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N.o 52

SESSÃO DE 26 DE ABKIL DE 1878

Presidencia do exmo. sr. Duque d'Avila e de Bolama

Secretarios — os dignos pares

Visconde de Soares Franco
Montufar Barreiros

(Assistiram os srs. ministros da fazenda e do reino.)

Á uma e meia horas da tarde,, tendo-se verificado a presença de 20 dignos pares, o sr. presidente declarou aberta a sessão.

Leu-se a acta da precedente.

O sr. Marquez de Sabugosa: — Peço a palavra sobre a acta.

O sr. Presidente: — Tem o digno par a palavra.

O sr. Marquez de Sabugosa: — Parece-me que esqueceu mencionar-se, que o sr. presidente do conselho de ministros tinha requerido que o seu discurso fosse inserido na acta, e que a camara não approvou que isto se fizesse. É uma cousa muito importante, e é exactamente a verdade. A camara não achou conveniente que se inserisse na acta todo o discurso do sr. presidente do conselho; e só depois é que s. exa. mandou para mesa a sua declaração.

O sr. Presidente: — Não me parece que a camara queira tomar alguma resolução sem estar presente o sr. presidente do conselho. Se o digno par concorda nisto, eu proporei á camara a approvação da acta, independente da declaração de s. es.ª

O sr. Marquez de Sabugosa: — Em todo o caso peço que se lance na acta de hoje, que eu fiz este pedido.

O sr. Presidente: — Assim se fará, porque a acta é a historia do que passa na sessão. Torno a propor á camara que approve a acta que se acaba de ler independentemente de qualquer resolução que haja de se tomar sobre o requerimento do digno par o sr. marquez de Sabugosa, do qual proponho que se tome conhecimento quando estiver presente o sr. presidente do conselho.

Assim se resolveu, sendo approvada a acta, salva a declaração do digno par o sr. marquez de Sabugosa.

Mencionou-se a seguinte

Correspondencia

1.° Um officio do digno par visconde de Fonte Arcada, participando que por incommodo de saude não póde comparecer á sessão da camara.

Ficou inteirada.

2.° Dois officios da presidencia da camara dos senhores deputados, remettendo as duas propostas seguintes:

l.ª Auctorisando o parocho da freguezia da Ribeira Brava, concelho de Ponta do Sol, districto do Funchal, para permutar a casa da residencia parochial por outra igual ou superior, que offereça melhores vantagens de segurança. = A.S commissões de negocios ecclesiasticos e de fazenda.

2.ª Sobre o modo de prover os logar de primeiros officiaes da secretaria dos negocios da guerra. = á commissão de guerra.

O sr. Presidente: — Se algum digno par tem pareceres a. mandar para a mesa, peço que os envie.

Vamos entrar na ordem do dia.

O primeiro parecer que ha1 a discutir-se é o n.° 325, que hontem foi ãpprovado na sua generalidade; mas talvez a camara não queira continuar na sua discussão, visto não estar presente o sr. ministro da guerra.

No mesmo caso está o parecer n.o 357, que diz respeito á fixação do numero de recrutas para o serviço da armada, mas o governo está representado pelos srs. ministros do reino e fazenda...

O sr. Vaz Preto: — Pedia a v. exa. que se dignasse esperar pelo sr. ministro da marinha, porque a este projecto tenho a fazer algumas observações, a que talvez os srs. ministros que estão presentes não possam responder.

O sr. Presidente: — Agora seguem-se os pareceres sobre os tratados com algumas nações estrangeiras; mas como tambem não está presente o sr. ministro dos negocios estrangeiros, não os ponho á discussão; e seria muito conveniente que todos fossem discutidos na mesma occasião.

Segue se portanto o parecer n.° 334, que diz respeito ao orçamento rectificativo visto estar presente o sr. ministro da fazenda.

Foi lido na mesa o parecer.

Parecer n.° 334

Senhores. — Foi presente á vossa commissão de fazenda o projecto de lei n.° 328, procedente da camara dos senhores deputados, rectificando o orçamento da receita e da despeza do estado, durante o exercicio de 1877-1878.

No relatorio junto encontrareis a rasão e a justificação das alterações feitas, cuja approvação se acha no referido projecto de lei n.° 328, e que tambem merece a vossa, a fim de subir á sancção real.

Sala da commissão, em 13 de abril de 1818.=Antonio de Paiva Pereira da Silva = Visconde da Praia Grande = Barros e Sá= Visconde de Bivar = Augusto Xavier Palmeirim = João Baptista da Silva Ferrão de Carvalho Mártens.

Projecto de lei n.° 328

Artigo l.° A avaliação dos rendimentos e demais recursos do estado, no exercicio de 1877-1878, é elevada a réis 25.396:574^000, nos termos do mappa junto, que faz parte d'esta lei.

Art. 2.° A despeza ordinaria do estado no mesmo exercicio, é rectificada na somma de 28.112:416$789 réis, segundo o mappa n.° 2 junto a esta lei e que d'ella faz parte.

Art. 3.° As despezas extraordinarias do estado, sem recursos especiaes realisados, rio exercicio de 1877-1878, são fixadas em 1.295:843$671 réis, nos termos do mappa n.° 3, annexo a esta lei.

§ unico. As despezas de que trata este artigo realisam-se em cada ministerio como vae marcado para cada uma das verbas descriptas no respectivo mappa.

Art. 4.° O governo decretará nas tabellas da receita e da distribuição das despezas do exercicio corrente de 1877-1878 as alterações necessarias, em harmonia com as disposições d'esta lei:

Art. 5.° Ficam assim modificadas, n'esta parte, as leis geraes de receita e de despeza do estado para o exercicio corrente de 17 de abril de 1877, e revogada toda a legislação em contrario.

Palacio das côrtes, em 10 de abril de 1818. = Francisco Joaquim da Costa e Silva, vice-presidente = Francisco Augusto Florido da Mouta e Vasconcellos, deputado secretario = Alfredo Filgueiras da Rocha Peixoto, deputado secretario.

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568 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

N.° 1

Mappa da receita rectificada do estado na metropole para o exercido de 1877-4878
a que se refere a lei d'esta data

Impostos directos........................... 7.701:480$000

Sêllo e registo.............................. 2.704:600$000

Impostos indirectos.......................... 13.637:684$3000

Bens proprios nacionaes e rendimentos diversos........ 2.112:563$000

Compensações de despeza.................... 1.240:247$000

25.896:574$000

Palacio das côrtes, em 10 de abril de 1818. = Francisco Joaquim da Costa e Silva, vice presidente = Francisco Augusto Florido da Mouta e Vasconcellos, deputado secretario = Alfredo Filgueiras da Rocha Peixoto, deputado secretario.

N.° 2

Mappa da despeza ordinaria do estado rectificada para o exercicio de 1877-4878 a que se refere a lei d'esta data

Gratificação aos membros da junta e ordenados aos empregados..... 31:110$000

Juros.....
dos titulos na circulação................... 5.956:530$325 6.628:516$825
dos titulos na posse da fazenda............. 671.986$500

Amortisações................................................ 3:670$336

Diversos encargos............................ 9:600$000 672:896$861

Encargos da divida externa

Despezas com a agencia financial em Londres................... 7:746$268

Juros....
dos titulos na circulação.................. 4.382:543$668
dos titulos na posse da fazenda............ 28:450$746 4.410.994$414

Amortisações................................................. -$-

Diversos encargos ............................16:000$0000 4.434:740$682 11.107:637$543

MINISTERIO DOS NEGOCIOS DA FAZENDA

Encargos geraes

Dotações da familia real............................... 571:000$000

Côrtes................................................. 82:079$500

Juros e amortisações a cargo do thesouro................ 1.565:016$450

Encargos diversos e classes inactivas................... 594:057$400

2.812:153$350

Serviço proprio do ministerio

Administração superior da fazenda publica........................ 143:249$150

Alfandegas......................................... 771:186$100

Administração geral da casa da moeda e do papel sellado............................ 45:624$600

Repartições de fazenda dos districtos e dos concelhos ............... 644:230$000

Empregados addidos e aposentados........................... 174:418$436

Despezas diversas........................................... 58:772$140

Despezas de exercidos findos................................ 26:000$000

1.863:480$426
4.675:633$776

MINISTERIO DOS NEGOCIOS DO REINO

Secretaria d'estado.............................. 40:310$590

Conselho d'estado................................ 2:000$000

Supremo tribunal administrativo................... 24:986$720

Governos civis.................................... 100:862$200

Subsidies a municipalidades........................ 280:000$000

Segurança publica.................................. 398:212$300

Hygiene publica.................................... 53:431$800

Diversas despezas.................................. 16:500$000

Instrucção publica.................................. 870:682$645

Beneficencia publica................................ 238:526$010

Addidos aos quadros, aposentados e jubilados......... 76:325$780

Despezas de exercicios findos........................ 1:100$000

2.103:038$045

MINISTERIO DOS NEGOCIOS ECCLESIASTICOS E DE JUSTIÇA

Secretaria d'estado................................. 28:985$940

Dioceses do reino.................................... 117:903$708

Supremo tribunal de justiça.......................... 28:011$996

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Tribunaes de segunda instancia........................... 69:629$986

Juizos de primeira instancia............................. 86:536$652

Ministerio publico....................................... 85:123$332

Sustento de presos e policia de cadeias.................. 98:298$000

Diversas despezas........................................ 12:100$000

Exercicios findos........................................ 450$000

Aposentados............................................... 32:846$657

Subsidios a religiosas.................................... 2:400$000

569:286$271

MINISTERIO DOS NEGOCIOS DA GUERRA

Secretaria d'estado................................... 47:141$185

Estado maior do exercito e commandos militares.............................................. 99:179$340

Corpos das diversas armas.................................. 2.694:605$934

Praças de guerra e pontos fortificados............................................... 23:180$061

Diversos estabelecimentos e justiça militar................................................ 371:097$129

Officiaes em diversas commissões...................... 37:349$1358

Officiaes em disponibilidade e inactividade temporaria............................................ 25:056$000

Officiaes sem accesso e reformados...................... 644:546$193

Veteranos e invalidos................................... 13:914$865

Diversas despezas....................................... 180:540$390

Despezas de exercicios findos............................ 2:700$000

4.139:355$310

MINISTERIO DOS NEGOCIOS DA MARINHA E ULTRAMAR

Marinha:

Secretaria d'estado e repartições auxiliares ............................................. 44:163$400

Armada nacional ............................ 497:986$460

Tribunaes e diversos estabelecimentos ............................................ 58:797$998

Arsenal da marinha e suas dependencias ............................................. 750:852$216

Encargos diversos ........................... 83:560$000

Empregados em serviço no ultramar, supranumerarios, fóra dos quadros, reformados, aposentados, jubilados e veteranos ....................... 129:244$407

Despezas de exercicios findos ............................ 950$5000

1.565:554$081

MINISTERIO DOS NEGOCIOS ESTRANGEIROS

Secretaria d'estado .................... 19:270$650

Corpo diplomatico ...................... 103:500$000

Corpo consular ......................... 59:760$000

Despezas eventuaes ..................... 75:798$800

Condecorações .......................... 2:400$000

Empregados addidos e em inactividade ................................................... 14:908$649

Despezas do exercicios findos .......................... 500$000

276:138$099

MINISTERIO DAS OBRAS PUBLICAS, COMMERCIO E INDUSTRIA

Secretaria d'estado ................................ 45:824$000

Pessoal technico e de administração ............................142:022$000

Empregados addidos, fóra dos quadros, jubilados e aposentados ...... ........................... 79:428$866

Estradas ........................................... 1.458:000$000

Caminhos de ferro .......................................... 549:418$425

Direcção dos telegraphos e pharoes do reino.......................................... 239:272$800

Diversas obras ...................................... 520:759$091

Estabelecimentos de instrucção ........................ ..................................... 75:797$498

Pinhaes e matas nacionaes .................. ............................................ 52:397$350

Direcção geral dos correios e postas do reino ..................................... 378:160$150

Direcção geral dos trabalhos geodesicos, topographicos, hydrographicos e geologicos do reino. .......... 78:993$439

Diversas despezas ............................................ ............................. 67:245$000

Despezas de exercicios findos ................................... 600$000

Total - Rs............. 28.112:416$789

Palacio das côrtes, em 10 de abril de 1878. = Francisco Joaquim da Costa e Silva, vice-presidente =Francisco Augusto Florido da Mouta e Vasconcellos, deputado secretario = Alfredo Filgueiras da Rocha Peixoto, deputado secretario.

