforços para que o paiz possa exprimir livremente a sua opinião, na urna; para que se conheça bem o voto nacional.

O sr. Presidente: — Antes de dar a palavra aos outros dignos pares que estão inscriptos, vou ler á camara os nomes dos dignos pares que estão nomeados para a deputação que ha de levar á real sancção o projecto que acaba de ser approvado (leu).

O sr. Conde de Thomar: — Como poderia pensar que as poucas palavras que julguei muito a proposito proferir no principio d'esta discussão, haviam de dar em resultado que o actual presidente d'esta camara julgasse necessario descer da sua cadeira para vir explicar factos, sobre os quaes nada lhe havia sido perguntado; e nenhuma provocação podia com fundamento entender que lhe houvesse sido feita?! A camara não póde deixar de ter ainda bem presentes as suas phrases; disse apenas que na sua posição especial não podia deixar de aproveitar a occasião para declarar que não era ministerial d'este ministerio, nem de outro qualquer, mas que se porventura o actual quizesse governar convenientemente, lhe prestaria a sua coadjuvação (apoiados). Disse mais: que não podia deixar de ver no actual gabinete bem representado o principio progressista, pois que sendo presidido pelo nobre marquez de Sá, e tendo por collega o sr. Julio Gomes da Silva Sanches, era fóra de toda a duvida que ali estavam homens constantemente dedicados a esse partido (apoiados repetidos), e que comquanto estivessem tambem no mesmo gabinete dois cavalheiros que haviam militado nas fileiras do partido cartista; comtudo não era menos certo que esses dois caracteres eminentes sempre se haviam mostrado muito liberaes, e até mesmo progressistas haviam já conseguido chegar a ser considerados pelo partido progressista, deixando por consequencia de haver assim motivo para o governo ser atacado como anti-progressista (apoiados. — O sr. Visconde de Seabra: — Muito bem). Aproveitaria a occasião de dizer que se porventura o sr. duque de Loulé tivesse organisado por esta fórma uma administração, ter-lhe-ía prestado o seu apoio.

Disse ainda que achava muito notavel que se estivesse constantemente stygmatisando os homens mais conhecidos, do antigo partido cartista, ao passo que por factos repetidos e constantes se provava que sempre se recorria a algum homem eminente d'esse mesmo partido para organisar administração, ou pelo menos para lhe dar força e importancia (apoiados). Finalmente que, mesmo agora, tratando-se de fazer uma fusão para formar partido que podesse bem governar, constava que logo se fôra procurar um eminente caracter do antigo partido cartista para ser esse o que viesse a tomar o logar de chefe da administração. Crê que repete com, lealdade e bastante exactidão aquillo que disse (Vozes: — E verdade, é verdade). Pois o resultado d'isto foi que o nosso digno presidente julgou dever descer da sua cadeira para tomar a palavra, dando-nos assim o gosto de o ouvirmos com a mesma eloquencia com que sempre fallou, mas permitta-se dizer que fallou n'esta occasião com muita infelicidade, por isso mesmo que combateu aquillo que se não disse.

Quem ouviu pronunciar o nome de s. ex.ª? Ninguem póde tal dizer, porque effectivamente se não fallou no sr. conde de Castro. (Vozes: — Não fallou, é verdade.) Foi s. ex.ª que se denunciou! De maneira que ficámos agora sabendo officialmente que de facto alguma cousa se tratou com s. ex.ª sobre a fusão, e que inclusivamente pelo seu proprio dizer já havia alguma combinação a respeito de pastas (riso). Pois não foi s. ex.ª franco em dizer que effectivamente se tinha formado a fusão, e que não havia que admirar que o homem encarregado da direcção considerasse desde logo que pela juncção dos dois partidos pertenciam tres pastas a um e as outras tres a outro? Como porém combinar isto com o dizer s. ex.ª que não se tratou de cousa alguma sobre' pastas? Censura s. ex.ª que se fallasse d'essa fusão, como se ella fôra um attentado? Pois porventura tambem se poderá dizer que se ouviu aqui até agora alguma phrase que significasse censura a esse facto da colligação ou fusão? O que realmente parece concluir-se de tudo isto que se esta aqui passando, e que todos presenciamos, é que o digno par, e nosso presidente, o sr. conde de Castro, quiz aproveitar o insejo para, sem perda de tempo, fazer patente a grande importancia que entende dever ligar-se ao facto da fusão, e por isso nos disse: «São dois grandes partidos; é direita e esquerda reunida uma á outra, ninguem lhe póde disputar as eleições». E muito: direita e esquerda reunidas e constituidas em opposição! Mas então o que é que fica sendo partido do governo? Se esta reunida a direita com a esquerda; como é que o ministerio poderá governar? Com que é que conta o nobre marquez de Sá?

Declara que respeita muito os homens que segundo consta, acabaram de fazer essa fusão, não tem contra elles cousa alguma; assim elles, para fazerem triumphar as suas idéas; não julgassem a proposito e conveniente uma continuada insistencia em estar sempre ferindo homens que bem demonstram ha muito tempo não terem ambição de ir novamente ao poder! E comtudo diz-se que ao actual ministerio falta só o conde de Thomar! Isto para que, sr. presidente? Para se ver se os actuaes ministros da corôa se desligam de alguma maneira, e para que se continue sempre a lançar desfavor e um certo odioso sobre o partido cartista ou conservador, em cujas fileiras tanto e tão bem militou por largos annos o nobre conde de Castro (apoiados). Hoje porém é s. ex.ª mesmo que nos diz que pertenceu a esse partido emquanto elle foi poder, emquanto durou essa situação, mas depois que tem acontecido? S: ex.ª é que o declarou,

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eis-aqui as suas proprias palavras, ainda ha poucos minutos escutadas por todos nós: «Deixou o partido a que pertencia para se ligar ao sr. duque de Loulé, entendendo que deve sempre ser partidario das situações fortes»; e forte considerou a administração do sr. duque de Loulé, que durou por nove annos; forte considerou a administração cartista que não durou menos, e por isso a ella pertenceu ou a apoiou! Acha realmente que taes cousas não se devem dizer na camara, e por similhante fórma, para não parecer que ha tanta facilidade em deixar os amigos decahidos do poder, passando logo a trata-los com desfavor, mudando-se todas as sympathias para aquelles que succedem, dando esperanças de se conservarem! Não é assim que se podem justificar as mudanças de posição politica (apoiados).

Aqui, como disse, ninguem censurou a fusão, estão no seu direito, reunam-se, empreguem todos os meios legaes, dêem-lhe, n'este sentido, todo o desenvolvimento possivel, e depois de consultado o paiz, veremos a quem é que elle dá rasão. Não se temam de um partido, que dizem que esta decaído e morto; realmente admira como possa a grande fusão receiar-se de similhantes espectros, daquelles mesmos individuos que reputam com pouca ou nenhuma vida! Pois os homens que têem a grande popularidade, que são a direita e esquerda do paiz, precisam estar sempre gritando, que é preciso cautela, porque póde vir o conde de Thomar e os seus amigos (riso). Isto é realmente darem ao orador importancia demais; elle mesmo o reconhece! Pois se esta morto, se os seus amigos nada valem, se perderam toda a importancia no paiz, de que é que têem medo? (Apoiados.) Parece que não deviam receiar cousa alguma do apoio do partido conservador ao governo, devem mostrar se satisfeitos, porque essa circumstancia já lhe serviu para o sr. marquez de Sá ser apoiado e deposto do titulo de progressista. (Vozes: — Muito bem.) Já o nobre marquez de Sá não dá garantias sufficientes ao partido liberal (riso prolongado). Até o nobre conde de Castro não quer apoiar o governo, porque este lhe não dá sufficientes garantias de duração e estabilidade! Não pensa o orador assim, entende que tanto o sr. duque de Loulé como o sr. marquez de Sá, qualquer dos dois, acompanhados de homens intelligentes e activos, podem dar essas garantias (apoiados); entende porém que era impossivel continuar, por mais tempo, a situação em que se encontrava o sr. duque de Loulé, com uma camara popular, eleita debaixo da sua influencia, considerado chefe da situação, chefe de partido, e até como dogma politico, ainda assim viu-se obrigado a largar o poder! Encarregado depois o nobre marquez de Sá, nada póde conseguir da primeira vez, e realisando da segunda o intento da mesma commissão, o resultado foi o conflicto, que todos presenciaram! Com sinceridade, e mui deveras, diz o orador, que respeita todos os membros da outra camara, cada um de per si, e collectivamente, mas não póde deixar de reconhecer, como quasi toda a gente reconhece, que uma tal situação era impossivel, por isso mesmo que não havia governo, que na presença de tal camara podesse marchar (apoiados); de maneira que ò nobre conde de Castro esta completamente enganado, se duvida de que lhe aconteceria o mesmo; pois a respeito de s. ex.ª ainda se dizia mais, porque necessariamente fariam reviver todos esses precedentes cartistas, procurando, com elles, produzir um certo effeito, para enfraquecer e derribar a administração (apoiados).

Confessa que acha triste o deter a camara, ainda mesmo que seja por poucos momentos, com taes explicações; mas depois do que todos ouviram com surpreza, e de uma maneira tão extraordinaria, como incrivel, não havia remedio senão entrar no mesmo campo, lastimando sentidamente que o collega antigo e amigo que sempre nos apoiou emquanto fomos poder, nos explicasse hoje por tal fórma a rasão da sua separação. (O sr. Pinto Basto: — Apoiado.) De maneira que se deprehende pelas proprias palavras e pensamento do digno par, que se fôra possivel hoje constituirmos novamente poder, novamente poderiamos contar com o apoio de muita gente que nos tem abandonado e que tem por systema apoiar os fortes! (Apoiados.) (O sr. Pinto Basto: — De certo, de certo.)

Agora vae concluir dizendo unicamente que lhe parece que o fim principal por que s. ex.ª saíu da cadeira da presidencia foi para elogiar a fusão que acaba de formar-se, e para mostrar a grande força que ella tem, quiz mostrar ao paiz que acabava de reunir-se a direita com a esquerda, e que quando acabava de se reunir assim todo o paiz, quem lhe poderia resistir? Se este foi o fim principal do digno par, ha de permittir que lhe diga, que lhe parece que esta enganado, e sem ser propheta appella para o futuro, porque esta convencido de que muitas d'estas notabilidades que s. ex.ª considera terem uma grande influencia no paiz não a têem, e a prova esta em que tendo querido ser deputados nunca o têem conseguido no primeiro escrutinio, e só depois de abaterem bandeiras na presença de muitos homens que os coadjuvaram, é que poderam obter uma cadeira de deputado.

O sr. Presidente: — Antes de dar a palavra aos dignos pares que a pediram, vão ler-se alguns officios que vieram agora da outra camara. (Lêram-se.)

O sr. Presidente: — O primeiro officio acompanha um projecto de lei da camara' dos senhores deputados para serem augmentados os soldos dos officiaes do exercito, e vae remettido com urgencia ás commissões de guerra e de fazenda.

O sr. Conde da Ponte de Santa Maria: — Sr. presidente, faltam alguns membros da commissão de guerra, e apenas estamos presentes tres. Portanto peço a V. ex.ª que proponha á camara que sejam reunidos actualmente á commissão de guerra os dignos pares, conde de Torres Novas, marquez de Fronteira, e viscondes de Ribamar e de Soares Franco, para se tratar o negocio proposto (apoiados).

O sr. Presidente: — A camara acabou de ouvir a proposta do digno par para serem aggregados á commissão de guerra os srs. conde de Torres Novas, marquez de Fronteira, e viscondes de Ribamar e de Soares Franco, e portanto vou consultar a camara se approva esta proposta. Foi approvada.

