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N.º 52

SESSÃO DE 3 DE MAIO DE 1880

Presidencia do exmo. sr. Duque d'Avila e de Bolama

Secretarios - os dignos pares

Visconde de Soares Franco
Eduardo Montufar Barreiros

SUMMARIO

Leitura e approvação da acta da sessão antecedente. - Não houve correspondencia. - O digno par Margiochi pede ao sr. ministro da fazenda algumas explicações sobre a interpretação do n.° 3.° do artigo 15.° da lei da contribuição predial. - Resposta do sr. ministro da fazenda. - Considerações do digno par Carlos Bento da Silva ácerca da conveniencia de promover a reducção da escala alcoolica, e sobre o commercio em geral. - Proposta do sr. presidente do conselho. - Requerimentos dos dignos pares visconde de Bivar e Vaz Preto. - Ordem do dia: Continuação da discussão do parecer n.° 69 sobre as emendas ao projecto de lei n.° 41. - Ponderações dos srs. Vaz Preto, ministro da fazenda, Barjona de Freitas e conde de Valbom. - Approvação do parecer. - O digno par Vaz Preto requer que sejam publicados no Diario do Governo os documentos que lhe foram enviados, pelo ministerio das obras publicas, ácerca do caminho de ferro de Torres Vedras. - Este requerimento é approvado. - Discussão do parecer n.° 68 sobre o projecto de lei n.° 56. - Considerações dos srs. Vaz Preto e ministerio da marinha. - Approvação da generalidade do projecto. - Entra-se na especialidade. - Approvação do artigo l.°, depois de algumas observações do digno par Carlos Bento. - Os artigos 2.° e 3.° são approvados sem discussão. - Discussão do parecer n.° 72 sobre o projecto de lei n.° 51. - Considerações do digno par Rodrigues Sampaio sobre a generalidade do projecto. - Resposta do sr. ministro do reino. - Ácerca da materia em discussão usam da palavra os srs. Sampaio, ministro do reino e Andrade Corvo.

Ás duas horas e um quarto da tarde, sendo presentes 23 dignos pares, o sr. presidente declarou aberta a sessão.

Lida a acta da sessão precedente, julgou-se approvada na conformidade do regimento por não haver reclamação em contrario.

Não houve correspondencia.

(Assistiram á sessão os srs. presidente do conselho, e ministros da fazenda, justiça marinha e reino.)

O sr. Margiochi: - Aproveitando a circumstancia de estar agora presente o sr. ministro da fazenda, peço licença á camara para dirigir a s. exa. uma pergunta, que eu devia ter feito no dia em que se approvou o artigo l5.° dos projecto relativo á contribuição predial. Motivo de força maior impediu que eu viesse á camara n'essa sessão, aliás teria perguntado ao sr. ministro se a disposição do § 3.° do artigo l5.º d'aquelle projecto se restringia aos terrenos pantanosos que fossem enxutos por meio de drenagem, ou se se exa. entendia dever ella generalisar-se áquelles em que fosse applicado diverso systema de enxugo.

Creio que effectivamente o pensamento do governo foi premiar de algum modo os esforços que se fizessem a fim de conquistar para a agricultura as terrenos encharcados, e por isso me parece que, pelo modo como está redigido o § a que me refiro, fica muito limitada a applicação d'esse pensamento. Portanto, desejava que o sr. ministro me explicasse se este § se restringe a isentar de contribuição predial, durante dez annos, os terrenos enxutos por meio de drenagem, ou se a mesma disposição abrange os que forem enxutos por outro qualquer processo.

A lei está votada; não se póde alterar, mas talvez que no regulamento para o sua execução possa tornar-se mais explicita a idéa que no projecto parecia ter-se em vista.

O sr. Ministro da Fazenda (Barros Gomes): - Declaro ao digno par que o pensamento da lei se coaduna perfeitamente com a interpretação que s. exa. lhe deu. O governo tinha em mente beneficiar nos primeiros annos áquelles proprietarios de terrenos pantanosos, e, como taes, desaproveitados, que, pelos recursos da sciencia e industria agricola, os conquistassem para a agricultura. N'essas circumstancias, pelo facto de não se empregar a drenagem, mas qualquer dos outros meios que a engenheria tem adoptado para dessecar pantanos, não deixam de subsistiras mesmas condições de favor que a lei quiz estabelecer, sempre que esses terrenos se tornem productivos para a agricultura e se convertam assim em dominio util do paiz.

O sr. Margiochi: - Agradeço a explicação que me foi dada pelo sr. ministro da fazenda, e peço a s. exa. que na elaboração do regulamento para a execução da lei de que se trata, disponha as cousas de fórma que este § 3.° do artigo 15.° possa ter em todos os casos a interpretação que acabâmos de ouvir.

Sendo n'esta casa o mais humilde representante da engenheria agricola portugueza, não podia deixar de levantar a minha voz no sentido em que me pronunciei.

Peço desculpa de ter tomado a attenção da camara com as observações que fiz, havendo decorrido já muitos dias depois da approvação do projecto a que ellas se referem; mas o facto é que o sr. ministro da fazenda não tem ultimamente comparecido n'esta casa antes da ordem do dia, e não era meu desejo interromper a discussão dos differentes projectos de que nos temos occupado, pedindo a palavra para tratar de um assumpto estranho a essa discussão.

O sr. Presidente: - Cumpre-me declarar que recebi um officio do sr. marquez da Graciosa, em que participa que não tem comparecido n'esta camara em consequencia do mau estado da sua saude.

O sr. Carlos Bento: - Pedi a palavra, não para chamar a attenção do sr. ministro dos negocios estrangeiros, porque s. exa. é bastante intelligente para dar importancia a assumptos que a merecem, mas pedi-a, porque desejo fallar com relação a um ponto de conveniencia que entendo existir em que se modifique, sendo possivel, uma disposição da legislação estrangeira que, na minha opinião, prejudica os nossos interesses, sem que se possa defender por nenhum principio de justiça relativa. Fallo do imposto do vinho segundo a escala alcoolica estabelecida em Inglaterra, que n'aquelle paiz tem sido objecto de discussão, havendo-se nomeado ali ultimamente uma commissão composta de deputados, no intuito de se conseguir uma modificação nos direitos da pauta no sentido de assentar n'um principio mais justo os direitos estabelecidos n'aquella escala.

Parece-me, pois, que actualmente o ensejo é favoravel para que o sr. ministro dos negocios estrangeiros, com a intelligencia e solicitude que todos lhe reconhecem, trate de promover n'este ponto os nossos legitimos interesses. Não julgo indifferente saber-se que em Inglaterra, onde as instituições constitucionaes existem ha tanto tempo com proveito proprio e alheio, o parlamento attende a este assumpto. Ha até uma circumstancia particular que convem ter em vista, e vem a ser que o sr. Gladstone, nos seus brilhantes discursos por occasião da campanha eleitoral que ha pouco ali teve logar, disse uma vez que a inauguração de um ministerio que representasse as idéas que elle sustentava não podia de maneira nenhuma encontrar desfavor da parte das nações da Europa, que não são de primeira or-

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dem mas que têem instituições liberaes similhantes ás da Inglaterra, citando a Hollanda, a Belgica, Portugal e a Suecia.

Portanto, aquelle cavalheiro, hoje presidente do conselho de ministros, suppoz que não poderia ser desagradavel para estas nações a elevação ao poder de homens tirados do partido que, o sr. Gladstone representa.

Por consequencia isto faz presumir que as mesmas nações podem julgar-se, com direito de ser attendidas pelo governo inglez em tudo aquillo que seja justo.

O tratado que a Inglaterra celebrou com a França foi devido a inspirações economicas e ao mesmo tempo a considerações politicas, e devia trazer conveniencias reciprocas para os dois paizes; mas o que é certo é que, considerado o commercio de França com a Inglaterra, vê-se que a importancia das exportações de França para Inglaterra é tres vezes superior ás exportações d'este ultimo paiz para aquelle. Em relação, á Hespanha dá-se precisamente, o mesmo, e com respeito a Portugal a proporção é outra. Nós exportâmos generos no valor de £ 3.000:000 e importâmol-os no de £ 2.000:000; o que é porém notavel é que a maior parte das outras nações que se; acham em circumstancias analogas ás do nosso paiz, exportam para Inglaterra muito mais, e importam muito menos do que nós. Certamente a Inglaterra é de todas as nações o consumidor mais importante dos nossos productos agricolas, é o nosso primeiro freguez; todavia, outras nações, como, por exemplo, a Dinamarca, que, como se sabe, é um paiz peque no, exporta muito mais; aquelle paiz exporta para Inglaterra generos no valor de £ 5.500:000, emquanto nós só os exportâmos no valor de £ 3.000:000; a Belgica exporta £ 12.000:000 para o mesmo paiz, e a Hollanda £ 21.000:000 exportou para, Inglaterra; já se vê que estas nações exportam productos a que são favoraveis os mercados inglezes, e importam generos n'uma relação, muito inferior; comparada com a que nós importâmos.

A Suecia exportou £ 7.000:000 e importou apenas 1.600:000; por estes dados se conhece bem que em Inglaterra estão mais ligados os interesses commerciaes com Portugal do que com qualquer outra nação.

É claro que nos paizes onde as condições especiaes da industria o permittem, as exportações são consideravelmente superiores; assim, a França exporta productos manufacturados; n'uma proporção quatro vezes superior á sua importação, emquanto que nós não podemos comparar-nos por modo algum com aquella grande nação, em relação aos generos manufacturados, porque a nossa industria é relativamente insignificante.

E, sr. presidente, sem suppor que esta questão, está esgotada pelas poucas palavras que eu aqui disse, eu creio que bastam ellas para dar occasião ao sr. ministro dos negocios estrangeiros a mostrar que se occupa de tão importante assumpto.

Eu não sou d'aquelles que não acreditam senão nos melhoramentos materiaes, por que tambem acredito nos do progresso moral e economico, e uma das medidas, de maior alcance que se têem tomado n'este paiz é, sem duvida alguma, a que em 1865 foi adoptada pelo sr. conde de Castro e pelo sr. Fontes, que aboliu o exclusivo da exportação do nosso vinho do Porto, porque até então, se entendia que não podia haver uma exportação superior a uma certa quantidade, e isto, que a aos hoje nos parece um grande absurdo, durou por bastante tempo, e tinha por base a idéa da conservação do preço, de modo que exportação do vinho do Douro, que então era de 30:000 pipas, sobe hoje a 50:000 e 60:000 pipas.

N'estas circumstancias, sr. presidente, é conveniente que se mostre que no parlamento, portuguez não, se descura esta questão importante para nós; e agora, que em Inglaterra se acha á frente do governo um cavalheiro, que é um talento financeiro como poucos, porque tem um grande saber, e que ninguem melhor do que elle póde concorrer para a resolução d'esta importante questão da escala alcoolica, comquanto; seja necessario adoptar medidas de uma ordem que tendam a substituir a differença que póde causar ás casas fiscaes de Inglaterra a resolução d'esta questão; todavia ninguem n'aquelle paiz tem mais competencia para adoptar uma medida em taes circumstancias, porque é realmente grande o seu saber financeiro.

Portanto, espero que o sr. ministro dos negocios estrangeiros procurará não descurar esta questão, e fará quanto possivel para que ella se resolva.

O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Anselmo José Braamcamp): - Procurarei responder á pergunta que o meu illustre amigo e digno par, o sr. Carlos Bento, acaba de me dirigir.

