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SESSÃO DE 7 DE AGOSTO DE 1869

Presidencia do exmo. sr. Conde de Lavradio

Secretarios - os dignos pares

Conde de Fonte Nova
Jayme Larcher

Ás duas horas e um quarto da tarde, sendo presentes 20 dignos pares, foi declarada aberta a sessão.

Lida a acta da precedente, julgou-se approvada na conformidade do regimento por não haver observação em contrario.

Deu-se conta da seguinte

Correspondencia

Um officio do digno par visconde d'Algés, participando, para conhecimento da camara, que, por achar-se anojado, não póde comparecer na presente sessão e em algumas das subsequentes.

Teve o competente destino.

O sr. Presidente: - Em consequencia do officio que acaba de ser lido será mandado desanojar o digno par o sr. visconde d'Algés.

Vae entrar-se na

ORDEM DO DIA

Continuação das explicações pedidas aos srs. ministros

O sr. Ministro da Justiça (Mendonça Cortez): - Asseverou ser o governo composto de homens liberaes, dedicados á sustentação das instituições e independencia do paiz; não vendo motivo para as arguições que se lhe fazem, nem d'onde se deprehenda sua connexão com jornaes que advogam certa ordem de doutrinas. Declarou que os novos ministros mantêem o programma do ministerio de que formam parte, que é o programma da economia e da moralidade; e para o comprovar expoz que já á sua parte tem no orçamento do seu ministerio economias de 94:000$000 réis, que são as que propoz na commissão de fazenda da outra camara, e que está disposto a sustentar; adduzindo d'estes e outros argumentos a demonstração de que na actual recomposição do gabinete se não offendeu a solidariedade ministerial. Que não se devia pôr em duvida o patriotismo do governo; e em relação á desamortisação declarou que a trataria tão amplamente quanto a necessidade de se tirar d'ella os beneficos resultados tendentes ao melhoramento da nossa situação financeira.

(Os discursos do orador na presente sessão serão publicados na integra quando devolva revistas as notas tachygraphicas.)

O sr. Vaz Preto: - Eu fiz essa pergunta com relação ao seu collega da marinha.

O sr. Ministro da Justiça: - Expoz ainda varias considerações sobre o assumpto.

O sr. Presidente: - Tem a palavra o sr. ministro da fazenda.

O sr. Ministro da Fazenda (Saraiva de Carvalho): - Eu peço licença para fallar depois de alguns dignos pares.

O sr. Vaz Preto (sobre a ordem): - Em conformidade com o regimento vou ler a moção de ordem, que passo a mandar para a mesa.

Não teria de certo usado da palavra n'esta altura do debate, quando muito interesse tenho em ouvir os meus collegas, se hontem o sr. conde de Samodães não tivesse feito a esta camara graves declarações nas quaes vae de envolta a dignidade do governo, e visse eu tambem que nenhum dos srs. ministros pediu á camara a prorogação da sessão para se explicar em resposta ao mesmo digno par o sr. conde de Samodães; e mesmo hoje até esta hora, nem o sr. presidente do conselho, nem o sr. ministro do reino, ainda pediram a palavra, quando tão gravemente compromettidos pelo modo por que resolveram a crise.

Portanto não posso deixar de mandar para a mesa a minha moção de ordem (leu-a).

Sr. presidente, quando me dirigi aqui por varias vezes ao sr. ministro do reino, que não posso deixar de respeitar, não só pelo logar que occupa, mas tambem pelo seu caracter sacerdotal e alta dignidade, de que está investido no sacerdocio, julguei sempre que na posição a que alludo não era possivel que s. exa. illudisse a camara. Sinto ter empregado esta phrase, mas de s. exa. provém a culpa, pois quando lhe perguntei se era exacto haver crise, s. exa. declarou que não a havia.

É necessario que todos saibam, v. exa., a camara e o paiz, as circumstancias que acompanharam esta declaração do sr. ministro. S. exa., respondendo a uma pergunta minha (porque eu sabia então pelos jornaes, e por ser voz publica) que tinha havido uma reunião da maioria, em que se tinha dado a s. exa. e ao sr. presidente do conselho dez dias de espaço para se resolver a crise, asseverou aqui de positivo que tal crise não existia! Em 26 de julho fiz eu aquellas perguntas; e esta foi a resposta que me deu, acrescentando que estava em completa harmonia com os seus collegas. Agora pergunto. Esta asserção de s. exa. era verdadeira? Era tal asserção, em vista dos factos, aquella que s. exa., sendo prelado e ministro da corôa, devia emittir?

A interpretação que o sr. ministro do reino deu hontem á palavra crise, é que esta não se podia dar sem ter havido alteração no gabinete.

Ora, sr. presidente, na presença dos factos tanta reticencia é de mais. E tudo para que? Para sophismar os principios e desvanecer na camara a idéa em que ella estava, de que realmente existia a crise; de que faltava accordo no gabinete, do mesmo modo que com a commissão de fazenda da camara electiva; de que o gabinete diariamente conhecia uma differença sensivel no apoio das duas casas do parlamento, a ponto de estar quasi a perder as votações; e que, por consequencia, segundo as declarações uma e muitas vezes feitas, particularmente pelo sr. ministro do reino, os ministros saíram todos da governação conjunctamente. Era isto o que ainda ultimamente combinaram s. exas. entre si, mas ao cabo de tudo o que se vê é que o sophisma e as reticencias prevaleceram, e continuam a prevalecer! São estas reticencias mentaes que revelam certa sagacidade, mas nunca a franqueza e lealdade, que deve ser a norma dos governos, dos verdadeiros governos que pelos seus actos se nobilitam. Tenho pena d'isto, declaro que o sinto especialmente, por ver ali sentado um homem que respeito e venero por todo o seu passado, o illustre e nobre marquez de Sá. Cavalheiro tão brioso como elle, sempre foi e é, nunca podia ser menos leal para qualquer collega, ou para quem quer que fosse; mas s. exa. procedendo sempre de boa fé para com todos, tem por isso mesmo sido muitas vezes illudido. Quem conhece os seus sentimentos nobres e elevados, como todos nós, sabe que s. exa. era incapaz de tomar parte, em cousas tão censuraveis como as que se têem passado para resolver a crise que se deu, crise que foi resolvida conservando-se, contra toda a espectativa, depois das declarações categoricas previamente feitas pelo sr. ministro do reino, que tem demonstrado não ser dos mais competentes para a direcção da instrucção publica pelas faltas que commette frequentes vezes na escolha, na applicação e sentido das palavras, na sua incorrecta linguagem, nos erros da logica e até da grammatica, pois que todos estamos acostumados a ouvir-lhe - nós samos, nós habamos, etc.