N: 3

Mappa da despeza extraordinaria do estado, sem recursos especiaes no exercicio de 1877-1878, a que se refere a lei d'esta data

MINISTERIO DOS NEGOCIOS DA FAZENDA

CAPITULO 19.°

Para a acquisição de 3 barcos de vapor destinados á fiscalisação aduaneira nas costas do reino, mandados construir nas officinas de Blackwal no Tamisa, por contrato de 17 de dezembro de 1877, devendo o pagamento dos mesmos barcos
ser effectuado em tres prestações; a saber:

£ 6:115-13-4

£ 6:116-13-4

€ 6:117-13-4

£ 18:350-00-0 que a 4$500 réis por libra importam em reis.....................................82:415$000

CAPITULO 20.°

Para pagamento do fretamento do vapor Portimão, empregado na fiscalisação das costas do Algarve, desde 18 de julho de 1877 a 22 de dezembro do mesmo anno, a rasão de 45$000 réis por dia................. 6:840$1000

89:415$000

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570 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

MINISTERIO DOS NEGOCIOS DA GUERRA

CAPITULO UNICO

Para as obras das fortificações de Lisboa e seu porto, incluindo o saldo de 74:669$462 réis, disponivel em 10 de julho, do credito de 80:000$000 réis para estas fortificações, auctorisado por carta de lei de 6 de abril de 1877............ 174:669$462

MINISTERIO DAS OBRAS PUBLICAS, COMMERCIO E INDUSTRIA

CAPITULO 1.°

Continuação dos prolongamentos dos caminhos de ferro do sul e sueste - Carta de lei de 8 de abril de 1877 169:000$000

CAPITULO 2.°

Construcção do caminho de ferro do Algarve - Decreto de 1 de julho de 1876.................... 48:000$000

CAPITULO 3.º

Porto artificia] da cidade do Ponta Delgada - Cartas do, lei de 9 de agosto de 1860 e 18 de abril de 1873.. 83:186$171

CAPITULO 4.º

Porto artificial na bahia da cidade da Horta - Carta de lei de 20 de junho de 1861.................... 66:000$000

CAPITULO 5.º

Construcção de uma cadeia geral penitenciaria no districto de Lisboa - Carta de lei de 24 de abril de 1873 123:000$000

CAPITULO 6.º

Ponte-caes da alfandega de Lisboa - Carta de lei de 6 de abril de 1874........ ........... 13: 773$038

CAPITULO 7.º

Estudos do projecto para uma canalisação dos despejos da cidade de Lisboa e Belem - Carta de lei de 12 de abril de 1875................................... 28:800$000

CAPITULO 8.°

Recenseamento geral da população do reino e ilhas adjacentes no dia 31 de dezembro de 1877 - Carta de lei de 15 de março de 1877 (30:000$000 réis)... ................................................ 20:000$000

CAPITULO 9.°

Exposição universal de Paris, de maio de 1878 - Carta de lei de 6 de abril de 1877......... 50:000$000

Despacho ministerial de 11 de agosto de 1877..................................... 13:000$5000

63:000$000

CAPITULO 10.º

Exposição universal em Philadelphia no mez de maio de 1876 - Carta de lei de 7 de abril de 1876...... 7:000$000

CAPITULO 11.º

Hospital Estephania - Portaria de 17 de novembro de 1877........................................ 23:400$00

CAPITULO 12.º

Exploração de aguas de Bellas e Bronco-Despacho de 18 e agosto de 1874......................... 128:600$000

CAPITULO 13.°

Reparação dos estragos causados pelos temporaes - Portaria de 2 de dezembro de 1876................ 200:000$000

CAPITULO 14.º

Quinta regional de Cintra

Compra de um apparelho de lavoura de vapor.....................................................

Exploração extraordinaria d'esta quinta, em consequencia da maior despeza com a cultura por meio do vapor - Despachos de 31 de agosto e 2 de novembro de 1877..................................... 34:000$000

CAPITULO 15.°

Direcção geral dos correios e postas do reino

Despezas a maior nos termos dos decretos de 31 de outubro e 29 de dezembro de 1877:

Para a compra de machinas para o fabrico de sellos de franquia...................... 2:000$000

Para a compra de tres parelhas de cavallos para a conducção das malas em carros entre o edificio da administração central do correio de Lisboa e as estações dos caminhos de ferro da mesma cidade .......................................... ..... 2:000$000

Custo das carruagens para as repartições postaes ambulantes e mais despezas accessorias - Decreto de 31 de outubro de 1877, artigo 1.°................ ............. 20:000$000

24:000$000

1.031:759209

Total - Rs. 1.295:843$671

Palacio das côrtes, em 10 de abril de 1878. = Francisco Joaquim da Costa e Silva, vice-presidente = Francisco Augusto Florido da Mouta e Vasconcelos, deputado secretario = Alfredo Filgueiras da Rocha Peixoto, deputado secretario.

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sr. Presidente: - Está em discussão na generalidade.

O sr. Marquez de Sabugosa: - Nós não ficámos hontem na discussão de um parecer da commissão de guerra?

O sr. Presidente: - Ficámos, sim, senhor; mas não o puz agora em discussão, visto não estar presente o sr. ministro da guerra, o que farei logo que s. exa. chegue.

Os dignos pares que approvam na sua generalidade o parecer n.° 334.°, tenham a bondade de se levantar.

Foi approvado sem discussão tanto na generalidade como na especialidade.

O sr. Presidente: - Passâmos ao parecer n.° 304, que diz respeito á apresentação das contas d'esta camara.

Leu-se na mesa e é do teor seguinte:

Parecer n.° 304

Senhores. - A vossa commissão de fazenda examinou o relatorio e as contas documentadas da gerencia d'esta casa, durante os annos de 1873-1874, 1874-1875, 1875-1876 e 1876-1877, apresentadas pela commissão administrativa, contas que se acham justificadas.

Como, porém por motivos accidentaes, que a commissão administrativa descreve, se fizeram algumas despezas, transferindo verbas destinadas ao pessoal para as correspondentes ao material, e vice-versa, e em um anno foi a despeza excedida em 650$393 réis, entendeu a commissão administrativa ser necessario legalisar este facto, em conformidade do estabelecido no regulamento da contabilidade publica.

N'este sentido propõe o seguinte projecto de lei, que a vossa commissão entende merecer a vossa approvação.

Sala da commissão, 4 de abril de 1878. = Conde do Casal Ribeiro = Visconde de Bivar = Visconde da Praia Grande = Barros e Sá = Augusto Xavier Palmeirim = Visconde de Algés.

Senhores. - A commissão administrativa da camara dos dignos pares do reino, em observancia do que dispõe a carta de lei de 20 de agosto de 1803 e o artigo 89.° do regimento interno, vem apresentar-vos um relatorio minucioso das contas da sua gerencia durante os annos economicos de 1873-1874, 1874-1875, 1875-1876 e 1876-1877.

A receita e a despeza do exercicio dos quatro annos economicos é a constante dos documentos juntos n.ºs 43, 44, 45 e 46; advertindo porem que, pelo fallecimento de alguns empregados, não se despenderam no pessoal, durante a gerencia destes annos, todas as verbas votadas para esta camara nos orçamentos do estado, e que, por occorrencias do serviço, não foram despendidas urnas e se excederam outras, no material.

Anno economico de 1873-1874

Capitulo 2.° - Artigo 9.°

Votada Despendido Para mais Para menos
Pessoal

Secções 1.º, 2.ª e 3.ª 24:268$000 20:346$000 -$- 3:921$342

Material

Secção 4.ª ......... 3:466$992 3:989$725 525$733 -$-

27:731$992 24:336$383 525$733 3:921$342

Para mais.......... 3:395$609

Ano economico de 1874-1875

Capitulo 2.º - Artigo 8.º

Votado Despendido Para mais Para menos

Pessoal

Secções 1.ª, 2.ª e 3.ª 24:052$000 20:633$635 -$- 3:418$365

Material

Secção 4.ª ...... 3:771$992 5:033$302 1:321$310 -$-

27:763$992 25:666$937 1:321$310 3:418$365

Para menos......... 2:097$055

Anno economico de 1875-1876

Capitulo 2.°- Artigo 8.°

Votado Despendido Para mais Para menos

Pessoal

Secções 1.º, 2.ª e 3.ª 21:522$000 20:553$143 -$- 968$857

Material

Secção 4.ª...... 3:861$992 5:481$242 1:619$2550 -$-

25:383$992 26:034$385 1:619$250 968$857

Para mais........... 650$393

Anno economico de 1876-1877

Capitulo 2.º - Artigo 8.º

Votado Despendido Para mais Para menos

Pessoal

Secção 1.ª, 2.ª, 3.ª 21522$000 20:229$555 -$- 1:292$445

Material

Secção 4.ª 4:080$000 5:125$185 1:045$185 -$-

25:602$000 25:354$740 1:045$185 1:292$445

Para menos.......... 247$260

Resulta, portanto, que nos annos economicos de 1873-1874, 1874-1875, 1875-1876 e 1876-1877 não se excederam as totalidades das verbas para esta camara votadas nos orçamentos do estado; mas que das sobras das verbas do pessoal, que no entanto se não despenderam totalmente, algumas quantias tiveram que ser applicadas para o material.

Porém, no anno economico de 1875-1876, não só se applicaram ao material algumas sobras do pessoal, como tambem se excedeu, na quantia de 650$393 réis, a verba total votada para esta camara no orçamento.

Reconhecendo que o regulamento da fazenda publica veda, não só a transferencia de verbas, como o excesso da despeza votada, entende a commissão que estas operações carecem de ser legalisadas, e como corpo gerente se suppõe habilitada a propor o seguinte

PROJECTO DE LEI

Artigo 1.° São legalisadas as quantias que a commissão administrativa da camara dos dignos pares do reino applicou, das sobras das verbas do pessoal, ás despezas do

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material, alem do que estava votado nos orçamentos do estado para os annos economicos seguintes:

1.° No de 1873-1874 a quantia de 525$733 réis.

2.° No de 1874-1875 a quantia de 1:321$310 réis.

3.° No de 1870-1876 a quantia do 1:619$250 réis.

4.° No de 1876-1877 a quantia de 1:045$1183 réis.

Art. 2.° E igualmente legalisada a quantia de 650$393 réis, em que a mesma commissão, no exercicio do anno economico de 1875-1876, excedeu a verba votada na totalidade do orçamento da referida camara.

Art. 3.° Fica revogada a legislação em contrario.

Sala da commissão, em 21 de janeiro de 1878. = Marques de Sabugosa, Presidente suplementar = Visconde de Soares Franco, par do reino secretario = Eduardo Montufar Barreiro, par do reino secretario = José Joaquim dos Reis e Vasconcellos, membro da commissão.

CONTA N.° 5

Resumo da conta da receita e despeza da camara dos dignos pares do reino durante o anno economico da 1873-1874

Receita Despeza

Saldo do anno economico antecente........ 382$436 Importancia dos vencimentos dos empregados em doze mezes (vide 12 documentos da marca A) ......... 20:316$658

Recebido do ministerio da fazenda........... 21:247$695 Dita de assignaturas do Diario do governo (vide 1 documento da marca B)............
618$5000

Dita de impressões (vide 6 documentos da marca C).... 300$010

Dita com a publicação das sessões da camara (vide 27 documentos de marca D)... .. 1:772$555

Dita de despezas eventuaes e extraordinarias (vide 93 documentos da marca E).. ........... 1:299$130

24:630$131

Saldo que passa para o anno economico de 1874-1875 293$748

24:630$131

Palacio das côrtes, em 1 de julho de 1875 = Marquez d'Avila e de Bolama, presidente = Visconde de Soares Franco, par do reino secretario = Eduardo Montufar Barreiros, par do reino secretario = José Joaquim dos Reis e Vasconcellos.

CONTA N.° 44

Resumo das contas da camara dos dignos pares do reino durante o anno economico de 1874-1875

Receita Despeza

Saldo do anno economico antecedente...... 293748 Importancia das folhas dos ordenados (vide 13 documentos da letra A)........................... 20633$655

Recebido do ministerio da fazenda ... 26:099$040 Dita de assignaturas do Diario do governo (vide 1 documento da letra B)......................... 768$000

Dita por impressões e pela publicação do Diario da camara (vide 35 documentos da letra C)............ 2:967396

Dita de despezas eventuaes (vide 92 documentos da letra D)...................................... 1:297$912

25:666$937

Saldo que passa para o anno economico de 1875-1876 725$851

26:392$788 26:392$788

Palacio das côrtes, em 1 de julho de 1875. = Marquez d'Avila e de Bolama, presidente = Visconde de Soares Franco, par do reino secretario = Eduardo Montufar Barreiros, par do reino secretario = José Joaquim dos Reis e Vascon-cellos.

CONTA N.° 45

Resumo da receita e despeza da camara dos dignos pares do reino durante o anno economico de 1875-1876

Receita Despeza

Saldo anno economico antecedente... 725$3851 Importancia de ordenados aos empregados nos doze mezes (vide 13 documentos, marca A)............. 20:553$143

Recebido do ministerio da fazenda......25:979$032 Dita de assignaturas do Diario do governo (vide 1 documento, (marca B).......................... 735$600

Dita com a publicação das sessões e outras impressões (vide 34 documentos, marca C)................... 1:356$576

26:034$385

Dita de despezas eventuaes (vide 90 documentos, marca D)..................................... 1:356$576

26:034$383

Saldo que passa para o anno economico de 1876-1877 670$498

26:704$883 26:704$883

Palacio das côrtes, em 2 de julho de 1876. = Marquez d'Avila e de Bolama, presidente = Visconde de Soares Franco par do reino secretario = Eduardo Montufar Barreiros, par do reino secretario = José Joaquim dos Reis e Vasconcellos.

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DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO 573

CONTA N.° 46

Anno economico de 1876-1877

Receita Despeza

Saldo do anno economico antecedente ..... 670$498 Ordenados dos empregados, (documento A)........20:229$555

Recebido do ministerio da fazenda ........25:226$725 Assignaturas do Diario do governo (documento B) 702$000

Publicação do Diario da, camara e impressões (documento C)............. 2:870$998

Despezas eventuaes e extraordinarias (documento D).. 1:552$187

25:354$740

Saldo que passa para o anno economico de 1877-1878 542$483

25:897$223 25897$223

Palacio das côrtes, em 2 de julho de 1877.= Conde do Casal Ribeiro, par do reino presidente supplementar = Visconde de Soares Franco, par do reino secretario = Eduardo Montufar Barreiros, par do reino secretario = José Joaquim dos Reis e Vasconcellos.

O sr. Conde de Cavalleiros: O que é que está em discussão?

O sr. Presidente: - É o parecer n.º 304, que diz respeito ás contas d'esta camara.

