986
deu-se, o homem foi suspenso, e porque? Por se dizer que não tinha entregado as quantias que recebêra, mas lá é continuado a conservar na Misericordia. O Digno Par o Sr. Aguiar sabe a grande veneração que tenho por S. Ex.ª, mas o Digno Par ha de permittir lhe observe, que o não julgo tão innocente que, se se desse o caso de lhe ser inculcado para sua casa um criado, e alguem informasse depois S. Ex.ª de que esse tal criado já tinha roubado outro amo, o Digno Par o conservasse em vez de o despedir immediatamente. No caso que aponto deu-se o contrario, Sr. Presidente, deu-se este facto, o que é publico, e nelle posso eu fallar para chamar a attenção do Parlamento e do Governo.
Ora, todos estarão lembrados de que no Jornal do Commercio, que se publica nesta corte, appareceu uma carta desse Sr. Azevedo, na qual dizia serem infundadas as accusações que se lhe faziam, e que estava resolvido a desagravar a sua honra offendida nos tribunaes. São estas, pouco mais ou menos, as palavras da sua carta. Depois disto, Sr. Presidente, não ha duvida que o meu, nobre amigo e parente o Sr. Marquez de Loulé, Chefe do Gabinete e Ministro do Reino, que é a repartição competente, ordenára que este homem fosse chamado aos tribunaes, porque não entrára em cofre com o dinheiro com que devêra entrar, Em vista desta allegação poderá responder-se; que este homem não é accusado de roubo, porque tem uma fiança de oito contos de réis, que é a que se exige para o logar de cobrador?! É o mesmo que se eu, por exemplo, fosse devedor a um cavalheiro qualquer, esse me pedisse a sua divida, e em vista da minha recusa me viesse penhorar. Isto é tão trivial, Sr. Presidente, que todos nós sabemos o que se passa nos tribunaes. A primeira cousa que alli se faz é a accusação do crime. Ora este homem nega, mas embora tenha uma fortuna colossal, qual é a deducção que se tira, ainda que a nossa razão não seja muito esclarecida? Quando formamos o juizo depois do homem asseverar que tinha entregue o dinheiro, e effectivamente o não entregou, a conclusão que podemos tirar é que este individuo é ladrão, porque, muito embora se abram todos os diccionarios, não se acha outro nome que sirva para designar a acção praticada. Eu pela minha parte declaro que não conheço outro epitheto.
Conheço esse cavalheiro, tenho por elle algumas sympathias, mas direi como disse o Digno Par o Sr. Visconde de Castro, desejo muito vêl-o desagravado, porque se tal succeder continuarei! a ser seu amigo; d'outra maneira não é possivel.
Sr. Presidente, aqui ha duas cousas diversas é distinctas: a causa intentada pelo hospital contra o fallecido David Alves Renda, e a causa intentada pelo hospital, por ordem do Ministerio do. Reino, contra o Sr. Azevedo, cobrador.
Ora, todos sabem, e estimo vêr aqui presente o meu amigo o Sr. Ministro da Fazenda, que tambem não deve ignorar o que vou dizer, e vem a ser: que durante o Ministerio chamado da regeneração, houve uma Lei, julgo que de Novembro de 1851, em que se dava tal ou qual organisação á beneficencia publica, organisação que achei irrisoria em vista dos principios da sciencia; todavia, nella se estabelecia, que na irmandade da Misericordia se nomeassem vinte e quatro adjuntos para os estabelecimentos de beneficencia, e parece-me que é dos estatutos que elles possam nomear vinte e quatro letrados por causa dos litigios e demandas que podem ter; mas, até hoje, que eu saiba, ainda os taes adjuntos não nomearam os letrados. Talvez fosse por esquecimento; ou como o Governo tem tido muito de que se occupar, talvez o não tenha podido fazer; e por isso peço que se cumpra a Lei, e quanto antes, não querendo, todavia, censurar agora o Governo.