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Talvez pareça forte esta minha maneira de expressar; de certo porém terei desculpa, em a forçosa necessidade que o paiz tem de saber por quem, e como é governado, a quem está entregue a direcção dos negocios publicos, e que nas camaras se responda com reticencias a questões serias, graves, e de grande alcance nacional.

Este calor com que fallo v. exa. me desculpará e a camara tambem, attendendo-se a que todos comprehendem que isto procede das gravissimas apprehensões que ha no publico sobre esta situação que todos reconhecem perigosa e muito assustadora. N'estas circumstancias é necessario, é mesmo imdispensavel que a nação conheça as cousas no verdadeiro estado em que estão e eu em relação á fórma como exponho a nossa situação, tomando este calor, peço á camara seja indulgente e benevola para commigo, considerando os factos que até certo ponto me justificam.

Tratarei, todavia, sr. presidente, de acalmar o meu espirito, procurando ser o mais moderado possivel na resposta aos argumentos que o sr. ministro da justiça empregou para explicar a solidariedade ministerial.

Não houve na outra camara, disse v. exa., nenhuma votação em que se demonstrasse que o governo estava em desaccordo com a maioria dos srs. deputados. É verdade, mas verdade é tambem, e conhecida pelo publico, que existia a luta entre os srs. ministros, especialmente o sr. conde de Samodães e a commissão de fazenda da camara dos srs. deputados. O sr. conde de Samodães muito bem e lealmente o patenteou hontem á camara, notando se que as medidas do sr. ex-ministro da fazenda tinham sido todas apresentadas em conselho de ministros, e naturalmente approvadas. Ora, aqui tem o sr. ministro da justiça o principio do publicista a que s. exa. se referiu n'esta camara. Declarou tambem o sr. conde de Samodães que os projectos apresentados por s. exa. jaziam nos limbos da commissão, que o projecto de lei sobre o real de agua não era n'ella aceito pelo actual sr. ministro da fazenda e a final declarou terem os srs. ministros resolvido saírem todos dos conselhos da corôa; não obstante o que e dados os factos que se deram, saíram do poder só os srs. conde de Samodães e Pequito, deixando-se ficar os outros srs. ministros, aggregando a si dois membros da commissão de fazenda que eram da maioria!

Isto não significa nada, porque assim como s. exas. estão sentados ao lado d'aquelles cavalheiros, estariam ao lado de homens que se têem conservado muito afastados das idéas do governo, se esses homens o tivessem querido; porque, é necessario que o paiz o saiba, convidaram-se membros da opposição para serem ministros das duas pastas vagas. Os corretores eram immensos, e eu tinha graves apprehensões sobre esses corretores, porque entre elles estava um illustre escriptor que é redactor de um periodico, que defende doutrinas republicanas federativas, o Jornal do commercio, e que eu respeito pelo seu modo de escrever e porque tem direito de manifestar o seu pensamento. D'esse periodico foi redactor n'outro tempo, e não sei se ainda é, um dos actuaes ministros. Disse-se até quando se começou a fallar na saída do sr. conde de Samodães, que um dos seus collegas, quando este cavalheiro foi ministro, deu indicações áquelle jornal sobre o modo como havia de escrever contra o proprio sr. conde de Samodães! Supponho, com plausivel fundamento, que o sr. Latino Coelho é ainda redactor ou collaborador d'aquelle jornal; do escriptorio do qual saíu para representar no governo um partido, ou antes digamo-lo francamente, o comité do Jornal do commercio. Fui d'esta folha, e ninguem o duvida, até s. exa. o confessou, que veiu o sr. ministro a quem me refiro, e cujas idéas ibericas o seu collega do reino procurou desculpar com o terem sido a expressão do verdor dos annos!

Quanto ao sr. bispo de Vizeu, s. exa. veiu de Fontello. Está dito tudo; e nada mais se póde dizer sobre a procedencia de s. exa., pois tantas e tão repetidas são as vezes que tem mudado de systema e de principies, tão variadas têem sido sempre as suas opiniões, que difficil, e bem difficii é dizer d'onde vem o sr. ministro do reino. Por esta rasão s. exa. procedeu muito cordatamente, e com mui subido alcance quando denominou de perguntas velhas as que se dirigem aos ministros, que de novo se apresentam, para se saber d'onde vem, porque s. exa. effectivamente não pode dizer d'onde vem. Se o dissesse, acompanha lo ía eu nos meus commentarios. Se Portugal é pequeno, e os seus homens politicos reciprocamente se conhecem, e muito bem; todavia é necessario que o paiz igualmente os conheça, e muito principalmente quando esses homens politicos estão cercados de certa aureola de popularidade, pelas doutrinas que aventam, emquanto não estão no poder, mas que, apenas a elle ascendem, se esquecem de as pôr em pratica, por ser, talvez, seu desejo o conservarem se no poder por uma vaidade ostentosa, como disse o sr. conde de Samodães, quando hontem usou da palavra. O governo devia retirar-se apenas viu que perdêra a força e o prestigio. Não procedeu assim; e, sabe Deus, e uma vaidade ostentosa, não propria da humildade do monge, nem coadunada com a dignidade prelaticia de que o sr. ministro do reino está revestido, se adoptou o alvitre que hoje avaliamos n'esta camara.

Mas o ministerio o que queria era sustentar-se a todo o custo! Tratava de arranjar membros para o recomporem por partidas dobradas! Assim é; porquanto no mesmo dia, e á mesma hora, da projectada recomposição, eram convidados, da parte do sr. marquez de Sá e do sr. bispo de Vizeu dois cavalheiros da opposição para a mesma pasta!!

É um caso novo, e tambem pela novidade, admiravel!...

Sá os dois alludidos cavalheiros tivessem aceitado o convite, que se seguiria d'este passo inconsiderado?... Naturalmente o encargo da mesma pasta a dois ministros; e portanto devia ser alternado o exercicio de s. exas., quero dizer, hoje um, amanha outro!...

A natural indicação de tudo isto, é que tamanho era o desejo, tão intenso o fogo em que s. exas. ardiam na salvação do paiz, conservando-se nas cadeiras ministeriaes, que se associariam, fosse a quem fosse, enrista o, judeu, musulmano, idolatra, ou mesmo qualquer insifignicante pária da sociedade, que com laivos de civilisação, embora essa fosse iberica, se compromettesse todavia a ajudar o governo a sustentar-se. Assim continuaria o sr. bispo de Vizeu o seu systema de coherencia com o passado, esperançando-se no futuro, no intuito certamente de assentar a cupola que coroasse a sua brilhante e elevada obra!