S. exa. sabe que o governo está empenhado ha muito tempo n'esta questão, tão importante para nós, e que tem procurado demonstrar, em repetidos documentos dirigidos ao governo de Sua Magestade Britannica, os graves inconvenientes que resultam para Portugal do systema adoptado na legislação fiscal ingleza, emquanto á importação dos vinhos.

Mais de uma vez, e em diversas occasiões, o governo portuguez, vendo sempre contrariadas as suas reclamações, propoz, como meio de vencer as difficuldades, que se nomeasse uma commissão de inquerito que examinasse e estudasse a escala da graduação dos vinhos, para ver se assim conseguia que se reconhecesse que a escala alcoolica estabelecida em Inglaterra não correspondia aos principios de livre cambio e de igualdade geralmente adoptados pelo governo d'aquella nação nas suas relações commerciaes com os antros paizes.

Ultimamente, por intervenção e instancias do illustrado economista, a quem o digno par se referiu, installou-se uma commissão de inquerito para estudar cuidadosamente este assumpto.

Quando tomei conta da pasta dos negocios estrangeiros, estava a commissão quasi a terminar os seus trabalhos, e por isso não foi possivel mandar ali, como era meu desejo, um representante do commercio portuguez para depor perante a commissão e apresentar-lhe as considerações, a meu ver incontestaveis, que militam a nosso favor. Todavia, posso assegurar a s. exa. que não tenho descurado este negocio, e que o governo tem procurado, tanto quanto lhe é possivel, entender-se e pôr-se de accordo com o governo da nação vizinha, e mesmo com o governo de Italia, ainda que menos interessado seja n'este assumpto.

Para facilitar um accordo, que tanto interessa ao paiz, mandei, por um digno empregado do ministerio, e muito competente n'este assumpto, redigir uma memoria desenvolvida, em que se encontram descriptas todas as phases d'esta negociação já tão longa, e na qual se demonstra, a meu ver, com toda a evidencia; que a escala alcoolica, que foi adoptada com é intuito de estabelecer um systema de igualdade entre todas as nações, favorece exclusivamente a producção dos vinhos francezes, sendo altamente prejudicial para todas as nações, cujos vinhos têem uma força alcoolica superior a 26°. N'esse trabalho procura-se igualmente demonstrar que não é pela força alcoolica, que se póde regular o verdadeiro valor dos vinhos que são importados nos mercados inglezes, pois que ha muitos vinhos, que tendo força alcoolica inferior a 26°, seo todavia de um preço muito superior ao de outros de maior graduação.

Portanto, a escala alcoolica, como base para determinar o valor do vinho, é um erro, e contraria aos verdadeiros principios que devem regular este assumpto.

Quando foi discutido o tratado de 1860 com o imperio francez, poucas luzes havia a respeito d'esta materia, faltavam estudos, escaceavam os elementos necessarios. Os proprios negociadores do tratado, apesar de serem homens de alta intelligencia e de elevada capacidade, ignoravam muitas das circumstancias que mais tarde vieram a ser estudadas e conhecidas, e pelas informações á que se proce-

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deu posteriormente, conheceu-se que era completamente falsa, a base que tinha sido adoptada.

Entre as causas que mais têem difficultado qualquer modificação n'este systema, avultam as apprehensões do governo inglez, de que a introducção com um direito menos pesado, dos vinhos com força alcoolica superior a 26° possa facilitar a fabricação fraudulenta das aguardentes e bebidas espirituosas, prejudicando assim o rendimento avultado que o thesouro aufere de tal imposto.

Estas apprehensões são completamente faltas de fundamento. Não é possivel que do vinho, ainda que tenha uma força de 30° ou 40°, se pretenda fabricar as aguardentes e bebidas espirituosas de que faz uso o povo inglez, porque, alem de ser uma especulação de pessimos resultados para quem a tentasse, não era possivel que alguem se lembrasse de converter um genero de preço superior, como é o vinho do Porto, e outros que têem esse grau alcoolico, em uma aguardente ordinaria, que só por baixo preço póde ser vendida.

Por muito tempo affirmaram os estadistas inglezes que os vinhos que podem ser considerados como vinhos naturaes, não têem força superior a 26°, e que todos aquelles que excedem essa graduação são vinhos artificialmente alcoolisados, não para os conservarem, mas para satisfazer a certas exigencias do mercado inglez.

A experiencia tem demonstrado á saciedade, que muitos ou quasi todos os vinhos da peninsula têem um grau de força natural muito superior a 26°, e portanto não é possivel considerar unicamente como vinhos naturaes aquelles que têem menos força alcoolica. Estes principios foram postos em evidencia; a commissão de inquerito acceitou-os, e depois de ouvir as pessoas mais competentes no assumpto, manifestou a opinião de que fosse elevado até um grau superior a 26°, o direito minimo para todo o vinho, qualquer que fosse a sua proveniencia deixando ao arbitrio do poder executivo o determinar qual devia ser esse grau.

N'estas circumstancias o governo, empenhando-se em promover os progressos da agricultura e do commercio do paiz, envidará todos os esforços para demonstrar ao governo britannico que o grau que se marcar para o direito mais baixo deve ser muito superior a 267 e attingir 36 ou 38, que representa a força alcoolica dos nossos vinhos do Porto.

Entretanto, para que os governos da peninsula possam obter essa alteração na pauta ingleza, será talvez necessario que elles, pela sua parte, tenham de fazer concessões, mas, ainda quando assim não seja, é innegavel que é do interesse da mesma Inglaterra acabar com o regimen d'este direito differencial e abrir os seus portos aos vinhos da peninsula.

Não desconhecem os homens d'estado de que a mais larga exportação dos nossos vinhos ha de, como consequencia natural, augmentar e desenvolver a introducção dos productos e artefactos inglezes em Portugal.

Apesar de considerarmos o mercado inglez como o melhor e quasi exclusivo para os nossos vinhos mais generosos, convem todavia que o governo procure facilitar tambem a introducção d'elles em outros paizes estrangeiros.

S. exa. conhece o axioma economico que os productos pagam-se com productos, e sendo os vinhos a nossa principal riqueza, são elles a verdadeira moeda com que nós podemos pagar os productos inglezes.

Creia, pois, o digno par que eu me tenho occupado d'este assumpto com o maior cuidado, não só pelo que diz respeito á Inglaterra, mas tambem com relação a outras nações, onde os nossos vinhos alcoolisados não podem ter maior consumo.

Portanto, eu posso assegurar ao digno par que o governo trata com assiduo empenho de promover o augmento da exportação dos nossos vinhos, porque entende que este é sem duvida o meio que póde concorrer mais poderosamente para o desenvolvimento da riqueza do paiz e para o augmento da receita do thesouro. Fique, pois, s. exa. certo de que eu hei de empregar os maiores esforços para obter do governo inglez uma modificação na escala alcoolica que seja mais favoravel para os nossos vinhos.

Diz s. exa., e com rasão, que o ministerio inglez actual, presidido por um homem d'estado de idéas tão liberaes, em assumptos de commercio, como é mr. Glasdstone, deve inspirar-nos confiança em que serão attendidas as nossas juntas reclamações; assim o espero e devo acrescentar que grande parte dos argumentos adduzidos no trabalho a que me referi, que se está redigindo, fundam-se principalmente nas declarações que em diversas epochas têem sido feitas por aquelle insigne homem de estado, e nas opiniões que tem emittido fundadas em principios de liberdade e de justiça que tem sempre sustentado o illustre ministro inglez

O sr. Carlos Bento: - Agradece ao sr. presidente do conselho de ministros a resposta dada por s. exa.

O sr. Visconde de Bivar: - Mando para a mesa dois requerimentos pedindo esclarecimentos ao governo.

(Leu.)

Foram lidos na mesa, e são do teor seguinte:

Requerimentos

Requeiro que; pelo ministerio da justiça, seja informada esta camara se pelo dito ministerio, desde 30 de junho de 1879 até 1 de maio corrente, têem sido expedidos alguns officios ou portarias á procuradoria geral da corôa, ou ás procuradorias regias de Lisboa e Porto, ordenando-lhes que recommendassem aos seus subordinados instauração ou seguimento de algum processo civel ou criminal. E no caso affirmativo, quaes as datas d'essas portarias ou officios, e por quem foram assignados, e quaes os empregados a quem foram dirigidos.

Sala da camara dos pares, em 3 de maio de 1880. = Bivar.

Requeiro que se exija, pelo ministerio da fazenda, com urgencia, copia da participação feita pelo delegado do thesouro do districto de Faro á camara municipal de Silves, para ella nomear, como lhe cumpre, em vista do disposto nas instrucções regulamentares para a repartição de contribuição predial, approvada por decreto de 7 de agosto de 1860, os informadores louvados para o desempenho das operações necessarias para a confecção da matriz predial, a cujas operações se está procedendo no referido concelho.

Sala da camara dos pares do reino, em 3 de maio de 1880. = Bivar.

Consultada a camara, resolveu que se expedissem.

O sr. Vaz Preto: - Mando para a mesa o seguinte requerimento.

(Leu.}

Foi lido na mesa, e é do teor seguinte:

Requerimento

Requeiro que, pelo ministerio das obras publicas, sejam enviados a esta camara os seguintes esclarecimentos, respectivos á promoção de olheiros para apontadores e d'estes para a classe superior:

1.° Data da sua primeira nomeação, para se conhecer a antiguidade;

2.º Indicação das differentes repartições onde estavam fazendo serviço quando foram nomeados;

3.° Onde estão actualmente fazendo serviço. = Vaz Preto.

Consultada a camara, mandou-se expedir este requerimento ao governo.

ORDEM DO DIA

O sr. Presidente: - Vamos entrar na ordem do dia.

Continua a discussão do parecer n.° 69.

O sr. Vaz Preto: - Farei ainda ácerca d'este assum-

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pto breves reflexões, a que me obriga o que disse o sr. ministro da fazenda na ultima sessão.

Pretendeu s. exa. justificar-se das suas reconsiderações; affirmando que não lhe ficava mal transigir com a opinião dos seus amigos e a opinião publica, porque transigir é da indole do systema representativo; teria talvez s. exa. rasão se não se tivesse manifestado tão claramente nas duas casas do parlamento contra a transição que acceitou.

A verdade é que s. exa. adoptou as emendam apresentadas por alguns dignos pares, não porque as achasse rasoaveis, mas porque a manifestação imponente do corpo commercial de Lisboa influiu por tal fórma no seu animo, que o determinou a esse procedimento contra a sua opinião já declarada.

Isto significa que o sr. ministro não sabe o que quer, nem o que convem, não têem persistencia no seu plano, nem convicções formadas sobre o assumpto.

Diz s. exa. que lhe não ficava mal ter mudado de opinião, porque este systema de transigir está acceito em todos os parlamentos, e adoptado nos governos representativos.

N'esse caso o sr. ministro devia ser mais franco, declarar que estava disposto a emendar o seu projecto no que fosse rasoavel, e não affirmar pelo contrario muito positivamente, que não acceitava as emendas, que depois foi obrigado a acceitar.

Eu não censuro s. exa. por ter mudado de opinião (a questão para mim não é ter mudado do opinião), eu censuro-o pelos motivos que determinaram essa mudança.

Porque mudaria o sr. ministro da fazenda de opinião?

O sr. ministro da fazenda mudou de opinião, e sujeitou se a que lhe esfarrapassem o projecto, porque a representação da associação commercial de Lisboa foi d'esta vez acompanhada de uma manifestação ruidosa de centenares de pessoas, que vieram a essa camara pedir que lhe attendesse a representação junta, por todos os negociantes de Lisboa.