Este projecto tem por fim legalisar a applicação que se fez das sobras de alguns capitulos a despezas em que houve excesso sobre as verbas votadas. Alem d'isto propõe-se que seja legalisada a quantia de 650$393 réis, em que no exercicio do anno economico de 1875-1876 foi excedida a verba votada na totalidade do orçamento d'esta camara. A commissão administrativa vem pedir á camara que lega-lise estes actos.

Está em discussão este parecer na sua generalidade.

Foi approvado sem discussão tanto na generalidade como na especialidade.

O sr. Presidente: - Entre os projectos que estavam dados para a ordem do dia de hoje, ha o n.° 328, que é mais propriamente de fazenda que de guerra, porque diz respeito ás pensões concedidas ás praças do pret que desembarcaram com o Imperador nas costas de Portugal, e visto estar presente o sr. ministro da fazenda, vou pol-o á discussão. -

Foi lido na mesa o seguinte

Parecer n.° 328

Senhores. - As vossas commissões de guerra e fazenda, reunidas, examinaram o projecto de lei n.° 332, vindo da camara dos senhores deputados, interpretando a lei de 11 de abril de 1877, a fim de que o beneficio por esta cencedido ás praças de pret, pertencentes ao exercito libertador, que desembarcaram no Mindello, seja contado desde a data da dita lei, e não sómente da das suas respectivas habilitações.

As commissões, entendendo que esta disposição é de justiça, e satisfaz mais completamente á intenção benevola da referida concessão, são de voto que se approve o sobredito

PROJECTO DE LEI N.° 332

Artigo 1.° O beneficio concedido pela lei de 11 abril de 1877 ás praças de pret que, pertencendo ao exercito libertador, desembarcaram no Mindello, deve ser contado da data da promulgação da mesma lei.

Art. 2.° Fica assim interpretada a lei de 11 de abril de 1877 e revogada a legislação em contrario.

Sala das commissões, 11 de abril de 1818. = Marquez de Fronteira = D. Antonio José de Mello e Saldanha = Barros e Sá = Marino João Franzini = Antonio Florencio de Sousa Pinto = Visconde de Seisal = Visconde de Bivar = Augusto Xavier Palmeirim.

O sr. Presidente: - Está em discussão na sua generalidade.

Foi approvado sem discussão tanto na generalidade como na especialidade.

O sr. Presidente: - Os dignos pares sabem que ha alguns pareceres que estão dados para ordem do dia, que dizem respeito a tratados com algumas nações estrangeiras, e se a camara entende que o governo está representado pelos srs. ministros do reino e fazenda podia discutil-os.

A camara resolveu afirmativamente.

O sr. Presidente: - Estes tratados devem ser discutidos em sessão secreta, portanto declaro que, por bem do estado, a camara vae constituir-se em sessão secreta.

(Era uma hora e tres quartos da tarde.)

(Ás duas horas tornou-se a sessão publica.)

O sr. Presidente: - Devo declarar em sessão publica que a camara approvou á unanimidade em sessão secreta os tratados de commercio e navegação entre Portugal e Hespanha, Portugal e a Grecia, e as duas convenções para a reciproca extradição de criminosos entre Portugal e Italia e Portugal e os Paizes Baixos.

Alem d'isto approvou mais o accordo relativo á adhesão do imperio allemão ao convenio internacional do pharol do cabo Spartel.

Visto estar presente o sr. presidente do conselho e ministro da guerra continua a discussão do parecer n.° 320, que hontem foi approvado na sua generalidade.

O sr. Marquez de Sabugosa: - Peço a palavra sobre a ordem.

O sr. Presidente: - Tem o digno par a palavra.

O sr. Marquez de Sabugosa: - Sr. presidente, eu ainda agora pedi a palavra sobre a acta da sessão de hontem, para rectificar uma omissão que me parece ter havido, e v. exa. observou-me que seria melhor tratar d'este assumpto quando estivesse presente o sr. presidente do conselho; eu de bom grado acceitei a indicação de v. exa.; porém, como vejo presente o sr. presidente do conselho, julgo que é agora occasião de tratar d'este assumpto.

Pedi que na acta se mencionasse que s. exa. tinha proposto que fosse n'ella inserido todo o seu discurso e que, não acceitando a camara essa indicação, mandara para a mesa a declaração, que acabou de ler-se.

Era isto simplesmente o que eu pedia que se rectificasse.

(O orador não reviu o seu discurso.)

O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Pontes Pereira de Mello): - Vejo que se suscitaram algumas duvidas sobre a redacção da acta, e que o sr. marquez do Sabugosa deseja que se mencione ahi não ter a camara acceitado a proposta por mim feita, para na mesma acta se inserir o meu discurso todo.

Devo declarar a v. exa. que não tenho duvida em que na

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574 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

acta se consignem os factos taes como se passaram e o digno par indicou.

S. exa. propoz que se inserisse na acta um dos fundamentos com os quaes eu tinha apoiado a opinião do governo sobre um assumpto dado.

Eu propuz, como additamento, que se inserissem na acta todos esses fundamentos, e não um só.

A camara resolveu que nem esta minha proposta nem a do digno par fossem lançadas na acta.

O sr. Presidente: - Pergunto ao digno par, o sr. marquez de Sabugosa, se está satisfeito com a resposta que deu o sr. presidente do conselho.

O sr. Marquez de Sabugosa: - Estou satisfeito, e é agora meu desejo que na acta de hoje se mencione o pedido que fiz, e tambem a resposta dada pelo sr. presidente do conselho.

O sr. Presidente: - Tenha o digno par a bondade de formular por escripto os termos em que deseja que essa declaração seja lançada na acta.

O sr. Marquez de Sabugosa: - Eu não julgava necessario.

O sr. Presidente: - É melhor. Desejo que o digno par fique inteiramente satisfeito.

O sr. marquez de Sabugosa mandou para a mesa o seguinte

Requerimento

"Requeiro que na acta da sessão de 25 do corrente se faça circumstanciada menção do que se passou na camara ácerca do meu requerimento, para que na acta anterior se lançassem as declarações feitas pelo sr. presidente do conselho de ministros.

"26 de abril de 1878. = O par do reino, Marquez de Sabugosa."

O sr. Presidente: - Foi hontem approvado na generalidade o parecer n.° 320. Passâmos á especialidade do projecto.

Está em discussão o artigo 1.° com os seus dois §§. Posto a votação foi approvado, e bem assim foram approvados sem discussão todos os outros artigos.

O sr. Presidente: - Entra agora em discussão na generalidade o parecer n.° 324, que foi adiado hontem a requerimento do sr. Vaz Preto e de accordo com o sr. presidente do conselho.

Tem a palavra o sr. Vaz Preto.

O sr. Vaz Preto: - Começarei por declarar á camara que me retirei da sala para não votar as convenções, porque estando dado para ordem do dia, primeiro este projecto e outros tambem importantes, não imaginava que se discutissem hoje, e gastando o pouco tempo que tenho da sessão a estudar estes projectos, não pude por isso ter occasião de examinar essas convenções. E é possivel que sejam muito boas e merecessem a minha approvação, comtudo, em vista da rasão que apresentei, tive escrupulo de votar o que não conhecia, e, como disse, tive de saír da sala.

Sr. presidente, o projecto em discussão póde, segundo creio, ser considerado sob dois aspectos: emquanto ao estado das nossas finanças, e emquanto á responsabilidade do governo e confiança que merece.

Posto que o primeiro ponto de vista seja talvez o mais importante, passarei a occupar-me do segundo, porquanto foram enviados hontem a esta camara dois documentos que lançam bastante luz sobre este assumpto, e que eu hei de ler para mostrar que se acham em contradicção com as asserções apresentadas na outra casa do parlamento pelo sr. presidente do conselho.

Antes, porém, de ler esses importantes documentos farei a historia de tudo que se tem passado respectivamente aos nossos armamentos, e, se eu errar, espero que o sr. presidente do conselho, quando tomar a palavra, me fará as devidas correcções, pois eu sou leigo n'esta materia, e por isso entro com toda a temeridade na discussão d'este projecto. Em 1866, sendo ministro da guerra o sr. Fontes, nomeou s. exa. uma commissão para dar parecer ácerca do melhor modo de armar o nosso exercito.

S. exa. assistia a quasi todas as discussões d'aquella commissão, e á qual segundo me parece presidiu.

Os resultados, porém, das conferencias amiudadas e de repetidos debates, deram, em decisão que o exercito devia ser armado com espingardas de Enfield, e por deferencia ao sr. presidente do conselho consentiu a commissão que dois batalhões de caçadores fossem armados com armas de carregar pela culatra.

Veiu a batalha de Sadowa e com ella a convicção dos nossos militares da grande vantagem d'aquellas armas, e por isso em vez de dois batalhões armaram-se os oito de caçadores e o resto do exercito com as armas de Enfield.

Em 1869, estava o sr. duque de Loulé no poder, o qual nomeou uma outra commissão para estudar este assumpto.

Essa commissão foi de opinião que as armas Snider, pelo progresso feito nas armas de carregar pela culatra, não estavam á altura nem eram as proprias para armar o exercito, quando a Europa tinha reconhecido as de outro systema muito superiores, e quando a observação e experiencia nas ultimas batalhas o tinham demonstrado até á evidencia; resolveu por isso que se deviam comprar dez mil do systema Martini Henri, e ao mesmo tempo quatorze mil culatras para transformar as existentes do systema Enfield.

O ministro da guerra d'aquelle tempo, porque n'aquelle tempo procedia-se com toda a cautela e escrupulo, mandou abrir concurso para o fornecimento das armas Martini Henri e em resultado do concurso fez-se um contrato para o fornecimento das armas.

Teve logar o golpe de 19 de maio, e o sr. duque de Saldanha não attendeu a esse contrato, o que deu em resultado a outra parte contratante pedir indemnisações. Mas como as duvidas, que se suscitaram, não estivessem resolvidas no tempo do sr. Fontes, este fez valer o contrato legalmente feito, e como o contratante não cumprisse então da sua parte, foi elle rescindido.

Ao arrematante n'aquella epocha já não lhe convinham algumas das condições. Até aqui o que se passou é natural e rasoavel. Agora d'aqui para diante começa a responsabilidade do sr. presidente do conselho.

Apesar de ser opinião da commissão, que as melhores armas, e que se deviam comprar, eram as de Martini Henri, o sr. Fontes entendeu o contrario e entendeu que devia uniformisar o exercito com armas Snider, e para esse fim mandou vir dez mil armas de Snider, e ordenou que as de Enfield, com que o exercito estava armado, fossem transformadas n'este systema.

A este respeito declarou o sr. Fontes na camara dos senhores deputados, que o governo inglez lhe cedera dez mil armas Snider, por um especial favor.

Sr. presidente, esta asserção feita pelo sr. Fontes parece-me inexacta.

Tenho aqui os documentos que se me afiguram estar em contradicção com a declaração feita pelo sr. Fontes. Se assim for, ainda d'esta vez s. exa. procedeu com a camara dos senhores deputados de uma fórma pouco regular, dizendo e asseverando o contrario do que provam esses documentos, que breve lerei á camara. Antes de o fazer, porém, notarei tambem, sr. presidente, que n'uma das sessões passadas na outra camara o sr. presidente do conselho declarou, que tinha mandado vir quatorze mil culatras para transformar as armas que havia, mas dos documentos prova-se que as quatorze mil culatras não chegaram para transformar as armas existentes, porque a primeira transformação que se fez foi de dezenove mil e tantas.

Portanto o governo, ou fez um milagre, ou teve de comprar, sem para isso ter auctorisação, maior numero de culatras.

Para completar a historia sobre armamento falta apresentar e fallar ainda de um celebre contrato feito com o sr.

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Pedaing d'Ogen, que forneceu armas velhas, que o sr. Fontes comprou pelo preço de armas novas.

Este contrato, para contrahir o qual o governo não estava auctorisado, é celebre e curioso.

Por elle se obrigou o governo a comprar dezesete mil armas, as quaes lhe foram vendidas a 8$600 réis cada uma, armas velhas, armas deterioradas que não estavam garantidas, e que alem d'isso careciam de ser transformadas!

Emquanto á transformação estou persuadido que se não fez, porque não havia culatras, mas se se fizesse não importaria em menos de 4$000 réis, o que junto ao preço de 8$600 réis, daria a somma com que se compram as melhores armas de carregar pela culatra. Nas melhores fabricas de Inglaterra as armas Martini Henri custam 13$000 réis.

Pois, sr. presidente saiba v. exa. e a camara, que o sr. Fontes deixou de comprar as armas que a commissão lhe aconselhava como melhores, e foi comprar pelo mesmo preço armas velhas, com que a França tinha armado os seus francos atiradores!

Pense a camara neste facto, creio que se ha de admirar, e que os dignos pares na sua consciencia hão de censurar similhante proceder.

Vou ler as palavras do sr. presidente do conselho. É bom que a camara tome nota d'ellas.

(Leu.)

Por aqui se vê que a asserção do sr. Fontes é positiva: "o governo inglez cedeu dez mil armas."

N'um documento, que tenho aqui, e está assignado pelo sr. Cordeiro, general de artilheria, diz-se o seguinte.

(Leu.)

Este official, que fóra encarregado da compra de 10:000 armas, para que o sr. Fontes tinha auctorisação, dirigiu-se ao nosso embaixador em Londres, o sr. duque de Saldanha, a fim de obter do governo inglez a concessão a que o sr. presidente do conselho se referiu.

Essa concessão, porém, não se realisou, como se vê claramente do documento que li á camara.

A declaração que fez este official é inteiramente opposta á que fez o sr. Fontes na camara dos senhores deputados, e está documentada. É isto que eu faço observar á camara.