Note v. exa. todavia, sr. presidente, que eu apresentei a minha moção, apesar de conhecer a indole d'esta casa, e as tendencias geraes dos membros que se sentam n'este recinto, que desejam sempre ser benevolas para com o governo. Circumstancias ha, sr. presidente, especiaes e mui especiaes, e de certo as de hoje não o são menos, quando temos diante de nós as difficuldades tenebrosas, e a crise difficil por que estamos passando, e sem uma unica esperança de obter melhor futuro; ao contrario, tudo indica que continuaremos no mais que triste, e sim desgraçadissimo estado em que actualmente vivemos. São estas as rasões imperiosas que indicam ao governo retirar-se d'aquellas cadeiras, e a camara dos pares que, saíndo do seu systema habitual, se apresente como lhe compete exercendo as suas prerogativas, fóros e immunidades, entendendo que primeiro e mais que tudo deve ter diante de si o futuro do paiz, a que é urgente acudir.

Note v. exa. que a moção que apresento não póde causar conflicto algum entre esta camara e a dos srs. deputados, porque o governo apenas tem ali uma pequena maioria; vae-lhe faltando n'aquella casa o apoio; a opposição augmenta de dia para dia; e n'esta conjunctura o governo está fraquissimo.

A camara deseja a prova d'esta minha asserção?... Ei-la. Quando o sr. conde de Samodães era ministro da fazenda, propondo-se á votação uma medida governamental, apenas

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appareceram dezeseis votos contrarios. Seguiu-se, passados poucos dias, uma moção de censura ao ministerio; e qual a votação?. .. Quarenta e um votos a favor d'essa moção e cincoenta e tres contra! Quer dizer, o governo apenas teve uma maioria de doze votos!! ...

Compare v. exa., sr. presidente, a decadençia de votos da maioria governamental na votação da outra casa do parlamento, e induzirá do facto, certamente, a fraqueza do governo, assim como que elle governo perdeu a confiança que á mesma camara tinha merecido. Devo, porém, aqui fazer justiça á camara dos srs. deputados, pois me convenço de que, se ella tivesse ouvido as explicações do sr. conde de Samodães, o governo desde esse momento não contaria com um unico voto que o sustentasse.

Sr. presidente, quando o sr. ministro nos acaba de dizer que deseja moralidade, deve responder-se-lhe que justamente é isso o que o governo não tem. Pôde, porventura, chamar-se moralidade ao facto de concordar-se em conselho de ministros que s. exa. saíriam collectivamente dos conselhos da corôa; e depois, em menosprezo d'esse accordo, ficam alguns, obrigando a deixarem as respectivas pastas, dois collegas seus, os srs. Pequito e ponde de Samodães?! Que succede posteriormente?... Vão buscar para substituir esses cavalheiros demissionados, outros cavalheiros que não concordavam com as medidas do governo!... E chama se a isto moralidade?!... Ainda mais: afasta-se o nobre marquez de Sá para não assistir ao conselho, no qual sé tomava uma interessantissima resolução - a resolução da crise, não só latente, mas já publica!

Passo a fallar respectivamente á substituição na pasta da fazenda. Se o actual sr. ministro ahi foi guindado pela fortuna, s. exa. só devia aceitar este logar, quando bem compenetrado do poder da sua intelligencia e efficacia do seu systema financeiro, tendo seus trabalhos completamente elaborados para os apresentar immediatamente, e o paiz ficar sabendo como pretende resolver a crise financeira.

O sr. conde de Samodães, na minha opinião, teve muitos erros, mas o primeiro passo que deu na camara dos senhores deputados, depois de approvado o bill de indemnidade, foi apresentar o seu systema financeiro. Bom ou mau ahi está patente esse systema, porém devo notar n'esta occasião que o actual sr. ministro que substituiu o digno par, o sr. conde de Samodães, e que antes de entrar no gabinete era membro da commissão de fazenda da outra casa do parlamento, ainda não apresentou, apesar dos seus profundos estudos, cousa alguma que possamos apreciar.

S. exa. tambem foi corretor de ministros, e eu sei de um cavalheiro da opposição a quem s. exa. declarou que a sua entrada para o ministerio dependia da aceitação d'este cavalheiro, e por consequencia o sr. Cortez, actualmente ministro da justiça, tem pouco que lhe agradecer, porque só em ultimo caso estenderam a mão a s. exa. para o apresentarem n'aquellas cadeiras.

Sr. presidente, eu consideraria como uma leviandade, como uma precipitação o procedimento do joven ministro da fazenda, e esquece lo-ía completamente, se s. exa., occupando aquelle logar, tivesse apresentado o seu systema financeiro na altura de conjurar a crise que nos assoberba; mas até hoje nada sabemos das intenções de s. exa.; salvo se é verdade o que se diz, de s. exa. ter apresentado em uma reunião da maioria um systema de impostos, que não augmentava os direitos, impostos que recaíam sobre os tumulos^ sobre os cães e sobre não sei que mais!!! (Riso.)

Isto parecerá, para me servir de uma expressão vulgar, altamente ridicula; e o sr. marquez de Sá creio, sinceramente, ha de sentir remorsos de consentir se façam experiencias á custa do paiz.

Respeito muito, e com todas as veras, o nobre marquez de Sá. Não posso, não devo, todavia, deixar de dizer que s. exa. deve ter remorsos de consentir se façam experiencias n'aquellas cadeiras ministeriaes; experiencias que redundam em prejuizo do paiz (apoiados).

As sciencias politicas e moraes são tambem quaes as naturaes, sciencias de observação e de experiencia. Estas experiencias, porém, não se fazem quando ao leme da nau do estado, primeiramente se estudam na analyse dos predecessores, e se confirmam na historia do passado. O sr. presidente do conselho que é um vulto historico não devia, nem de certo quer transgredir estes principios, principalmente quando se trata da felicidade de uma nação que está lutando com uma tremenda crise. Pergunto a s. exa. se; estando p Tejo encapellado, e correndo o vento com violencia, iria metter-se n'um barco cacilheiro levando ao leme um arraes inexperiente?... Por s. exa. posso affirmar que não.

Venha, portanto, o simile para aqui. A nau do estado é cousa muito mais seria, especialmente quando a tempestade ruge, o céu se obscurece, e as nuvens carregadas de electricidade ameaçam submergir o baixel. Tal é o estado em que actualmente se encontra a nau do estado combatida incessantemente pela impetuosidade dos furacões, que sem tregua nem remanso a embatem. E é no maior grau da tormenta que o sr. presidente do conselho convida, para dirigirem o leme, pilotos sem experiencia alguma, que ainda não fizeram uma só viagem, nem mesmo em mar bonançoso e placido, quanto mais sobre as ondas revoltas da tempestade!