O sr. Presidente: — O segundo officio que se acabou de ler tambem é remettido com o respectivo projecto de lei ás commissões de guerra e de fazenda, para darem o seu parecer com urgencia (apoiados).

As commissões de guerra e de fazenda retiraram-se immediatamente da sala.

O sr. S. J. de Carvalho: — Folga de ver que se levantasse n'esta sessão uma discussão que lhe dá logar a dizer algumas palavras n'esta camara, significando a sua opinião e apresentando algumas breves observações sobre a crise porque se acabava de passar.

Declara o orador que apoia o governo actual. Não vê signaes de manifesta surpreza n'esta camara ao ouvir-lhe tal declaração. Posto que novo, tem elle orador uma carreira politica de sete annos de vida parlamentar; e é esta a primeira vez que diz dar seu apoio a um governo. Suppunha que attendendo a estes seus precedentes alguem se surprehenderia com similhante declaração; vê porém que ninguem se suprehendeu com isso. A rasão conhece-se bem; é porque se sabe e interpreta o facto que determina a elle orador mudar de posição.

Sustentou, não diz com coragem nem com intrepidez, mas com lealdade e tenacidade a situação politica em que se collocou, e fez opposição constante a um governo de longos annos, governo que preterindo todas as formulas constitucionaes, tratou por mil modos de se sustentar, soccorrendo-se por mais de uma occasião aos remedios heroicos.

Admira-se de que os factos que originaram a incompatibilidade do governo que desappareceu se varressem agora da memoria de muitos; mas é certo"que se elle, orador, fosse obrigado hoje a acompanhar a opposição, em cujas fileiras militou muitos annos, havia de curvar o colo e passar por baixo das forcas caudinas para dar rasão aos homens a quem combateu constantemente, e que vinham n'este momento offerecer-lhe um abraço fraternal, em cuja lealdade não póde acreditar, porque via um intuito politico que o faria suspeitar d'ella. Esta a rasão porque a camara se não surprehende de o ver ao lado do governo, e de lhe ouvir declarar que lhe dá o seu apoio...

O sr. Vaz Preto: — Eu surprehendo-me e muito... O Orador: — Espera que o digno par dará a rasão da j sua surpreza, porque já tem a palavra.

Todos sabem o que se passou ha pouco tempo na scena da nossa vida politica quando saíu do governo o sr. duque de Loulé (que elle orador sente não ver presente), apoiado pelo prestigio de uma maioria que lhe offerecia setenta votos de apoio, na opinião do sr. conde de Castro.

Em virtude désse facto principalmente confirmado e preparado para a crise que teve logar, sem indisposição alguma individual, mas sem a idéa de que o partido a que se havia ligado na opposição compartilhasse os seus principios e as suas idéas n'este ponto, obrigado a appellar para a opinião de alguns dos seus collegas quando se reuniram os membros da opposição, em casa do seu nobre amigo e collega o sr. marquez de Niza, e sendo encarregado n'essa conjunctura do formar o ministerio o sr. marquez de Sá da Bandeira, elle orador declarou poucos dias depois n'esta camara que se visse que a solução da crise era a formação de um governo composto de homens que dessem garantias de ordem, embora senão fossem buscar ás fileiras do partido em que o orador militava, que não lhe recusaria o seu apoio politico, porque reconhecia a rasão do scisma que reinava na camara dos senhores deputados, e porque sabia tambem o que se tinha passado nos bastidores d'essa scena politica; e sobretudo porque receiava que a solução da crise fosse tal que se considerasse um attentado contra a verdade do systema constitucional, e permitta-se-lhe a expressão, uma offensa feita ao bom senso politico de todos os homens publicos d'este paiz.

Desgraçadamente foi o que succedeu ao ministerio, que o sr. duque de Loulé formou; foi uma afronta dirigida a todos os homens publicos d'esta terra, porque não era possivel que elles aceitassem um ministerio em que estavam encarregados das primeiras pastas da governação homens sem precedentes de vida politica, e que não davam ao partido que ía representar a garantia de que estavam habilitados para o exercicio das funcções de que eram encarregados.

Desceu, e nunca viu descer tão baixo o nivel do governo, e quando esse governo caiu, ou morreu da morte que lhes estava imminente, porque não era constitucional, como queria o sr. conde de Castro que esse governo morresse constitucionalmente? O governo morreu porque não podia logicamente viver.

Não havia remedio com que se lhe podesse acudir, porque se o houvesse, tornar-se-ia um governo sem condições nenhumas de longa vida, nem mesmo lh'as podia ministrar o espirito sincero e leal de ambas as casas do parlamento. Esse ministerio morreu; mas tinhamos a repetição da crise, e elle orador que via então os acontecimentos politicos que se davam na nossa terra, como se costuma a dizer (e pedia licença á camara para usar d'esta phrase), a vol d'oiseau, porque não estava na capital, não conhecia n'estas circumstancias a intriga politica que então existia, e só tinha noticia do que se passava apenas pelas informações, mui suspeitas, de alguns jornaes de differente procedencia, nada podia comprehender bem; no entanto, no ponto em que se achava, alimentava o desejo que tinha nutrido n'esta camara, e dizia: oxalá que não tenhamos segunda edição do ministerio que ha pouco caiu! O nivel do governo desceu e desceu muito; era necessario primeiro do que tudo eleva-lo, porque se o não elevassem, todo o homem que estivesse em circumstancias de prestar ao seu paiz o grande serviço de ministro, havia de eximir-se a isso, porque seria para elle uma humilhação. Foi então que soube que se tinha formado o governo com os dignos pares Sá da Bandeira, Julio Gemes da Silva Sanches, conde d'Avila e o sr. Carlos Bento da Silva; cavalheiros estes a quem o orador tem feito leal opposição, excepto ao digno par Julio Gomes da Silva Sanches, porque a sua vida politica activa era anterior á entrada d'elle orador no parlamento.

Pelo que respeita aos outros cavalheiros, repetia, ter-lhes feito em differentes conjuncturas uma opposição leal e franca, em que respeitava sempre a dignidade do poder representado nas pessoas de ss. ex.ªs; e não era a estes homens que devia receber, como foi recebido o ministerio que vieram substituir. Tinha-se n'estes termos ganho muito; já o nivel do governo tinha sido elevado, e elle orador dava os parabens ao seu paiz por este facto. Foi por esta epocha que se começou a fallar em fusão entre a fracção regeneradora que representava parte da opposição liberal de ambas as casas do parlamento, e a fracção ou partido politico representado pelo sr. duque de Loulé. Não sympathisou com a idéa da fusão feita nas condições que se tinham apontado, porque lhe parece que se o desideratum dos politicos que a queriam fazer era aquelle a que se referiu o sr. conde de Castro, nada se poderia conseguir, porque se o fim da fusão era constituir um governo forte, o seu resultado seria inteiramente contrario, e appareceria um governo fraco. Não era possivel saír um governo forte de entre dois campos que se tinham gladeado constantemente e com interesses differentes. A fusão não seria senão uma banca rota de responsabilidades, e se ella se fizesse, como o orador esperava, havia apresentar-se na camara para propor um artigo addicional ao regimento desta casa, pelo qual fossem prohibidas quaesquer allusões com referencia a factos politicos incriminados por qualquer partido, porque sendo a fusão uma banca rota de responsabilidades, logo que em qualquer debate se levantasse a menor recriminação, ella não podia existir, porque com a fusão estavam todos os partidos intimamente ligados. Esperava que a fusão vingasse, e esperava-o, porque a suppoz uma machinação do sr. duque de Loulé, machinação que elle não tentaria se não julgasse então impossivel a dissolução da camara electiva.

A seu ver, a solução da crise, a solução que podia ser esperada, era a fusão perante a uma, não perante a uma como ella naturalmente se vae tentar; a fusão — como disse o digno par o sr. conde de Castro — dos elementos heterogéneos e dos interesses individuaes dos dois partidos, mas a fusão perante a uma de maneira que a opposição se collocasse no logar que devia occupar, não saíndo fóra dos limites que lhe devem ser marcados, não saíndo fóra da orbita em que se tem conservado ha tantos annos, e não obrigando constantemente o governo, a demittir-se ou a dissolver a camara. Se a fusão se podesse conseguir d'este modo, então se poderia constituir um governo forte, segundo a imagem da nova camara.

Principiou o sr. conde de Castro dizendo que a fusão era uma cousa justa, porque o fim era formar uma colligação perante a uma para constituir um governo forte. Ora, que não era tão simples a fusão como pareceu ao digno par, a prova é que a despeito dos bons desejos dos cavalheiros illustrados que dirigiram esta negociação, não se póde conseguir o principal dos fins que era ter o apoio sincero de todos os homens comprehendidos n'aquelle pensamento; portanto não era cousa tão facil e simples que não houvesse grande difficuldade em se tentar, e que a não haja hoje ainda, porque effectivamente ha grandes difficuldades, e a prova esta mesmo no que s. ex.ª expoz relativamente aos fins d'essa fusão; exposição que para elle, orador, foi nova, e o é de certo para muitos que aliàs deviam estar ao facto de tudo como correligionarios politicos, dos homens que se entenderam para esse fim (apoiados). S. ex.ª diz que appella para o resultado da uma. Para isso appellam todos; appella o governo e appella o paiz.

O orador, fazendo algumas considerações sobre as maiorias e opposições, absteve-se comtudo de referencias mais especiaes á camara dos senhores deputados, por não poder esta levantar a replica na sua sala, dedicando-lhe unicamente as considerações de respeito que exige o concurso do poder, e proseguindo na analyse do discurso do ex.mo sr. conde de Castro, acrescentou que o mesmo digno par dissera e insistira sobre o ponto de que s. ex.ª não havia tido a idéa de que se fizesse crer que a fusão tivesse tratado da distribuição das pastas. Elle, orador, não sabe se tal se fez, porque esses trabalhos não tiveram a publicidade que muita gente tinha rasão de esperar, e alguns até de exigir (muitos apoiados). Emquanto pois ao que o digno par disse sobre esse ponto, já foi bem aproveitado pelo sr. conde de Thomar tudo o que havia a responder-lhe, notando que s. ex.ª não podia deixar comtudo de convir em que expozera que o cavalheiro de qualquer dos dois grupos que fosse encarregado de apresentar um gabinete, iria buscar tres ministros a um d'esses grupos, e tres ao outro. Se isto não é combinação de pastas, então o orador não sabe o que tal cousa seja.

O digno par o sr. conde de Castro concluirá o seu discurso, dizendo que a primeira das necessidades publicas d'este paiz era a paz, o socego e um governo que não fosse de transição. O digno par n'essa idéa citou o facto de ter acompanhado sempre com profunda e intima convicção, a situação que s. ex.ª julgava segura. Esta consideração do digno par faz com que elle, orador, na opposição do mesmo digno par ao actual gabinete, não veja senão o intimo convencimento que s. ex.ª tem de que este governo não póde durar senão até ás eleições; mas o orador fica ao mes-

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me tempo com a esperança de que se este governo se apresentar depois com condições de força todos receberão o prazer de ver s. ex.ª dar-lhe o seu apoio.

Conclue agradecendo o ter-se-lhe fornecido a occasião de expor á camara, sem que o esperasse, as rasões da posição que hoje occupa. Nada mais dirá, porque a nova sessão esta proxima, e estes debates que, por sua natureza, envolvem questões politicas, não se podem tratar com as acanhadas proporções de uma questão incidental. Espera que na proxima sessão haja tempo sufficiente para se discutir esta materia sem prejuizo dos graves e importantes negocios que têem completamente ficado preteridos, como reconheceu o digno par, o sr. visconde de Gouveia, que n'esse mesmo facto, que com tanta justiça notou, fez, sem querer, a mais pungente censura á administração passada (muitos apoiados) e á camara que finda (apoiados).