Ora, Sr. Presidente, tambem me parece que o Digno Par o Sr. Sequeira Pinto, na pequena exposição que acabou de fazer, e que terminou pedindo que me explicasse sobre o que outro dia eu disse; parece-me, repito, que S. Ex.ª disse, que talvez isto fosse negocio que devesse ser affecto ao Sr. Ministro do Reino, porque elle era o chefe superior daquelle estabelecimento. Julgo serem estas as palavras de S. Ex.ª Estou convencido, Sr. Presidente, que se o Sr. Ministro do Reino estivesse presente na occasião em que tractei este objecto, teria respondido como lhe competia. Talvez fosse mais regular fazer uma interpellação; porém, dirigi tantas em outro tempo, que um Digno Par já fallecido, o Sr. José Maria Grande, me chamou o Par interpellador. Além disso tão pouco fructo hei tirado de todas essas interpellações, que já as não tenho -em fé, visto que por tal meio se não conclue nada, e hoje recuo, e tenho receio de as emprehender. Entretanto, se fôr preciso, não terei duvida em fazer uma interpellação sobre o assumpto.
Ha ainda outra cousa, de que me lembro agora, Estou persuadido que hei de ser secundado no que voa dizer, pelos Dignos Pares que se assentam ao pé de mim, pelo Sr. Ministro da Fazenda, e especialmente pelo Digno Par o Sr. Sequeira Pinto.
Esta questão está affecta aos Tribunaes. Abster-me-hei por isso de apresentar certas considerações, e dizer o que sei, pois ninguem ignora, de certo, que ha documentos, que estão ao alcance de todos; mas á vista dos principios que devemos acatar, sendo conveniente guardar silencio sobre certos detalhes, poderá comtudo seguir-se o exemplo de outros paizes, e nosso proprio, nomeando-se uma commissão de inquerito. O Sr. Sequeira Pinto é o mais interessado neste assumpto, assim como nós todos, porque devemos zelar o que os nossos antepassados deixaram a estes estabelecimentos, e para que isto se faça, não me prendem nenhuns preconceitos, porque desde já declaro, que tenho documentos com que provo que nada devo áquella casa.
Sr. Presidente, vamos ao caso. Passo a fazer a proposta para se nomear uma commissão de inquerito. Não a quereria só para examinar o estado deste estabelecimento; mas para todos os de beneficencia; porém entendo não ser por agora occasião, devendo reservar-se para quando sé tractar a questão geral de beneficencia. Portanto, hoje proponho-a unicamente para o hospital de S. José, e depois pedirei a palavra, se fôr preciso, para responder ao Sr. Sequeira Pinto.
Pedindo a nomeação de uma commissão de inquerito, a exemplo do que já se tem praticado, desejo que ella examine tudo detalhadamente, porque, segundo me consta, acontece que a escripturação daquelle estabelecimento não está regular. A proposito disto contarei um facto que servirá para comprovar a asserção. Comprei o palacio do Sr. Marquez de Marialva em Cintra, que estava sobrecarregado com duas capellas instituidas por D. Martinho, Arcebispo de Lisboa, e quando requeri para se lançarem no registo, aconteceu uma cousa nova, que em logar de ser registado em meu nome, como havia mais duas capellas instituidas pelo mesmo D. Martinho, e estavam registadas n'um morgado pertencente a uma senhora que era possuidora dessas duas capellas, lá se me registaram as minhas em nome daquella senhora! Ora, eu sou immediato successor desta senhora, porém ainda não herdei cousa alguma.
Consta-me que no hospital não existe o livro chamado—Diario, e creio que todos sabem a importancia deste livro, que é reputado um dos principaes da escripturação; e para a boa regularidade da escripturação do hospital, entendia eu a conveniencia de tal livro.