O sr. presidente do conselho tem grave responsabilidade pelo acto que praticou de convidar para ministros da coroa cavalheiros inexperientes dos negocios publicos. Se desculpa tem este acto de s. exa., recebe-la-ha unicamente pelo desconhecimento, segundo se affirma, que tem dos acontecimentos que diaria e successivamente têem logar. O sr. presidente do conselho anda, permitta-me a camara que lho diga em sinceridade, anda completamente illudido com os seus collegas.

(Interrupção do sr. Presidente do conselho que se não percebeu, alludindo aos apontamentos que o orador tinha na mão.)

Isto não são calhamaços, como vulgarmente se denominam, e a que s. exa. alludiu; isto, que tenho em mão, são apontamentos tirados das contradicções do governo, da sua falta de lealdade e dos actos menos regulares que tem praticado.

O sr. Presidente: - Não posso deixar de interromper o digno par para o convidar a que retire immediatamente as expressões falta de lealdade, que acaba de dirigir ao sr. presidente do conselho.

O Orador: - Eu não disse que o sr. presidente do conselho tinha falta de lealdade.

O sr. Presidente: - O digno par proferiu uma phrase anti-parlamentar, e eu convido-o a retira-la.

O Orador: - Não tenho duvida em substituir essa expressão, mas entendo que tenho o direito de exigir de v. exa. que ouça as minhas explicações.

Ninguem mais do que eu respeita a pessoa do sr. presidente do conselho, e por isso não era capaz de dizer que s. exa. era desleal. O que disse foi - que o nobre presidente do conselho estava illudido com os seus collegas, por ignorar completamente o que se passava, e que por este facto pesava sobre s. exa. grave responsabilidade. Quando fallei em deslealdade referi-me tambem ao modo como precederam os srs. ministros para com o sr. conde de Samodães.

Agora, se v. exa. entende que esta phrase não é parlamentar, declaro que não tenho duvida em a substituir, pois não desejo por fórma alguma proferir palavras que acamara não possa aceitar.

O sr. Presidente: - Eu ouvi perfeitamente a expressão falta de lealdade, que v. exa. exprimiu, e convido-o a que a retire, por a considerar anti-parlamentar.

Já hontem o digno par, dirigindo-se ao sr. ministro do reino, fez uso de uma phrase tambem anti-parlamentar, quando disse que o sr. ministro tinha vindo illudir a camara.

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Eu reconheço o direito que o digno par tem de examinar, analysar e censurar os actos de qualquer ministro da corôa e de lhe negar o seu voto a respeito de qualquer medida; mas no que não posso consentir é em que se faça uso de palavras irreverentes e de pouca consideração para com qualquer dos srs. ministros da corôa, que são os orgãos do poder executivo.

Agora julgo a proposito dever fazer outra observação.

O digno par pediu a palavra sobre a ordem para mandar para a mesa uma moção, e não me dando logar a que eu propozesse á camara a sua admissão a discussão, continuou usando da palavra para sustentar a sua proposta, preterindo assim muitos dignos pares que se achavam incriptos antes de v. exa. A grande repugnancia que sempre tenho em interromper qualquer orador é que obstou a que eu retirasse a palavra ao digno par; agora porém que houve este incidente, aproveito a occasião para, depois de v. exa. retirar a phrase anti-parlamentar que proferiu, dar então a palavra a quem se segue na ordem da inscripção.

O Orador: - Sr. presidente, não sou muito forte no regimento, e por consequencia posso não ter presente todas as suas preseripções. Apresentei a moção de ordem, que mandei para a mesa, e parecia-me que tendo enviado essa moção de ordem, embora não fosse ella ainda submettida á votação para a sua admissão, o seu auctor poderia fazer sobre ella as considerações que entendesse convenientes em prol d'essa moção. Tal o motivo por que usei mais largamente da palavra que v. exa. me concedeu. Desde o momento porém, que v. exa. então me fizesse a mesma advertencia que acaba de me dirigir, abster-me-ía de fazer uso da palavra concedida mais largamente, porquanto da minha parte não havia pressa de fallar, quando na rectidão e sciencia de v. exa. em dirigir os trabalhos parlamentares tinha a certeza de que sobre o assumpto em discussão ella me caberia pela ordem da inscripção.

Depois d'esta declaração tenho a dizer a v. exa. que, se no meu discurso houve facto que seja censuravel, não foi elle voluntario.

Portanto parece-me que n'esta parte não mereço censura; mas, se v. exa. entender que, apesar d'isto, devo interromper as considerações que estava fazendo, da minha parte me submetto peremptoriamente, porque v. exa. me dará a palavra depois de pôr á votação da camara a admissão da minha moção de ordem.

Emquanto á outra expressão - falta de lealdade - nenhuma duvida tenho de a retirar. Peço porém a v. exa. se digne indicar-me outra que portuguezmente a substitua; pois convencido estou de serem as palavras a genuina expressão dos pensamentos, e que estes unicamente se expressam por certas e determinadas palavras, tendo eu igualmente rigorosa obrigação, pelo dever inherente ao meu logar n'esta camara, de expressar, tanto a ella, como ao paiz, as idéas e os factos pelos vocábulos que realmente, e sem ambaje, as exprimem; e a verdade não tem senão uma unica expressão.

Se v. exa. comtudo me ordena que retire a alludida phrase, passarei a repetir succintamente os factos sobre que ella racaíu, rogando depois a v. exa. me indique o termo que, concretamente, expresse a minha idéa sobre a apreciação d'esses factos.

V. exa. e a camara ouviram o que disse o sr. conde de Samodães. Devo fazer justiça ao seu nobre e leal procedimento. S. exa. declarou que tinha apresentado aos seus collegas do ministerio o seu systema financeiro; e o sr. ministro do reino declarou igualmente que todos os seus collegas tinham concordado com aquelle systema em conselho de ministros.

Que vimos depois de tão solemnes declarações?... Os factos o explicam. O sr. conde de Samodães saíu do minisnisterio, e os seus collegas continuaram a fazer parte do governo!!!...

Em presença d'este facto, digne-se v. exa. emendar a minha phrase, substituindo-a por outra mais parlamentar, mas que bem cifre a deducção logica dos mesmos factos, que immediatamente retirarei a que empreguei. É necessario, e deve dizer-se mui claramente, primeiro que tudo, a negação dos factos, que demonstram claramente que o sr. conde de Samodães preferiu antes saír do poder, e entrega-lo a outros cavalheiros que podessem vencer as dificuldades com que elle lutou. Observe-se porém, que tudo quanto o sr. conde de Samodães disse ainda não foi contestado. Por consequencia a palavra significativa do meu pensamento era essa que empreguei. Se, todavia, v. exa. encontrar outra mais benevola e parlamentar, aceito-a de bom grado, como não tenho duvida em retirar a palavra de que usei.