O sr. Vaz Preto: — Sr. presidente, n'esta occasião em que peço a palavra não posso deixar de dizer que é para mim a mais difficil e de verdadeira dôr, dolorosa e afllictiva a posição em que me acho, porque me vejo collocado na triste situação de ter de combater um dos meus maiores amigos; e quando digo maior amigo não emprego a palavra usual e officiosa, palavra que, na sociedade, a maior parte das vezes não significa senão uma amablidade; eu porém emprego-a da verdadeira accepção, dando-lhe todo o valor e peso. N'esta conjunctura, pois, a camara póde avaliar quão profunda é a minha dôr, amargo o pesar e forte o sentimento, tendo hoje de suffocar as affeições mais intimas para cumprir o dever de cidadão, de politico e de representante do meu paiz. A despeito, pois, de todas estas considerações, ergo a minha humilde voz para rectificar os factos e restabelecer a verdade, e ao mesmo tempo explicar hoje a minha posição politica n'esta camara, e a rasão por que faço opposição ao actual gabinete. Preciso de explicar os motivos que me determinaram a proceder por esta fórma e collocar-me em hostilidade ao ministerio, mas antes de o fazer não posso deixar de responder a algumas asserções que ouvi, e com as quaes não posso concordar, mas devo até protestar contra ellas combatendo-as, e mostrando, não só a sua inexactidão, mas a injustiça e manifesta contradicção com que foram aqui lançadas.

Sr. presidente, dizia o sr. ministro da fazenda, respondendo a uma asserção produzida pelo digno par, o sr. visconde de Gouveia de que o actual governo não tinha maioria, dizia (como todos lh'o acabâmos de ouvir), a prova de que o governo tem maioria na camara dos dignos pares é a votação da lei de meios. E disse isto o sr. conde d’Avila!

O sr. Ministro da Fazenda: — Não disse só isso.

O Orador: — Os echos d'este recinto repercutem ainda bem sonoras as phrases pronunciadas pelo digno par. E eu para significar a minha admiração de que um ministro da corôa, que pretende ser forte na argumentação e na deducção logica, apresentasse o argumento tão pouco digno de quem possue essas qualidades, não posso deixar de me sorrir d'essa phrase de que s. ex.ª se serviu em tom ironico, d'essa expressão de menos respeito que dirigiu aos membros da opposição, dizendo-lhes em apostrophe incisiva — isto é serio? Isto é serio? Não póde ser serio!!! —Confesso, sr. presidente, que a phrase pela fórma e pelo modo e tom com que foi dita, magoou-me profundamente; levantarei pois essa phrase e exprimirei com ella a minha admiração, e responderei com a sua força ás contradicções manifestas do illustre ministro, entre os seus desejos de hontem e o pensar e proceder de hoje. Oh! sr. presidente! Agora pergunto eu tambem ao sr. conde d’Avila pela mesma fórma que elle disse: sr. conde d’Avila, isto é serio?! Isto é serio?!

O sr. Ministro da Fazenda: — E, sim senhor.

O Orador: — Oh! sr. presidente, e ainda diz o ministro que é serio, que é serio!

O sr. Ministro da Fazenda: — V. ex.ª occulta metade do que eu disse.

O Orador: — V. ex.ª o que disse foi que a prova era a votação da camara. E não teve V. ex.ª uma votação unanime na camara dos senhores deputados? Não o negará por certo. Pois se a teve para que foi aconselhar a dissolução?

O sr. Ministro da Fazenda: — Foi só depois da censura.

O Orador: — A censura era merecida, merecidíssima, e um gabinete, que não tem elementos de força nem de governo, e cuja fraqueza é tão grande que nem póde apresentar-se, completo diante do parlamento, devia demittir-se em seguida, reconhecendo a sua impopularidade.

A dissolução da camara, disse em seguida o sr. conde d'Avila, era a consequencia da fusão! E agora pergunto eu tambem ao sr. conde de Avila: Isto é serio?! Pois o sr. conde d'Avila, o partidista da fusão, o campeão ousado que foi quebrar por ella lanças na secretaria do reino e mesmo na camara, aconselhou a dissolução como consequencia' d'essa fusão tão ambicionada por s. ex.ª, tão querida e tão pertinazmente defendida!!!

O sr. Ministro da Fazenda: — A fusão que eu queria não era esta.

O Orador: — Sim, não era esta, comprehendo, porque esta não era comsigo (riso). Esta não lhe trazia as zumbaias do poder, nem perspectivas esperançosas para um desejo ardente que ainda não teve realisação!

Sr.s presidente, como é que o sr. conde d'Avila, que tinha pertencido ao partido denominado historico, e que dizia que respeitava os regeneradores, que reconhecia que não podia haver governo sem elles, e por isso queria a fusão e se tornava o seu maior partidista, assegurando que era a unica fórma de estabelecer um governo serio e partido forte, como é, repito, que o sr. conde d'Avila, no momento em que vê as suas idéas realisadas, os seus desejos preenchidos, as suas opiniões traduzidas em factos, no momento em que os partidos se approximam, destroem os attrictos, resolvem incompatibilidades, criam elementos de força e dão-se mutuas garantias, deixando antever um futuro governo saído de uma idéa nobre e elevada, e por isso esse governo tambem nobre e elevado em todas as suas aspirações, como é pois que o sr. conde d'Avila se declarou então contra a fusão?! Isto é serio, sr. conde d'Avila? O nobre ministro não responde, emmudece?

Sr. presidente?! Infelizmente é serio de mais, e o paiz é quem soffre as consequencias d'estas contradicções, e de ambições que não deveriam nunca ter existido, ambições sempre mesquinhas e pequenas!!

Diz o sr. conde d'Avila que queria a fusão, mas que de uma parte se lhe declarava que era necessario sacrificar o sr. marquez de Sá, e da outra se lhe dizia que se não podia transigir com os homens da regeneração.

Sr. presidente, o sr. marquez de Sá não podia ser aceite pela opposição, ella era justa no seu querer, a sua pretensão era a coherencia; é uma das rasões tambem porque combato a actual situação. Tenho pelo nobre presidente do conselho a maior sympathia, um respeito extremo e uma veneração completa, porque o conheço ha longos annos, e alem das relações intimas que sempre teve com minha familia, presto a homenagem devida a um soldado do Senhor D. Pedro IV, e a um dos mais strenuos defensores da liberdade; a um valente mutilado nos campos da batalha, defendendo santos principios e idéas sublimes, que hoje nos fazem ser o povo mais livre da Europa; mas nem por isso deixo de entender que s. ex.ª não podia formar um governo Com os elementos precisos, nem podia aconselhar ao throno a dissolução da camara dos senhores deputados, depois do que já tinha dito e asseverado no parlamento. Havia um mez que s. ex.ª tinha declarado que não tendo podido organisar um ministerio da maioria, aconselhara El-Rei a chamar novamente o sr. duque de Loulé, porque entendia que os governos deviam antes caír do que aconselhar a dissolução, medida que ía sempre de encontro á sua consciencia, e que s. ex.ª não a empregaria já mais, porque preferia antes a queda de muitos ministerios aos inconvenientes de uma dissolução.

Ainda os echos d'esta camara repetiam estas palavras nobres, e aquellas cadeiras vasias eram occupadas no meio do zunido daquellas phrases que ainda repercutiam nos nossos ouvidos, por cavalheiros que constituiam um governo que não significava senão a contradicção manifesta de tudo quanto o sr. presidente de ministros tinha proclamado, e a negação completa dos principios constitucionaes, um governo em fim sem elementos de força e sem que tivesse atraz de si um partido. Um governo incompleto, heterogéneo e formado de elementos incompativeis, que tinham estado naquellas cadeiras com o sr. marquez de Sá, e que s. ex.ª, de accordo com o sr. duque de Loulé, tinha expulsado, cortando assim na arvore o ramo improductivo e de má qualidade. Este acontecimento ainda esta na memoria de todos, e todos sabem como nasceu a dissidencia de 1862; que hoje pela inversão de todos os principios fórma o governo d'este paiz, tendo o apoio e atraz de si os homens que os foram substituir, e contra os quaes os cavalheiros que foram expulsos e que hoje se sentam ali ufanos, se declararam em guerra aberta e em opposição manifesta! Isto é serio sr. conde d'Avila? Oh! como o poder cega e fascina!

E por consequencia com os srs. Lobo d'Avila e conde de Thomar que hoje apoia o governo que o sr. conde d'Avila se fundiu! Pergunto ainda: isto é serio?

O sr. Ministro da Fazenda: — A pergunta é que não é seria.

O Orador: — A pergunta não é seria, porque sáe de um homem que póde levantar a cabeça sem corar, e que não tem acto algum na sua vida que o envergonhe, que tem firmeza de principios, que tem energia de caracter e coherencia de idéas, de um homem que visa ao seu fito com persistência e lealdade, não succumbindo diante dos obstaculos, e affrontando com coragem as difficuldades, não andando de campo em campo pertencendo a todos os partidos...

O sr. Ministro da Fazenda: — Peço a palavra. Eu tambem posso erguer a cabeça.

O Orador: — S. ex.ª que tem pertencido a todos os partidos, não póde assim fallar...

O sr. Ministro da Fazenda: — Mas não pertenço ao do digno par.

O Orador: — Por certo que não, porque no meu partido não ha transfugas...

O sr. Ministro da Fazenda — Eu responderei.

O Orador: — Estimo muito, e desde já o provoco a faze-lo, porque assim terei occasião de ser mais explicito, e estabelecer e firmar opiniões que devem ser incontestaveis.

Sr. presidente, desculparia todo o ministerio formado com esses elementos, que não tinham o apoio da maioria da camara dos senhores deputados; com esses elementos que constituiam a dissidencia de 1862, desculparia mesmo todos os vicios da sua organisação, se esse ministerio representasse um principio nobre, se representasse uma grande idéa, se esse ministerio hasteasse uma nova bandeira com a legenda sublime e tão desejada liberdade completa da uma, principio por que tenho pugnado, e pelo qual o meu illustre collega, o sr. visconde de Seabra, fez um tão brilhante discurso, condemnando as candidaturas officiaes. Se esse ministerio arvorasse essa bandeira, ajuda-lo-ía do coração, empregaria todos os esforços e defende-lo-ía com ardor e denodo, porque anteponho a tudo a idéa e o principio, do qual eu julgo que o paiz podia tirar consequencias vantajosas e resultados proficuos; mas o ministerio em logar de ter essa idéa e de seguir esse principio, desconhece a idéa e o principio, e quiz antes significar a ausencia completa de todas as idéas e de todos os principios, e a contradicção manifesta dos proprios ministros comsigo mesmos e com os homens que lhes dão apoio.

Sr. presidente, eu peço a palavra em seguida ao sr. conde d'Avila, para poder responder ao que s. ex.ª disser.

Dirigir me hei agora ao sr. conde de Thomar, que quiz arguir de certa fórma a opposição, ou uma parte d'ella, por ter dito que o governo era conservador; e que por consequencia s. ex.ª é quem devia estar naquellas cadeiras (as do governo); devo dizer que estou convencido que na actualidade era conveniente, e um grande serviço, que s. ex.ª ali estivesse, porque ao menos significava as tradições de um partido, ao qual tem pertencido sempre, e de que ainda hoje é chefe, e nós sabíamos o que combatiamos. Disse tambem s. ex.ª, que esse partido cartista tem dado homens eminentes para todos os partidos; mas s. ex.ª deve notar, e permitta-me que lh'o diga, que todos nós somos cartistas.

O sr. Conde de Thomar: — Nós somos conservadores da carta e do acto addicional.