E digo, que o sr. ministro só cedeu ante aquella manifestação imponente, porque se, s. exa. estivesse resolvido a attender ás rasões expostas na representação da associação commercial, já teria attendido a ellas quando aquella associação representou a outra casa do parlamento dentro dos strictos limites da legalidade e de uma maneira menos energica.

As condições do sr. ministro, os protestos feitos nas duas casas do parlamento, de que não acceitava modificação, desappareceu tudo por fraqueza e diante do medo. É, pois essa fraqueza e esse medo que eu censuro ao sr. ministro, e não o mudar de opinião, porque sapientis est mutare concilium.

O sr. ministro, para se justificar ainda e à commissão de fazenda, por ter acceitado a modificação dos artigos 17.° e 18.°, funda-se em que ella já estava consignada no artigo 11,°, e que está admittida e consignada na legislação franceza.

É sempre a França, são sempre as outras nações que hão de determinar para s. exa. esta ou aquella doutrina, sem saber se póde ser applicada entre nós!

Se é a Franca para tudo, que lhe serve, imite-a pelo que respeita ao imposto do rendimento.

Pareceu-me que com estas e outras considerações o sr. ministro quiz sustentar que o principio que s. exa. sustentava lá fóra sustenta da mesma fórma no projecto.

N'este caso, se estes artigos assim modificados o são só na redacção, estando a sua doutrina consignada já no projecto de ler em artigos anteriores, não precisa, o projecto voltar á outra casa do parlamento; mas se o sentido, o espirito da lei, fica tambem modificado, então precisa o projecto lá voltar, porque a questão não é de redacção, mas de disposições que foram alteradas.

Explique-se, pois, melhor o sr. ministro, e declare precisamente qual o sentido em que as modificações foram acceites.

Convem tambem notar que na representação não se representaram os bancos, e não obstante a modificação introduzida na lei vão tambem favorecer estes estabelecimentos; por consequencia, indo a modificação n'esta parte do projecto mais longe do que se pedia na representação, mostra se que houve desejos de favorecer os interesses dos bancos e a parcialidade do sr. ministro. Sobre este ponto devia s. exa. tambem explicar-se, pois sabe perfeitamente as fraudes que eram feitas pelos bancos, como a maior parte dos documentos ficavam por sellar, como as transacções eram feitas em prejuizo do thesouro, o que deu origem á legislação que estava em vigor, e contra a qual não se atreveram a reclamar.

Pois, sr. presidente, o sr. Barros Gomes, acceitou a modificação que favorece todos estes estabelecimentos, que vae dar origem a novos abusos ou fraudes.

Desejo tambem ouvir o sr. ministro ácerca da redacção do artigo 18.°, que precisa de explicação.

(Leu.)

N'este artigo falla-se de sociedades em geral, não se especifica; que sociedades, pois, são estas; são as que têem firma ou são outras, ou isto refere-se simplesmente ás sociedades anonymas?

Sobre esse ponto é necessario que o governo dê explicações.

Não desejo demorar a discussão, e apenas quiz fazer estas reflexões para que os factos fiquem bem accentuados. A camara votará como entende.

O sr. Ministro da Fazenda (Barros Gomes): - Apenas tenho a responder ao digno par que acaba de sentar-se, que me parece s. exa. interpretar mal o meu pensamento, de certo por culpa minha, por não me ter exprimido com a precita clareza. Não vim aqui sustentar que esta disposição do projecto importava uma alteração essencial na doutrina da legislação existente; o que eu desejei unicamente fui justificar a proposta do governo, allegando que na legislação actual e na anterior estava implicitamente consignada a doutrina que n'essa proposta procurei tornar clara, como convinha, para não dar logar a duvidas. Então disse eu que não era nova a disposição a que me refiro, nem absurda, nem impossivel de admittir, porquanto n'um paiz tão illustrado como a França era preceito legal e estava em vigor uma doutrina similhante ou ainda mais accentuada do que a que se contem n'essa disposição.

Quanto ás sociedades a que alludiu o digno par, está claro que o preceito da lei não póde deixar de se entender com respeito ás sociedades anonymas.

O sr. Conde de Valbom: - (O digno par não restituiu o seu discurso a tempo de ser publicado n'este logar.)

O sr. Ministro da Fazenda (Barros Gomes): - Sr. presidente, é para declarar, por parte do governo, que acceitâmos a reflexão feita pelo digno par o sr. conde de Valbom, que em nada altera o pensamento, e antes dá melhor redacção ao projecto que se discute, e creio que a commissão mesmo poderá fazer essa emenda, que considero de redacção.

O sr. Barjona de Freitas: - Pedi a palavra para fazer umas observações, sem comtudo ter intenção, nem querer mesmo aggravar a situação do governo n'esta questão. Já aqui foram notadas as declarações do sr. ministro da fazenda, que parecia ter deliberado não acceitar, as emendas que tinham sido apresentadas, e que todavia não foram attendidas.

Eu não quero, porém, como disse, aggravar a situação do governo n'este ponto; os factos são de todos conhecidos e podem ser apreciados; portanto, não sendo esse o fim para que eu pedi a palavra, vou tratar do assumpto que tenho a occupar-me.

A minha idéa é lembrar uma cousa que me pareceu rasoavel.

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Aqui está estabelecida a inspecção directa, pelos artigos 17.° e 18.°, para os livros dos commerciantes e estabelecimentos publicos, e diz assim o projecto.

(Leu.)

Parece-me que ha um meio para esta fiscalisação, sem ser precisa a visita domiciliaria, que é marcar um certo praso para que na casa da moeda, ou em qualquer repartição de fazenda, os negociantes voluntariamente apresentem os seus livros para serem inspeccionados, isto é, se conhecer se está ou não pago o respectivo sêllo, e que só depois de passado esse praso tivesse então logar a inspecção directa, sendo isso das attribuições de qualquer auctoridade fiscal.

Eu creio que o sr. ministro da fazenda não terá duvida ou agora ou quando se tratar da ultima redacção do projecto, ou finalmente no regulamento inserir esta idéa, porque uma das qualidades que o imposto deve ter sempre, e ser o menos vexatorio possivel, isto é, que não tenha mais do que aquele vexame que lhe é indispensavel para que o producto entre nos cofres do thesouro, e aquelle que póde dispensar-se deve evitar-se. >

Diz o projecto.

(Leu.)

Ora, se aqui não estivesse este artigo seria melhor, porque seria mais facil inserir a idéa que apresentei quando se tratasse da ultima redacção; isto é que haja um praso marcado para os negociantes apresentarem voluntariamente os seus livros, e que só passado esse praso tenha logar a inspecção directa.

Estou persuadido que o sr. ministro não terá duvida alguma em acceder a esta idéa, que me parece rasoavel, e não prejudica a indole do projecto.

O sr. Ministro da Fazenda (Barros Gomes): - Cumpre-me declarar ao digno par, que me parece ter melhor cabimento no regulamento qualquer providencia no sentido indicado por s. exa. É conveniente meditar bem como deva ser formulada essa disposição, de modo que não tolha a acção fiscal, que o digno par é o primeiro a reconhecer como necessario para o cumprimento da lei.

Todas as facilidades que se possam dar no regulamento ficando o imposto bem fiscalisado, e não havendo contradicção com a lei, é justo que se concedam.

O sr. Conde de Valbom: - Sr. presidente, tendo o sr. ministro da fazenda accedido a uma indicação que eu fiz para simplificar um pouco a redacção do artigo 18.°, peço a v. exa. que o proponha á votação, salva a redacção, que deverá ser feita de accordo com a declaração do sr. ministro.

O sr. Barjona de Freitas: - Pretendo unicamente dizer que fico satisfeito com a declaração do sr. ministro da fazenda.

Como s. exa. viu, não se tolhe a acção fiscal e faz se com que o imposto se torne menos vexatorio.

O sr. ministro prometteu incluir esta doutrina no regulamento, e por isso espero, para evitar os embaraços que possam resultar do paragrapho, que se declare que as inspecções directas só podem ter logar depois de passado o praso da revalidação.

O sr. Presidente: - Os artigos 17.° e 18.° ainda não foram votados, porque ficaram adiados para depois de vir o parecer da commissão sobre as emendas.

Os dignos pares sabem que, quando se discutiu o parecer n.ºs 52, relativo ao projecto de lei n.° 41, foram mandadas para a mesa algumas propostas, que foram admittidas á discussão, e enviadas á commissão; por consequencia, para regularidade dos trabalhos, e tratando-se de uma materia tão grave, entendo que devo chamar a attenção da camara para cada uma das propostas, e indicar qual é o parecer da commissão a respeito d'ellas.

A primeira proposta mandada para a mesa é do sr. Camara Leme, e diz o seguinte:

«Additamento ao artigo 1.°

«§ unico. Os officiaes do exercito, e da armada, que forem agraciados com a ordem de Aviz ou com a Torre e Espada por algum acto de coragem ficam isentos da disposição d'esta lei.»

A commissão respondeu a esta proposta o seguinte:

«A vossa commissão não póde ter duvida em acceitar esta proposta, porque é conforme com a doutrina estabelecida no n.ºs 5.º da classe 3.ª da tabella n.° 1 publicada em 11 de novembro de 1878, que não está revogada pelo novo projecto, parecendo, porém, conveniente fazer as modificações necessarias em harmonia com o augmento do imposto, o dando nova redacção ao n.° 5.° da classe 3.ª tabella 1.ª de 1878 pela seguinte fórma:

«Tanto os officiaes e praças de pret do exercito e armada que forem agraciados com condecorações honorificas, como os demais empregados do estado que forem agraciados com taes mercês, por serviços distinctos no exercicio a de seus empregos, pagarão só o terço das taxas dos respectivos sêllos mencionados n'esta classe. Se as mercês forem por serviços relevantes e prestados em combate contra o inimigo, ou por distincto e provado merito litterario, ou por acto singular e publico, de devoção civica, poderá o governo dispensar o pagamento d'esta verba do sêllo.»

Esta redacção é exactamente o que está no regulamento da lei do sêllo de 1878. A differença é que ella diz que se deve pagar só metade, e a commissão propõe que se pague a terça parte. Ha, portanto, uma modificação no imposto feita pela commissão.

Vou, pois, pôr á votação da camara a substituição da commissão, nos termos em que a indiquei.

Posta á votação foi approvada.

O sr. Agostinho de Ornellas: - Não sei se posso n'este momento pedir a palavra; mas como o objecto a que tenho de me referir tem relação com esta emenda, desejava saber se era possivel propor agora um additamento;

O sr. Presidente: - A camara póde resolver como entender, mas a discussão sobre o projecto está fechada. O que se discute são as propostas que foram mandadas para a mesa.

O sr. Agostinho de Ornellas: - Eu desejava fazer uma proposta para que os empregados do corpo diplomatico que fossem condecorados pelos governos, por quem estão acreditados, obtivessem o mesmo beneficio concedidos por esta lei aos outros empregados do estado.

O sr. Presidente: - A camara é que póde resolver o pedido do digno par.

O sr. Agostinho de Ornellas: - Não fiz esta proposta em tempo opportuno, porque não estava presente, quando foram apresentadas estas emendas. Portanto, parecia-me ser possivel apresental-a agora, e obter para estes empregados um favor igual ao que é concedido aos empregados civis e militares.

Como, porém, v. exa. entende que não é opportuna a occasião para apresentar a minha proposta, desisto d'ella.

O sr. Presidente: - Eu ia consultar a camara sobre o pedido do digno par, mas como s. exa. desiste da sua proposta, está terminado este incidente.

Continua, portanto, a votação sobre as emendas propostas pela commissão.