Vou ler mais uma parte d'estes documentos, porque por meio D'elles se fica sabendo duas cousas importantes: primeiro, que o referido official se dirigiu ás principaes fabricas de armas em Londres, para contratar as 10:000 armas, apesar de lhe serem offerecidas armas por preços convidativos que s. exa. não quiz comprar, porque em negocios d'esta ordem só se devia escolher o melhor, e que d'esse todas as garantias de satisfazer ao seu fim, garantias que só se obtem nas fabricas: segundo, que o sr. Fontes hão attendeu á lição que lhe dava um subordinado seu, que procedera o mais circumspectamente possivel na commissão de que tinha sido encarregado, e que, não obstante os salutares avisos do distincto general, e das regras que se devem seguir n'estas compras, fez um contrato, com o sr. d'Ogen, pelo qual se obrigou a comprar-lhe 17:000 armas velhas por um alto preço, e sem garantias de sua bondade!!!

Note v. exa. que, na occasião que se fez esta compra, já a Inglaterra tinha optado pelas armas Martini Henri, e abandonado as Snider.

Já que estamos fali ando do modo por que se tem adquirido o armamento do nosso exercito, desejaria que o sr. Fontes me explicasse tambem o seguinte facto, como é que estando designado no contrato feito pelo sr. Cordeiro com uma fabrica de armas em Londres para a compra das 10:000 armas, a importancia de 71 schillings ou 16$000 réis por cada arma, veiu depois publicado em documento official que o preço por que cada arma custou ao paiz foi o de 17$000 réis?

Sobre este ponto desejaria que o sr. Fontes desse as precisas explicações.

Sr. presidente, não sei o que possa dizer a este respeito, não sei se foi cegueira, se leviandade, ou o que foi.

O que sei é que na occasião em que precisavamos armar bem o nosso exercito, o sr. Fontes escolheu a arma Snider, que já estava posta de parte pela Inglaterra! Não sou competente para tratar das questões militares, e por isso abstenho-me de entrar na parte technica, e mesmo nestas reflexões que eu faço em geral sobre questões militares, faço-as com todo o receio, e peço á camara que me desculpe a minha insuficiencia, a qual é supprida pelo desejo de acertar e de concorrer para que se faça o que for mais conveniente.

Não entrarei pois na analyse de qual será a melhor arma, porque não sou pessoa competente, e por isso só direi de passagem o que tenho lido, e o que tenho ouvido a pessoas de auctoridade na materia.

Essas pessoas da especialidade asseguram que as armas de Snider não têem grande alcance nem precisão, porque o diametro d'ellas é de 14 millimetros e a precisão das armas depende de um diametro entre 9 e 11 millimetros, segundo está calculado, o que exactamente se dá na arma Martini Henri.

O sr. Fontes foi pois comprar uma arma de pouco alcance e sem precisão na occasião em que a Inglaterra, conhecendo aquelles defeitos, a abandonou!

Eu faço esta consideração para convencer a camara que deve ter toda a cautela em dar auctorisações tão latas e d'esta ordem.

Ternos visto que os governos têem abusado e quasi sempre os resultados têem sido maus.

Nós temos gasto em armamento 1.600:000$000 réis, e apesar d'este dispendio enorme, o governo vem-nos dizer que o exercito precisa armado de novo, e que não está em estado de se collocar a par dos exercitos que estão armados pelo systema moderno!

Esta revelação deve-nos trazer a convicção de que o sr. Fontes, em logar do proceder com prudencia, tem procedido com a maxima leviandade, lezando nos seus interesses a nação.

Sr. presidente, como tinha promettido, vou ler a informação do digno official, para que a camara compare o seu digno procedimento com o do sr. Fontes.

(Leu.)

Aqui tem v. exa. como este official deu uma lição ao sr. Fontes, recusando as armas offerecidas por um preço convidativo e modico, mas que não davam garantias.

Não obstante, o sr. presidente do conselho, mais tarde, acceitou aquellas armas, que o sr. Cordeiro tinha recusado.

(Leu.)

Já v. exa. vê por este documento, que o sr. Fontes estava informado do que se passava em Inglaterra, que as fabricas inglezas estavam occupadas a fazer armas de Martini-Henri, para satisfazer a encommenda do governo inglez, e que este governo tinha mudado de systema, porque verificou que as armas Snider não podiam ser consideradas como as melhores, nem iguaes ás outras, e que apesar d'isto o sr. Fontes mandou comprar 10:000 d'aquellas armas, e, não contente com isto, tendo já comprado 14:000 culatras para que estava auctorisado, fez um contrato particular para a compra de 17:000 armas Enfield!

E note v. exa. que estas 17:000 armas eram velhas; eram as armas de que a imprensa fallava por um modo tão desfavoravel; eram as armas com que a França tinha armado os francos atiradores, a maior parte d'ellas do systema Enfield, armas de que só se aproveitava o canno, e pelo preço de 8$600 réis, quando os contratadores as tinham comprado a 1$600, a 2$000 réis cada uma.

Pelo contrato que fez o sr. Fontes, obrigou-se o governo a pagar essas armas a 8$600 réis, e note v. exa. que essas armas eram para transformar!

Para esse fim foi necessario mandar buscar culatras que custaram 2$000 réis cada uma, o que junto á despeza de

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mão de obra, elevara o custo da espingada a perto de tres libras, que é exactamente o preço de uma arma do systema Martini Henri.

Pergunto eu: quando o governo tem procedido assim de um modo tão pouco regular, desbaratando os dinheiros publicos, não mandando proceder aos contratos como determina a prudencia e o bom senso, poderá a camara votar uma auctorisação desta ordem, e tanto mais quando essa auctorisação vem despida de todos os esclarecimentos, porque nem mesmo vem acompanhada do relatorio de uma commissão competente, nem se diz que qualidade de armas se vão comprar, nem o numero d'ellas?

Compare s. exa. o procedimento do nosso ministro da guerra com o dos ministros da guerra de outras nações da Europa, onde se presta homenagem ao parlamento, e onde se governa com a opinião publica. Vou citar á camara um exemplo bastante moderno, e que prova bem a pouca prudencia da parte do sr. Fontes no modo por que está conduzindo uma questão tão importante como esta.

Ainda ha pouco, na Belgica, o ministro da guerra pediu uma auctorisação igual á que se está discutindo, mas apresentou-a precedida dos relatorios de differentes commissões, designando qual era a arma escolhida, as experiencias que se tinham feito nos differentes campos de manobras, e os seus resultados, habilitando assim a camara para lh'a poder votar; e o sr. Fontes vem pedir uma auctorisação em termos vagos, não tendo, até hoje, dado conhecimento ás côrtes do modo por que tem usado das auctorisações concedidas e feito os contratos anteriores, que nunca viram a luz da publicidade, e se eu os não tivesse pedido, nem seriam mandados ao parlamento.

Estes contratos, sr. presidente, têem uma parte que se vê e outra que se não vê. A respeito d'esta segunda parte contam-se episodios interessantes, e o que sei é que no ministerio da guerra todos procuram lançar de si fóra a responsabilidade.

Abstenho-me de fallar agora no que se não vê.

Sr. presidente, desde que o governo tem procedido da fórma que eu acabo de indicar, e sendo tão difficeis as circumstancias do paiz, creio que a camara procederá de um modo menos conveniente, se der a auctorisação que só pede.

Alem d'isto, ainda cumpre-me notar, que não se trata de satisfazer uma necessidade impreterivel, pois a primeira cousa de que o governo tinha a tratar, era de lançar aã bases para a organisação do exercito, e não pedir auctorisação para comprar armas que ainda não sabe quaes hão de ser.

Sr. presidente, vou ler ainda um appendice ao contrato com o sr. Pedaing d'Ogen, e por este appendice a camara verá que existe alguma causa occulta, que deu origem a que a imprensa tenha escripto muito e desfavoravelmente a este respeito.

Os documentos que o governo mandou, e que eu tenho aqui, são muito insuficientes; mas, ainda assim, dito bastante luz, e, como na camara ha alguns jurisconsultos, chamo a sua attenção para este assumpto.

No contrato feito com o sr. Pedaing d'Ogen, davam-se bastantes garantias a ambos os contratantes; mais tarde apparece este appendice, que diz:

(Leu.)

Pela leitura que acabo de fazer, se reconhece que este appendice assegura todas as garantias para o governo e nenhuma para o fornecedor.

Estas condições são extremamente vantajosas para o governo, mas o que não se póde acreditar é que houvesse fornecedor tão pouco zeloso dos seus interesses, que désse todas as garantias, e que renunciasse as que tinha, collocando-se assim sob o arbitrio do governo, sem que se lhe fizessem outras compensações.

Quaes são essas compensações?

Essas compensações fizeram-se forçosamente.

Quaes são, pois, as novas compensações, sr. presidente do conselho?

É necessario que s. exa. diga tambem á camara quantas armas comprou, e o que é feito d'ellas; se estão no arsenal, se estão transformadas, quantas foram reprovadas, quantas se acceitaram, qual o relatorio da commissão competente que aconselhou a compra d'essas armas. Emfim, são necessarios todos os esclarecimentos que nos habilitem a votar conscienciosamente.

Nunca se deram nem se querem dar similhantes esclarecimentos, o por isso a imprensa tem escripto desfavoravelmente, e o paiz tem serias e graves apprehensões, vendo comprar-se armamento velho, e vendo gastar inutilmente centenares de contos de réis com a compra do 17:000 canos para transformar por armas, por preço igual ao das melhores armas modernas que estão adoptadas pelos primeiros exercitos da Europa.

Era isto que eu desejaria evitar para o futuro. Não quero ver de novo comprar armas velhas para transformar por preço de 8$600 réis cada uma, tendo custado ao fornecedor a 1$600 e 2$000 réis, e que transformadas nos vem a ficar por 13$500 réis cada uma, que é o custo das do systema Martini Henri. Sobre todos estes factos deploraveis é que eu pretendo despertar a attenção da camara para que veja a necessidade de sermos muito cautelosos na concessão d'estas auctorisações.

Para só reconhecer a falta de zêlo com que o governo do sr. Fontes tem procedido, basta fazer-se notar que as armas que o sr. Fontes comprou, estão hoje quasi todas incapazes de servir, já porque eram armas usadas, já porque os soldados as não sabiam tratar, o que não admira porque não lhes deram, como deviam, instrucções convenientes e adequadas á limpeza das armas de precisão.

Se o sr. Fontes não tem tenção de contratar a compra de armas nas mesmas condições em que a fez das outras vezes, porque não diz á camara quaes são os seus planos a tal respeito, em que estudos ou relatorios se funda para determinar-se na escolha que tem a fazer, emfim quaes são as armas que deseja comprar e qual o numero? A camara não póde ir entregar nas mãos do governo centenares de contos para se desperdiçarem, por isso que não temos garantia nenhuma de que dispenderá esta somma com aproveitamento. Se a camara quer votar esta auctorisação despida de todas as garantias, vote muito embora, eu é que não posso acompanhal-a n'esse seu proposito.

Nos outros paizes segue-se n'estas compras de armas um systema differente do que se segue aqui. Lá fóra trata-se primeiro da organisação do exercito, adopta-se um plano, e só depois é se que se trata do armamento, sujeitando tudo a plano geral, feito pelos homens competentes. Portanto a primeira cousa que precisavamos fazer era lançar as basca da organisação do exercito, encarregando d'isso homens habilitados, a quem fosse incumbido o encargo de estudarem as organizações militares dos paizes mais adiantados n'esta parte, e cujo systema mais se coadunasse com as condições do nosso paiz, e fosse ao mesmo tempo economico. Talvez o plano da Suissa nos fosse o mais apropriado. Era esse um dos prazos, cuja organisação militar deviamos mandar estudar, pois tendo apenas dois milhões de habitantes póde pôr de um momento para o outro em pé de guerra um exercito de 200:000 homens. O sr. ministro da guerra ri-se por eu ser profano n'esta materia e estar a fallar n'ella; mas; eu não sou aqui mais que narrador, repito o que li nos livros, e livros escriptos por homens de capacidade, que têem auctoridade, pelo menos tanta como s. exas. ha de permittir pois que eu esteja convencido que, apesar da sua competencia, os auctores d'essas obras, que são respeitados na Europa pelos seus elevadissimos conhecimentos, tambem têem competencia para tratarem assumptos tão importantes e emittirem a sua opinião. Se pois eu for inexacto, ou o sr. presidente do conselho vir que me engano no que disser com relação aos exercitos estrangeiros, póde muito bem

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fazer a esse respeito as observações que entender, e corrigir os meus erros e omissões.

Entrarei pois agora em considerações solto ponto de vista mais elevado.

Sr. presidente, a Prussia tudo o que é deve principalmente, não á organisação do exercito, mas á boa administração economica e á ordem nos differentes ramos de serviço publico. N’esta parte logo mostrarei o que é ser homem D’estado, porque foi esse um dos pontos que eu prometti tratar para fazer ver que os verdadeiros homens distado fazem o contrario do que tem feito o sr. Fontes.

Sr. presidente, a Prussia tudo o que é deve-o; como disse, á boa organisação da fazenda publica, á ordem nos differentes ramos do serviço publico e á constante economia adoptada por todos os seus governos.

Este systema tem sido seguido invariavelmente pelos homens que têem estado á frente dos destinos d’aquelle povo desde o seu começo, desde que ella começou por se chamar o patrimonio de burgrave de Nuremberg até hoje se chamar Allemanha.

Quem estudar bem a historia da Prussia reconhecerá que desde que ella tem sido governada pelos membros da familia de Hohenzollern, que deram origem á dynastia que ainda hoje impera na Prussia, ella começou a crescer, a desenvolver-se e a prosperar, devido isso a esses principes energicos, sabios e economicos, que praticaram prodigios para a elevarem tão alta, e fazerem tão grande o que era apenas um insignificante punhado de homens e uma pequena porção de territorio.