O Orador: — Pois todos nós queremos isso, todos nós somos cartistas; porém a carta não se póde considerar como uma constituição perfeita, e por consequencia todo o partido que deseja o progresso gradual, e que lhe obedece como a uma lei da natureza, e como resultado da civilisação, deve querer todos os melhoramentos que possam provir d'ella, e que sirvam para aperfeiçoar e satisfazer mais as condições e indole do governo, estabelecido. Disse tambem o sr. conde de Thomar, que prestava apoio ao governo, se elle quizesse governar; mas qual é o governo que se senta naquellas cadeiras, que não quer governar? Isso todos querem. Eu disse antes, e sem perigo de errar, que lhe prestaria apoio, se elles governassem bem, satisfazendo ás indicações de moralidade e exigencias do paiz.

S. ex.ª conhece os actuaes ministros, tem-lhes feito opposição, já sabe o que elles valem, e sobretudo aonde elles podem chegar. Governar! E exactamente por eu querer um ministerio que governe, e governe bem, e que tenha condições de força, que eu combato o actual. A opposição, que tem sustentado sempre os principios da solidariedade ministerial, não póde agora defender e apoiar o actual ministerio, e é por essa mesma rasão que eu me separo de antigos camaradas d'estas lutas politicas, e de amigos intimos, porque, respeitando muito as intenções e o modo de ver e avaliar de cada um as cousas politicas, parece-me que estou n'um campo mais firme e estavel, n'uma posição mais logica, mais definida á face de todos os principios, incluindo mesmo o principio da coherencia.

Perguntou tambem o sr. conde de Thomar: «Unidos os dois partidos qual fica sendo o partido do governo?» Era esta a pergunta que sobre similhante ponto fazia o digno par o sr. conde de Thomar, dirigindo-se ao sr. conde de Castro, quando este quiz mostrar que a fusão dos dois partidos era um grande acontecimento, por isso que dava occasião a formar-se um grande partido de que podia resultar um governo forte, tal qual o paiz o reclama, para ver satisfeitas as suas mais instantes necessidades. O sr. conde de Castro disse muito bem. Pois quem o duvida? Não é este o resultado natural da união de dois partidos fortes no numero, em intelligencias e notabilidades? Não são estas condições que me possam accender uma esperança calorosa? Como é então que se procura attenuar estas considerações fazendo a observação e perguntando em que fica o partido do governo? A resposta é facil, e eu a vou dar precisamente; o partido do governo fica no sr. conde d’Avila com o sr. Carlos Bento e o sr. Julio Gomes, presididos pelo nobre marquez de Sá, com o acompanhamento do sr. Lobo d’Avila e dissidentes de 1865, e do sr. Conde de Thomar e alguns cavalheiros do antigo partido cartista ou conservador, que era verdadeiramente aquelle que deveria figurar e apresentar-se face a face com o partido progressista (muitos apoiados). Sim, eu reconheço que assim é que devia ser, e por consequencia chegada a occasião de vir o digno par o sr. Conde de Thomar occupar aquellas cadeiras, e não delegar a representação no sr. conde d’Avila que é de uma côr duvidosa. Mas... Dizem-me: «Para se ver qual é o partido do governo é que se appella para a uma, consultando o voto nacional». Oh, sr. presidente! É necessario que se não saiba como é que se fazem as eleições; é necessario que se desconheça a força das auctoridades, dos cabos de policia e dos regedores; portanto a resposta tinha logar se o governo apresentasse o grande principio, se proscrevesse as -candidaturas officiaes, e se conservasse superior a todas essas lutas, que muitas vezes são vergonhosas, quando não chegam a ser crimes. A resposta tinha cabimento se o governo se compenetrasse da pureza d'essas idéas, e esquecendo considerações mesquinhas e ambições miseraveis, tivesse independencia e coragem para deixar vir uma representação nacional que manifestasse a expressão genuina e a verdadeira opinião publica. Então talvez eu, pondo de parte o rigor dos meus principios de coherencia, fazendo algum sacrificio á minha susceptibilidade politica, não duvidasse de prestar apoio ao governo, porque primeiro que tudo estaria a sustentação da idéa porque pugno ha tanto tempo, e que eu via por elle abraçada, principio que eu julgava utilissimo para o meu paiz, e que o governo sustentava com decidida abnegação. A supposição não se deu, a hypothese não se realisa, e eu fico onde estou.

Dizer-se porém que todo o governo era impossivel com a camara que se vae dissolver, isso é que eu não posso acreditar, desde o momento que se deu a conciliação, e antes de se recorrer a este meio violento, restava saber se da combinação dos partidos podia resultar um governo forte, sem que o actual tomasse sobre si a tremenda responsabilidade que tomou. Nós, sr. presidente, devemos respeitar e acatar devidamente a prerogativa real, mas tornar sempre os ministros responsaveis, porque elles é que o são (apoiados dos bancos dos srs. ministros), e n'este caso que se deu devem tomar do mesmo modo toda a responsabilidade.

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Os srs. Ministro da Fazenda e das Obras Publicas: — Já o declarâmos.

O Orador: — O que a mim me parece em todo o caso, é que podiamos ter governo sem recorrer aos remedios heroicos, e que não se deve abusar dás garantias que a constituição dá para supplantar as facções empregando-as em sentido inverso.

Sr. presidente, eu vou entrar na parte mais difficil das minhas considerações; é a parte em que tenho de me referir ao meu' intimo amigo, o sr. Sebastião José de Carvalho, amigo que eu respeitava desde longo longo tempo, e estimava particularmente pela firmeza de principios e independencia de caracter que o distinguiu sempre em todo o seu tirocinio politico, amigo que eu estimava (como ainda estimo) e respeito pela severidade e austeridade de idéas, e pela nobreza de sentimentos; estou porém intimamente convencido, assim como elle estará a meu respeito que se hoje trilhamos caminhos differentes, apesar de termos marchado sempre debaixo da mesma bandeira e com o mesmo fito, cada um de nós, com a consciencia pura, separamo-nos hoje convencidos de que seguimos o melhor caminho; separação esta que eu sinto amargamente, e sinto-a tanto mais porque tenho o convencimento intimo de que estou representando a coherencia de principios e de idéas pelas quaes temos constantemente trabalhado no intuito de conseguir um governo que possa desassombradamente occupar-se das necessidades urgentes do paiz, apresentando ao parlamento medidas de iniciativa fecunda e moralidade inconcussa que possam sustar esta marcha rapida para um abysmo insondavel.

Parecia-me que nenhuma repugnancia o digno par, meu amigo, devia encontrar na idéa da fusão, idéa nobre e elevada quando se sacrificam resentimentos pessoaes com o intento de servir a patria.

Eu não vejo incompatibilidade alguma, antes eu acharia essa incompatibilidade em dar apoio a um homem que eu tivesse sempre combatido. Não combateu sempre o meu nobre amigo, o sr. Sebastião José de Carvalho, o sr. conde d'Avila? Não foi sempre o seu alvo favorito que escolhia nos differentes ministerios de que elle tem feito parte? Já se esqueceu o digno par que o sr. conde d'Avila até ultimamente o contrariou, por assim dizer, apresentando aqui uma proposta para acabar uma questão em que o mesmo digno par, o sr. Sebastião José de Carvalho, tanto se tinha empenhado, questão de moralidade, questão que foi mais um brilhante triumpho para s. ex.ª, e que produziu todas estas crises?!

Effectivamente foi o sr. conde d'Avila que procurou dar outra solução a essa, como digo, questão de moralidade, apresentando uma moção que impediu uma votação formal que a camara estaria prestes a dar, pronunciando-se digna e explicitamente. Refiro-me á questão das medalhas, á concessão feita da medalha ao general Lobo d'Avila.

O meu digno amigo, para apoiar este ministerio, carece por todas as rasões, de fazer uma retractação completa de todos os seus discursos, pois de outra sorte s. ex.ª que tinha sustentado sempre com tanta energia o principio da solidariedade ministerial, e combatido o sr. conde d'Avila e Carlos Bento nas suas transformações politicas, não podia hoje apoiar o ministerio, que é a infracção d'esses principios, personificada já no nobre marquez de Sá, que se acha unido com os homens a quem o meu particular amigo fez sempre a guerra mais implacavel.

E seja dito de passagem, que depois da questão das medalhas, não menos me admira ver ligado a este ministerio o sr. Lobo d'Avila! E tambem uma fusão. Mas que fusão! São portanto fusões tanto de um lado como do outro; são as tendencias da epocha; mas ha fusões que são dignas, ha fusões que se sustentam, ha outras porém que estão abaixo de toda a critica, se analysarmos os motivos que as determinaram e os elementos heterogéneos que as compõem.

O meu nobre amigo falla em principios heterogéneos da nossa parte, mas eu não sei como s. ex.ª possa demonstrar que os da fusão que s. ex.ª hoje sustenta são homogeneos. Eu sinto ter de me referir á reunião que teve logar em casa do sr. marquez de Niza, mas já que o sr. Sebastião José de Carvalho se referiu a ella, e narrou algumas cousas que ali se passaram sobre o caso que então se dava, eu preciso mostrar que a meu ver, eram e são differentes as circumstancias, pois s. ex.ª o sr. marquez de Sá então combatia a nosso lado, estava comnosco, dava-nos um importante e bem valioso auxilio, reconhecendo a mesma bandeira, sustentando os mesmos principios, pugnando sempre pela manutenção dos verdadeiros preceitos constitucionaes.

Disse mais o digno par, que entre os homens, ou entre os partidos que fizeram a fusão, havia não só a incompatibilidade pessoal, mas a incompatibilidade de idéas e principios. Aceite esta asserção, pergunto a s. ex.ª como concilia as idéas e principios que combateu sempre na pessoa do sr. conde d'Avila bom as idéas e principios que combateu tambem na pessoa do sr. Lobo d'Ávila? Parece-me que o digno par não póde de fórma alguma conciliar as suas idéas e principios, nem o permitte a sua regidez e carreira nobre, que eu invejo, desde que entrou na vida parlamentar. Apoiou s. ex.ª a dissidencia de 1862? Apoia agora a de 1865? Encontra nos srs. Conde d'Avila e Lobo d'Avila um pacto serio, gosta e ama as declarações do sr. Conde de Thomar, de que o governo é conservador, e que o representante d'esse partido é o sr. Conde d'A vila? Responda o meu nobre amigo.

Se o digno par tivesse meditado um pouco, sem duvida teria reconhecido estas contradicções, e não viria para se desculpar apresentar o argumento de que dava apoio ao actual ministerio, argumento que prova' inteiramente o contrario; que é o seguinte.

Disse s. ex.ª, que a rasão porque dava o seu apoio a este

ministerio, é' porque tinha visto rebaixar as cadeiras dos ministros ao nivel que não era compativel com a dignidade dó poder pela formação do ministerio transacto. Esta asserção é o nobre presidente do conselho que tem de a agradecer ad digno par, porque é: uma censura acre e severa a s. ex.ª que pertenceu a esse ministerio, e concorreu efficazmente para a sua organisação; mas depois abandonou os seus collegas e foi buscar elementos oppostos, que o digno par tinha sempre combatido e hoje apoia. Parece-me que não ha coherencia nem nos principios nem no proceder.

Dizia s. ex.ª que de mais amais esse governo, formado pelos srs. duque de Loulé e marquez de Sá da Bandeira, era um governo feito contra todas as indicações parlamentares e principios verdadeiramente constitucionaes, seguidos nos outros paizes. E aonde esta tambem o principio da solidariedade, que era a idéa brilhante do digno par, e pela qual quebrava tantas lanças n'esta casa do parlamento e se apresentava sempre o primeiro na estacada? Esta representada no sr. marquez de Sá e nos seus collegas, que saíram tambem do ministerio por se não dar esse principio da solidariedade? Que differença ha pois na organisação d'este ministerio, e como é que os principios constitucionaes não foram offendidos! Ah! já sei, o ministerio transacto foi tirado da maioria da camara, e este de um campo que são apenas os proprios ministros!! Isto sim que é constitucional, isto sim que é satisfazer as indicações parlamentares! Parece-me desnecessario dar mais explicações a este respeito, e bastava só enunciar a proposição, porque ella é clara por sua natureza, e de simples intuição.