Agora emquanto ao meu nobre e respeitavel amigo o sr. presidente do conselho, que é um honrado vulto da situação, nunca podia dizer cousa alguma que fosse contraria ao seu caracter venerando e sempre cavalheiroso em todos os seus actos. O que disse, porém, e continuo a dizer, é que s. exa. occupado em negocios muito serios, talvez não tivesse conhecimento dos factos alludidos. Faço toda a justiça ao seu elevado caracter. Mais do que isto, estou bem compenetrado de que da parte de s. exa. não podia haver nunca nem o mais leve vislumbre de deslealdade.

Sobre estas considerações que acabo de fazer, em relação ao sr. presidente do conselho, ha mais, para commigo, alem do respeito que lhe devo, não só pelas suas preclaras virtudes, pelos seus grandes serviços, pelo seu comprovado valor, testemunhado pelas mutilações que attestam os diversos combates em que entrou, ha mais, digo, a ligação intima que sempre existiu entre s. exa. e a minha familia. É o sr. marquez um cavalheiro que sempre respeitei e muito. Não podia, portanto, dizer uma unica palavra que o offendesse, nem tal seria jamais a minha intenção.

Sr. presidente, podia eu continuar nas reflexões que acabo de fazer, seguindo as notas que tinha tomado dos discursos dos srs. ministros, mas não quero cansar mais a camara. Fui talvez um pouco aspero na phrase, mas os sentimentos que me levaram a apresentar as considerações expendidas, foram os mais elevados que sinto no meu peito.

Podia ainda, se me julgasse com auctoridade, dar alguns conselhos ao srs. ministros, mas entendo que devo apenas limitar-me a dizer que espero que o nobre prelado volte ás selvas de Fontelo, e que, arrependido e contricto, vá espiar com penitencia os males qoe tem trazido a este paiz; que espero abandone as vaidades mundanas, que não são proprias de um sacerdote, mas que até são condemnadas pela doutrina christã.

Espero que volte para a sua diocese, onde póde prestar importantes serviços, entregando-se aos trabalhos espirituaes que as suas ovelhas reclamam, levando as bençãos salutares ao rebanho que lhe está confiado.

D'este modo creio que s. exa. poderá prestar ainda algum serviço ao paiz, desempenhando todas as obrigações evangelicas da sua profissão, que é de paz e conforto.

Portanto, sr. presidente, terminarei aqui as minhas considerações, não só porque não desejo cansar mais a camara, como igualmente para não privar de usarem da palavra os oradores que estão inscriptos, nem faltar ás preseripções do regimento, pois é justo igualmente que os srs. ministros dêem as explicações que a camara tem necessidade de ouvir.

(O orador não reviu as notas d'este discurso.)

O sr. Presidente: - Vae ler-se a moção do digno par o sr. Vaz Preto.

Leu se na mesa e é do teor seguinte:

"A camara ouvindo as explicações do governo, e não satisfeita emquanto ao modo de solver a crise financeira, bem assim emquanto á solidariedade ministerial, passa á ordem do dia. = Vaz Preto."

Foi admittida.

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O sr. Presidente do Conselho (Marquez de Sá): - Sr. presidente, pela parte que me diz respeito não posso deixar de me dar por satisfeito com as explicações do digno par, mas não pela parte relativa aos meus collegas.

Disse aqui o sr. conde de Samodães que tinha havido uma decisão collectiva do ministerio em uma reunião a que não pude assistir por me achar occupado em objecto de serviço publico, resolvendo-se que o ministerio devia pedir a sua exoneração. Não tive conhecimento d'isto senão no dia seguinte por via do meu collega das obras publicas. A minha opinião foi contraria á dos meus collegas, porque entendo que não é por factos passados fóra das camaras que os ministros se devem demittir ou conservar. O governo representativo é um governo de publicidade e de discussão. Se o governo tem maioria nas camaras deve conservar-se, e se a não tem deve demittir-se. Quando eu tive aquella noticia declarei que se retirasse quem o quizesse fazer, porque eu não me retirava.

Esta minha opinião não é de agora, é antiga. Ha alguns annos era presidente de um ministerio, a que eu pertencia, o sr. duque de Loulé, e faziam parte do ministerio os srs. conde d'Avila, Carlos Bento, Moraes Carvalho; e tendo-se suscitado entre alguns ministros dissenções que duraram algum tempo, e parecendo-lhes que não podiam continuar no governo, queriam pedir a demissão. Houve discussão sobre isto, e a final resolveram demittir-se todos, incluindo o presidente do conselho. Eu disse então que era irregular este procedimento, e que não pedia a demissão por motivo de ter havido divergencias entre alguns ministros; e que não tendo havido nas camaras nenhuma demonstração publica contra o governo, não se devia este demittir. Os meus collegas porém levaram a sua ávante, e foram pedir a sua demissão a El-Rei, que estava então em Caxias. Pela minha parte expuz a Sua Magestade que eu não pedia a minha demissão, porque julgava o acto irregular, mas que a receberia com satisfação As demissões foram aceitas, e no dia seguinte convidou me Sua Magestade para formar um novo ministerio; e eu pedi a El-Rei licença para convidar o sr. Duque de Loulé a que fizesse parte d'este ministerio e que d'elle ficasse presidente. Esta licença foi concedida. Foi então que entraram para a administração os srs. Lobo d'Avila, Braamcamp, Mendes Leal, etc. Citei este facto para mostrar que esta minha opinião não é de hoje, mas muito antiga. Eu julgo que, segundo as praticas do systema parlamentar, os ministros não devem retirar-se senão em virtude de uma votação nas camaras. E foi isto mesmo que eu disse ao sr. conde de Samodães quando s. exa. se quiz demittir.

Hoje, antes de entrar n'esta camara, fallei com o sr. conde de Samodães, e disse-lhe que tinha lido em um jornal o extracto do discurso de s. exa., e concordámos em que eu fizesse a rectificação, que faço agora, e é que a combinação a que s.exa. se referiu foi com os outros nossos collegas, e que eu não a aceitei pelas rasões que acabo de expor.