As primeiras bases para a organisação do exercito na Prussia foram lançados em 1733, no reinado de Frederico Guilherme, o segundo rei da Prussia. Frederico Guilherme entendeu que era necessario dividir a Prussia em circumscripções militares, que fornecessem, e sustentassem cada uma seu regimento, e que todos os homens validos fossem chamados ao serviço do exercito logo que a patria carecesse d’elles.

Este rei foi celebre pela sua austeridade, chegando á crueldade, pela sua muita economia e pelo odio aos empregados prevaricadores e negligentes. Recebeu do seu predecessor um territorio de 115:000 kilometros quadrados e uma população de 1.731:000 almas, e sem sobrecarregar a população legou a seu filho um territorio de 123:000 kilometros quadrados, e em população 2.486:000 almas, um thesouro de 34 milhões de francos sem divida de qualidade alguma, e um exercito de 72:000 homens bem pagos e perfeitamente equipados.

Foi com estes recursos que seu filho Frederico o grande fez milagres, e soube tirar todas as vantagens do estado prospero em que seu pão lhe deixou o reino, posto que pequeno em territorio e muito limitado em habitantes que seriam cerca de 2 milhões.

Foi exactamente com este punhado de homens que luctou com toda a Europa, para assim dizer, e saíu vencedor d’essa lucta gigantea com a Franca, com a Russia, Austria e Suecia, colligidas para a esmagar e dividirem os seus despojos.

Por milagre da boa administração, elle deixou a seu sobrinho um estado de 200:000 kilometros quadrados e uma população de 5.430:000 almas, uma receita ordinaria de 80.000:000 francos e em thesouro mais de 200.000:000 em metal sonante.

Isto é que é ser homem d’estado, isto é que é saber governar.

Eu chamo a attenção do sr. Fontes para os actos da vida d’estes grandes homens, não como generaes, mas sim como administradores intelligentes, economicos, simples nos seus costumes e occupados sempre a manter a ordem nas finanças e a favorecer o desenvolvimento da agricultura, e a producção das riquezas debaixo de todas as suas fórmas.

Elles sabiam que o trabalho bem dirigido pelos governantes faz prodigios, que um imposto lançado sobre bases injustas é mais funesto do que uma guerra infeliz.

A guerra destroe à riqueza, como um incendio, mas não a impede de renascer, e uma má administração arruina a prosperidade publica até ás suas raizes.

Desejaria, pois, que o sr. Fontes se compenetrasse bem dos principies e doutrinas que serviram sempre de guia a estes grandes homens, porque só assim poderia ser um homem d’estado. Mas com principios inteiramente oppostos, com a confusão e desordem nos serviços publicos, com o desperdicio dos dinheiros da sociedade, com a fazenda mal organisada, em logar de levar Portugal ao seu engrandecimento e prosperidade, só o conduzirá á miseria e á ruina. É pois contra este systema que eu levanto todos os dias aqui a minha voz; embora seja voz clamando no deserto, cumpro o meu dever, e fico satisfeito com a minha consciencia.

A Prussia pobre e com metade da população e dos recursos de Portugal, resistiu á Europa inteira, e Portugal pela administração do sr. Fontes vae caminhando para o ponto de ser expropriado por utilidade publica. E ufanam-se ainda de serem homens d’estado!

A primeira cousa que o governo de qualquer paiz tem a fazer para conseguir a sua prosperidade e alcançar o seu engrandecimento, é estabelecer nas altas regiões a moralidade, de fórma que o exemplo parta de cima.

Com a moralidade vem logo o desejo de administrar bem e convenientemente, e d’este desejo sáe a economia e a ordem nos differentes ramos dos serviços publicos.

É, pois, tudo isto que nos falta, e por isso em logar de vivermos dos nossos rendimentos, vivemos do credito com um deficit assustador e uma divida fluctuante enorme.

A Prussia o que é deve-o á serie de bons administradores, que teve desde seu o começo, que não deslizaram uma só linha do programma economico que se impozeram.

Para se avaliar bem a Prussia, estudemol-a na sua desgraça. Outro qualquer povo não resistiria aos revezes, nem ás rigorosas provações, mas o exemplo de moralidade e os bons costumes fel-o saír triumphante das suas desgraças.

É de todos sabido que este paiz depois da batalha de Iena perdeu grande parte do territorio que então possuia, e que Napoleão tomou as mais rigorosas precauções para lhe impedir a sua reconstrucção, impondo-lhe até a humilhante condição de que ella não poderia manter em armas mais de 42:000 homens.

O excesso de abatimento d’este nobre povo foi para elle a causa da sua resurreição. Esgotado pelas contribuições, consideravelmente augmentadas para pagar as indemnisações da guerra, reduzido a metade do que era, deveu a sua salvação a dois homens eminentes, que comprehendendo a força que poderiam tirar dos principios modernos, metteram hombros á obra da melhor vontade e poderam valer ao seu paiz. Estes dois homens Stein e Scharnhorst salvaram a Prussia de ficar completamente aniquilada, depois de tantos desastres que soffreu em Iena.

Foram estes dois homens notaveis, que empregaram todo o poder da sua intelligencia para tirar as maiores vantagens da força que lhe davam as idéas modernas e impedir por essa fórma que aquelle paiz não desapparecesse de entre as nações e como tal do mappa da Europa.

Um d’esses homens, Stein, era um distincto financeiro e o outro, Scharnhorst, um habil militar. Foi, pois, organisando a fazenda publica e reformando o exercito que elles alcançaram o fim almejado.

Se o sr. presidente do conselho podesse imitar, não digo já o segundo, mas o primeiro, viria a ser tambem um homem d’estado, e levantaria Portugal na difficil conjectura em que se acha, e que não é assustadora se a compararmos á precaria situação da Prussia depois da batalha de Iena.

O primeiro d’estes homens, Stein, vendo a grande crise

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por que estava passando a Prussia, entendeu que eram necessarias medidas excepcionaes. Aboliu, pois, as iniquidades do regimen feudal, emancipou os paizanos, derramou o imposto igual e proporcionalmente, alargou e ampliou os privilegios das cidades e augmentou a independencia da administração local. Estabeleceu a economia a mais estricta, e reduziu as despezas ás indispensaveis e impreteriveis, tratando assim de melhorar quanto possivel a administração da fazenda publica, de modo que a Prussia podesse resistir ás difficuldades financeiras com que luctou por algum tempo.

Eis o que fez Stein. Isto é muito, mas não é tudo, e sem Scharnhorst creio que todos estes esforços seriam improficuos. Scharnhorst reformou o exercito dando-lhe outra organisação, organisação que até hoje pequenas modificações tem soffrido. O seu fim foi reorganisar o exercito, segundo um novo systema, pelo qual illudisse as duras restricções que pesavam sobre a Prussia. Este systema póde definir-se em duas palavras — abreviar o tempo de serviço, e fazer passar novos recrutas por quadros permanentes. Na base da organisação inscreveu-se o principio — todo o cidadão é obrigado a defender a sua patria.

Por este systema, o illustre general conseguiu, com um effectivo demasiadamente restricto e a despeza proporcional, obter grandes e numerosas reservas, fazendo recrutar no exercito as levas successivas de recrutas. O resultado deste systema foi a Prussia poder de um momento para outro levantar exercitos imponentes, que concorreram para a queda de Napoleão.

A lei de 3 de setembro de 1814 é que veiu dar uma organisação definitiva ao systema de Scharnhorst.

Esta é a lei que tem vigorado na Prussia ata 1860, e que foi modificada nalguns pontos.

As suas disposições essenciaes são as seguintes: todo o homem válido, sem excepção, é obrigado ao serviço militar, não se lhe admittindo nem substituição por homem, nem remissão por dinheiro. O tempo do serviço militar é de vinte e nove annos repartido assim: dos vinte aos vinte e cinco annos, o cidadão pertencerá ao exercito activo, tres annos debaixo das bandeiras e dois na reserva; dos vinte e cinco aos trinta e dois servirá na landwehr de primeira classe; dos trinta e dois aos trinta e nove na landwehr de segunda classe, emfim, dos trinta e nove aos quarenta e nove na landsturm.

D’este modo a Prussia chegou a ter um exercito perfeitamente organisado, o que não admira, tendo-se sujeitado a tão grandes sacrificios. Um similhante arrolamento, que abrangia todos os homens validos sem excepção, é um ónus tão pesado e odioso, que as outras nações da Europa ainda não o acceitaram, e a Prussia não o teria acceitado, se Napoleão não a tivesse levado ao extremo. Esta organisação teve em vista não fazer excepções, e as que tem feito são só condicionaes. Admitte no serviço activo, durante um anno apenas, aquelle que se apresentar fardado e equipado á sua custa, e sabendo o exercicio. Eu poderia desenvolver este ponto, mas como não é senão accessorio á quentão que se debate, resumirei quanto podér.

Sr. presidente, este systema introduzido assim, continuou no exercito durante muito tempo; mas a Prussia, que tinha homens previdentes e que conheciam o estado da Europa, entendeu que era necessario fazer algumas modificações na lei do recrutamento. O pensamento d’elles era augmentar o tempo de serviço do exercito e diminuir as reservas. Por esta fórma ficaria tendo um exercito mais bem organisado e em melhores condições.

E desde 1860 até 1866, v. exa. sabe perfeitamente a lucta que houve entre o governo do rei Guilherme e o parlamento. O governo queria introduzir na legislação militar duas modificações, e o parlamento negava-se a acceital-as. O parlamento foi dissolvido umas poucas de vezes; mas a maioria contra o governo, com relação áquellas modificações, era sempre crescente e cada vez maior. Foi necessario, pois, saltar por cima da maioria e praxes constitucionaes, para introduzir aquelles melhoramentos, que aperfeiçoavam e augmentavam o exercito.

Só assim é que o governo póde conseguir as duas modificações que julgava importantes. A primeira foi augmentar o tempo de serviço de cinco a sete annos, tres debaixo das bandeiras para a infanteria e quatro para a cavallaria; quatro na landwehr de primeira classe, e cinco na de segunda classe. Ao todo dezeseis annos de serviço, isto é, dos vinte aos trinta e seis. Por esta simples modificação augmentava-se o effectivo da linha á custa do landwher de primeira classe, de forma que o exercito posto em pé de guerra, seria logo composto de soldados de linha e de landwher. formando a reserva. Para completar a organisação decretou-se outra medida, pela qual o recrutamento era elevado a 63:000 homens. As bases, pois, em que assenta a organisação actual do exercito prussiano são sete annos do serviço, sendo tres nos regimentos, contingente annual de 63:000, e obrigação para todos os homens validos de concorrerrem para a defeza da patria quando for necessario.

Foram estas as medidas impostas quasi á força, que deram em resultado as vantagens do Sadowa, e que só com essas vantagens se póde a Prussia ir conformando con ellas.

É a esta sabia organisação que a Prussia devo ter vencido a Áustria e esmagado a Franca, a qual soffreu revezes que lhe foram bem funestos, porque a sua organisação militar era defeituosa e não podia, revalisar com a da Prussia. Estou convencido de que estes revezes hão de servir agora á França para se regenerar, como serviram noutro tempo á Prussia.

Este systema da Prussia por certo não podia ser adoptado entre nós, porque seria difficil amoldal-o aos habitos do povo, que não está costumado a soffrer, e que não tem a morigeração da Prussia.

Para nós ser-nos-ia mais conveniente adoptar o systema da Suissa, que a Suecia já introduziu no seu exercito.

Aquelle paiz não tem exercito permanente; e não obstante tem muita e magnifica artilheria, tendo ao mesmo tempo as espingardas melhores e as mais aperfeiçoadas.

A Suissa gasta com o seu exercito 1.400:000$000 réis, e não obstante tendo apenas 2 milhões de habitantes póde pôr de um momento para o outro em pé de guerra 200:000 homens.

Em França o systema antes da victoria da Prussia era outro.

As forças militares da França compunham-se do exercito activo da reserva, e da guarda nacional movel.

Todos es homens validos são alistados durante seis annos ou no exercito activo ou na reserva. Passados esses seis annos, elles ficam pertencendo á guarda nacional movei pelo espaço de tres annos. Em França, pois, o serviço militar era de nove annos. Os soldados das reservas são instruidos nos depositos, excepto aquelles que têem aprendido em casa o exercicio e manejo de armas.

A reserva divide-se em duas classes, sendo a l.ª destinada a completar os regimentos de linha. A remissão e a substituição eram permittidas. Este systema seguido em França era defeituoso e caro, e caro custou á França com a ultima guerra com a Prussia, e por isso ella tratou de o remediar e de lhe tirar as imperfeições.

Na Suissa, porém, o systema é outro: todo o homem valido é obrigado á defeza da patria, dos vinte aos quarenta e cinco annos, serve oito annos na elite, que compõe a principal força do exercito, seis na reserva, e dez na landwehr; de fórma que a Suissa de um momento para o outro póde, como disse, pôr em pé de guerra um exercito de 200:000 homens. Não tem exercito permanente, mas tem num momento dado uma força d’esta ordem.

Ora, se este systema em absoluto não poder ser posto em pratica entre nós, poderá de certo adoptar-se um systema mixto, que elevando a nossa força militar custar-nos ha mais barato do que hoje nos custa o exercito.

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Para se reconhecer quanto é economico veste systema da Suissa basta comparar o custo dos soldados nos diverso paizes.

Cada soldado em Franca custa annualmente 1:000 francos ou 160$000 réis, na Prussia 735 francos ou 135$000 réis, em Portugal 45$000 a 50$000 reis, e na Suissa custa apenas 41 francos, isto é, não chega a custar cada soldado 8$000 réis.

Ora, obtendo com tão pequeno encargo resultados tão importantes, parece-me que vale bem a pena estudar bem o systema d’aquelle povo, e ver se é possivel adoptal-o entre nós.