Tenho agora mais a observar a situação dos empregados, e tambem a dos doentes. O Sr. Sant'Anna e Vasconcellos mui judiciosamente lembrou ao Governo, que tivesse em attenção os serviços prestados pelos enfermeiros. Estou persuadido que houve muita dedicação naquella classe de empregados, e comtudo é certo que teem um estipendio com que apenas podem viver, pois vencem só oito vinténs por dia! São homens que pela maior parte tem familia, e parecia-me que deviam ser mais bem recompensados, porque dessas economias em que o serviço perde em vez de ganhar não as quero eu; o que desejo é que o serviço publico não soffra, e sobre tudo que não soffra o serviço da caridade.
Folgo de que o hospital de S. José esteja em muito bom estado de aceio, como é opinião geral, e eu já tive occasião de verificar. Na verdade está n'um aceio extraordinario, mas hão sei se os doentes são tractados por todos aquelles empregados com a mesma caridade. De um facto sei eu que se passou outro dia, e creio que a pessoa com que elle se deu está já suspensa. Um ecclesiastico, pessoa respeitavel, segundo me dizem, fôra ajudar a bem morrer um doente, e o cirurgião que estava de dia, achando-se, segundo parece, embriagado, espancou o ecclesiastico, e este tendo de retirar-se deixou de soccorrer o doente, que logo depois morreu! O Sr. Sequeira Pinto procedeu, fez bem. Não posso neste caso deixar de lhe dar os meus emboras, e rogar a S. Ex.ª receba os meus louvores.
Não ha duvida que naquelle estabelecimento não póde ser rei constitucional um enfermeiro-mór; não póde occupar-se de certas miudezas, mas não póde deixar de examinar todos os negocios, mesmo porque tem a responsabilidade, delles.
Oxalá, Sr. Presidente, bem o desejo eu, que, chegasse o momento em que se fizesse para este paiz uma lei de responsabilidade de Ministros; mas querer que os Ministros sejam só os responsaveis e mais ninguem, é um absurdo que nunca sustentarei. É necessario que elles a tenham mas a lei de responsabilidade deve ser tambem para os funccionarios publicos. Tenho visto muitos Ministros carregarem com certas culpas que lhes não pertencem, tenho visto alguns Ministros sacrificados por erros dos seus empregados; por, consequencia a responsabilidade de Ministros é uma daquellas frases que soa bem, que serve para a opposição, mas eu na defeza, ou na opposição, só desejo servir a verdade, e ser apostolo della.
Concluo apresentando a proposta para a nomeação da commissão de inquerito, e pedirei depois a palavra se acaso julgar conveniente responder a algumas expressões que S. Ex.ª houver de proferir.
O Sr. Visconde de Fonte Arcada—Sr. Presidente; direi unicamente duas palavras.
S. Ex.ª, o Digno Par que acabou de fallar, censurou de algum modo a maneira por que eu no outro dia fallei nesta Camara sobre os Ministros não estarem presentes á discussão. Eu censurei então a falta do Sr. Ministro do Reino nessa occasião, e tanto mais quando o projecto de que se tractava era do Governo, e assim tornava-se indispensavel que estivesse presente o Sr. Ministro do Reino.
A importancia que se votou para o hospital de Coimbra importa pouco; é insignificante, o que eu censurei foi o systema que se seguia de quasi nunca apparecer aqui o Sr. Ministro do Reino, quando se tracta de negocios que lhe dizem respeito. Embora aquelle negocio fosse pouco importante, nem por isso deixava de ser necessaria a presença do Sr. Ministro do Reino até para se constituir assim a praxe certa e determinada de que nos negocios publicos em que SS. Ex.ªs devem tomar uma parte importante, e em que esta Camara careça de que seja ilustrada, alguns dos Srs. Ministros estejam sempre presentes para darem todas aquellas explicações que se lhes exigirem; não foi pois a importancia do objecto que me levou então o fallar, foi o principio de se discutirem aqui cousas ao Governo sem que o Ministro da competencia do objecto aqui appareça.
Não tenho mais nada a dizer.
O Sr. Aguiar.....