Emquanto ao mais devo dizer que, durante o tempo que o sr. conde de Samodães esteve no ministerio, houve sempre accordo entre os ministros, e que as medidas apresentadas por s. exa. foram previamente presentes em conselho e admittidas por todos, o que não quer dizer que uma parte d'ellas fosse miudamente examinada por todos, porque se suppõe sempre que o ministro da fazenda as estudou muito bem com o auxilio dos empregados competentes, pois não deve haver ninguem mais habilitado do que elle para propor medidas concernentes ao seu ministerio. Isto mesmo tem acontecido com relação aos outros ministerios.

Recordarei que, quando se tratou da abolição do monopolio do tabaco, era ministro da fazenda o sr. Lobo d'Avila, e que elle apresentou esta questão em conselho, e a minha opinião foi que, se se podesse acabar com o monopolio, obtendo-se um rendimento pelo menos igual ao que a arrematação produzia, devia a medida ser tomada, pois que o monopolio era causa de grandes vexames.

O sr. Lobo d'Avila tinha estudado a questão, mostrou os seus calculos, comparou como que acontecia nos outros paizes em que o monopolio tinha cessado, e assim pareceu que se devia adoptar a medida sem entrar nos detalhes d'ella.

Agora unicamente acrescentarei que de todos os ministros da fazenda com quem tenho servido nunca encontrei algum que fosse mais trabalhador do que o sr. conde de Samodães, e que se occupasse mais dos objectos a seu cargo; aproveito gostosamente a occasião de prestar esta homenagem devida aos seus serviços.

O sr. Ministro da Marinha (Latino Coelho): - Fazenda varias considerações sobre o caminho que tem tomado esta, discussão, e seguindo pela fórma por que se tem encarado a reconstrucção ministerial que ultimamente teve logar, deu rasão de si nos factos de que o incriminavam, declarando que o governo não tem faltado á sua dignidade; rebate as asserções menos justas que contra a sua pessoa alguns ora-dores têem expendido.

(Os discursos de s. exa. na presente sessão publicar-se-hão, na integra, quando forem devolvidos revistos.)

O sr. Rebello da Silva: - O sr. ministro labora n'um equivoco. Eu não me referi ao prologo de uma obra que s. exa. escreveu ha dezeseis annos, mas fiz algumas reflexões a respeito de uma carta publicada no jornal de que s. exa. já foi redactor, e em outras folhas, lamentando que o sr. ministro tivesse usado da sua penna para refutar as idéas que essa carta propalava contra a autonomia e a independencia do nosso paiz.

O sr. Ministro da Marinha: - Respondeu aos argumentos dos precedentes oradores, referindo-se a algumas sessões anteriores, nas quaes se trataram parte das reflexões que novamente n'esta se reproduziram a respeito da sua pessoa, e, como desse a hora, pediu ficar com a palavra reservada para a seguinte sessão.

O sr. Rebello da Silva: - O sr. ministro não assistiu á sessão, e está attribuindo-me palavras que não proferi. Isto não póde ser.

Peço a v. exa., sr. presidente, licença para ratificar essas palavras, se o sr. ministro permitte. (O sr. Ministro da Marinha: - Sim, senhor.)

Fallando dos clubs, perguntei ao sr. ministro do reino se sabia de'stes meios que a propaganda empregava. S. exa. disse-me que não. Perguntei-lhe se queria que lh'os apontasse, ou se haveria inconveniente, e tendo-me s. exa. respondido que não havia, disse então que existiam clubs republicanos, e jornaes da mesma escola, e que se empregavam outros differentes meios. Que não julgando conveniente os meios preventivos, porque não eram liberaes, desejava comtudo que se oppozesse á propaganda a propaganda, á doutrina a doutrina, á discussão a discussão. Appello para a camara, que sabe muito bem que foi n'este sentido que fallei, e noto ao sr. ministro, que talvez fosse, melhor que eu repita opportunamente o que disse, fazendo-me s. exa. a honra de ouvir, pois que assim é que se discute, e não por uma fórma de que não ha exemplo.

O sr. Ministro da Marinha: -.....................

O sr. Rebello da Silva: - Peço licença para ainda dizer que isto não póde ser. Se o sr. ministro me tivesse ouvido, saberia que eu fallei do ministerio, que me referi aos ministros nas minhas considerações geraes e que a referencia especial a s.exa. foi unicamente um reparo sobre a sua qualidade de escriptor muito notavel, a quem por isso cumpria mais estranhar o que se via escripto e apparecia publicado no documento a que eu alludi.

O sr. Ministro da Marinha: -....................

O sr. Presidente: - Tem a palavra para um requerimento o digno par, o sr. Rebello da Silva.

O sr. Rebello da Silva: - O meu requerimento era para se prorogar a sessão, a fim de que eu podesse dar uma explicação depois do discurso do sr. ministro da marinha;

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382 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

mas como s. exa. continua com a palavra, reservo me para depois de s. exa. terminar o seu discurso. Agora o que peço a v. exa. é que me inscreva para usar da palavra sobre a ordem na proxima sessão.

O sr. Presidente: - V. exa. fica inscripto com a palavra sobre a ordem.

A ordem do dia para segunda feira é a mesma que estava dada para hoje.

Está fechada a sessão.

Eram cinco horas da tarde.

Relação dos dignos pares que estiveram presentes na sessão de 7 de agosto de 1869

Os exmos. srs.: Condes, de Lavradio, de Castro; Marquezes, de Alvito, de Ficalho, de Fronteira, de Sá da Bandeira, de Sabugosa, de Sousa Holstein, de Vallada: Condes, das Alcaçovas, d'Avila, de Avillez, de Fonte Nova, de Fornos, da Lousa, de Peniche, da Praia da Victoria,, de Rio Maior, de Samodães; Bispo de Vizeu; Viscondes, de Almeidinha, de Benagazil, de Fonte Arcada, de Ovar, de Seabra; Mello e Carvalho, D. Antonio José de Mello, Rebello de Carvalho, Montufar Barreiros, Silva Ferrão, Larcher, Moraes Pessanha, Braamcamp, Pinto Bastos, Reis e Vasconcellos, Casal Ribeiro, Rebello da Silva, Preto Geraldes, Menezes Pitta, Fernandes Thomás, Ferrer.

Discurso proferido pelo digno par o exmo. sr. Visconde de Fonte Arcada, na sessão de 6 do corrente, e de que se publicou o correspondente extracto a pag. 364, col. 2.ª

O sr. Visconde de Fonte Arcada: - Sr, presidente, na verdade nós achâmo nos em circumstancias muito difficeis, circumstancias que não são de agora, que são de ha muito, mas que têem collocado o paiz em um estado de incerteza e até mesmo, permitta-se-me que o diga, de desconfiança sobre os seus destinos futuros.

Sr. presidente, tenho deixado de vir a algumas sessões por estar doente; ainda hoje estou bastante incommodado, mas ainda assim entendi que devia vir hoje á camara para dizer algumas palavras na presente occasião.