Sr. presidente, a fusão, que o digno par desejava tanto com o governo, não se podia dar por fórma alguma, por que havia incompatibilidade de principios; mas tambem porque a opposição tinha sustentado o principio da solidariedade ministerial, e este principio estava infringido pela pessoa do sr. Marquez de Sá; e não se dando essa fusão do governo, que eu acho sempre pouco nobre e elevada, porque contratando com um governo que tem o poder, parece de certa fórma que o partido que vae buscar esse apoio abdica da sua dignidade, e se humilha pelo interesse e ambição. Eu quero antes, sr. presidente, que os partidos se apresentem face a face com os elementos da força ou fraqueza, taes quaes elles são, mas sempre com lealdade, quando se approximam e pretendem unir-se em proveito geral, pondo de parte todos os resentimentos pessoaes, esquecendo todos os odios, e fazendo desapparecer todos os attrictos para fazer triumphar a grande idéa, antevendo sempre a felicidade e o futuro do seu paiz. Esta fusão assim considero-a nobre, digna e elevada, porque não visava nunca ao interesse mesquinho, e ambições irrealisaveis.

Portanto, sr. presidente, a fusão com o governo não era possivel, nem com a modificação do ministerio, nem na urna, porque se dava o mesmo desaire, e ali era a sua justificação, era um verdadeiro subterfúgio. Eu pelo menos combati-a, combato-a e hei de combate-la sempre, porque sou adversario implacavel das candidaturas officiaes, e cujo triumpho muitas vezes representa a corrupção, significa o despotismo e manifesta a força e ambição do poder em logar da expressão genuina e livre do povo.

Sr. presidente, vou concluir; por todas estas observações que fiz vê-se que a fusão em these, dadas certas circumstancias, tendo um fim nobre e acompanhada de intenções puras, é justificavel e digna. Eu porém na actualidade não desejava a fusão. Mas já que se fallou na fusão, é necessario dizer á camara a minha posição especial em que estou. Eu preferia antes que 'a opposição se mantivesse no seu posto de honra, conservando a sua historia, tradições nobres e de muitos annos, levantando a bandeira porque tinha combatido a todo o transe, para cuja defeza tinha passado por immensas provações. Não condemno a fusão se d'ella resultar um grande melhoramento, ou grandes vantagens para o paiz, e d'ella se podér formar um governo forte dentro da esphera da legalidade, attendendo sempre aos principios de moral, e tendo-os como base precisa e indispensavel.

Mas, sr. presidente, eu desejava antes que fosse uma approximação, e todos os partidos se apresentassem com as suas bandeiras, com as suas idéas, e com as suas crenças, com os seus precedentes e com os seus principios, e se combinassem em utilidade publica; eu preferia antes isso, e deseja-lo-ia mais porque assim respeitar-se-iam todas as susceptibilidades, não se dariam armas aos adversarios que serviriam de guerra cruenta de outros tempos, para mostrarem a contradicção. Todos pareceriam puros diante de pensamentos grandes e da dedicação pela patria, e mais tarde depois da fraternisação, e de provações, sacrificios e identificação de idéas, de doutrinas e de sentimentos, reconhecer-se-ía o que o tempo e as cousas tinham operado espontaneamente. Este é o meu pensar e modo de ver; comtudo respeito muito a opinião dos que julgam a occasião 'opportuna e que n'este momento se dava o caso de formar um partido forte, que não tinha grandes incompatibilidades; e por consequencia que deviam constituir esse partido, e que na verdade esta constituido. Comtudo, sr: presidente, eu continuo no mesmo campo, seguindo a crença antiga, os meus principios, e fiel á mesma bandeira; mas estimarei muito que esse novo partido traga grandes beneficios para o nosso paiz e se der em resultado o contrario, eu hei de combater o seu governo com a mesma firmeza e tenacidade com que tenho combatido a outros ministerios, e não me importa; nem me faz o mais pequeno abalo, que o sr. Conde d’Avila diga que eu não tenho partido nenhum; porque prefiro antes manter os meus principios e ser das minhas idéas, de que me não envergonho, do que ter pertencido a muitos partidos politicos, procurando por todos elles só as doçuras do podér:

O sr. Presidente: — Tem a palavra o sr. D. Antonio de Mello por parte da commissão de guerra.

O sr. D. Antonio de Mello: — Por parte das commissões de fazenda e de guerra mando para a mesa dois pareceres, e peço a V. ex.ª a urgencia da sua discussão, hoje mesmo, sendo possivel, e dispensando-se os tramites do estylo (apoiados)

O sr. Presidente: — Estes dois projectos de lei dizem respeito aos melhoramentos dos soldos dos officiaes do exercito. Os dignos pares acabaram de ouvir o requerimento feito pelo sr. D. Antonio de Mello, e portanto vou consultar a camara se approva que seja dispensado o regimento para que estes projectos entrem desde já em discussão, ficando interrompida a questão politica de que se tratava (apoiados).

Foi approvada a urgencia; e leram-se o parecer e projecto, que é do teor seguinte:

PARECER N.° 12

Senhores. — As commissões reunidas de guerra e fazenda da camara dos dignos pares, ás quaes foram presente os dois projectos de lei n.ot 11 e 12, de iniciativa do governo, vindos da camara dos senhores deputados, conformando-se com' os indicados projectos, são de opinião que elles devem ser approvados por esta camara.

Sala da commissão, em 13 de maio de 1865. = Conde de Santa Maria — Conde de Torres Novas (com declaração) = Visconde de Ribamar — Marquez de Ponteira — Visconde de Soares Franco — D. Antonio José de Mello e Saldanha = José Bernardo da Silva Cabral = J. A. Braamcamp = Francisco Simões Margiochi.

PROPOSTA DE LEI N.° 11

Artigo 1.° Os officiaes combatentes e não combatentes do exercito, em serviço activo do ministerio da guerra, vencerão os seus soldos pela tabella junta, que faz parte d'esta lei, segundo os postos ou honras correspondentes que tiverem..

§ unico. Os capitães e os officiaes não combatentes com as respectivas honras, depois de dez annos de serviço effectivo, no posto de capitão os primeiros, e no de categoria correspondente os segundos, perceberão mais a quinta parte dos seus soldos, conforme a referida tabella.

Art. 2.° Os officiaes de veteranos, reformados e outros sem accesso de postos continuarão a vencer os seus soldos pela tarifa de 13 de setembro de 1814, pelo modo estabelecido na carta de lei de 22 de fevereiro de 1861.

Art. 3.° Os alferes graduados e os alferes alumnos terão o vencimento de 600 réis diarios.

Art. 4.° Os officiaes combatentes e não combatentes das classes activas e não activas do exercito continuarão a perceber os seus soldos pela dita tabella, ou pela tarifa de 1814, conforme pertencerem áquellas ou a estas classes quando se acharem:

1.° Na frequencia dos cursos de estudos de instrucção superior;

2.° Doentes no seu quartel;

3.° Com licença da junta militar de saude.

Art. 5.° Os officiaes das classes activas do exercito receberão os seus soldos pela tarifa de 13 de setembro de 1814, quando estiverem:

1.° Em disponibilidade;

2.° Em inactividade temporaria;

3.° Presos para conselho de guerra.

Art. 6.° Os officiaes das classes inactivas do exercito, quando estiverem presos para conselho de guerra, continuarão a vencer os soldos que lhes pertencerem, na conformidade do artigo 2.° até final julgamento.

Art. 7.° Os officiaes do exercito, tanto das classes activas como das não activas, perceberão metade dos respectivos soldos designados na mencionada tabella e na tarifa de 1814, conforme as classes a que pertencerem, quando estiverem:

1.° Presos em cumprimento de sentença de conselho de guerra;

2.° Com licença registada, que não exceda a seis mezes em cada anno.

§ unico. Quando a licença registada exceder no mesmo anno o praso acima designado, o official não terá vencimento algum.

Art. 8.° O abono dos soldos, designados na tabella que faz parte da presente lei, começará a effectuar-se desde 1 de julho de 1865, data em que cessará o abono das gratificações alimenticias de que tratam as cartas de lei de 1 de julho de 1862 e 27 de abril de 1864.

Art. 9.° Os soldos que actualmente vencem os brigadeiros serão alterados na proporção indicada, e que serve de regra para o augmento do soldo proposto.

Art. 10.° Pela mesma fórma serão regulados com o augmento respectivo os soldos dos officiaes da guarda municipal de Lisboa e Porto, e dos almoxarifes da artilheria;

Art. 11.0 As disposiçoes da presente lei são applicaveis! a todos os officiaes de que se compõe a força militar da primeira linha das provincias ultramarinas de Africa, Timor e Macau.

Art. 12.° São Igualmente applicaveis as disposições d'esta lei aos officiaes combatentes e não combatentes da armada.

Art. 13.° Igualmente é applicavel aos empregados civis com graduação militar no ministerio da guerra o que se dispõe no artigo 1.º d'esta lei.

Art. 14.° Fica revogada a legislação em contrario.

Palacio das côrtes, em 13 de Maio de 1865 = Cesario Augusto de Azevedo Pereira, deputado Presidente = Joaquim Xavier Pinto da Silva, deputado secretario = José de Menezes Toste, deputado secretario.

Tabella dos soldos mensaes que competem aos officiaes das classes activas do exercito em serviço do ministerio da guerra.

Marechal do exercito..................... 200$000

General de divisão................144$000

General de brigada................90$000

Brigadeiro........................72$000

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Coronel................................. 65$000

Tenente coronel........................... 58$000

Maior................................... 54$000

Capitão................................. 30$000

Tenente ou primeiro tenente................. 28$000

Alferes ou segundo tenente.................. 25$000

Almoxarifes.............................. 18$800

Projecto de lei n.° 12

Artigo 1.° O pret diario dos officiaes inferiores, pertencentes aos corpos das differentes armas do exercito e mais praças designadas na tabella junta, que faz parte d'esta lei, será regulado na conformidade da mesma tabella.

Art. 2.° O governo poderá despender no actual anno economico até á quantia de 8:000$000 réis, para ser applicada ao melhoramento do rancho das praças de pret do exercito.

Art. 3.° No orçamento da despeza do estado será consignada annualmente a quantia de 32:000$000 réis, para ser applicada ao melhoramento do rancho das praças de pret.

Art. 4.° Fica revogada a legislação em contrario.

Palacio das côrtes, em 13 de maio de 1865. = Cesario Augusto de Azevedo Pereira, deputado presidente = Joaquim Xavier Pinto da Silva, deputado secretario = José de Menezes Toste, deputado secretario.

Tabella do pret diario que compete aos officiaes inferiores e mais praças, a que se refere a lei d'esta data

[Ver Diário Original]

O sr. Presidente: — Esta em discussão o projecto de lei n.° 12 na generalidade, com a respectiva tabella que se acabou de ler, e tem a palavra o sr. conde de Torres Novas.