Os srs. conde de Samodães e bispo do Algarve mandaram a seguinte proposta para a mesa:

«Propomos que na tabella 1.ª, classe 7.ª, que faz parte integrante do artigo 1.° do projecto de lei n.° 41, se eliminem as novas verbas com os numeros 9, 10, 11 e 12, e bem assim a do n.° 24».

Eu chamo a attenção dos srs. conde de Samodães e bispo do Algarve. As verbas a que se referia a proposta de s. exas. eram estas:

9 Licença para capella publica, pertencente a um particular, a menos de 3 kilometros da igreja parochial ou de outra capella publica.

10 Licença para capella publica, pertencente a um par-

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ticular, a mais de 3 kilometros da igreja parochial ou de outra capella publica.

11 Licença para capella publica, pertencente a uma corporação ou povoação, a menos de 3 kilometros da igreja parochial ou de outra capella publica.

12 Licença para capella publica, pertencente a uma corporação ou povoação, a mais de 3 kilometros da igreja parochial ou de outra capella publica.

24 Breve para sacrario em capella particular.

S.- exas. pediam a eliminação d'estas verbas; mas a commissão não se conformou com a eliminação completa, e reduziu-as a metade. É sobre isto que vou consultar a camara.

Posta á votação a emenda da commissão foi approvada.

O sr. Presidente: - O sr. Serpa apresentou tambem a seguinte proposta:

«Proponho que a penultima verba da classe 7.ª seja substituida pela seguinte:

«Annuncios em qual quer periodico, incluindo o Diario ao governo, ou em qualquer livro ou folheto, cartazes, ou por qualquer outra fórma, 10 réis por cada um. = A. de Serpa.»

A commissão diz isto:

«A vossa commissão, tendo acceitado o principio do imposto sobre os annuncios, não duvida acceder á indicação do imposto fixo, que pareço poderá ser de mais facil fiscalisção, e afasta completamente a idéa apresentada na discussão pelo auctor da proposta, de que pela avença poderia o governo intervir, ainda que indirectamente, nas garantias devidas á liberdade de imprensa.»

Por consequencia, a commissão acceitou a substituição proposta pelo digno par o sr. Serpa.

Vou, pois, pôr á votação da camara a proposta da commissão.

Posta á votação foi approvada.

O sr. Presidente: - Segue-se uma proposta dos srs. Serpa e Miguel Osorio, que diz isto:

«Propomos que seja eliminada das tabellas a taxa relativa aos theatros, ou ao menos em relação aos beneficios.»

A commissão responde o seguinte:

«O projecto já approvado tem um caracter financeiro, e tomando em consideração as circumstancias do thesouro, parece á vossa commissão que não deve ser eliminado um imposto já existente em outros paizes.»

Os dignos pares que approvam esta parte do parecer tenham a bondade de se levantar.

Foi approvado.

O sr. Presidente: - Segue-se a proposta do sr. Manuel Antonio de Seixas, que diz respeito ao artigo. 17.°

«Artigo 17.°:

«Depois das palavras - são obrigados - as seguintes: a tel-os conforme a disposição da lei, sem o que não produzirão effeito em juizo. Os juizes e mais auctoridades a quem sejam presentes os farão validar com o sêllo em dobro e multa de 10$000 até 100$000 réis, imposta aos infractores em processo correccional. = Manuel Antonio de Seixas.»

A commissão declara a este respeito o seguinte:

«Esta proposta, pela nova redacção dada aos artigos 17.° e 18.°, fica em parte attendida, estando já consignado no artigo 11.º do projecto approvado o principio da revalidação.»

Agora diz mais a commissão:

«As associações commerciaes de Lisboa e Porto, reclamando contra o principio da denuncia, e contra as novas verbas de sêllo nos cheques e nos conhecimento a que se refere o artigo 1:555.° ao codigo commercial podem respeitosamente a attenção d'esta camara para o systema de fiscalisação adaptado no artigo 17.°, o qual se lhes afigura ser attentatorio da indole particular na vida commercial.

«Senhores, não julga conveniente a vossa commissão que desappareça do projecto do sêllo o meio de informação contra o qual se representa, quando está admittido hoje em todas as leis fiscaes, seria crear uma excepção sem motivo justificativo, e igualmente se não encontram rasões expostas pelos representantes, que levem o espirito do legislador, a alterar o artigo 2.º do projecto, ou á fazer eliminar o imposto sobre os cheques, quando a commissão já propos a seguinte isenção:

«4.° Cheques ao portador dos depositos nas caixas economicas dos monte pios ou quaesquer estabelecimentos de beneficencia que não distribuam aos contribuintes ou socios dividendo superior a 10$000 réis.»

Esta parte já está approvada na tabella respectiva: mas o que não está ainda votado é o parecer da commissão ácerca das observações feitas, feitas associações commerciaes de Lisboa e Porto, que dizem o que vou ler:

«No regulamento de 18 de novembro de 1878, e no artigo 18.° do projecto, está mantido em toda a largueza o sigillo dos documentos, letras e quaesquer papeis que respeitem ás operações bancarias e commerciaes, pela expressa prohibição imposta ás auctoridades e empregados incumbidos da fiscalisação do sêllo de devassar o segredo das contas commerciaes nas inspecções directas a que procederem.

«A inspecção directa não póde ser condemnada como meio de fiscalisação porque não é possivel verificar se o imposto do sêllo está pago, sem que o fiscal veja o documento que a elle é sujeito, mas a sua limitação aos livros que, pelo codigo commercial, constituem a regular escripturação mercantil, poderá ser considerada como sufficiente para ser comprehendida no artigo 18.° do projecto.

«Attendidos assim os interesses do fisco, e em parte as representações dirigidas a esta casa do parlamento, a vossa commissão, de accordo com o governo, tem a honra de vos propor a seguinte substituição aos artigos 17.º e 18.° do projecto.»

Vou pôr á votação este parecer.

Foi approvado.

O sr. Presidente: - Os artigos 17.º e 18.° não tinham sido votados. Vou, portanto, pôr á votação da camara a substituição proposta pela commissão a estes dois artigos.

«Artigo 17.° As auctoridades e empregados que forem incumbidos da fiscalisação do sêllo não podem, nas inspecções directas a que procederem nos bancos, sociedades, companhias, lojas, armazens e quaesquer outros estabelecimentos publicos, devassar o segredo das contas letras ou documentos, que respeitem a operações commerciaes.

«Artigo 18.° A inspecção directa recairá nos livros que, pelo codigo commercial, constituem a regular escripturação mercantil, procedendo-se á contagem das folhas para se verificar se está pago o sêllo que lhes é devido.

«§ unico. Em caso de recusa da apresentação dos livros, a que se refere o artigo antecedente, será lavrado, pelos empregados da fiscalisação, o respectivo auto e remettido ao poder judiciario para que, em processo correccional, seja imposta aos transgressores a multa de 10$000 a 20$000 réis, conforme o grau de responsabilidade que for liquidada pelos tribunaes.»

O sr. Visconde de Bivar (sobre o modo de propor): - V. exa. deve pôr á votação estes artigos, salva a redacção, porque o sr. ministro da fazenda, em consequencia das observações feitas pelo sr. conde de Valbom, concordou em que na ultima redacção da lei se consignasse a idéa apresentada pelo digno par. Depois, o sr. Barjona de Freitas fez tambem algumas considerações, e s. exa. concordou em que essa idéa fosse consignada no regulamento. Por consequencia, nos devemos votar estes artigos, salva a redacção. (Apoiados.)

O sr. Ministro da Fazenda (Barros Gomes): - Tenho unicamente a declarar que eu, nas palavras que ha pouco proferi, pedi a v. exa. que quando se pozesse á votação esta parte do parecer, fosse - salva a redacção.

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O sr. Presidente: - Parecia-me mais regular que o sr. conde de Valbom mandasse para a mesa a nova redacção que quer dar ao artigo, para que a camara saiba o que vota.

O sr. Conde de Valbom: - Vou mandal-a para a mesa.

O sr. Barjona de Freitas: - O sr. ministro da fazenda disse que não tinha duvida em aproveitar a minha idéa nas disposições regulamentares. Na lei parecia-me melhor. Todavia, não me opponho á indicação de s. exa.

O sr. Presidente: - Se v. exa. quer póde mandar a sua proposta para a mesa.

O sr. Barjona de Freitas: - Não julgo necessario. Confio na declaração do sr. ministro da fazenda. Basta que o artigo seja approvado, salva a redacção.

O sr. Visconde de Chancelleiros: - Não pedi a palavra para entrar na discussão da emenda ao artigo 18.°, mas apenas para fazer a seguinte declaração:

Recebi ha dias uma representação da misericordia do concelho de Alemquer, pedindo que fossem isentados do imposto do sêllo todos os legados que se fizessem a confrarias, misericordias, hospitaes, etc.

Não trago commigo essa representação, nem me parecia que, apesar de se discutirem modificações na lei do sêllo, fosse esta a occasião propria para a apresentar; mas lembrarei ao sr. ministro da fazenda a alta conveniencia de estabelecer uma excepção relativamente áquelles legados.

V. exa. sabe, e recordo-me agora que póde muito bem dar testemunho do facto que vou referir; sabe que uma escola, na qual superintende, alguem que me diz respeito muito de perto, recebeu um legado do benemerito barão de Castello de Paiva; e que, se a mesma escola não pagou de imposto de transmissão metade da importancia que devia receber em dois annos do rendimento do legado, foi unica e exclusivamente porque a largueza e generosidade de animo do testador preveniram essa hypothese.

Esta questão não prende directamente com a do imposto de sêllo, mas prende com outra, que é a de isentar da contribuição de registro similhantes legados.

Se não me falha a memoria, creio que n'este mesmo sentido foi apresentado um projecto na camara dos senhores deputados.

Pois eu associo-me completamente á idéa d'esse projecto, pedindo ao illustre ministro que tenha em consideração este assumpto e que tanto quanto se compadeça com as circumstancias, não direi afflictivas para não levantar terror, mas melindrosas, da fazenda publica, tome a peito defender e corroborar a iniciativa do auctor do mencionado projecto, cujo nome não cito, porque o não tenho de memoria.

Quando essa discussão se realisar, então apresentarei a representação a que me referi e talvez mesmo aconselhe á corporação interessada que a faça submetter ao exame da camara dos senhores deputados.

O sr. Presidente: - Vae-se votar o artigo 17.° com a alteração proposta pela commissão.

Os dignos pares que o approvam, tenham a bondade de se levantar.

Foi approvado.

O sr. Presidente: - Segue-se o artigo 18.°

Propõe o sr. conde de Valbom:

«Ao artigo 18.° Supprimir as palavras «procedendo-se á contagem das folhas, etc.», que serão substituidas pelas seguintes «verificando se está pago o sêllo devido». = Conde de Valbom.

Lembrou o digno par que na ultima redacção d'este artigo se considerasse a sua proposta.

Não sei se o sr. ministro da fazenda está de accordo com esta indicação?

O sr. Ministro da Fazenda (Barros Gomes): - Estou de accordo.

O sr. Presidente: - Portanto, vae-se votar o artigo 18.°, salva a redacção proposta pelo sr. conde de Valbom.

Os dignos pares que o approvam, tenham, a bondade de se levantar.

Foi approvação, salva a redacção.

Seguidamente foram tambem approvados os §§ do artigo 18.°

O sr. Presidente: - Está acabada a votação do parecer n.° 69.

Tem a palavra o sr. ministro da fazenda.