O Sr. Sequeira Pinto—Sr. Presidente, tendo o Sr. Marquez de Vallada proferido algumas expressões desfavoraveis á administração do hospital de S. José, á qual tenho a honra de pertencer, não posso deixar por isso -de expôr a V. Ex.ª e á Camara algumas circumstancias, que tendam não só a esclarecer o assumpto de que se tracta, mas a rectificar diversas inexactidões que S. Ex.ª avançou.
Abundo nas idéas do meu nobre amigo o Sr. Aguiar, quando diz que é louvavel o zêlo que o Sr. Marquez de Vallada tem pelos estabelecimentos de caridade em geral: comtudo, como S. Ex.ª fallou em escandalos no hospital de S. José; na irregularidade da sua escripturação, adduzindo para isso um facto; no alcance do thesoureiro, e do cobrador, accrescentando que a este se offendera a honra; e chamou a attenção do Governo sobre tão grave assumpto, e sobre a exiguidade do vencimento dos enfermeiros do hospital, de que disse resultar o menos bom tractamento dos respectivos doentes, devo declarar, que, em quanto á parte sobre que o Digno Par chama a attenção do Governo, estou certo de que se o Sr. Ministro do Reino estivesse presente, havia de satisfazer a S. Ex.ª, e que nem por isso deixará de o fazer opportunamente; e que a respeito dos outros pontos, é do meu dever expôr a V. Ex.ª e á Camara os seguintes factos, que me parece provarem de sobejo que no hospital de S. José não se dão os escandalos, e as irregularidades a que o Sr. Marquez de Vallada alludiu.
A administração daquelle estabelecimento compõe-se de um enfermeiro-mór, e dois adjuntos, que concorrem a todos os actos da respectiva gerencia; mas não é ella a que recebe, arrecada, e distribuo os rendimentos do hospital, porque só determina o seu movimento: para aquelles dois serviços ha um cobrador, e um thesoureiro legalmente nomeados, que prestam fiança designada por Lei, e que teem regulamentos separados que marcam as suas obrigações.
O thesoureiro fallecido foi nomeado por um Decreto—para elle honroso — em 1842, se bem me recordo, e desde então sempre se lhe tomaram contas annualmente, na conformidade do regulamento, como consta dos termos lavrados nos livros em que se escripturava a sua responsabilidade; e o systema seguido naquella escripturação, escusado será dizer que foi o geralmente adoptado, isto é, debitando-o por todas as quantias que entravam em cofre, e de que precisamente passava recibos, e creditando-o por aquellas que pagava por ordens legaes da administração, uma vez que nas mesmas estivessem os recibos das pessoas a favor de quem se mandavam fazer os pagamentos, as quaes essencialmente são os fornecedores de generos, e outros objectos dei consumo do hospital de S. José e annexos, e os respectivos empregados. Fica, pois, bem entendido, nem outra cousa podia conceder-se, que o thesoureiro tomava a responsabilidade pelas quantias que recebia, e assim o confirmava por escripto, e declinava essa responsabilidade em presença de ordens de pagamento, com recibo da pessoa a favor de quem eram passadas. Todas as administrações que me precederam levaram ao, conhecimento do Governo, em tempo competente, as contas da sua gerencia, e o mesmo tem feito áquella, á frente da qual tenho a honra de me achar collocado. (O Sr. Marques de Vallada — Deram-se contas?) Todos os annos, e se por alguma vez se tem demorado a sua publicação por motivos supervenientes e extraordinarios, nem por isso deixa de existir nos livros respectivos a escripturação legal de que são tiradas. Nesta Camara se assentam alguns Dignos Pares, que fizeram parte das administrações anteriores á actual, que conhecem perfeitamente a verdade do que exponho.
O Sr. Marquez de Vallada—Eu não sei se pedi a palavra a V. Ex.ª, mas peço-a agora.
O Sr. Presidente—Já está inscripto.
O orador—Tendo exposto a V. Ex.ª e á Camara, ainda que resumidamente, o mais essencial ácerca da responsabilidade do thesoureiro, exporei tambem o que acontece a respeito do cobrador.