Em uma das ultimas sessões, a que não pude assistir a toda, o sr. Rebello da Silva disse, como vi nos jornaes:

"A camara ha de ter notado que desde que tenho a honra de lhe pertencer, esta é a primeira sessão em que me apresento combatendo o gabinete, o que até hoje não julguei conveniente faze-lo a outros. É porque até hoje ainda não encontrei governo que me suscitasse apprehensões tão vivas e receios de que esta situação nos leve ao precipicio, e que por isso entrava n'esta discussão."

Sr. presidente, as apprehensões do digno par têem todo o fundamento, porém as cousas não são novas, é já de ha muito que ellas existiam e deviam ter movido s. exa. a combater contra ellas, o que faz agora, e de certo a sua auctorisada voz havia de ter evitado os erros que nos trouxeram a situação actual, e que lhe despertam agora tão serias apprehensões pelo futuro do paiz.

As circumstancias, sr. presidente, cada vez se têem tornado mais graves e assustadoras.

(Susurro na sala.)

Eu rogo aos dignos pares o obsequio de não fallarem tão alto, porque assim não é possivel ouvir o que estou dizendo, e perturbam o orador.

O digno par, o sr. Rebello da Silva, tratando de uma carta escripta pelo sr. Emilio Castellar, disse que se admirava que o governo nada tivesse publicado para combater as doutrinas d'aquella carta, que tinha sido publicada em Lisboa, apesar de um dos seus membros ser um eximio estylista polemico. Eu, sr. presidente, uno a minha voz a este respeito á do sr. Rebello da Silva, e certo estava eu de que a questão de independencia nacional ainda havia de ser tratada n'esta camara, por outra voz muito mais eloquente e poderosa do que a minha, e não posso, sr. presidente, deixar de dizer algumas palavras a este respeito.

Quasi no fim do anno passado publicou-se em Madrid uma nova edição da memoria do sr. D. Sinebaldo a Iberia, em que se vê traduzido em castelhano o prologo do sr. Latino Coelho, para a traducção em portuguez d'aquella memoria. A epigraphe da traducção castelhana é a seguinte:

"Traducion al castellano del prologo portuguez, escrito por el exmo. sr. José Maria Latino Coelho, ministro (actualmente octobre 1868), de marina."

sta traducção é uma copia fiel do prologo portuguez sem alteração alguma, e repete aquelles periodos do prologo que repeti aqui a primeira vez que fallei sobre elle d'esta maneira: "La Peninsula Iberica que yo ha por modo una sola nacion por medio de la conquesta" etc., não só esquecendo o traductor de outro trecho do prologo portuguez: "Perciso és engertarle (em Portugal) sangre nuevo. En su soelo cresció y prosperó con tanta lozania el arbol de la heroicidad que la tierra esterelisada sólo puede brotar yerbas inuteles ó daninhas".

Sr. presidente, quando fallei aqui pela primeira vez sobre este assumpto, respondeu s. exa. o sr. ministro da marinha que o prologo tinha sido escripto havia já muitos annos? quando s. exa. era ainda muito moço, etc.; vejo porém que as idéas que s. exa. então tinha se reproduzem agora, o que prova que o sr. ministro tem ainda as idéas de outro tempo, pois que deu licença para a traducção do seu prologo em hespanhol, sem modificação alguma, e não aproveitou a occasião propria para declarar que as suas idéas agora, como ministro, já não eram as da sua mocidade, nem depois da publicação do prologo em hespanhol, que corre por toda a parte, fez declaração alguma áquelle respeito; e se mudou as opiniões que tinha ha dezesete annos, porque consente que ellas se propalem ainda em seu nome, e sejam publicadas em uma memoria em hespanhol, na qual não esqueceram aquellas phrases que já referi, e que vou repetir outra vez para que não possam esquecer, O prologo diz pois assim (leu).

u não posso deixar de dar os parabens ao sr. ministro pela gloria de ver publicada em uma lingua estrangeira muito conhecida a maneira como elle aprecia os seus concidadãos (riso), mas esta gloria não a queria eu para mim.

Á vista d'isto como é que o digno par o sr. Rebello da Silva podia esperar que o governo, apesar de um dos seus membros ser um elegante estylista, polemico e eximio, publicasse qualquer allocução para prevenir o povo contra as idéas manifestadas na carta do sr. Castellar?!

Sr. presidente, eu aproveito a occasião da recomposição do gabinete para dizer que me parece impossivel que, nas actuaes circumstancias e á vista do que vamos vendo, sejam ministros pessoas com as opiniões manifestadas pelo sr. ministro da marinha, isto é um contrasenso que não me lembra de ter visto até ao presente.

Sua Magestade El-Rei deve estar rodeado de pessoas virtuosas; mas, quando se trata de opiniões politicas, estas pessoas devem ser como a mulher de Cesar, que não bastava que fosse casta, mas era preciso que não se podesse duvidar nem por sombras da sua virtude.

O sr. marquez de Sá, meu amigo ha muitos annos, tambem se tem occupado aqui da questão da independencia do paiz, a sua opinião a este respeito é bem conhecida; mas admira-me e espanta-me que s, exa., tendo idéas altamente patrioticas, se sujeite a estar sentado junto de outro ministro que tem idéas contrarias, porque, como já disse, se não as tivesse, aproveitar-se-ia da traducção do prologo sobre a memoria denominada a Iberia para a lingua hespanhola, para dar um desmentido solemne de que já não partilha aquellas idéas, e que só á sua pouca idade, quando escreveu o famoso prologo, deviam ser attribuidas.

Sr. presidente, nós não estamos aqui para enganar o rei nem o povo, ou a nós mesmos; ao rei e ao povo devemos dizer a verdade, e tambem devemos explicar as cousas como ellas são com toda a franqueza.