O sr. Ministro da Fazenda (Barros Gomes): - Asseguro ao sr. visconde de Chancelleiros que poucos pensamentos me são mais sympathicos do que aquelle de que s. exa. se tornou advogado n'esta casa.

Já em outra occasião asseverei publicamente a conveniencia que havia em reduzir a taxa do imposto que vae pesar sobre os estabelecimentos de caridade, e que lhes tolhe a possibilidade de exercerem mais amplamente a sua benefica influencia.

No emtanto, as circumstancias actuaes do thesouro são de tal melindre, que eu não me atrevi a propor a revogação ou alteração do que a lei da contribuição de registro dispõe a respeito d'elles; disposição que o sr. conde de Samodães, de certo muito contra sua vontade, se viu obrigado a adoptar em 1869 em presença das difficuldades que tinha a superar e que procurou resolver do modo mais adequado ás conveniencias publicas.

O sr. Vaz Preto: - Sr. presidente, peço a v. exa. que consulte a camara sobre se ella consente que sejam publicados no Diario do governo estes documentos que acabo de receber do ministerio das obras publicas, que se referem ao caminho de ferro de Torres, e que vou mandar para a mesa.

A camara resolveu affirmativamente.

O sr. Presidente: - Eu peço aos srs. ministros presentes que digam qual dos projectos, que estão dados para ordem do dia, e que dizem respeito aos seus ministerios, lhes convem que entre primeiro em discussão.

O sr. Ministro da Marinha (Marquez de Sabugosa): - Peço a v. exa. que ponha em discussão primeiramente o parecer n.° 68.

Leu se e foi posto em discussão o parecer n.° 68.

É o seguinte:

Parecer n.° 68

Senhores. - As vossas commissões de fazenda e de marinha e ultramar examinaram o projecto de lei n.° 56, procedente da camara dos senhores deputados, approvando a auctorisação pedida pelos srs. ministros da fazenda e da marinha para applicarem até á quantia de 40:000$000 réis em despezas de installação da provincia da Guiné.

Considerando as commissões que são indispensaveis estas despezas, e que parte d'ellas já estão feitas em cumprimento da lei de 18 de março de 1879, entendem que o referido projecto de lei n.° 56 deve ser approvado para subir á real sancção.

Sala das commissões, 23 de abril de 1880. = Visconde de Soares Franco = Duque de Palmella = Conde de Linhares = Mathias de Carvalho e Vasconcellos = Conde de Castro = Thomás de Carvalho = Joaquim Gonçalves Mamede = C. B. da Silva = J. J. de Mendonça Cortez = José de Mello Gouveia = Barros e Sá = Marino João Franzini = Antonio de Serpa = Sebastião Lopes de Calheiros e Menezes = João Baptista da Silva Ferrão de Carvalho Mártens = José Baptista de Andrade, relator;

Projecto de lei n.° 56

Artigo 1.° É o governo auctorisado a abrir no ministerio dos negocios da fazenda um novo credito a favor do ministerio dos negocios da marinha e do ultramar até á quantia de 40:000$000 réis, para satisfazer despezas de installação da provincia da Guiné.

Art. 2.° O governo dará conta és côrtes do, uso que fizer d'esta auctorisação.

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Art. 3.° Fica revogada a legislação em contrario.

Palacio das côrtes, em 20 de abril de 1880. = José Joaquim Fernandes Vaz, presidente = Thomás Frederico Pereira Bastos, deputado secretario = Antonio José d'Avila, deputado secretario.

Proposta de lei n.° 96-I

Senhores. - Por carta de lei de 18 de março do anno findo foi o governo auctorisado a applicar, até á quantia de 200:000$000 réis, para as despezas de installação da nova provincia da Guiné.

É de cerca de 100:000$000 réis a quantia despendida até hoje com a compra de um barco de vapor e sua transformação em canhoneira; com a acquisição de dois escaleres de vapor; e com a organisação de varios serviços, vencimentos e transporte do pessoal para aquella provincia.

Está contratada a construcção de um hospital, um quartel, um pavilhão para residencia de officiaes e uma capella pela quantia de 103:700$000 réis. A remessa de todos os materiaes destinados a estes edificios ficará completa dentro em pouco tempo, e terá então de se verificar o pagamento do preço ajustado, para o qual não será já sufficiente o resto da quantia votada pela mencionada carta de lei.

Mas outras despezas se afiguram de urgente necessidade, e para occorrer ás quaes o governo não está auctorisado. É necessario fazer acquisição da mobilia para os edificios, e fornecer a provincia com o material de guerra que as condições especiaes d'ella tornam indispensavel, o que tudo importará approximadamente de 35:000$600 a 40:000$000 réis.

Para occorrer, pois, com o complemento, de fundos precisos ao pagamento total da importancia dos edificios contratados, e fazer a acquisição da mobilia e material de guerra, parece de toda a conveniencia que o governo seja auctorisado a despender mais 40:000$000 réis; e por isso tenho a honra de submetter á vossa approvação a seguinte

PROPOSTA DE LEI

Artigo 1.° É o governo auctorisado a abrir no ministerio da fazenda um novo credito, a favor do ministerio da marinha, até á quantia de 40:000$000 réis, para satisfazer a despezas de installação da provincia da Guiné.

Art. 2.° O governo dará conta ás côrtes do uso que fizer d'esta auctorisação.

Art. 3.° Fica revogada a legislação em contrario.

Secretaria d'estado dos negocios da marinha e ultramar, em 23 de fevereiro de 1880. = Henrique de Barros Gomes = Marquez de Sabugosa.

O sr. Vaz Preto: - Sr. presidente, eu desejava saber qual é a verba de receita de que o governo lançou mão, ou propoz ás côrtes, para satisfazer esta despeza; e se ella vae ser lançada á conta das colonias, ou se é a metropole que tem de a satisfazer toda.

O sr. Ministro da Marinha (Marquez de Sabugosa): - Respondendo ao digno par, dir-lhe-hei que para essa despeza não ha receita especial; é um credito que se vae abrir, que não póde deixar de ser pago pela metropole. Comtudo não se póde dizer que o governo cria esta despeza, sem propor receita correspondente, porque as medidas de fazenda do governo são todas tendentes a augmentar a receita publica.

O sr. Vaz Preto: - Sr. presente, agradeço ao sr. ministro da marinha as explicações que teve a bondade de me dar, com toda a franqueza.

Vejo comtudo por ellas qual é o systema que está sendo seguido pelo actual governo, todo contrario ao que os srs. ministros advogavam quando eram opposição, o entre elles o sr. marquez de Sabugosa, que tomou sempre n'esse sentido parte importante, e como s. exa. costuma ser fiel aos seus precedentes, eu pediria ao sr. ministro da marinha que influisse com os seus collegas, para que mantivessem os principios que sustentavam na opposição, e deixassem esta servir-se tambem do argumento tantas vezes empregado por s. exas., do que nenhuma despeza devia ser proposta, sem que a par d'ella se propozesse a creação da receita necessaria para lhe fazer face.

Quanto a esta parte nada mais direi, senão que é necessario manter a disposição do regulamento de contabilidade de 1870 no artigo 4.°, que é lei.

Agora quanto á outra parte da declaração do sr. ministro da marinha, fiquei sabendo que estes 40:000$000 réis hão de ser todos pagos pela metropole e não pelas colonias.

Eu entendo que não devia ser assim, porque só se devem fazer despezas productivas, e se ellas são productivas, as colonias podem-as ir pagando gradualmente, aliás essas despezas não têem rasão de ser.

Ou a colonia lucra ou não lucra com a séde do governo ali? Se lucra que pague ella o seu beneficio, se não lucra a despeza é inutil, e o projecto do governo deve ser propondo a extincção do novo governo.

Se a colonia não póde agora satisfazer ás despezas de installação de um governo n'aquella provincia, o sr. ministro devia ter o cuidado em não lhe ir aggravar as difficuldades.

Entendia que o governo levantasse qualquer somma para esse fim, mas como emprestimo aquella colonia, a fim de mais tarde ser reembolsado d'ella. Já se lhe fazia grande serviço não levando juro por esse emprestimo, e creio que se estabelecia assim o bom principio de administração, que havia de concorrer para que os governos fossem mais cautelosos em pedir auctorisação para fazer certas despezas destinadas ás colonias, e que muitas vezes se não fazem effectivamente com ellas.

Desejava que o sr. ministro da marinha me dissesse, se com estes 40:000$000 réis, ficarão liquidadas as despezas a fazer unicamente com a installação da provincia da Guiné, ou se s. exa. entende ser necessario para o anno pedir no mesmo intuito ainda mais alguma somma?

Sr. presidente, este projecto é um dos taes que concorre para esses enormes augmentos de despeza a que se referiu aqui o sr. Carlos Bento, e para occorrer aos quaes o governo tem de levantar emprestimos sobre emprestimos de milhares de contos de réis. Tenho dito por mais de uma vez e não cesso de repetir, que o actual governo segue exactamente o caminho que os seus membros quando era opposição condemnavam do modo mais áspero. Não faz senão pedir ao parlamento que lhe vote despezas grandes, e se bem que por outro lado promove crear receita, a desproporção é tão grande entre uma cousa e outra, que de certo o desequilibrio das finanças tornar-se-ha ainda maior para o futuro. Bem sei que a despeza de que trata este projecto de lei que estamos discutindo não traz um dispendio muito consideravel, mas junto a outros dispendios iguaes, e a outros maiores ou menores, a final tudo sommado dá uma totalidade assustadora; segundo o sr. Carlos Bento as despezas este anno em prespectiva já monta a réis 40.000:000$000.

Creio que se não póde negar que o caminho em que marchamos, já de si muito perigoso, se torna perigosissimo, se considerarmos que temos uma divida fluctuante de réis 16 000:000$000, um deficit de 7.000:000$000 réis, e uma divida consolidada que já nos absorve metade da receita ordinaria.

N'esta conjunctura considere a camara, e veja o paiz onde nos levará um tal systema do governo. N'este estado financeiro tão precario, quererá o governo augmentar as despezas na enormissima cifra da 40.000:000$000 réis? Pense a camara, examine, veja o diga depois se isto não é para assustar!

Concluo com este simples aviso.

O sr. Ministro da Marinha (Marquez de Sabugosa): - Perguntou o digno par o sr. Vaz Preto se com esta despeza proposta no projecto que se discute, ficavam satis-

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feitas as necessidades da installação da provincia da Guiné.

Responderei que me parece não será preciso fazer mais despeza com esse fim.

Agora direi ao digno par que não creio ter dado prova de incoherencia, fazendo ás côrtes o pedido que contem este projecto, sem ao mesmo tempo propor a creação da receita necessaria para fazer face a esta despeza. Receita está o governo tratando de crear, e a que ha de occorrer ao dispendio do que se falla n'esta proposta de lei, deve saír do rendimento geral do estado.

Não me parece que tenha de dizer mais cousa alguma senão que eu não podia gastar esta somma sem vir pedir ás côrtes.

O sr. Vaz Preto: - Eu apenas farei algumas breves e singelas reflexões.

Effectivamente este projecto não o d'aquelles que têem maior alcance, se eu fallei n'elle, foi porque vi seguir o systema que eu e o sr. ministro da marinha tinhamos impugnado, e desejava mostrar á camara que o governo está seguindo um caminho errado, esquecendo as suas doutrinas, as opiniões e as idéas que sustentou, quando se achava na opposição.

As idéas apresentadas hoje pelo governo e perfilhadas pelo sr. ministro da marinha, são diametralmente oppostas á doutrina consignada no artigo 4.° do regulamento de 1870, que manda que se crie a receita ao mesmo tempo que se votar a despeza.