Este empregado, como já disse, prestou a fiança marcada por Lei, e as suas obrigações estão determinadas por um regulamento. A sua responsabilidade é effectiva desde que se lhe entregam conhecimentos para cobrança, e elle assigna no livro competente em como os recebeu, com expressa declaração dos respectivos numeros de ordem, e quantias que representam; e esta responsabilidade cessa, quando entrega as quantias que cobrou ao thesoureiro, e este passa dellas recibo.
Antes do cobrador entregar as quantias que tem em seu podér ao thesoureiro, é verdade que vai á Contadoria do hospital, aonde se lhe conferem os talões dos conhecimentos, e se praticam outras formalidades marcadas no seu regulamento, nem outra cousa podia fazer-se, porque em materia que importa a responsabilidade de um individuo, o primeiro a evitar e a oppôr-se aos arbitrios seria elle mesmo; mas note V. Ex.ª e a Camara, que todos estes actos que precedem a entrega de dinheiro feita pelo cobrador, o que a declina e transfere para o thesoureiro é só o recibo que este passa, como tambem é expresso no regulamento do cobrador.
Resumindo, direi ainda: o cobrador, por meio da sua assignatura, toma a responsabilidade de todos os conhecimentos que se lhe entregam, e quando presta contas tem tres modos de a declinar; o primeiro, pelos recibos do thesoureiro das quantias que lhe entregou; o segundo, pela apresentação dos conhecimentos cuja cobrança não realisou até áquella época; e o terceiro, pela daquelles que, por qualquer motivo, são incobraveis. Isto é o que se fez sempre, e dos respectivos livros em que se escriptura a sua responsabilidade, consta, que não se lhe abonou jamais quantia alguma que não estivesse comprehendida em qualquer daquellas hypotheses.
Depois de ter assim mostrado que o thesoureiro e cobrador do hospital de S. José são duas entidades distinctas, porém muito ligadas no exercicio de suas funcções, cada uma com sua fiança e com seu regulamento, que lhe determina o serviço; tractarei agora dos alcances.
Se Presidente, permitta V. Ex.ª e a Camara que eu apresente uma reflexão que me occorre. sobre a materia de que vou occupar-me: muito se tem dito ácerca do modo de evitar o abuso de quem gere os dinheiros publicos, e não poucos são os principios regulamentares que por ahi ha escriptos, e mandados observar neste sentido; mas, Sr. Presidente, se nos responsaveis falta probidade, de que servem esses regulamentos por mais preventivos que sejam? E se não, para que é que a Lei exige fianças?
Sr. Presidente, eu não faço comparações entre os caracteres a quem tem sido commettida a laboriosíssima administração do hospital de S. José, e se as fizesse seria para tributar respeitosas homenagens aos que me precederam, porque lá estão naquella casa de caridade irrefragaveis testemunhos de que todos se esmeraram por levar aquelle consolador refugio da pobre humanidade enferma, ao possivel grao de perfeição. Mas seja-me licito dizer, que a administração actual não. tem trilhado caminho opposto: se ha erros na sua gerencia, são de entendimento, e nunca de vontade, porque esta com a maior força, tem procurado sempre o bem estar dos enfermos, e a prosperidade dos estabelecimentos a seu cargo (muitos apoiados.)
Os alcances, em que tão alto se fallou nesta Camara, sou eu o primeiro a lamental-os; e os meus collegas, adjunctos da administração a que tenho a honra de presidir, não menos os sentiram, porque um delles já desceu ao tumulo, e o que existe, com quanto tenha a consciencia de não ter sido por falta de cuidado administrativo, que taes factos se deram, ainda hoje o vejo assas impressionado pelo que elles são em si; impressão bem propria de um homem honrado e honesto como é o Sr. Conselheiro Francisco José Vieira, que tendo exercido os mais elevados cargos da magistratura judicial e administrativa, tem sabido conservar até hoje uma reputação illibada. De grande vantagem nos foi comtudo, que a nomeação do adjunto que substituiu o Sr. Guerra Quaresma, recaísse n'um cavalheiro distincto por suas virtudes e conhecimentos do ramo administrativo, como é o Sr. Côrte Real, porque examinando elle todas as circumstancias de que os mesmos alcances se revestiram, é mais um testimunho que tenho para invocar, de que a administração de que veiu fazer parte, procedeu naquella occorrencia como lhe cumpria.