- Na Suecia foram tão reconhecidas as vantagens d’aquelle systema, que o governo apresentou ás camaras um projecto para ser adoptado, e supponho que já o fez.

As vantagens deste systema são de tal ordem, que um notavel escriptor disse, que se a França tivesse a organisação militar da Suissa, não teria sido vencida pela Allemanha.

Eu não sou militar, não sou competente para avaliar se seria possivel seguir-se exactamente entre nós um tal systema, mas o que sei que não é possivel é organisar o nosso exercito á prussiana; e não é possivel, porque a organisação prussiana carece de um povo preparado de ha muito tempo, e que tenha habitos e costumes proprios para uma similhante organisação, de um povo simples, instruido e soffredor, amante do progresso. Sem estas qualidades que parece foram transmittidas ás differentes camadas sociaes pela familia Hohenzollern por uma especie de transfusão moral, a Prussia não teria tido uma serie de homens de estado que a engrandeceram e elevaram ao nivel moral a que poucos povos da Europa têem subido.

A dynastia Hohenzollern, desde Conrad de Nuremberg, seu tronco, até ao imperador Guilherme, tem-se ido caracterisando pelo seu bom senso, tacto politico e de ordem nos differentes ramos do serviço publico e amor pelo progresso e civilisação.

Eu peço licença para ler á camara o que um distinctissimo escriptor escreve da Prussia, e como elle explica os resultados da batalha de Sadowa, que geralmente têem sido attribuidos á arma de agulha.

Depois de varias considerações, mostrando que a arma de agulha póde estar tanto no exercito austriaco como no prussiano, diz o seguinte: *

«Esta arma famosa, á qual se attribue todo o successo, por que rasão se achava ella nas mãos de uns e não nas mãos dos outros?

«É porqueos prussianos tivessem tido um relance de vista mais justa para apreciar as vantagens, e mais dinheiro para comprar o numero que lhes era preciso? E porque têem elles tido mais prespicacia e mais dinheiro do que os seus adversarios?

«Porque na Prussia a instrucção- estava mais espalhada, o genio de invenção mais despertado, o gosto do progresso mais activo, as finanças melhor administradas, emfim, porque ali todas as cousas eram conduzidas com mais ordem, economia e intelligencia.»

Permitta-me v. exa. ainda que leia tambem este trecho, pelo qual se manifesta claramente quaes são as qualidades que carecterisam a dynastia Hohenzollern que está reinando na Prussia, hoje Allemanha, e sem a qual essa poderosa nação não viria a ser o que é actualmente:

«Desde da sua origem os Hohenzollerns mostraram as qualidades solidas que tem distinguido a sua raça, e que por uma transfusão moral se communicaram ao governo prussiano. Nenhum predominio dos sentimentos ternos e poéticos, nenhum vestigio de propensão para a revarie, respeito pela realidade e desprezo pelas chimeras, gosto pela historia e não pelo romance, coragem e persistencia sobretudo na hora do perigo, prudencia, calculo e uma vista clara e justa da realidade, uma ordem extrema, nenhuma necessidade de ostentação, uma economia rigida, uma maneira de viver simples, regular, guiada pelo sentimento profundo do dever. Como a Prussia actual, os primeiros Hohenzollerns não tiveram dividas e possuiram thesouros.»

Estas qualidades nobres, elevadas e verdadeiramente superiores, que carecterisam a familia Hohenzollern desde Conrad de Nuremberg, até ao actual rei Guilherme, parecem innatas n’aquella raça, transmittindo-se puras de geração em geração.

Se o sr. Fontes tivesse aprendido no exemplo d’aquelles varões illustres e na historia daquella grande nação, as virtudes civicas; se o sr. Fontes fosse aprender ali a ser bom administrador, guiado pelo espirito moderno, economia no dispendio dos dinheiros publicos, o que contribue principalmente para a boa organisação das finanças, e a ser severo com os corruptos immoraes e sobretudo com os empregados negligentes e prevaricadores, s. exa. viria a ser um grande homem d’estado, com que este paiz lucraria muito; mas por este systema inteiramente opposto, nunca o poderá ser, e será fatal ao paiz a cujos destinos preside.

Sr. presidente, em logar de estarmos a desperdiçar dinheiro com armamento para nunca ter o exercito armado, procedamos com methodo e marchemos directamente ao fim. A primeira necessidade que tem Portugal é de lançar as bases para a organisação do seu exercito. Entendido este assumpto pelos homens competentes, por militares que devem ir estudar lá fora e principalmente á Suissa, apresente o governo a reorganisação do exercito á camara, para que ella, votando-a, lhe vote tambem os meios para a levar a effeito.

Essa reorganisação, posto que pareça assumpto isolado, não o é, pois está dependente de um novo systema de administração, e para o conseguir é necessario acompanhai-o com outras medidas, taes como simplificação dos serviços, ordem na administração e uma rigida economia.

Se assim procedermos chegaremos ao fim almejado; de outra forma caminharemos sempre n’um precipicio constante, e prestes a despenharmo-nos a cada momento.

Votar milhares e milhares de contos de réis, sem conta, peso, nem medida, e sem methodo, é inutilisal-os, como tem succedido até aqui.

Acha a camara previdente gastar 1.600:000$000 réis em armamento e não ter o exercito organisado e armado?

Creia a camara que não é com estes 680:000$000 réis que nos havemos de pôr em estado de defender o paiz de qualquer aggressão estrangeira.

Se nós não temos exercito em forca sufficiente para repellir um ataque de uma nação mais poderosa que nós, se o nosso exercito pela sua pequena força numerica não poderá sair detrás das trincheiras, porque um exercito de 40:000 ou 50:000 homens não póde bater-se em campo raso com um de 100:000 homens, para que havemos de ir fazer edspezas perdidas?

Neste presupposto, as armas de Snider são sufficientes para elle se defender dentro das fortificações, pois não ha necessidade de fazer fogo a grandes distancias.

Temos a prova d’isto no que se passou em Sadowa, onde o exercito austriaco, collocado em magnificas posições, póde conter por muito tempo e fazer vacillar o exercito prussiano, apesar dos austriacos não estarem tão bem armados como os prussianos.

Torno a repetir, a primeira cousa que nós temos a fazer é organisar as finanças e não estar a recorrer1 constantemente ao credito.

Se continuarmos a seguir este systema, e se se apresentar uma occasião difficil, pela complicação da Europa, o resultado será não podermos de forma nenhuma obter os meios para acudir ás necessidades de momento, que podem ser instantes nessa conjunctura.

Quer v. exa. saber o que ha pouco se passou em Franja? Ali o governo aprendeu na desgraça, e por isso teve

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de adoptar um systema inteiramente differente daquelle que seguia gastando a mãos largas.

As camaras francezas deram ao governo uma auctorisação para contrahir um emprestimo de dezesete milhões de francos, e o ministro da fazenda, Leon Say, declarou formalmente que não acceitava a auctorisação, porque entendia que era necessario ter as finanças bem organisadas e a receita equilibrada com a despeza, e que nas circumstancias em que estava a Europa era preciso proceder com toda a circumspecção para o paiz não se ver em dificuldades, e por consequencia entendia que não era conveniente n’essa occasião recorrer ao credito, e que esse erro poderia ser fatal.

Em Portugal entende-se o contrario, apesar de haver um deficit enorme! Não se trata, para lhe fazer face, ou de crear receita ou de fazer economias. Onde nos levará este perigosissimo caminhar?

Nós devemos aprender no mal dos outros..

Não desabou a França, porque na prosperidade esqueceu a moralidade? Não se está resgatando hoje pelos sacrificios e pelo bom senso e juizo dos seus homens de estado?

Lembre-se a camara que se a tormenta, que ruge já ao longe, vier ainda trovejar sobre as nossas cabeças, as angustias deverão ser afflictivas por não estarmos preparados para as affrontar.

Se as complicações da Europa se estenderem até nós, encontrar-nos-hão com o thesouro vasio, com uma divida flu-ctuante grande e crescente, e com um deficit enorme, e portanto as bolsas fechar-se-nos-hão, e o nosso credito de pouco valerá. Este quadro não é exagerado, creia a camara.

Se estivermos a exigir todos os dias novos sacrificios ao paiz e a sobrecarregar o orçamento do estado com novos encargos, quando precisarmos em provações serias encontral-o-hemos esgotado, sem poder acudir aos seus males.

Julga a camara bom este systema, e que se devem votar medidas augmentando sempre a despeza sem crear receita?

Eu pergunto a s. exa. se no estado em que nos achamos, e com as dificuldades financeiras que hão de vir com as complicações lá de fóra, será facil e provavel encontrar dinheiro barato?

Pergunto agora aos srs. ministros se ainda n’este estado de cousas estão resolvidos a mandar construir o caminho de ferro da Beira Alta, cuja necessidade não é impreterivel, nem urgente?

Fallo no caminho de ferro como fallo n’estes 680:000$000 réis para armamento, e como em todas as medidas que não considero impreteriveis.

Ninguem deseja mais do que eu poder votar melhoramentos para o exercito e para a marinha, mas a questão não é só de bons desejos, a questão é de meios, e como nada disto se faz sem dinheiro, julgo que não estamos nas circumstancias de poder fazer uma unica despeza que não seja absolutamente indispensavel e urgente.

São estes os fundamentos do meu voto.

Sr. presidente, eu estou um pouco fatigado, e como o sr. presidente do conselho de certo desejará dizer alguma cousa sobre o assumpto, limito por aqui as minhas considerações, reservando-me usar da palavra novamente se assim o julgar opportuno.

O sr. Presidente do Conselho de Ministros: — Sr. presidente, ou vou restringir-me o mais possivel á questão, e a camara comprehenderá que eu assim proceda, porque na altura do debate eu julgaria faltar ao meu dever e abusar da paciencia da assembléa, se seguisse passo a passo o digno par na digressão que fez por assumptos, aliás muito importantes, muito dignos de merecerem a attenção e a discussão do parlamento, mas muito estranhos ao objecto que nos occupa. (Apoiados.}

Não discutirei nem a organização militar da Prussia, nem a organisação militar da Suissa, nem a organisação militar da Suecia, nem nenhuma organisação militar, tratando apenas de discutir este projecto, pelo qual o governo pede, nada mais e nada menos 680:000$000, réis para a compra de material de guerra.

Este assumpto é de certo muito digno de merecer a discussão parlamentar, e póde ser tratado debaixo de differentes pontos de vista, taes como o ponto de vista financeiro, o ponto de vista da defeza do paiz e o da responsabilidade do governo. Mas o que me parece é que é estranho para q assumpto o exame minucioso e circumstanciado da organisação militar da Prussia, o numero de annos que cada soldado é obrigado a servir na effectividade, na reserva e landwehr, e o preço por que sáe a cada paiz o soldado.

Eu peço, portanto, licença á camara para não entrar n’essa discussão, em que aliás não tenho duvida alguma de entrar, antes pelo contrario, quando ella for trazida pelo digno par, ou por outro qualquer membro d’esta camara á discussão, em outra occasião eu então terei motivo para dizer qual a minha opinião a este respeito, como penso, e o que tenciono fazer; mas agora essa questão não está sujeita á tela do debate. Ha, comtudo, pontos muito importantes que foram tocados pelo digne par que me precedeu, sobre os quaes preciso dar algumas explicações, porque dizem respeito especialmente á proposta que se discute.

Q digno par, para negar ao governo esta auctorisacão, prevaleceu-se, em primeiro logar, da falta de confiança politica que tem no governo. Essa falla de confiança é natural, e a esse respeito nada tenho que estranhar nem dizer.

Cada um póde confiar ou desconfiar como entender dos ministerios que estão á testa da administração publica.

A confiança não se impõe, e eu não desejo de modo algum trazer a questão para o terreno politico. Isto é uma questão de interesse publico, que eu posso ver de uma maneire errada ou acertada, e que os dignos pares podem encarar de uma maneira differente daquella que eu encaro, mas não póde ser objecto de uma questão propriamente de confiança politica, pelo menos eu não a colloquei nesse campo.

Para mim, torno a dizer, é uma questão de interesse publico, é uma questão de administração, é uma questão do defeza do paiz, é uma questão, emfim, que se baseia nos desejos que todos têem de cada vez mais e successivamente irmos armando, o melhor que se possa, o nosso exercito, pondo-o em estado de poder satisfazer aos seus deveres no dia em que for chamado a cumpril-os.

Effectivamente no tempo de paz é que se preparam os exercitos para a guerra.

Nós estamos em paz com toco o mundo, e por consequencia é a occasião mais propria para que, estudando essas questões e occupando-nos d’ellas, as resolvamos do melhor modo que possa ser, procurando armar o exercito e pol-o nas circumstancias delle ficar a par dos exercitos estrangeiros.

Esta proposta, como disse o digno par que acabou de fallar, não é originaria d’esta administração, foi apresenta da pelo meu illustre antecessor, como elle tambem disse, acrescentando que comprehendia, alem d’estes 680:000$000 réis, mais 90:000$000 réis, que s. exa. julgou necessarios para o armamento do exercito.

Longe de mim a idéa de que esses 90:000$000 réis pedidos a mais pelo sr. Sousa Pinto fossem excessivos; eu porém, talvez porque sou accusado por tanta gente, e creio que injustamente, de que pretendo gastar sommas consideraveis no nosso exercito, procurando-se mesmo fazer valer, para tornar a minha posição menos agradavel e menos sympathica, que eu queria essas sommas, não para a instrucção e armamento do exercito, mas para paradas ostentosas com que me proponha mostrar o estado do exercito portuguez ao povo da capital e das provincias; eu, porém, digo, apertado por estas considerações e acanhado por ellas, a di-

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zer a verdade, restringi-me, e pedi menos aquelles réis 90:000$000.