Qual é, pois, a receita creada para occorrer á despeza proposta n'este projecto? Diz o sr. ministro da marinha que é a creada pelos projectos votados pelo parlamento. A receita que o sr. ministro da fazenda está creando é para obter o equilibrio orçamental, quer dizer, todos os annos havia um deficit que s. exa. diz que é preciso extinguir, e o artigo 4.° diz o que acabei de asseverar á camara, que se crie a receita ao mesmo tempo que se votar a despeza.

Portanto, já vê o sr. ministro da marinha que está completamente enganado, e o recurso ao credito só serve para agravar.

O credito que se vae pedir, comquanto seja a receita para a execução d'este projecto, é, todavia, um augmento de despeza que vae engrossar o deficit.

Já v. exa. vê que o governo está pedindo, a par das receitas em pequena escala, que se lhe votem despezas de grande vulto. Por este systema é impossivel que se chegue a extinguir o deficit, que se chegue ao equilibrio orçamental.

Perguntarei agora ao sr. ministro, se s. exa. conta com este projecto fazer todos as despezas da installação da provincia da Guiné, ou se mais tarde virá pedir que lhe votem outra somma para o mesmo fim?

S. exa. disse que suppunha que esta somma seria sufficiente, mas suppor não é ter a certeza.

(Áparte do sr. ministro da fazenda que não se ouviu na mesa dos tachygraphos.)

Ainda bem que o áparte do sr. ministro nos vem esclarecer. Já sabemos que esta despeza vae completar a installação da Guiné, a não ser que um motivo especial, ou algum caso de força maior o obste; mas o governo parece-lhe que não precisa mais de 40:000$000 réis; a não ser, pois, um caso de força maior, é esta verba sufficiente. Portanto, nada mais tenho a dizer.

O sr. Presidente: - Está extincta a inscripção. Vae votar-se o projecto n.° 68 na sua generalidade.

Consultada a camara, foi approvado.

O sr. Presidente: - Passemos á especialidade.

Leu-se o

Artigo 1.°

O sr. Carlos Bento: - Faz algumas observações ácerca do artigo 1.° do projecto em discussão.

(A oração do digno par será publicada na integra quando s. exa. devolver as notas tachygraphicas.)

O sr. Presidente: - Está extincta a inscripção. Vae votar-se o artigo 1.°

Ponto á votação foi approvado.

Os artigos 2.º e 3.° foram approvados sem discussão.

O sr. Presidente: - Vae entrar em discussão o parecer n.° 72.

Leu se na mesa. É do teor seguinte:

Parecer n.º 72

Senhores. - A vossa commissão de instrucção publica examinou, como lhe incumbia, o projecto de lei n.° 51, vindo da camara dos senhores deputados, e apressa-se a dar-vos succintamente conta do seu exame.

Este projecto assenta, alterando-a ao de leve e additando a, sobre a proposta de iniciativa do governo, que tende a modificar, com o louvavel intento de a tornar mais acceite das localidades e mais promptamente realisada, a notavel lei de 2 de maio de 1878 ácerca da instrucção primaria. Notavel porque, como evidentemente sabeis, esta lei, satisfazendo ás instantes e indeclinaveis exigencias das modernas condições da sociedade, alarga e accentua o quadro das materias de ensino, impõe-no obrigatorio, ministrado em todas as parochias, igualmente a ambos os sexos, auxiliado por commissões promotoras, e esclarecido e aperfeiçoado por escolas normaes, e por conferencias entre os professores, sem esquecer de augmentar a remuneração d'estes, até aqui tão amesquinhada, e sem desacautelar de todo a inspecção.

De tanto alcance se evidenceiam as suas disposições que, sem a minima sombra de louvor, antes com inteira luz de justiça póde affirmar-se que, integral e fielmente executada, levantaria em breve tempo ao nivel das mais adiantadas nações n'este assumpto da instrucção primaria o nosso paiz, actualmente um dos mais atrazados e abatidos, lastima é, mas é força confessal-o, senão como estygma, como estimulo ao menos.

Todavia, para colher o maior proveito pratico d'esta lei, correspondendo em tudo aos nobres desejos do illustre iniciador d'ella, e a todos os esforços do governo, desfazendo as resistencias de uns, conciliando a boa vontade de outros, impulsando o concurso de todos, é que o sr. ministro do reino, amestrado da experiencia, veiu propor ao parlamento as modificações e ampliações constantes do projecto submettido á vossa illustradissima decisão. São tres as principaes d'essas: creação de sub inspectores; subsidio ás camaras municipaes; auxilio e recompensa á iniciativa e benemerencia individual.

O simples enunciado d'ellas claramente mostra o seu fim e balda longas e miudas esplanações. Ninguem hoje impugna a inspecção como o meio mais efficaz de obter a realisação perfeita das prescripções legaes. É como se fosse o governo diffundido em todos os pontos e presente por estes seus delegados á pratica da sua idéa. O auctor da lei de 2 de maio propunha-a mais copiosa e retribuia-a com mais largos honorarios. O projecto restringe a trinta o seu numero e encurta-lhes a retribuição em vista da penuria do thesouro publico. Lançar a remuneração d'estes a cargo dos municipios, sobre não ser dictame de racionavel administração, seria menos bem pensado e quasi irrealisavel agora, que o estado altamente precario da fazenda constrange o governo, sem evasiva possivel, a pedir ao paiz o doloroso sacrificio de maiores tributos.

E é por este imperioso motivo e pelas reluctancias já anteriormente manifestadas que no artigo 14.° do projecto se preceitua a obrigação de conceder o estado os subsidios necessarios para occorrer ás despezas da instrucção primaria quando não bastem os meios resultantes da distribuição equitativa entre os districtos, os municipios e as parochias,

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consignados desde o artigo 11.° em diante. Na verdade, a estreiteza dos recursos municipaes e parochiaes, a rotina, a incuria em exploradas riquezas ahi proprias fundamentam na actualidade a maior repugnancia á diffusão do ensino das primeiras letras. Já poucos se atrevem a contestar-lhe a utilidade e negar-lhe a necessidade.

A recusação provém da carencia de meios pecuniarios para preencher os encargos.

A desamortização obrigatoria dos baldios seria, na opinião de algum dos membros da commissão, o melhor capital para dotar com ampla sufficiencia em grande parte das provincias a instrucção popular. Fazer servir esses latifundios, que o egoismo e o preconceito esterilisam, para combater a ignorancia ou a má fé que os defende.

Destruir o baldio para edificar a escola é um duplo serviço.

As leis administrativas e certo que já permittem esta desamortisação.

O artigo 16.° do projecto inculca-a tambem. Todavia, não basta. Um mal entendido interesse local reage tenazmente.

Urge, portanto, abolir esto tolerado desaproveitamento systematico da terra, para abolir a ignorancia, alcançar os meios de cultivar o espirito do povo, obrigando-o a cultivar a terra.

Dos auxilios e premios estabelecidos no artigo 18.°, da auctorisação pedida no artigo 19.°, para honrar os benemeritos da instrucção primaria, da organisação dos cursos para adultos e para aperfeiçoamento dos professores, legislada nos artigos 22.° e 23.°, assim como dos restantes pontos do projecto, a vossa muita illustração e patriotismo desde logo comprehenderá o alcance e acolherá a proficuidade.

Finalmente, importa dar conta das duas alterações que a vossa commissão propõe ao projecto, e indicar singelamente as rasões que a isso a aconselharam.

Cabe a primeira d'aquellas ao artigo 3.°

Dispondo este que «os professores de qualquer dos sexos de ensino elementar e complementar, que não tiverem soffrido nenhuma pena disciplinar, têem direito a um augmento de ordenado que estiverem percebendo na rasão de 25 por cento, de seis em seis annos de bom e effectivo serviço»: pareceu conveniente acautelar explicitamente que o serviço bom e effectivo para este augmento, só deveria começar a apreciar-se de ora em diante, e de maneira nenhuma ir buscar-se ao passado, e por isso formulou assim o § d'esse artigo:

«Este augmento ser-lhes-ha levado em conta para o effeito da aposentação, mas sómente principiará a ser concedido depois de seis annos da publicação d'esta lei.»

A segunda alteração refere-se ao § 2.° do artigo 4.°

Determinando-se ahi que a cobrança das multas será feita «pelas commissões promotoras de beneficencia e ensino, pela fórma que o forem as contribuições do estado», entendeu a commissão que este processo de cobrar as multas pelas commissões promotoras seria complicado, podando tambem abrir margem a desleixos ou fraudas, e que ficaria mais simplificado, fazendo-se por encontro ou deducção nos vencimentos, ou seja a camara municipal ou a junta de parochia ou ainda o governo, por subsidio, quem haja de os fazer, e por isso substituiu assim esse §:

«As multas são cobradas por deducção, nos respectivos vencimentos, em vista da sentença judicial.»

D'esta maneira exposta a nossa analyse, temos a honra de apresentar á vossa commissão, o referido projecto de lei.

Sala das sessões, 28 de abril de 1880. = Thomás de Carvalho = Antonio Eggypcio Quaresma Lopes de Vasconcellos = José Pereira da Conta Cardoso = J. J. de Mendonça Cortez Gouveia.

Projecto de lei n.° 51

Artigo 1.° A reunião de duas ou mais parochias para o estabelecimento de uma escola, nos termos dos §§ 1.° e 2.° do artigo 19.° da lei de 2 de maio de 1878, será determinada por decreto real, ouvidas as respectivas cagaras municipaes e juntas geraes, ou commissões executivas.

Art. 2.° O estabelecimento dos cursos nocturnos e dominicaes, e dos asylos de educação a que se referem os artigos 24.° e 68.° da lei de 2 de maio de 1878, será ordenado pelo governo nas localidades onde forem de reconhecida necessidade, quando as camaras e juntas geraes de districto não satisfaçam ao preceito da mesma lei.

Art. 3.° Os professores de qualquer dos sexos de ensino elementar e complementar, que não tiverem soffrido nenhuma pena disciplinar, têem direito a um augmento do ordenado que estiverem percebendo, na rasão de 25 por cento, de seis em seis annos de serviço bom e effectivo, prestado na mesma parochia e no mesmo grau de ensino.

Este augmento ser-lhes-ha levado em conta para o effeito da aposentação.

Art. 4.° Da condemnação das multas de que tratam os §§ 1.° e 2.° do artigo 38.° da lei de 2 de maio de 1878, os professores e ajudantes das escolas primarias podem recorrer para os juizes de direito das respectivas comarcas.

§ 1.° O recurso será interposto no praso de dez dias a contar da intimação, e d'elle dará conhecimento o recorrente ao presidente da camara no mesmo praso.

§ 2.° As multas são cobradas pelas commissões promotoras de beneficencia e ensino pela fórma por que o forem as contribuições do estado, em vista da sentença judicial, quando a houver, ou em presença do mandado do presidente da camara quando não tenha sido interposto recurso no praso marcado.

Art. 5.° As circumscripções escolares creadas pelo artigo 51.° da lei de 2 de maio de 1878 são divididas em circulos escolares compostos de dois ou mais concelhos.

Em cada circulo escolar póde haver um sub-inspector subordinado ao inspector da circumscripção.

Art. 6.° O numero de sub-inspectores e o dos circulos escolares são determinados pelo governo não podendo aquelle numero exceder a trinta.

Art. 7.° Os vencimentos dos sub-inspectores são: ordenado fixo e gratificação.

O ordenado fixo é de 240$000 réis.

A gratificação é variavel, mas não póde exceder dois quintos do ordenado fixo.