O sr. Conde de Torres Novas: — Pedi a palavra, sr. presidente, porque tendo assignado o parecer da commissão com declarações, eu não podia deixar de dizer os motivos que me moveram e assignar com declarações o dito parecer da commissão dado sobre projectos tão importantes, e que mal tive tempo para os ler. Soube pelo meu illustre amigo, o sr. marquez de Sá da Bandeira, que o augmento, pelos projectos que s. ex.ª apresentou na camara dos srs. deputados, montaria apenas a 60:000$000 ou 70:000$000 réis; mas vejo que ali se apresentaram e foram approvados por aquella camara differentes additamentos, e então não sei bem a quanto montará a cifra em que essa despeza possa importar. Eu assignando este parecer, quiz fazer ver a esta camara que não quero servir de embaraço a que passe n'esta sessão um projecto para melhorar a sorte dos officiaes do exercito, e principalmente das praças de pret do mesmo exercito (apoiados). Não queria que pela falta da minha assignatura se dissesse que esses projectos importantes, que mereceram a approvação da outra camara, ficariam n'esta casa sem o urgente andamento, e conseguintemente privados ainda n'esta sessão os officiaes e mais praças do exercito do auxilio que o sr. ministro da guerra propoz, e a camara dos senhores deputados approvou, assim como as commissões de fazenda e de guerra d'esta casa.

Entretanto vejo que o exercito da India foi tratado com uma grande injustiça, e eu como commandante que fui d'este exercito por espaço de dez annos, entendo que pela sua disciplina, subordinação, e bom serviço naquellas longiquas paragens, não merecia de certo ter sido esquecido pela camara dos senhores deputados; e portanto, já que naquella casa o exercito da India teve a infelicidade de não encontrar quem pugnasse pelos seus interesses, não queria eu que na camara dos dignos pares do reino acontecesse o mesmo, e se dissesse que o ex-governador geral da India não tinha pedido aos seus collegas e ao sr. ministro da guerra a justiça de que é digno o exercito da India (apoiados).

É necessario que a camara saiba que aquelle exercito é o unico que recebe hoje os seus vencimentos em moeda fraca, havendo tres classes distinctas de officiaes com differentes vencimentos, porque ha os officiaes naturaes da India que recebem os seus soldos em moeda fraca; ha os officiaes europeus que vão de Portugal servir no exercito da India, ficando pertencendo ao dito exercito e recebendo igualmente os seus vencimentos em moeda fraca, e ha outros officiaes europeus que vão ali servir com a declaração de que ficam pertencendo ao exercito de Portugal, e conseguintemente com os seus vencimentos em moeda forte.

Ora veja a camara que não sendo esta differença de vencimentos insignificante porque é nada menos do que receberem uns metade do que recebem outros, visto que a moeda fraca de Goa regula quasi por metade da moeda forte, não é facil em um exercito no qual os seus officiaes e mais praças recebem os seus vencimentos com tão grande e injusta differença, conservar em harmonia e boa camaradagem todos os individuos de que se compõe, se não a poder de muita subordinação e exemplar disciplina. Felizmente o exercito da India tem-se conservado sempre e no maior estado de disciplina, de maneira que durante os dez annos que tive a honra de commandado, apesar das suas muitas privações e violento serviço, não tive a lamentar a menor quebra de subordinação ou disciplina, antes a louvar o seu bom serviço e admiravel resignação com que soffria as suas muitas privações que tem até passado fomes! E quem sabe se por elle se ter conservado tão subordinado é que tem sido esquecido e não se lhe tem augmentado convenientemente os vencimentos igualando-os aos do exercito das outras provincias ultramarinas.

Eu tenho muitas vezes feito saber aos differentes srs. ministros da marinha e ultramar, e ultimamente ao sr. ministro da marinha, que saíu em dezembro proximo passado, a necessidade de se attender de uma maneira justa e igual á sorte mesquinha daquelles officiaes e mais praças do exercito da India, porém alem de muitos desgostos porque passei por dizer franca e lealmente toda a verdade a s. ex.ª só pude conseguir até hoje uns mesquinhos 30 por cento aos officiaes e 10 réis diarios ás praças de pret, que para pouco servem, e que os deixam ainda em revoltante desigualdade com os officiaes e praças de pret das outras provincias ultramarinas; acreditem os mesmos dignos collegas que esta differença entre os vencimentos de uns e outros continuará a ser ainda de quasi metade. Ora como nos additamentos a estes projectos se trata de melhorar a sorte dos officiaes e praças de pret dos estabelecimentos de Macau, Timor, Moçambique é Angola, já consideravelmente melhorada em relação aos seus camaradas da India porque recebem o seu vencimento em moeda forte, parece-me que ha toda a rasão para se melhorar a sorte dos officiaes e praças de pret que recebem o seu vencimento em moeda fraca. N'este casos estão unicamente os officiaes e mais praças do exercito', da India.

Não se julgue pela comparação que tenho feito entre os differentes vencimentos, eu quero fazer opposição a esta medida, pelo contrario approvo-a com toda a vontade, mas entendo que se ha justiça a respeito de uns, como estou intimamente convencido que ha, muita mais ha a respeito dos outros.

È necessario que a camara saiba tambem uma cousa; e é que o passadio actualmente em Goa é tão custoso como em Lisboa. Quando ha dez annos para ali fui, era a vida muito barata; ha cinco annos porém a esta parte tem mudado tudo completamente, e vive-se ali tão caro como em Lisboa, Moçambique e Angola; começando pela renda das casas, que são carissimas e assim todos os generos de primeira necessidade, e muito principalmente os importados da Europa, que são muitos.

A vista pois de quanto tenho dito perece que devia eu apresentar igualmente um additamento a estes projectos em favor do estado da India, mas não o faço porque o resultado seria ou ser rejeitado por esta camara, ou embaraçar-se que estas leis passassem n'esta sessão, por não haver já tempo de voltarem emendadas á outra casa do parlamento, servindo assim a minha moção de embaraçar a solução d'este negocio tão importante e justo. N'estas circumstancias limito-me a pedir ao meu nobre amigo o sr. marquez de Sá, e ministro da marinha e ultramar, que tome na devida consideração a sorte do exercito da India, tomando uma resolução justa para igualar os seus vencimentos aos dos officiaes e mais praças das outras provincias fazendo desapparecer a injusta o revoltante differença da moeda fraca, visto que são os unicos militares portuguezes que com tal moeda são pagos.

Já s. ex.ª na commissão de guerra onde foi chamado me prometteu que havia de fazer justiça ao exercito da India a este respeito, porém pedia ao nobre ministro que fizesse igual declaração perante a camara; não porque eu duvide um instante das promessas de s. ex.ª, nem desconfie que o exercito da India continue esquecido, mas é tão sómente para que aquelles infelizes officiaes vejam o modo como s. ex.ª se interessa em melhorar a sua situação.

Da minha parte pois não ha a menor duvida a respeito da palavra do nobre marquez, pelo contrario confio muito n'ella e estou certo que a cumprirá (apoiados). Todo o meu desejo é que se faça justiça áquelle exercito.

Eu posso assegurar á camara que os vencimentos dos officiaes de Goa são tão mesquinhos que difficilmente chegam para poder comer. Foi para ali um official, sobrinho do sr. José Estevão Coelho de Magalhães, que chegou a passar fome a ponto de eu o convidar para vir assistir para o meu palacio e utilisar-se da minha mesa. Alem d'este muitos outros não tinham nem o sustento necessario para poderem viver.

Portanto ao meu nobre amigo o sr. ministro da marinha e ultramar, sómente peço por ultimo muita brevidade na resolução d'este importante negocio, a fim de que senão prolonguem os terriveis soffrimentos do exercito da India. Eu. assim o espero confiadamente de s. ex.ª

Eu entendi que devia fazer este pedido para descargo da minha consciencia, sem o qual eu não podia votar este projecto.

O sr. Presidente: — As reflexões que o digno par acaba de fazer não tem referencia ao projecto que se esta discutindo, mas sim ao outro que hade entrar ainda em discussão.

O sr. Conde de Torres Novas: — Eu pedi para fazer algumas considerações n'esta occasião, porque entendi que a materia de que tratam os dois projectos, esta tão intimamente ligada, que fallando a respeito d'um, fallava a respeito de ambos.

Sempre foi systema meu economisar tempo e por isso entendi que era melhor fallar sobre ambos, mesmo porque, por não haver tempo, os additamentos estão um pouco fóra da ordem em que se devem achar, e que se lhes devia dar na commissão.

Entendo que devo dar esta satisfação a V. ex.ª para demonstrar que não quiz saír fóra da ordem: tive unicamente em vista o poupar o tempo, fazendo reflexões promiscuamente sobre os dois projectos que vão ser votados.

O sr. Ferrer: — Sr. presidente, voto pelo projecto em discussão, assim como voto pelo que hade ser discutido depois d'elle; por consequencia nada mais tenho a dizer sobre este ponto. Aproveito a occasião de me achar de pó para dizer que tenho tido vontade de tomar a palavra para responder a algumas asserções que se têem aqui avançado; não o fiz ainda nem o farei, porque entendo que não é esta a occasião propria para tratar a questão politica de que se têem occupado alguns dignos pares: entendo que o será, quando se reunir a futura camara dos srs. deputados. Como tratar da dissolução da camara electiva, se ainda não foi realmente dissolvida. Por outro lado os srs. ministros já declararam que seria dissolvida na seguinte sessão; por consequencia, os srs. deputados que são membros d'essa camara, já não podem defender-se do que aqui se disser; e o objecto, sobre que tem versado toda a discussão, tem sido factos praticados n'aquella camara.

Permitta-me ainda a camara que eu faça outra pequena observação. A camara dos senhores deputados, depois de saber que ía ser dissolvida, não só approvou a lei de meios, o que é costume em todos os paizes liberaes, para evitar uma dictadura, mas teve tambem a prudencia e o bom tacto politico de approvar os dois projectos que se acham agora aqui em discussão. Fez com isto um bom serviço ao exercito, e deu uma prova da consideração que tem pelo nobre marquez de Sá da Bandeira. Parece-me que esta camara tambem os approvará por unanimidade como approvou a lei de meios. O sr. ministro da fazenda pois não poderá deduzir d'estes actos, como já fez, uma prova de que tem maioria nas duas casas do parlamento. O argumento provaria de mais e em boa logica não prova nada.

O sr. Ministro da Marinha (Marquez de Sá da Bandeira): — Expoz que a primitiva proposta do governo dizia respeito unicamente aos officiaes do exercito de Portugal e a despeza foi orçada em 60:000$000 a 70:000$000 réis; mas na outra camara foram approvadas algumas moções que tinham por fim fazer a lei extensiva ao ultramar. Aceitou a idéa por lhe parecer justa, mas não reparou que faltavam ser contemplados os officiaes da India, quando não teria proposto uma moção n'este sentido.

Entende necessario acabar quanto antes com a moeda fraca, em as nossas colonias. Todas as vezes que elle orador tem estado no ministerio, ha diligenciado acabar com estas differenças de moeda. Já acabaram em Cabo Verde, Moçambique e Angola, mas ainda existem n'algumas colonias; anomalia que ainda não póde ser abolida, mas que confia brevemente o será, no que empenhará o auxilio do I seu collega, o sr. ministro da fazenda. Em França, em Hespanha e outros paizes que tem colonias, a moeda é toda uma, só Portugal não.

Este projecto não póde agora voltar á outra camara com emendas, porque naturalmente não haverá ali numero para funccionar. No dia antecedente pedíra a alguns srs. deputados que comparecessem na camara, mas apesar d'isso nestes ultimos dias difficilmente se arranja numero.

Já se vê que se esta camara fizesse qualquer emenda ao projecto, já não podia passar n'esta sessão. Ora, para remediar este mal que recáe sobre os officiaes e exercito da India, lá esta o acto addicional pelo qual se determina que, ouvido o conselho ultramarino, se possa fazer algum beneficio á classe de que se trata; e esta certo de que o conselho ultramarino ha de dar um parecer favoravel a respeito d'este negocio.