Comtudo, já vejo que esta minha resolução não me valeu as boas graças dos meus contradictores, porque elles, insistem em que eu não devia gastar esta somma, por não permittirem-as nossas finanças que a appliquemos ao fim a que é destinada.

Só quando as nossas finanças estiverem bem reguladas, quando não haja déficit no orçamento, é que na opinião de s. exa. se deve tratar de organisar e armar o nosso exercito.

Eu não sou d’esta opinião, tenho-o dito constantemente, e provam-no os factos relativamente á gerencia dos cargos que tenho occupado na administração do estado.

Entendo, pelo contrario, que ha certas despezas que é impreterivelmente necessario que se façam, quer tenhamos deficit quer não. Ha despezas que importam á honra e á dignidade do paiz, como a que discutimos, e d’essas não se póde nunca prescindir.

Não podemos ter exercito se não o armarmos.

Aqui ha duas escolas distinctas. E parece-me que mais de uma vez tenho dito isto nas camaras. Mas como as accusações se repetem até pela centesima vez, tambem eu posso repetir os mesmos argumentos todas as vezes que elles vem a proposito.

Para aquelles que entendem que o exercito deve. ser o sustentaculo da honra e das instituições de um paiz, torna-se necessario que o exercito tenha a maior forca compativel com os recursos da nação, guardadas as devidas proporções, e que esteja armado de fórma a satisfazer a sua missão, que é não só a defeza da honra e instituições do paiz, como tambem dar força ás leis e manter a ordem publica. Ê esta a minha opinião.

Eu entendo que guardadas as devidas proporções em que estamos na ordem das nações europeas, as nossas forças militares devem achar-se em harmonia com os progressos introduzidos nos exercitos dessas nações, que n’esse ponto podem servir de modelo.

A outra escola, a d’aquelles que entendem que a missão do exercito e meramente uma missão policial, para esses até era desnecessario haver exercito, bastaria apenas augmentar a policia.

O que eu porém não comprehendo é que a haver exercito, elle não esteja organisado e equipado em harmonia relativamente com os exercitos das outras nações.

Eu digo agora simplesmente isto porque não quero entrar em divagações, e só occupar-me da questão propriamente do armamento do exercito, e creio que tenho tratado sempre de melhorar as suas condições.

Ninguem póde negar, creio eu, que relativamente, pelo menos no que respeita á arma de artilheria, pelo numero e qualidade de peças de bater, na organisação dos serviços de sapadores, na de ambulancias e de saude, e na questão de remontas, o exercito se acha hoje em condições muito superiores áquellas em que anteriormente se achava. E isto não tem sido só feito por mim, mas tambem pelo concurso efficaz dos corpos legislativos, que me têem coadjuvado, fornecendo-me os meios de alcançar taes resultados, porque só eu é claro que não poderia conseguil-o.

Mas diz o digno par que eu tenho usado mal das auctorisações que me teem sido conferidas, que tenho dado applicação indevida aos fundos publicos que estão debaixo da minha gerencia, e sobretudo que não dou contas ás côrtes, que sou pouco claro e pouco exacto nos esclarecimentos que apresento quando me são pedidos.

No emtanto o que, eu vejo é que os esclarecimentos que eu forneci á camara, mesmo aquelles que vieram a pedido do digno par, serviram mais a mim do que a s. exa., porque o digno par foi infeliz no seu exame.

N’um documento que s. exa. tem em seu poder, diz-se que o general Cordeiro, da arma de artilheria, tinha sido mandado a Londres por minha ordem, para obter do governo inglez, por intervenção do sr. duque de Saldanha, nosso representante junto d’aquelle governo, a compra de armas.

O digno par que pediu aquelles documentos, de certo os não leu, porque se tivesse lido os que pediu e os que foram distribuidos na camara, não caíria em um erro tão importante.

Não direi erro, porque não quero attribuir aos meus adversarios erros d’esta natureza; mas em um equivoco muito importante.

Ha duas compras de 10:000 armas; uma feita pelo general Cordeiro e outra por mim. As minhas foram compradas em 1873, as do sr. Cordeiro foram compradas mais tarde.

Se o digno par lesse o meu relatorio apresentado ás côrtes, veria que eu fiz esta declaração, que não viria aqui inserida se não fosse verdadeira.

Eu vou ler só a parte necessaria para mostrar como não deixei de dar conta ás côrtes do que se fez no ministerio da guerra.

Este é um dos mais extensos relatorios enviados ao parlamento, no qual se dá conta de todos os actos do ministerio a meu cargo.

(Leu.)

D’isto não tinha o digno par, de certo, conhecimento, porque se o tivesse não diria o que disse. S. exa. não sabia d’estas armas.

(Leu.}

Se o digno par em logar de pedir esclarecimentos tivesse lido os que estão na camara, conheceria que estas armas foram cedidas pelo governo inglez, e quanto custaram.

Parece-me, portanto, estar provado que não faltei á verdade quando disse que tinha mandado vir de Inglaterra 10:000 armas.

Aqui está minuciosamente dada conta ás côrtes, não só das armas que pedi, mas da somma que custaram ao thesouro.

Mais tarde entendi eu que era necessario adquirir mais armamento, porque o que existia não chegava, e resolvi mandar a Londres pedir mais algumas armas, procurando obter na melhor fabrica mais 10:000 carabinas para o exercito.

É a esta segunda encommenda que se refere o digno par.

O sr. Vaz Preto: — E quando foi a primeira?

O sr. Presidente do Conselho de Ministros: — Foi em 1873, não sei qual a hora nem o dia, mas no relatorio de 1874 lá se dá conta d’isso. Sobre este ponto não ha duvida nenhuma, porque esta é a verdade. Aqui está como foram adquiridas estas armas para o exercito.

Se fosse preciso outro documento tinha-o aqui n’este relatorio. É um outro que o digno par tambem não viu. Ora, se s. exa. que está. a dizer continuamente que eu trago propostas á camara, sem esclarecimentos, estudasse os que cá existem, não diria isso. No relatorio do anno seguinte diz-se o seguinte.

(Leu.)

Estas é que são as armas a que se referiu o digno par, e que foram compradas pelo general Cordeiro. (Leu.)

Aqui tem v. exa. e a camara, no relatorio de 1870, explicado quaes são as- armas mandadas fabricar nesse intervallo, que são aquellas a que se refere o officio que mandei para a camara, e que foram as que comprou o general Cordeiro, indo elle propriamente a Inglaterra fazer a encommenda e tratar com a fabrica.

Ora, eu devo dizer que em todos os contratos com as fabricas estrangeiras, tanto com a de Krupp, com relação á artilheria, como com as outras, para o armamento de infanteria, nunca intervi directamente. O ministerio apenas tem approvado os contratos, que são feitos pela direcção geral da artilheria.

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Eu tenho dado ordem para se contratar conforme for melhor aos interesses da fazenda publica, e o governo tom approvado esses contratos, porque sem essa approvação não podiam realisar-se.

Digo isto á camara para que se não pense que a respeito das armas de que se trata mandei contratar directamente com uma certa e determinada fabrica.

Officiaes muito competentes, muito instruidos o muito honrados fizeram este contrato, acompanharam-no e segui ram-no até á sua conclusão.

Foi por intervenção d’elles que essas armas, perfeitamente fabricadas, vieram para o paiz e estão nos nossos depositos ou nas mãos dos nossos soldados.

Assim se justifica o que diz o officio que o digno par leu.

Fique, portanto, assentado que não faltei á verdade quando declarei á camara dos senhores deputados que tinha obtido do governo inglez a cedencia de 10:000 armas e que tambem não faltou á verdade o sr. general Cordeiro quando disse que foi a Inglaterra comprar espingardas, espadas para a cavallaria, correame, equipamento, etc.

O que simplesmente houve da parte do digno par foi um equivoco, o que não estranho nem admiro, lamentando só a disposição de s. exa. para querer achar em falta de verdade o ministre da guerra.

Ha outro ponto sobre o qual desejo dar uma explicação á camara: é o que se refere á compra de armas, que o digno par chamou armas velhas.

Effectivamente, quando se tratava de adquirir 17:000 espingardas do systema Enfields, a casa Pedaing d’Ogen fez uma proposta em que ellas eram offerecidas pelo preço de oito mil seiscentos e tantos réis cada uma. Em consequencia disso, mandei á direcção geral da artilheria que informasse se aquella proposta, nos termos em que estava feita, merecia a approvação do governo. A direcção geral da artilheria respondeu que julgava ser conveniente para e exercito, e de preço favoravel para o thesouro a compra d’essas armas, uma vez que fossem todas iguaes á que se tinha apresentado como exemplar. Foi em virtude d’esta informação que mandei fazer o contrato com a casa Pedaing Ogen.

Tendo ouvido que se levantavam no publico apprehensões sobre o inconveniente de serem adoptadas aquellas armas, dizendo-se que muitas dellas eram incapazes, apesar de no contrato se estipular que nenhuma arma seria recebida sem que a direcção geral da artilheria tivesse examinado cada uma de per si, e declarado que estava em boas condições, apesar d’isso, fiz saber ao contratador que ficaria a seu cargo a despeza com o transporte das armas que fossem rejeitadas, clausula esta a que elle se sujeitou.

Portanto, a direcção geral da artilheria foi ouvida em todo este negocio, e eu conformei-me com a sua opinião.

Estas armas teem vindo para o reino, e algumas têem sido já rejeitadas. As outras teem sido transformadas com as culatras moveis.

Agora mais uma observação apresento á camara a este respeito.

Não ha, nunca houve lei que auctorisasse o governo a comprar culatras moveis, mas apenas ha leis que auctorisam em globo a comprar uma certa somma de material de guerra. Vou ler essas leis.

Temos em primeiro logar a de 16 de julho de 1874.

(Leu.)

Artigos de armamento e equipamento. — Não discrimina quaes são esses artigos. A camara e a lei deixaram ao meu arbitrio a applicação d’esta somma ao material de guerra, e, portanto, não se póde dizer que eu comprasse culatras inoveis sem estar habilitado com a respectiva auctorisação.

Ha a lei de 1875. Não a tenho aqui, mas tenho a proposta, segundo a qual, sem alteração, esta camara me fez a honra de votar a lei.

Já vê a camara que estas auctorisações todas são em globo, que não são limitadas, e que ao prudente arbitrio cio governo deixou a lei a faculdade de usar d’ellas como entendesse; o no meu relatorio, que precedeu a lei de 1875, vem circunstanciadamente descripto o uso que o governo fez das auctorisações e as contas respectivas.

Portanto, sr. presidente, a camara fica sabendo que eu não faltei á verdade, quando fiz a declaração ácerca das 10:000 armas, que não comprei armas velhas, mas armas boas, e que a direcção geral da artilheria declarou ao governo que essa compra era vantajosa pelo preço o condições propostas. Fica sabendo mais que tenho dado conta constantemente do uso que fiz das auctorisações, e que ellas não eram limitadas de modo algum, e que o governo podia usar da faculdade que a lei lhe concedia.

N’estes pontos creio ter respondido ás observações do digno par.

Agora, emquanto aos outros assumptos que e exa. ligou a este projecto, e que dizem respeito, principalmente á organisação do nosso exercito, quando se tratar das respectivas propostas, eu acompanharei o digno par nas suas digressões, e mostrarei qual é a opinião do governo e o que pretende fazer.

(O orador não reviu as notas do seu discurso.)

O sr. Vaz Preto: — Começarei por declarar que não proferi uma unica expressão, da qual se podesse deprehender que eu accusava o sr. ministro por ter faltado á vervade, nem mesmo empreguei essa phrase. O que disse foi que me parecia, que s. exa. tinha commettido uma inexactidão, fazendo uma declaração na camara dos senhores deputados, que não estava de accordo com um documento que tenho aqui presente. Se tivesse a certeza de que s. exa. tinha faltado á verdade, ter-lhe-ía feito a arguição francamente.

Sr. presidente, não se deve surprehender a camara de que eu estivesse persuadido de que tinha havido uma inexactidão da parte do s. exa. com relação á compra das 10:000 armas.

Eu li o discurso proferido pelo sr. presidente do conselho, na camara dos senhores deputados, e vi que s. exa. tinha dito, que tinha mandado comprar 10:000 armas, e que a Inglaterra lhas tinha cedido por especial favor.

Ora, como estas 10:000 armas não podiam ser senão as que tinham sido contratadas pelo sr. Lobo d’Avila, quando esteve no ministerio, e as que o sr. general Cordeiro foi comprar a Inglaterra, pois o sr. Fontes não tinha auctorisação para comprar outras, segue-se que as minhas observações eram justas, e bem assim quando notava em s. exa. o descuido, omissão ou falta de não saber o que se pasmava em Inglaterra, com relação ao abandono da arma Snider, apesar do sr. Cordeiro lh’o escrever!

Este procedimento do sr. presidente do conselho de ministros, de comprar armas Snider, quando o governo inglez as tinha posto de parte, e quando as fabricas não se occupavam senão com o fabrico das de Martini-Henri, é indesculpavel e digno de toda a censura.

S. exa. sabia que as armas de Snider tinham sido abandonadas pelo governo inglez, e que não tinham a precisão das armas de Martini-Henri. A precisão, dizem os homens da especialidade, que se dá quando as armas têem um diametro de 9 a 11 millimetros, e a arma Snider tem 14 millimetros.

Já se vê que estas ultimas não têem a precisão e o alcance que teem aquellas. Apesar d’isso, o sr. presidente do conselho mandou compral-as, e não contente com este acto de leviandade, tomou sobre si a responsabilidade de adquirir mais 10:000 sem estar auctorisado, e tanto que depois teve de vir ao parlamento legalisar este acto.