Tanto o ordenado como a gratificação são pagos pelo estado.

Art. 8.° A nomeação dos sub-inspectores será feita pelo mesmo modo que a lei estabelece para a dos inspectores da circumscripção.

Art. 9.° Os sub-inspectores presidem ás conferencias dos professores, as quaes serão feitas nas sedes dos circulos escolares. Presidem tambem aos jurys dos exames dos alumnos das escolas primarias, na falta do inspector.

Art. 10.° O bom serviço de sub-inspector por espaço de tres annos é motivo de preferencia em igualdade de habilitações litterarias para a nomeação de inspector.

Art. 11 ° Para cumprimento do disposto no artigo 61.° da lei de 2 de maio de 1878, as camaras municipaes, na falta de heranças, doações ou legados deixados a favor das escolas, e na insuffuciencia das suas receitas ordinarias, as quaes não poderão ser inferiores ás votadas e auctorisadas nos respectivos; orçamentos de 1879, são obrigados a lançar um imposto especial para a instrucção primaria.

§ unico. Este imposto, directo ou indirecto, poderá elevar-se até uma somma igual ou equivalente ao producto de l5 por conto addicionaes ás contribuições geraes directas ao estado.

Art. 12.° As camaras municipaes têem direito a reclamar subsidios dos districtos, quando mostrarem que as despezas com os vencimentos dos professores e ajudantes das

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escolas de qualquer dos sexos excedem a totalidade do imposto de que trata o § unico do artigo antecedente.

§ unico. Ainda na hypothese do presente artigo podem ser negados subsidios districtaes ás camaras, se se reconhecer que ellas possuem recursos bastantes para satisfazer aos encargos da instrucção primaria.

Ao governo, ouvidas as juntas geraes ou commissões executivas, compete resolver sobre o assumpto.

Art. 13.º As juntas geraes do districto, na falta de receitas ordinarias, deveram lançar até 8 por cento addicionaes ás contribuições geraes directas do estado, para pagamento dos subsidios a que se refere o artigo 12.°

Art. 14.° Depois de se mostrar que as camaras municipaes não têem nem podem ter recursos bastantes para satisfazer ás despezas da instrucção primaria, e quedas juntas geraes applicaram aos subsidios a que são obrigadas o maximo do imposto designado no artigo 13.°, é o governo obrigado a conceder os subsidios necessarios para occorrer ás despezas municipaes da instrucção primaria.

Todos os annos o governo fará acompanhar a proposta do orçamento geral do estado de um mappa desenvolvido da applicação dos fundos votados para a instrucção primaria, tanto peio estado como pelas juntas geraes e camaras municipaes.

Art. 15.° As juntas de parochia, que pelos seus actuaes rendimentos não podérem satisfazer ao encargo que lhes impõe o § unico do artigo 7 ° e o § 1.° do artigo 61.° da lei de 2 de maio de 1878, são obrigadas a lançar para esse fim um imposto especial, que não poderá exceder a 3 por cento addicionaes ás contribuições geraes directas do estado.

Art. 16.° Logo que a casa escolar, a habitação do professor e a bibliotheca estiverem construidas, metade, do imposto de que trata o artigo antecedente, com o producto de legados, heranças, donativos e esmolas a favor da instrucção primaria, com o rendimento de bens proprios da parochia, que não tenham applicação especial, com o producto das vendas, aforamento ou arrendamento dos baldios parochiaes e com a importancia dos subsidios concedidos pelo governo, constituirão um fundo escolar da parochia, exclusivamente destinado á sustentação das escolas respectivas.

§ unico. As juntas de parochia das freguezias onde houver ao tempo da promulgação da presente lei edificios proprios para as escolas, bibliothecas e habitações dos professores respectivos, tratarão desde logo da formação do fundo escolar pelo modo prescripto n'este artigo.

Art. 17.° Quando o fundo escolar tiver um capital, cujo rendimento seja sufficiente para occorrer a todas as despezas da sustentação das escolas da parochia, incluindo os ordenados e gratificação dos professores e ajudantes, cessa para a camara municipal a obrigação que lhe impõe a lei, e para as juntas geraes e para o estado a obrigação dos subsidios.

Art. 18.° No orçamento geral do estado será consignada annualmente uma verba para:

Subsidios ás juntas de parochia na organisação do fundo escolar;

Subsidios ás camaras municipaes no pagamento dos vencimentos dos professores e ajudantes das escolas primarias, e na creação de escolas nocturnas e dominicaes, e do asylos de educação;

Auxilio á iniciativa particular e ás associações para estabelecimento de jardins de infancia, cursos de adultos, bibliothecas, escolas de desenho, e outras instituições que tenham por fim o desenvolvimento da instrucção popular;

Premios em dinheiro ou em livros aos professores primarios, que mostrarem zêlo extraordinario e grande aptidão no desempenho das suas funcções; premios em dinheiro ou em livros aos alumnos das escolas primarias;

Pensões aos alumnos pobres que pela sua distincta applicação e aproveitamento se tornem dignos de ser admittidos á frequencia das escolas normaes;

Auxilios para fundação de museus e exposições escolares;

Compra de collecções e instrumentos proprios para o ensino das sciencias naturaes.

Art. 19.° É o governo auctorisado a crear uma medalha de oiro para recompensar as pessoas que se tornarem, benemeritas da instrucção primaria, fundando e dotando escolas ou outros estabelecimentos de ensino e educação de creanças ou adultos, assim como aos auctores dos melhores methodos e compendios, ou ás pessoas que praticarem, em beneficio da instrucção primaria, quaesquer serviços relevantes.

Art. 20.° Os cursos, a que se refere a lei de 2 de maio de 1878, poderão comprehender todas as disciplinas de cada um dos graus de ensino primario, ou sómente algumas d'ellas.

Art. 21.° Emquanto não forem definitivamente estabelecidas todas as escolas de ensino primario complementar, poderão ser introduzidas no quadro do ensino elementar as disciplinas mencionadas nos n.ºs 2.°, 3.°, 5.°, 7.°,. 9.°, 10.° e 11.° e as referidas no § unico do artigo 3.° da lei de 2 de maio de 1878, bem como os rudimentos das sciencias physicas e naturaes, e economia domestica.

Art. 22.° Na organisação dos cursos para adultos attender-se-ha ás condições especiaes da industria local.

Art. 23.° É o governo auctorisado a estabelecer durante as ferias cursos de aperfeiçoamento para professores primarios, comtanto que não seja excedida a verba do orçamento para despezas de instrucção primaria.

Art. 24.° (transitorio) As disposições da lei de 2 de maio de 1878 com as modificações, alterações e acrescentamentos consignados na presente lei, começarão a ser executadas no 1.° de julho de 1881.

Art. 25.° Fica revogado o § 3.° do artigo 61.° da lei de 2 de maio de 1878, e mais legislação em contrario.

Palacio das côrtes, em 10 de abril de 1880. = José Joaquim Fernandes Vaz, presidente = Thomás Frederico Pereira Bastos, deputado secretario = Antonio José d'Avila, deputado secretario.

Proposta de lei n.° 81-C

Artigo 1.° A reunião de duas ou mais parochias para o estabelecimento de uma escola nos termos dos §§ l.° e 2.° do artigo 19.° da lei de 2 de maio de 1878, será determinada por decreto real, ouvidas as respectivas camaras municipaes e juntas geraes, ou commissões executivas.

Art. 2.° O estabelecimento dos cursos nocturnos, e dominicaes, e dos asylos de educação, a que se referem os artigos 24.° e 68.° da lei de 2 de maio de 1878, será ordenado pelo governo nas localidades onde forem de reconhecida necessidade, quando as camaras e juntas geraes de districto não satisfaçam ao preceito da mesma lei.

Art. 3.º Os professores de ambos os sexos de ensino elementar e complementar, que não tiverem soffrido nenhuma pena disciplinar, têem direito a um augmento do ordenado que estiverem percebendo na rasão de 25 por cento de seis em seis annos de serviço bom e effectivo, prestado na mesma parochia e no mesmo grau de ensino.

Este augmento ser-lhes-ha levado em conta para o effeito da aposentação.

Art. 4.° Da condemnação das multas de que tratam os §§ 1.° e 2.° do artigo 38.° da lei de 2 de maio de 1878, os professores e ajudantes das escolas primarias podem recorrer para os juizes de direito das respectivas comarcas.

§ 1.° O recurso será interposto no praso de dez dias a contar da intimação, e d'elle dará conhecimento o recorrente ao presidente da camara no mesmo praso.

§ 2.° As multas são cobradas pelas commissões promotoras de beneficencia e ensino pela fórma por que o forem

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as contribuições do estado, em vista da sentença judicial, quando a houver, ou em presença do mandado do presidente camara quando não tenha sido interposto recurso no praso marcado

Art. 5.° As circumscripções escolares creadas pelo artigo 51.° da lei de 2 de maio de 1878 são divididas em circulos escolares compostos de dois ou mais concelhos.

Em cada circulo escolar ha um sub inspector subordinado ao inspector da circumscripção.

Art. 6.° O numero de sub-inspectores e o dos circulos escolares são determinados pelo governo de modo que cada sub-inspector possa visitar, ao menos duas vezes por anno, todas as escolas do respectivo circulo escolar.

Art. 7.° Os vencimentos dos sub inspectores são: ordenado fixo e gratificação.

O ordenado fixo é de 240$000 réis.

A gratificação e variavel, mas não ao póde exceder dois quintos do ordenado fixo.

Tanto o ordenado como a gratificação são pagos pelo estado.

Art. 8.° A nomeação dos sub-inspectores será feita pelo mesmo modo que a lei estabelece para a dos inspectores da circumscripção.

Art. 9.° Os sub-inspectores presidem ás conferencias dos professores, as quaes serão feitas nas sédes dos e circulos escolares. Presidem tambem aos jurys dos exames dos alumnos das escolas primarias, na falta do inspector.

Art. 10.° O bom serviço de sub-inspector por espaço de tres annos é motivo de preferencia em igualdade de habilitações litterarias para a nomeação do inspector.

Art. 11.° Para cumprimento do disposto no artigo 61.° da lei de 2 de maio de 1878, as camaras municipaes, na falta de heranças, doações ou legados deixados a favor das escolas, e na insufficiencia das suas receitas ordinarias, as quaes não poderão ser inferiores ás votadas o auctorisadas nos respectivos orçamentos de 1879, são obrigadas a lançar um imposto especial para a instrucção primaria.

§ unico. Este imposto, directo ou indirecto, poderá elevar-se até uma somma igual ou equivalente ao pruducto de 15 por cento addicionaes ás contribuições geraes directas do estado.

Art. 12.° As camaras municipaes têem direito a reclamar subsidios dos districtos, quando mostrarem que as despezas com os vencimentos dos professores e ajudantes das escolas dos dois sexos excedem a totalidade do imposto de que trata o § unico do artigo antecedente.

§ unico. Ainda na hypothese do presente artigo podem ser negados subsidios districtaes ás camaras, se se reconhecer que ellas possuem recursos bastantes para satisfazer aos encargos da instrucção primaria.

Ao governo, ouvidas as juntas geraes ou commissões executivas, compete resolver sobre o assumpto.

Art. 13.° As juntas geraes do districto, na falta de receitas ordinarias, deverão lançar até 3 por cento addicionaes ás contribuições geraes directas do estado, para pagamento dos subsidios a que se refere o artigo 12.º

Art. 14.° Depois de se mostrar que as camaras municipaes não têem nem podem ter recursos bastantes para satisfazer ás despezas da instrucção primaria, e que as juntas geraes applicaram aos subsidios a que são obrigadas e maximo do imposto designado no artigo 13.°, é o governo obrigado a conceder os subsidios necessarios para occorrer ás depezas municipaes da instrucção primaria.