O sr. Conde de Torres Novas: — Sr. presidente, dou-me por satisfeito com a declaração que acaba de fazer o meu illustre amigo, o sr. marquez de Sá, menos em um ponto, e vem a ser — se s. ex.ª conta que do conselho ultramarino sairá uma medida para fazer justiça aos officiaes do exercito de Goa, eu desespero já de similhante medida, porque não confio que o dito conselho consulte sobre este urgente negocio sem que passem alguns annos na fórma do seu costume; e estimo muito, sr. presidente, que s. ex.ª me proporcionasse esta occasião, para dizer o que penso a respeito daquella repartição. Eu respeito muito todos os seus membros, sou amigo de quasi todos, mas devo dizer a verdade, e j só a verdade n'esta casa. E a verdade é esta fui dez annos governador geral da India, e estão no conselho ultramarino negocios desde essa epocha, trago commigo a synopse dos negocios, enviados ha muitos annos, para resolução do governo, que, quando a ler a camara, V. ex.ª e os meus dignos collegas hão de espantar-se! Portanto se se esperar pelo remedio, que ha de vir d'esse conselho, estou certo que ficam morrendo de fome os officiaes do exercito de Goa.

O sr. Ministro da Marinha: — Concorda que tenha acontecido o que o digno par referira, mas o conselho ultramarino, quando o governo pede a urgencia de qualquer parecer sobre medidas regulamentares, não tem demora; e de mais o conselho é consultivo, e se consultasse contra o governo podia decretar a medida, ouvido o conselho. Não lhe parece pois que haja motivo para ter os receios que o digno par manifesta.

O sr. Conde de Torres Novas: — Eu espero, á vista do que acabo de ouvir ao sr. ministro da marinha, que s. ex.ª tenha a bondade de pedir a urgencia dos negocios que ha dez, nove e oito annos estão no conselho ultramarino, mandados por mim, como governador geral da India, visto declarar s. ex.ª que o conselho só se lembra de resolver os negocios submettidos ao seu exame quando o governo lhe pede a urgencia de algum d'elles. Peço-lh'o pois encarecidamente, empenhando os nossos quarenta e cinco annos de camaradagem, se tanto for preciso, porque ha n'aquelle conselho negocios de maxima importancia, e entre elles um, pelo qual

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inste perto de dez annos que fosse com urgencia resolvido. Refiro-me especialmente a este pelo compromettimento que póde trazer-nos com os nossos vizinhos inglezes na India. È o caso.

Quando algum subdito portuguez vae fazer malfeitorias e roubos ás possessões inglezas, e recolhe para Goa, as auctoridades inglezas reclamam o processo e castigo do malfeitor. Eu envergonho-me de dizer o que se costumava fazer, e mesmo para não provocar represalias das auctoridades inglezas, porque estamos em muito peiores circumstancias do que os inglezes sobre este ponto.

As auctoridades inglezas, quando um subdito seu commette malfeitorias em territorio portuguez, prendem-no immediatamente, processam-no e castigam-no, e dão parte á auctoridade portugueza. Quando no meu tempo se deu pela primeira vez o caso contrario, isto é, de irem subditos portuguezes roubar e matar ao territorio inglez, e ser-me pedido pelas auctoridades o castigo dos criminosos, reuni, alem do conselho de governo, todos os juizes da relação e de direito, e o procurador da corôa e fazenda, para saber o que devia fazer-se; e em resultado todos me disseram: «Nada póde fazer-se, visto não se poderem processar nem castigar subditos portuguezes, em territorio portuguez, por crimes commettidos em territorio estrangeiro». Eu não me atrevi a dizer isto á auctoridade ingleza; fiz um d'estes despotismosinhos que se podem fazer; quando me constava alguma malfeitoria, prendia o criminoso, e mandava dizer á auctoridade ingleza que estava em processo, e depois, quando me parecia que já se tinham esquecido, mandava-o soltar. Ora, pergunto á camara se este estado póde continuar? Pergunto ao sr. ministro da marinha se não tinha rasão o governador geral da India, quando instava com urgencia pela resolução d'este negocio de tão graves consequencias para o governo portuguez? E sabe V. ex.ª e a camara com que urgencia se resolvia em Lisboa este negocio? Disse-se-me para a India, que estava nomeada uma commissão de reforma do codigo penal, da qual formava parte o sr. Levy Maria Jordão, e que se lhe havia de recommendar que introduzisse uma disposição que evitasse este inconveniente. Espera-se por isto ha nove annos, e o governador geral a proceder de uma maneira menos conveniente do que se devia á lealdade que sempre encontrei da parte de todas as auctoridades inglezas em todas as relações que com ellas tive durante os dez annos do meu governo na India.

Creia V. ex.ª e a camara que se não fossem estas boas relações que sempre entretive com as auctoridades inglezas, e a severidade e promptidão com que castigavam os crimes dos subditos daquella nação que vinham ao territorio portuguez commetter crimes, de certo que muito nos incommodariam aquelles malfeitores. E da nossa parte, apesar dos meus esforços, não ha, para vergonha nossa, ainda hoje a devida reciprocidade.

Este negocio é urgente, e peço ao sr. ministro da marinha que o recommende ao conselho ultramarino.

O sr. Presidente: — Como esta concluida a inscripção vae votar-se a generalidade.

Approvada.

Na especialidade foram approvados os artigos 1° e a tabella, 2.º, 3.°, 4.º, e a mesma redacção.

Seguiu-se o projecto n.º 11, e foi approvado o artigo 1.º e o § unico, seguindo-se a discussão do artigo 2.º

O sr. Vellez Caldeira: — O artigo antecedente poderia talvez dispensar-se ou talvez este, porque ignoro a differença que ha entre os veteranos e os officiaes effectivos. Os primeiros são homens carregados de serviços e trabalham tanto como os effectivos. Sr. presidente, se este projecto viesse á discussão em qualquer outra occasião, havia de instar para que todos fossem regulados pela mesma lei; porém se eu propozesse alguma alteração n'este momento perdia o meu tempo, e podia prejudicar até o favor que se quer fazer aos officiaes a quem elle aproveita, e por consequencia reservo-me para de futuro tratar d'esta questão.

Foi approvado o artigo 2.º

Entrou em discussão o artigo 3.º

O sr. Conde de Torres Novas: — Lembrarei que, considerando-se os alferes alumnos d'aqui com algum vencimento, é de justiça que o sr. marquez de Sá olhe para os alumnos da escola de mathematica e militar de Goa, porque estão ás vezes muitos annos, tendo completado o curso, recebendo o pret como simples soldados. Como não quero pôr embaraços ao projecto em discussão, não mando um additamento para a mesa, mas chamo sobre este ponto a attenção do illustre ministro da marinha e ultramar para que os alumnos da escola de mathematica e militar de Goa sejam considerados como os alferes alumnos das escolas do reino logo que completem os seus estudos.

Foram approvados os artigos 3.° a 14.º e a redacção.

O sr. Presidente (Margiochi): — Tem a palavra sobre a ordem o sr. ministro da fazenda.

O sr. Ministro da Fazenda: — E simplesmente para uma rectificação. Ouvi com desgosto as apreciações severas que me dirigiu o digno par o sr. Vaz Preto; mas s. ex.ª estava no seu direito, assim como eu estou no meu, asseverando á s. ex.ª que os factos hão de provar a injustiça d'ellas. O digno par pronunciou uma phrase que estou certo que não tinha o alcance que alguem lhe póde attribuir.

S. ex.ª disse, e eu tive n'essa occasião um movimento de excitação, que podia levantar bem alto a cabeça, porque na sua vida não havia acção que o envergonhasse; eu queria saber se o digno par pretendeu dizer que havia acto na minha vida que me envergonhasse?...

O sr. Vaz Preto: — Eu explico.

O sr. Ministro da Fazenda: — Pois não.

O sr. Vaz Preto: — A camara vae ouvir as explicações que pede o sr. conde d'Avila, e unicas que eu posso dar.

Eu respeito sempre a todos, e quando discuto desejo tratar com toda a seriedade os interesses do meu paiz, e não offender susceptibilidades de qualquer ordem que sejam; portanto, se ás vezes solto alguma phrase mais vehemente e menos agradavel, é porque sou provocado. E convencimento meu desde longo tempo, que se devem tratar antes as questões, do que descer a retaliações improfícuas e muitas vezes graves, e que deve haver completa moderação na phrase e antepor as cousas ás pessoas, acatando-se sempre o parlamento. N'este presupposto ou antes convicção intima, direi que se o nobre ministro não tivesse pronunciado phrases, por differentes vezes, que ferem' a camara e os seus membros, apesar de não ser talvez essa a sua intenção, como dizer = isto é serio =, com ar de desprezo, referindo-se aos membros de um partido sempre respeitavel pelas suas tradições e notabilidades, e dizer tambem a esses homens, fallando da fusão = hei de fazer-lhes cubrir as faces de vergonha =, como d'isse n'outra occasião; não teria passado pelo desgosto de ouvir o que os seus ouvidos não queriam. Oxalá que a experiencia e esta lição para todos nós possa fazer mudar o systema de invectivas sempre prejudicial.

Como s. ex.ª se dirigiu a mim de um modo provocador, interrompendo-me, e de uma maneira menos respeitosa; respondi como sempre, que posso levantar a cabeça muito alto e de fronte erguida aceitar as provocações e repeli-las com toda a dignidade, que não ha facto na minha vida que me envergonhe ou me possa fazer corar.

Não me referi a ninguem, fallei de mim, e se o illustre ministro tem susceptibilidade, faça outro tanto se o póde fazer. Quem tem a consciencia pura caminha sempre desassombrado. Veja pois o nobre ministro se na sua longa peregrinação politica pelos differentes partidos não tem algum acto que lhe obste a fazer a mesma declaração que eu fiz; faço. pleno exame de consciencia serio de todos os seus actos, e depois diga o mesmo, se podér, que eu disse. Eu estima-lo-hei muito, porque desejo e felicito sempre o meu paiz por ter homens notaveis, e muito principalmente na firmeza de principios e crenças. São estas as explicações que julguei dever meu de dar á camara e ao sr. conde d'Avila, acrescentando que em s. ex." ha uma qualidade eminente e rara que eu eu admiro, a de ser immensamente trabalhador.

O Orador: — Desde que o digno par declarou que não se tinha referido a mim, eu estou satisfeito com a sua declaração, e não devo insistir mais a este respeito. Entretanto não posso aceitar a accusação que s. ex.ª me fez, de que o provoquei, porque fallei depois do digno par ter fallado, e portanto não o podia ter provocado, como acabou de dizer (O sr. Vaz Preto: — Foi nos seus ápartes). O meu áparte foi quando o digno par disse que podia levantar a cabeça bem alto porque não tinha na sua vida publica um só acto que o envergonhasse. Portanto, repito, que estou satisfeito com a declaração que s. ex.ª fez, de que não se referia a mim quando pronunciou aquellas palavras.

Sr. presidente, eu não desejo azedar o debate em qualquer circumstancia que seja, mas muito principalmente quando se vê que não é occasião opportuna (muitos apoiados). A questão politica 'tem de ser tratada mais tarde, e a camara dos dignos pares o fará mais desafogadamente, porque então teremos já casa conveniente para funccionar e para dar toda a publicidade devida ás nossas sessões (apoiados); não posso deixar de acreditar que as obras da nova sala, á frente das quaes se acha um digno par que tem todos os predicados para bem as dirigir, hão de estar concluidas para a nova sessão, como s. ex.ª me parece que já prometteu.

Vozes: — Para julho.

Agradeço a observação, porque effectivamente quando s. ex.ª nos deu essas esperanças muito bem fundadas contávamos com a abertura da camara em janeiro do anno proximo e não em julho, isto é, cinco mezes mais cedo.

O sr. Marquez de Niza: — Mas talvez ainda seja possivel.

O Orador: — Impossíveis não se podem exigir, mas eu estimarei que quanto antes se conclua a nova sala, de maneira que nos possamos aproveitar d'ella como convem e se torna absolutamente necessario (apoiados); o que affianço é que não hade ser por falta de concurso da minha parte que esses desejos deixem de ser satisfeitos.