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O digno par, o sr. Vaz Preto, como tambem vi nos jornaes, porque não assisti a parte da sessão em que s. exa. fallou, combatendo o governo fez ver que ao mesmo tempo que se faziam emprestimos a 60 e 70 por cento, que traziam grandes encargos para o paiz, se faziam economias inconsideradas sem resultado algum, e que eram menores do que os encargos que se lançavam sobre o paiz, dizendo que a nau do estado dirigida por pilotos inhabeis tinha sido levada para mares cavados e tormentoso?, e que as economias que se tinham feito era tão pequenas que nada valiam. Eu peço licença ao digno par para lhe dizer que encaro esta questão de outro modo. Effectivamente fizeram-se reformas e algumas economias importantes, mas se algumas foram inconvenientes, deviam ter sido avaliadas na occasião em que se discutiu o bill de indemnidade, como eu desejava; querendo que se aproveitasse a occasião em que n'esta camara se tratava do bill para apreciar e examinar se essas reformas e economias feitas pelo governo, deviam todas subsistir, eram ou não convenientes e aproveitaveis. Pela minha parte, como se não procedeu assim, votei contra tudo que se apresentou, porque entendi que não podia approvar aquelle complexo de medidas sem exame. Exame a que a camara se tinha compromettido como se vê por este paragrapho da resposta da camara á falla da corôa:

"A camara examinará com a devida attenção as medidas decretadas pelos diversos ministerios em virtude da auctorisação concedida pela carta de lei de 9 de setembro de 1868, e com muito maior escrupulo examinará as providencias de natureza legislativa que o governo de Vossa Magestade sob sua responsabilidade julgou poder tomar com o fim de reduzir as despezas do estado, e occorrer ás operações financeiras".

Á vista d'este paragrapho da resposta ao discurso do throno, a camara devia ter examinado e estudado as medidas, do governo, rejeitando as que não julgasse convenientes e adoptando as que lhe parecessem uteis; mas nada d'isto fez, e agora censuram se e condemnam-se essas medidas, que podiam ter sido alteradas e modificadas.

Eu peço perdão ao digno par, mas não pude deixar de apresentar a minha opinião a respeito d'este ponto. E, pondo de parte objectos que se não podem remediar senão com o tempo, vou entrar na questão principal, protrahida pelas considerações que acabo de fazer, pedindo desde já desculpa á camara de me ter alargado tanto nas considerações que fiz.

Sr. presidente, o ministerio reorganisou-se: saíram dois dos srs. ministros que foram substituidos por outros dois, o sr. Saraiva de Carvalho e o sr. Cortez.

Quanto ao sr. ministro da fazenda, que é a quem mais principalmente me dirijo, por isso que a pasta que s. exa. occupa é actualmente a mais importante do gabinete, não sei quaes são os principios que professa nem os fins a que se propõe, apesar do sr. ministro já ter dito na outra casa do parlamento que havia de empregar todos os seus esforços para resolver a questão de fazenda, e esperando ser coadjuvado pelo parlamento n'este seu empenho. Eu devo dizer a s. exa., e estou convencido que lhe digo a verdade, que ha muito que o paiz tem o mesmo desejo do que o sr. ministro, de que essa importante questão seja resolvida; mas é necessario que s. exa. diga o plano que quer seguir para a resolver, a fim de que se possa saír do estado lastimoso em que nos achamos; pela minha parte estou prompto para apreciar as medidas financeiras de s. exa. e approva-las segundo entender.

Sr. presidente, o sr. ministro da fazenda, ainda não ha muito, respondendo na outra casa do parlamento a um membro d'aquella camara, disse que a descentralisação era uma arma poderosa para promover a economia. Não quero encarar a descentralisação como uma arma; as armas são usadas na guerra para offender os contrarios, e eu não quero a descentralisação para offender ninguem; quero porém que haja um systema regular e economico de administração do estado, sem o qual não póde haver economias na sua administração publica. Desejo pois que o sr. ministro declare o que é que pretende fazer e qual é o seu systema financeiro que pretende seguir, porque não basta só dizer que ha de procurar resolver a questão financeira, é preciso que se saiba como; é pois necessario declarar quaes são os meios de que pretende lançar mão para gerir a pasta que occupa. Quer s. exa. descentralisar todos os serviços publicos? Quer descentralisar a administração publica propriamente dita? Quer fazer com que os districtos provejam ás suas despezas e á sua administração independentes do poder central? Quer um conselho municipal electivo, como base da administração municipal? Quer, ou não, seguir estas bases, sem as quaes não podem verificar-se economias que sejam sufficientes para nos tirarem do estado em que nos achâmos? Quer s. exa. propor a reducção do numero dos districtos administrativos, que são vinte e um, e que, segundo a facilidade das communicações, em consequencia dos caminhos de ferro, podem ser muitos eliminados sem inconveniente? Quer s. exa. propor a diminuição das legações diplomaticas, de modo que fique o seu numero reduzido-só áquellas que são indispensaveis para desempenharem este ramo do serviço publico sem luxo? Quer propor a reducção dos bispados? Finalmente, sr. presidente, quer s. exa. apresentar alguma proposta a respeito da lista civil? É isto o que é necessario saber, pois que tudo isto são objectos muito attendiveis, e a respeito dos quaes é preciso que se estabeleça um systema regular e economico.

Sr. presidente, repito o mesmo que já tenho dito n'esta camara por muitas vezes; emquanto se não fizer a reforma parlamentar, que é a primeira necessidade, nada proficuo se poderá fazer; mas emquanto se não fizer, é necessario uma lei de incompatibilidades parlamentares, em que os membros das camaras não possam ser empregados pelo governo, até para que não esteja sempre rodeado de pretendentes influentes, que ou querem empregos para si, ou para os seus amigos.

É necessario que os srs. ministros sejam severos em não seguir a senda que se tem trilhado até agora, e que nos levou para o charco em que actualmente estamos. Emquanto se não seguir o verdadeiro caminho que acabei de indicar, é escusado tudo quanto se diz a respeito de reformas e economias.

Sr. presidente, o governo não deve continuar a estar

N'aquelle engano d'alma ledo e cego,
Que a fortuna não deixa durar muito,

julgando que podemos sair doestado em que estamos sem grandes esforços.

Os srs. ministros devem-se persuadir de que é necessario ter toda a força para melhorar o estado do paiz, porque é preciso que se entenda que nós estamos em circumstancias terriveis, e que é necessario empregar todos os meios possiveis para acabar com esta crise.

Eu ha muitos annos que sou membro do parlamento, e não me lembro de ter presenciado uma crise tão temerosa como esta, em que nos achâmos. Por isso pergunto se os srs. ministros estão resolvidos debaixo dos principies que acabei de estabelecer, a apresentar os projectos de lei que são necessarios para se proceder a um systema economico mais severo? Eu não sei ainda que o governo pretende fazer, e então repito que desejo saber se o governo está resolvido a seguir, e até que ponto, o caminho que tenho indicado?

Parece-me ter expressado a minha opinião sobre os negocios publicos na sua generalidade, não podendo desde já apoiar o gabinete que se apresenta aqui reconstruido, sem que saiba qual é o seu systema financeiro e economico.

Concluirei dizendo que se não podem exigir impostos sem que se façam todas as economias possiveis, e se mostre ao povo que não podem fazer mais. Lançar impostos é facil, mas cobra-los é que é difficil.

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