Logo que o thesoureiro falleceu, o que teve logar em 24 de Janeiro deste anno, mandou a administração proceder, com relação á thesouraria do hospital, a todas as formalidades do estylo, de que deu conta ao Governo: e em seguida ordenou que pelos livros em que se escripturava a responsabilidade daquelle funccionario, e em presença de quaesquer documentos que á mesma dissessem respeito, se extraísse a respectiva conta. Assim se fez, e mostrando-se por aquelle modo legal, que o fallecido thesoureiro ficára alcançado em oito contos e tanto, propoz-se a competente acção em juizo, sendo em todo este processo ouvido o advogado do hospital, a fim de que nem uma só das convenientes formalidades deixasse de ser attendida; dando-se tambem opportunamente conta ao Governo.
Ora, sendo a responsabilidade do cobrador muito ligada á do thesoureiro, como já expuz, tomaram-se contas aquelle responsavel. Repetirei aqui, que assim como a conta do thesoureiro foi tirada, attendendo ao que lhe havia sido debitado por effeito da sua assignatura, e creditado pelas ordens de pagamento em que havia recibos das pessoas a favor de quem tinham sido passadas; assim tambem ao cobrador se attendeu a» seu debito, que eram todos os conhecimentos que deviam existir em seu podér, e ao seu credito, que eram as importancias daquelles que tinha cobrado e entregado ao thesoureiro, segundo os recibos que deste existiam.
A primeira operação pois, que havia a fazer, era pedir ao cobrador todos os conhecimentos, que existiam em seu podér, quer fosse dos incobraveis, quer daquelles de que não tinha ainda podido realisar a cobrança, e foi isto o que se praticou no dia 3 de Fevereiro deste anno, em, presença de toda a administração, do proprio cobrador e dos empregados da contadoria, que tinham a seu cargo os livros em que se escripturava a sua responsabilidade, pelos diversos ramos de receita porque se haviam extraído os conhecimentos que se lhe pediam.
Cabe aqui observar que esta entrega de conhecimentos, realisada por meio de uma relação que de todos elles se fez, cujas folhas foram numeradas e rubricadas por toda a administração do hospital, assignando-a os empregados da Contadoria a quem competia, e o proprio Cobrador, é talvez o acto a que o Sr. Marquez de Vallada alludiu, quando disse — que ao cobrador se tinha já dado um documento assignado pela administração, o qual declarava aquelle responsavel quite para com a fazenda do hospital. Mas, Sr. Presidente, convem rectificar tamanha inexactidão; nem aquelle documento foi assignado pela administração, que apenas lhe rubricou as folhas, como é uso em todos os que comprehendem materia que importa responsabilidade de alguem, nem quando o fosse importava a quitação geral do Cobrador, porque apenas se limita a mostrar que os conhecimentos alli mencionados por numeros de ordem, e por valores, que estavam confiados á sua responsabilidade, foram por elle entregues, cessando assim nesta parte a dita responsabilidade.
Se de nada mais o Cobrador tivesse a dar conta, gravissima injustiça seria, bem digna dos epithetos de que o Digno Par se serviu, exigir-lhe mais alguma cousa; mas aquelle empregado ainda tinha outros valores porque era responsavel, e então o que se seguiu? Fizeram-se as descargas nos livros competentes de todos aquelles conhecimentos entregues no dia 3 de Fevereiro, e nos dias 9 e 10 do dito mez pediu-se-lhe, em presença dos mesmos livros e documentos analogos, o mais de que ainda devia dar conta, que nenhuma relação tinha com os conhecimentos entre