Limitando-me ao que tenho dito attenta a estreiteza do tempo resta-me unicamente declarar que de todo o modo eu não deserto do meu posto; ou como ministro, ou na qualidade de par do reino, hei-de estar sempre prompto emquanto Deus me der vida e forças, para responder e tratar particularmente a questão politica tão largamente como a occasião o permittir, parecendo-me que terei de mais a vantagem de ver para esse tempo o digne par reconhecer a injustiça das suas apreciações a nosso respeito.

Vozes: — Muito bem.

O sr. Presidente: — Deu a hora e portanto vou levantar a sessão.

O sr. Conde de Castro: — Eu tenho necessidade de dar uma explicação, que não póde ficar para outro dia é uma explicação pessoal.

O sr. Presidente: — Nós temos sessão na segunda feira.

O sr. Marquez de Niza: — E subsiste a inscripção?

O sr. Presidente: — Subsiste a inscripção.

O sr. Conde de Castro: — Sobre a ordem.

O sr. Presidente: — Tem V. ex.ª a palavra.

O sr. Conde de Castro: — Tendo-me sido concedida a palavra sobre a ordem conforme impetrei para não ficar de nenhum effeito talvez a explicação que aliàs me vejo obrigado a dar, eu vou fallar com aquella parcimonia que as circumstancias exigem. Primeiro que tudo eu não posso deixar de insistir em que não fui eu quem trouxe a questão politica n'esta occasião, que realmente não é a mais opportuna (apoiados). A minha opinião ácerca do projecto de lei que se apresentava á nossa consideração era já bem conhecida; appello para os proprios ministros da corôa e para alguns dos meus collegas (apoiados). Eu preso-me de conhecer alguma cousa das praticas constitucionaes, e com muita especialidade das da nação que nos serve de modelo n'estes negocios da politica, portanto eu entendia mesmo que se devia votar a lei sem discussão, e estava disposto a dar o meu voto affirmativo sem. ver necessidade de o explicar ou de fazer observação alguma (apoiados).

O sr. Conde de Thomar: — Eu tambem peço a palavra sobre a ordem, para igualmente usar d'ella com parcimonia.

O Orador: — A repetição da phrase não sei a que proposito vem!

O sr. Conde de Thomar: — E para. continuar na minha defeza.

O Orador: — A palavra parcimonia não saíu da minha bôca com sentido algum que não fosse o mais natural e obvio; não havia referencia alguma (apoiados), mas se o digno par quer metter a ridiculo a expressão...

O sr. Conde de Thomar: — Quero unicamente usar do mesmo direito de que V. ex.ª esta usando.

O Orador: — O que eu quero dizer novamente é que esta allusão á questão de pastas é propriamente o que se chama apreciação ad odium, quando nada ha ahi que se me possa ou deva por qualquer fórma attribuir.

O sr. Conde de Thomar: — Quem attribuiu?

O Orador: — A camara ouviu o que se passou, e no que eu for inexacto espero ser convenientemente advertido, logo que se dê esse caso; agora o que peço a s. ex.ª é que tenha a bondade de me ouvir com a mesma attenção com que eu tambem estive ouvindo todas as suas reflexões.

O que me parece certo e fóra de toda a duvida é que o digno par da segunda vez que filiou affirmou o que havia negado da primeira vez, porque inclusivamente disse: «Pois o digno par (dirigindo-se a mim) pensa que, se fosse occupar o logar de primeiro ministro, seria mais feliz, ou teria mais aceitação que o sr. duque de Loulé?» Parece-me que se não póde negar que s. ex.ª fallava assim de mim para me increpar de que tivesse tomado parte em alguma convenção de pastas.

O sr. Conde de Thomar: — Foi depois de V. ex.ª nos dar a noticia de que era chefe da fusão.

O Orador: — Quem o disse?

O sr. Conde de Thomar: — V. ex.ª desceu da sua cadeira para vir dizer que a allusão era feita a si proprio.

O Orador: — Ora, sr. presidente! Assim não se discute; voltamos aos antigos tempos, e isso não é possivel admittido; o que disse o digno par já esta escripto, aqui todos que estão presentes o ouviram, e eu confesso que, na comparação, e pela fórma della, não podia deixar de ver um ataque pessoal, que não esperava me fosse dirigido, e muito menos quando eu já tinha acabado de dizer o que era que na realidade sabia a respeito da fusão, que muito do coração approvára, que, o que havia de certo, era apenas que se tinha assentado em que, qualquer que fosse a fracção politica, de que o Soberano escolhesse o cavalheiro que devesse formar a nova administração, esse proporia a Sua Magestade, que a distribuição das pastas fosse feita com igualdade, e sem distincção de direita ou esquerda. Parece-me que depois mui clara e terminantemente disse que não sabia mais nada, e que n'este sentido a fusão era um pacto altamente moral. Mas o digno par, não se dando por satisfeito, envolveu esta questão com varias accusações da imprensa, com que eu nada tenho; fomos collegas no seu primeiro ministerio, sempre nos demos muito bem, e depois d'isso tambem, nunca faltaram as attenções reciprocas; por mim posso dizer que o tenho sempre respeitado, e algumas vezes defendido, quando tem vindo a proposito prestar-lhe esse testemunho de consideração, devida por mais de um titulo; de maneira que da minha parte nunca houve a mais pequena expressão, nem o mais insignificante acto, em virtude do qual se podesse, com rasão, dizer que eu procurava offender s. ex.ª Fallo bem alto diante da camara que tem presenciado o meu comportamento (apoiados), e fallo tambem diante do proprio digno par. O caso é porém que s. ex.ª nos certificou hoje aqui, o que eu já sabia, e é"que, se porventura eu fosse successor do sr. duque de Loulé, daquellas cadeiras, necessariamente ía fazer peior figura.

O sr. Conde de Thomar: — Esta exposto de outra fórma differente do que eu disse.

O Orador: — Peior figura, porque me haviam de avaliar pelos precedentes.

O sr. Conde de Thomar: — Se V. ex.ª permitte.

O Orador: — Eu desejo ouvir a rectificação ou ratificação, conforme o digno par entender que é o caso.

O sr. Conde de Thomar: — Quando eu disse, que o digno par tomando o logar de primeiro ministro, tambem não podia ser mais feliz com a camara electiva do que o foi o sr. duque de Loulé, logo disse que era pela rasão de que o avaliariam pelos precedentes do tempo em que ambos fizemos parte do ministerio (apoiados), e bastaria isso para lançar um odioso que punha s. ex.ª em peiores circumstancias talvez do que o sr. duque ide Loulé e o sr. marquez de Sá, aos quaes penas agora se lhes nega os bons titulos, que antes eram sempre concedidos por aquelles que hoje se acham divorciados (apoiados).

O Orador: — Disse o digno par, se eu bem percebi, que se referia ao facto de haver eu sido ministro em 1842 com s. ex.ª, e realmente não podia ir de ahi para traz porque este facto era o melhor elogio dos meus precedentes, que se estendem politicamente até o anno de 1820, em cujo longo periodo e em todas as epochas arriscadas nunca deixei de estar ligado aos homens mais eminentes e mais liberaes d'este paiz (apoiados), te tanto mais quanto o digno par ha de lembrar-se de que quando me procurou em Lisboa para me propor a entrada no ministerio, e eu me re-

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cusei formalmente, como já alguma vez o havia feito, e que depois eu me achava a banhos na Foz no Douro, e o digno par encarregou de me ir fazer esse pedido, em seu nome, a um cavalheiro de auctoridade reconhecida e respeitada de todos, o qual infelizmente já não existe; era o distincto general o sr. conde de Samodães que effectivamente appareceu em minha casa a pedir-me que aceitasse eu um logar no ministerio com o sr. conde de Thomar. Não podia pois ter outro sentido n'aquella phrase um cavalheiro que me convidava com tal instancia para seu collega, que até chegou a empregar para essa commissão um homem daquella qualidade e de tanto respeito (apoiados). S. ex.ª pois quando me fez do mesmo modo saber que estava na intenção decidida de apresentar o decreto á assignatura da soberana, sabia bem que os meus serviços e grande adhesão á liberdade datavam de 1820.

O sr. Conde de Thomar: — Mas quem falla n'isso?

O Orador: — Pois bem, estas recriminações devem cessar, eu vou concluir. O que se conclue de tudo isto é que mal se podia esperar ver hoje aqui levantada esta questão, quando apenas tinhamos para ordem do dia a lei de meios, que na camara electiva foi votada unanimemente, como era bem de suppor que assim acontecesse tambem aqui, pois que não ha quem queira deixar o governo sem meios, exposto a tentar a dictadura que é a cousa mais terrivel que póde haver no governo constitucional, com quanto tenham havido algumas dictaduras filhas das circumstancias, e que o bom uso feito pelas pessoas que as têem exercido quasi as tenham justificado; o que não impede que se considerem de um risco imminente.

O sr. Conde d'Avila: — Apoiado.

O Orador: — De maneira que, e em conclusão, digo que, se por ventura alguma cousa me póde tranquillisar são as affirmativas dos srs. ministros de que não querem usar da dictadura (apoiados dos bancos dos srs. ministros). Se é pois para isso que vem aqui estas medidas hoje apresentadas, eu declaro que o meu assentimento a ellas é sincero, e termino dizendo, que não desci d'aquella cadeira com intenção reservada, como affirmou o digno par, dizendo que o que eu pretendêra fôra fazer um manifesto ao paiz, pois ninguem podia estar mais convencido do que eu, de que o objecto de que tinhamos a tratar não soffria discussão; por consequencia se julguei de necessidade vir para este logar, e d'elle pedir a palavra a V. ex.ª, a rasão é porque fui incitado pelo digno par o sr. conde de Thomar contra toda a minha expectação.

Tenho concluido, e não direi mais cousa alguma.

Vozes: — Muito bem.

O sr. Presidente (Margiochi): — A sessão seguinte terá logar na segunda feira 15 do corrente, sendo -a ordem do dia as explicações e o mais que se apresentar

Está levantada a presente sessão.

Eram cinco horas.

Relação dos dignos pares que estiveram presentes na sessão de 13 de maio de 1865

Ex.mos srs. Conde de Castro.

Duque de Loulé.

Marquez de Fronteira.

Conde de Alva

Conde de Avilez.

Conde da Azinhaga.

Conde de Bretiandos.

Conde da Louzã.

Conde da Ponte.

Conde da Ponte de Santa Maria.

Conde de Rio Maior.

Conde de Thomar.

Conde de Torres Novas.

Visconde de Condeixa.

Visconde de Fornos de Algodres.

Visconde de Gouveia.

Visconde de Porto Côvo de Bandeira.

Visconde de Ribamar.

Visconde de Soares Franco.

Barão de S. Pedro.

Barão de Villa Nova de Foscôa.

D. Antonio José de Mello.

Antonio Luiz de Seabra.

Pereira Coutinho.

Sousa Azevedo.

Rebello de Carvalho.

Sequeira Pinto.

Silva Ferrão.

Simões Margiochi.

Moraes Pessanha.

Osorio e Sousa.

Braamcamp.

Silva Cabral.

Reis e Vasconcellos.

José Lourenço da Luz.

Vellez Caldeira Castello Branco.

Vaz Preto Geraldes.

Menezes Pita.

Sebastião José de Carvalho.

Vicente Ferrer Neto Paiva.

Entraram durante a sessão:

Ex.mos srs. Marquez de Sá da Bandeira.

Visconde da Vargem da Ordem."

Conde de Peniche.

Mello e Carvalho.

Marquez de Niza.

Julio Gomes da Silva Sanches.

Visconde de Benagazil.

Pinto Basto.

Basilio Cabral.

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