Á vista destas infracções de lei, e do pouco escrupulo do sr. Fontes, já vê a camara que é preciso ter toda a prudencia em conceder estas auctorisações, porque o governo abusa d’ellas.

Note a camara tambem que o sr. Fontes quiz lançar a

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responsabilidade que lhe cabe n’essa compra de armas velhas sobre a direcção geral da artilheria, quando ella está inteiramente isenta dessa responsabilidade. O negocio passou-se assim:

O sr. Cordeiro foi a Inglaterra contratar a compra de armamentos com uma das fabricas mais importantes, apesar de lhe serem offerecidas armas por preços convidativos.

S. exa. recusou a compra d’essas armas, porque entendeu que, em negocios similhantes, deve sempre escolher-se o melhor, e que attinja o fim, porque os especuladores não dão as garantias convenientes e indispensaveis que as fabricas dão.

Apesar d’isso o governo, ou antes o sr. Fontes, fez um contrato para que não estava auctorisado, e foi comprar essas armas velhas que o sr. Cordeiro rejeitou, armas que careciam ainda de ser transformadas, o que quer dizer que o seu custo tornar-se-ia igual ao de armas novas do melhor systema.

Estas armas vieram a importar proximamente em tres libras cada uma, que é o preço das armas Martini Henri.

Pergunto: um governo que procede d’esta fórma, dá garantias ao parlamento de zelar verdadeiramente os interesses e os dinheiros publicos na compra de armas?

Parece-me que não; antes pelo contrario, faz receiar que continue sem escrupulos a abusar das auctorisações concedidas. O que eu posso asseguraria camara é que na compra d’estas armas velhas houve um grande escandalo, e que ha a parte que se vê e a que se hão vê. Se o sr. ministro me chamar a campo, serei mais explicito.

Sr. presidente, o que eu desejava saber, e o que o governo não disse ainda, é se as armas que comprou estão todas transformadas, ou se não estão; qual o numero das que soffreram transformação, qual o numero das que foram acceites pela commissão, e quaes os relatorios dessa commissão technica. Emfim, eu noto á camara que o governo não disse nada sobre os differentes pontos em que devia dar formaes explicações, e tanto mais quanto a imprensa escreveu cousas desagradaveis a este respeito, e fez mesmo ao governo accusações graves, atacando a sua honra e dignidade.

Sr. presidente, se não houvesse o quer que é de occulto neste negocio, como explicar o facto de dar 8$600 réis por cada arma velha que ao especulador tinham custado a 2$000 réis, e ainda para transformar mediante 4$000 réis? N’estas circumstancias e preciso exigir do governo as maiores garantias para que se não repitam os abusos que houve. É preciso que a camara tenha isto em muita attenção. Vejam os dignos pares os contratos que se fizeram veja-se aqui, se n’este, que me foi mandado, não ha o que quer que seja de occulto. O governo fez um contrato, estabeleceu garantias para o cumprimento dos compromissos que contrahiu, e em seguida a parte com que contratou, desiste de todas essas garantias e collocou-se sob a dependencia do sr. Fontes! Será crivei que sem compensação seria e importante o fornecedor das armas deixasse inserir no contrato uma clausula pela qual cedia todas as garantias, que tinha exigido, e se- ponha completamente dependente do arbitrio do governo? Sr. presidente, para condemnar estes contratos e com elles o ministro que os fez, basta historiar os factos e apresentai-os ao paiz sem commentarios.

Perguntarei ainda aos dignos pares, que aqui se acham presentes, se em sua consciencia entendem que haveria algum fornecedor que cedesse de todas as garantias para se collocar sob o arbitrio do governo, sem que este o indemnisasse de qualquer forma? A esta pergunta não quiz responder o sr. presidente do conselho, recusou-se obstinadamente a explicar o facto.

Mostrei que as armas Snider custaram 71 shellings cada uma, que correspondem a 16$000 réis, e na ordem do exercito vem designado o seu custo por 17$000 réis; e perguntei de que provinha esta differença, como era isto feito, mas tambem não alcancei resposta do sr. ministro da guerra.

Tenho aqui um documento, que foi mandado pelo governo, em que se diz, que a quantia entrada em cofre pelas fianças dadas é de 45:000$000 réis. Comparada esta quantia com a asseveração feita pelo sr. Carrilho, na outra casa do parlamento, reconhece se logo que ha uma grande differençar pois aquelle sr. deputado affirmou que no ultimo anno a verba proveniente das fianças subiu a 180:000$000 réis, e que a d’este anno estava approxiinadamente em 80:000$000 réis, e o sr. Fontes nada responde. Insistirei, pois, ainda- perguntando ao sr. Fontes qual destas cifras é a verdadeira? O governo manda um documento, asseverando que o rendimento do cofre das fianças é apenas de 45:000$000 réis, e na outra camara assevera um empregado do governo que esse rendimento foi o anno passado de 180:000$000 réis, e que este anno é de 80:000$000 réis?

É com esses 45:000$000 réis que o governo pretende dar cumprimento a esta auctorisação e satisfazer as despezas com o armamento?

Não póde ser assim, nos cofres publicos devem existir sommas muito maiores, provenientes das fianças que por uma portaria o sr. ministro do reino estabeleceu, derogando a lei existente, e das multas impostas aos refractarios.

Desejaria que me dissessem se é possivel dar importancia a um documento que está em contradicção com o que se asseverou na outra camara, e supponho mesmo que com documentos.

Peço ao sr. Fontes que explique estas cousas, e declare como ellas se fazem e se passam.

Emquanto aos outros pontos, vejo que s. exa., apesar de ser tão habil argumentador, procura afastar-se d’elles, declarando que não têem relação com o projecto que se discute.

Não o entendo eu assim, pois o que é certo, é que me serviram para provar que não havia necessidade de gastar estes 680:000$000 réis, e que se se gastassem, o exercito ficaria no mesmo estado em que se acha, porque precisa ser devidamente organisado.

Lancem-se as bases para a sua organisação, forme-se o plano, adopte-se um systema e venha depois o sr. Fontes á camara pedir os meios necessarios para a levar a effeito. Mas sem ter systema, nem plano, nem methodo a seguir e sem poder pôr mesmo em pé de guerra o exercito, estar simplesmente a pedir dinheiro para armamento, quando se vê que o nosso exercito, no caso de qualquer invasão, não póde estar senão por detrás das muralhas e das trincheiras, e que não póde combater em campo raso com outro exercito melhor armado e em numero duas vezes superior ao de Portugal, parece-me um acto pouco rasoavel, e por isso, como já disse, o melhor é conservar as armas que o exercito já tem, posto que não sejam boas, mas que servem, comtudo, para a defeza dentro das trincheiras, e adiar esta questão até que possa resolver-se conveniente e acertadamente.

Sr. presidente, quando eu quiz mostrar-lhe, como tinha promettido ao sr. Fontes, o que era ser homem d’estado, fiz uma digressão que me pareceu não agradou a s. exa., mas o meu verdadeiro intuito foi fazer ver que a primeira cousa com que se devia armar o paiz, era com uma boa organisação financeira, e como estamos à fallar sempre nas que se praticam lá fóra, para corroborar a minha opinião apresentei os exemplos da Prussia, mostrei as vantagens que ella tem adquirido pela boa e economica organisação da fazenda e pela instruccão levada ás ultimas camadas, ao que deve principalmente as suas victorias.

Eu trouxe tudo isto á discussão, porque me pareceu que diria respeito á questão de que estamos tratando. Na realidade quando vamos gastar 680:000$000 réis em armamento de um modo que me parece não póde dar os resultados que se têem em vista, e isto na occasião em que o

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paiz tem necessidades urgentes a que occorrer, estando a lutar com dificuldades grandes, e ameaçado de outra crise commercial, com um deficit de 5.000:000$000 réis e uma divida fluctuante de 12.000:000$000, julgo que não é estar fóra do assumpto apresentar á camara salutares exemplos tirados dos paizes que são bem governados.

Finalmente, a camara póde fazer o que quizer, mas cá pela minha parte entendo que nós não devemos estar aqui a votar uma auctorisação para um dispendio que se não justifica, e tanto menos o devemos fazer quanto vemos que o sr. ministro da guerra não justifica este pedido com estudos, com relatorios, com esclarecimentos dos homens competentes que indiquem com que armas se deve armar o exercito e habilitem os membros do parlamento a votarem com conhecimento de causa. É esta a rasão por que eu procuro fazer ver á camara que votar sem a luz que lhe dão os documentos essenciaes, é votar ás cegas uma medida desta ordem, que importa uma larga despeza.

Sr. presidente, disse o sr. Fontes que a sua opinião é que por causa do deficit não se hão de deixar de fazer certas despezas.

Esta opinião é que eu combato, e contra ella é que eu me tenho levantado constantemente.

Os paizes que se governam bem, sem excepção, a primeira cousa que tratam é de organisar as suas finanças.

Eu já tive occasião de citar o que succedeu em França ha pouco tempo com a auctorisação que as côrtes queriam conceder ao governo para contrahir um emprestimo, auctorisação de que o ministro da fazenda, Léon Say, não se quiz servir por causa do estado da Europa, e para não se ver em dificuldades no futuro, desequilibrando o orçamento.

Sr. presidente, nós somos pequenos, e não poderemos, existir se não tivermos muito juizo, bom senso e as finanças bem organisadas; por consequencia, temos a obrigação de ter todo o cuidado em não malbaratar os dinheiros publicos, e de não ir alem das nossas posses e recursos, e peço ao sr. ministro da guerra que siga aquelle salutar exemplo do sr. Léon Say, que ha de tirar resultados proficuos. Se assim o não fizer, as consequencias hão de ser muito funestas, e se acaso houver uma conflagração geral na Europa, e nós continuarmos n’este caminho com as finanças desorganisadas, representadas por um deficit e uma divida fluctuante enorme, havemos de nos encontrar nas mais terriveis dificuldades e nas circumstancias as mais precarias.

Sr. presidente, se ao sr. Fontes não lhe serve este exemplo da França, siga o de Inglaterra, que ainda ha pouco deu mais uma prova do seu bom senso.

O governo precisou contrahir um emprestimo de sete milhões de libras esterlinas, assim fez, mas immediatamente lançou dois pences no imposto do income taxe para cobrir essa despeza.

Isto entende-se.

Sé a camara gosta deste systema e não se arreceia do futuro, vote todas estas auctorisações; por mim, desejo que fique bem consignado o meu voto.

Sr. presidente, eu vou terminar as minhas reflexões; mas espero que o sr. presidente do conselho declare como combina os documentos que mandou para a mesa com as declarações que sobre este assumpto se fizeram na camara dos senhores deputados; porque desejo saber o valor que para o futuro devo dar aos documentos officiaes.

Note tambem s. exa. que pretendia saber qual é a rasão da differença que se nota a respeito do custo das armas Snider, entre o que dizem os documentos que tenho presentes, as informações que me deram e a informação publicada por ordem do ministerio da guerra.

Concluindo, direi que se gastaram 1.600:000$000 réis e não temos o exercito armado, e que o dispendio d’estes 680:000$000 será inutil e desperdiçado tambem, se não se lançarem as bases para se estabelecer um plano para a reorganisação do exercito.

O sr. Presidente do Conselho de Ministros: — Sr. presidente, o que eu desejo simplesmente dizer á camara é que este desaccordo apparente, que nota o digno par que acabou de fallar, entre o que se disse na camara dos senhores deputados e o documento que s. exa. viu, com relação á quantia que deve existir em cofre proveniente das remissões de recrutas, não tem importancia, porquanto o que se disse na camara dos senhores deputados fundava-se nas contas do ministerio da fazenda, e são estes tambem os documentos que o governo tem mais immediatamente ao seu alcance, das auctoridades militares, que fornecem esses documentos, não estão tanto em dia com as sommas entradas nos cofres publicos, e então ás vezes ha divergencia entre essas cifras. Alem d’isso, calculou se o que devia entrar em cofre no anno economico, tomando-se a media dos outros annos.

Foi approvado o projecto na especialidade.

O sr. Presidente: — Está a dar a hora, e eu vou dar a ordem do dia para ámanhã.

Alem do resto dos assumptos que ficaram por approvar e que já faziam parte da ordem do dia de hoje, dou mais para ordem do dia de ámanhã es pareceres n.ºs 326, 357, 360, 351, 355, 356, 337, 329, 387, 314, 332, 311, 341, 342 e 320. Dou todos estes, para que, se por qualquer motivo se não podér discutir algum d’elles, a camara tenha outros de que se occupe.

Está levantada a sessão.

Eram quatro horas da tarde.

Dignos pares presentes na sessão de 26 de abril de 1878

Exmos. srs. Duque d’Avila e de Bolama; Marquezes, de Ficalho, de Fronteira, de Monfalim, de Sabugosa, de Vallada; Condes, das Alcáçovas, do Bomfim, de Cabral, do Casal Ribeiro, de Cavalleiros, de Fonte Nova, de Linhares, da Ribeira Grande, da Torre; Viscondes, de Alves de Sá, dos Olivaes, de Porto Covo, da Praia, da Praia Grande, do Seisal, da Silva Carvalho, de Soares Franco, de Rio Maior; Barão de Ancede; D. Affonso de Serpa, Ornellas, Mello e Carvalho, Sousa Pinto, Barros e Sá, D. Antonio de Mello, Fontes Pereira de Mello, Serpa Pimentel, Cau da Costa, Xavier da Silva, Palmeirim, Eugenio de Almeida, Montufar Barreiros, Larcher, Andrade Corvo, Mártens Ferrão, Mamede, Braamcamp, Pinto Bastos, Reis e Vasconcellos, Vaz Preto, Franzini.

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