Todos Os annos o governo fará acompanhar a proposta do orçamento geral do estado de um mappa desenvolvido da applicação dos fundos votados para a instrucção primaria, tanto pelo estado como pelas juntas geraes e camaras municipaes.

Art. 15.° As juntas de parochia, que pelos seus actuaes rendimentos não poderem satisfazer ao encargo que lhes impõem o § unico do artigo 7.° e o § 1.° do artigo 6l.° da lei de 2 de maio de 1878, são obrigadas a lançar para esse fim um imposto especial, que não poderá exceder a 3 por cento addicionaes ás contribuições geraes directas do estado.

Art. 16.º Logo que a casa escolar, a habitação do professor e a bibliotheca estiverem construidas, metade do imposto de que trata o artigo antecedente, com o producto de legadas, heranças, donativos e esmolas a favor da instrucção primaria, com o rendimento de bens proprios da parochia, que não tenham applicação especial; com o producto das vendas, aforamento ou arrendamento dos baldios parochiaes e com a importancia dos subsidios concedidos pelo governo, constituirão um fundo escolar da parochia exclusivamente destinado á sustentação das escolas respectivas.

§ unico. As juntas de parochia das freguezias onde houver ao tempo da promulgação da presente lei edificios proprios para as escolas, bibliothecas e habitações dos professores respectivos, tratarão desde logo da formação do fundo escolar pelo modo prescripto n'este artigo.

Art. 17.° Quando o fundo escolar tiver um capital, cujo rendimento seja sufficiente para occorrer a todas as despezas da sustentação das escolas da parochia, incluindo os ordenados e gratificação dos professores e ajudantes, cessa para a camara municipal a obrigação que lhe impõe a lei, e para as juntas geraes e para o estado a obrigação dos subsidios.

Art. 18.° No orçamento geral do estado será consignada annualmente uma verba para:

Subsidios ás juntas de parochia na organisação do fundo escolar;

Subsidios ás camaras municipaes no pagamento dos vencimentos dos professores e ajudantes das escolas primarias, e na creação de escolas nocturnas e dominicaes, e de asylos de educação;

Auxilio á iniciativa particular e ás associações; estabelecimento de jardins de infancia, cursos de adultos, bibliothecas, escolas de desenho, e outras instituições que tenham por fim o desenvolvimento da instrucção popular;

Premios em dinheiro ou em livros aos professores primarios, que mostrarem zêlo extraordinario e grande aptidão no desempenho das suas funcções; premios em dinheiro ou em livros aos alumnos das escolas primarias;

Pensões aos alumnos pobres que pela sua distincta applicação e aproveitamento se tornem dignos de sor admittidos á frequencia das escolas normaes;

Auxilios para fundação de museus e exposições escolares;

Compra de collecções e instrumentos proprios para o ensino das sciencias naturaes.

Art. 19.° É o governo auctorisado a crear uma medalha de oiro para recompensar as pessoas que se tornarem benemeritas da instrucção primaria, fundando e dotando escolas ou outros estabelecimentos de ensino e educação de creanças ou adultos.

Art. 20.° (transitorio) As disposições da lei de 2 de maio de 1878, com as modificações, alterações e acrescentamentos consignados na presente lei, começarão a ser executadas no 1.° de julho de 1881.

Art. 2l.° Fica revogado o § 3.° do artigo 61.° da lei de 2 de maio de 1878, e mais legislação em contrario.

Secretaria d'estado dos negocios do reino, em 31 de janeiro de 1880. = José Luciano de Castro.

O sr. Rodrigues Sampaio: - Sr. presidente, não venho combater o projecto, mas, fallando a favor d'elle, fallo contra a opinião do sr. José Luciano de Castro, que apresentou em 1872, na camara dos senhores deputados, um projecto para a reforma da carta, em que se dizia o seguinte:

«Com os ministerios cáem as providencias com que elles intentavam ocorrer ás necessidades da administração. As reformas apenas realisadas são logo substituidas por outras. Sobre as conveniencias publicas alteia-se orgulhoso o capricho e o amor proprio dos ministros. Não se pensa

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em reformar o que a experiencia argue de ruim, ou contrario ás boas normas de governo, senão tudo quanto está feito e legislado pelas antecedentes administrações, bem que a lição da experiencia e o correctivo da pratica não hajam ainda formulado o seu imparcial veredictum sobre as vantagens ou defeitos da organização vigente.»

Este parecer, que agora se discuto, diz no seu relatorio o seguinte:

«O sr. ministro do reino, amestrado da experiencia, veiu propor ao parlamento as modificações e ampliações constantes do projecto submettido á vossa illustradissima decisão.

Já vê v. exa. que, se eu seguir os conselhos luminosos do sr. Luciano de Castro, não posso approvar o projecto principalmente desde que o sr. ministro do reino confessa no seu relatorio que o exemplo estranho e as condições financeiras das camaras municipaes e determinaram á propôr n'este ponto a modificação da lei de 2 de maio de 1878, QUE DEVIA COMEÇAR A EXECUTAR-SE EM MAIO PROXIMO».

Ora, uma lei que não foi ainda executada, não comprehendo como tenha demonstrado a experiencia que deva ser substituida. Assim acho-me indeciso sobre se é verdade o que s. exa. disse ha oito annos, ou se a necessidade que agora se allega é confirmada por uma experiencia que ainda se não póde fazer, ou por uma pratica que ainda devia começar mezes depois da proposta de lei.

Isto para mim é caso de hesitação, porque ambas as auctoridades são competentes e respeitaveis, e em taes casos sempre foi licita a duvida.

O governo teve esta experiencia, de certo por inspiração propria. Mas toda a reforma devo ter um motivo.

Por amor da arte não me parece justo nem conveniente alterar á legislação, porque toda a mudança que não é exigida por uma necessidade não me parece conveniente.

Este projecto tem apenas uma vantagem efficaz, é adiar a execução da lei

S. exa. pelo amor que tem á instrucção, adia por mais um anno a sua execução.

A esta declaração de que só em 1881 é que a lei começará a ser executada, parece-me que se póde applicar o que dizia o padre Antonio Vieira n'um dos seus sermões a respeito da passagem da escriptura: Fortis est ut mors dilectio. O amor forte é como a morte.

E argumentava: Em que se parece o amor com a morte? O amor une, a morte separa. Logo os seus effeitos são diversos. E depois acrescentava: «O amor une, mas quando é forte, quando é violento, divide e dissolve.»

Assim o amor que não é forte póde promover a instrucção, mas o amor, quando é apaixonado de mais, quando é ardente como o do sr. ministro, adia-a. É o que acontece a este projecto.

Se a lei de 1878 não era a melhor, o que eu acredito era justo que se apontassem os inconvenientes, que se encontraram na pratica.

Supponhamos que s. exa. promulga esta reforma, mas se vier outro ministro que lhe encontre na theoria defeitos póde demorar a sua execução, propor-lhe modificações, assim ficaremos sempre sem uma lei de instrucção primaria, desfazendo hoje o que se fez hontem, á maneira d'aquelle consul romano de quem disse Tacito que era suarum leaum auctor ac destructor, como o sr. ministro do reino o é nos conselhos da corôa desprezador dos preceito que ensinou na opposição. Ora, o conselho que um deputado dá quando é opposição, deve-o seguir quando é governo.

Se não se désse agora o caso de destruir o que os ou tres fizeram, sem a pratica mostrar os inconvenientes da lei, não teria duvida nenhuma em approvar o projecto.

Na proposta, que tive a honra de apresentar na camara dos senhores deputados, havia os inspectores; mas, por amor ás economias, foram eliminados n'esta casa. Agora propõem-se novamente, e eu acho bom, porque a inspecção é um elemento essencial n'esta materia; sem inspecção debalde se está tratando da instrucção publica; é gastar dinheiro sem fiscalisar a sua applicação.

S. exa. estabeleceu que os recursos das multas sejam julgados pelo poder judicial. Assim o entendi, e foi sempre minha opinião que assim acontecesse.

Esta questão tratou-se, e a redacção da lei estabelecia que isso fosse da competencia das camaras municipaes.

Parece me que a disposição d'este projecto dá mais garantias do que a da lei.

Não julgo, porém, indispensavel que só para apurarmos mais, fossemos praticar o mal que o sr. José Luciano condemnou na precipitada substituição das leis sem a experiencia ter demonstrado a necessidade d'essas substituições.

Dá-se como rasão para a substituição da lei vigente que os encargos são grandes para as camaras municipaes, e que ellas não os podem satisfazer; que, por conseguinte, convem que sejam distribuidos esses encargos tambem pelo districto e pelo estado.

Isto parece á primeira vista muito rasoavel; mas qual será a differença para o contribuinte se lhe pedirem 600 réis, por exemplo, para o municipio; ou se lhe pedirem sómente 200 réis como habitante do municipio, outros 200 réis como cidadão do districto, e mais 200 réis como contribuinte do estado? Se a bolsa d'onde sáe a quota é a mesma, que importa que sejam tres os thesoureiros?

Que importa pagar 2 tostões a cada um dos tres ou 6 tostões a um só?

Grande reforma que deve fazer uma revolução no mundo economico!

(Áparte do sr. Mendonça Cortez.)

É o caso!! Entendo. O ser caso deve de ser uma grande rasão.

O que me poz n'este estado de indecisão foram as considerações geraes feitas pelo sr. José Luciano de Castro no seu relatorio.

Isto é a repetição das palavras do sr. José Luciano de Castro.

Podia muito bem a experiencia ter mostrado que a alteração da lei de 2 de maio de 1878 era necessaria ou pelo menos conveniente.

N'esse caso de accordo, porque nós não estamos aqui só para fazer leis novas; os legisladores tambem se occupam de modificar as leis quando a pratica mostra os seus inconvenientes.

Mas este é um processo muito novo, porque d'esta lei não ha pratica nem experiencia.

É por isso que eu levantei a minha voz; porque, em vista de tantas recriminações que têem sido feitas ao governo passado, fiquei surprehendido com tantos louvores que no relatorio d'esta proposta eram dispensados a um dos seus ministros, e temi que me quizessem seduzir com a eloquencia d'esses louvores; porque a eloquencia é corrupção mais perigosa que a do dinheiro, porque se ha muito quem resista á corrupção do oiro ha pouco quem não se deixe arrastar pelo prestigio da eloquencia.

Entretanto, o sr. relator diz que a experiencia é que mostra a conveniencia das alterações que se propõem á lei de 1878; mas se é pela experiencia se certo que não e pela experiencia da lei que ainda não principiou a executar-se.

Agora direi que o § unico do artigo 11.° que diz: «Este imposto, directo ou indirecto, poderá elevar-se a uma somma igual ou equivalente ao producto de 15 por cento addicionaes nas contribuições geraes directas do estado.»

Direi que não comprehendo bem como este imposto, podendo ser indirecto ou directo ha de recaír só sobre as contribuições, directas.

Ha outra phrase na lei que eu tambem não comprehendo. É esta:

«Artigo 4.° Da condemnação das multas... os professores e ajudantes das escolas primarias podem recorrer...»

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Condemnação das multas?! Parece que as multas é que são condemnadas. (Riso.)

A lei diz: «da condemnação nas multas, e essa reducção parece-me melhor.»

Eu não pretendo combater o projecto, porque não quero impedir o governo de salvar a patria.

Faço porém ainda a observação de que não julgo que fosse mau distribuir esta despeza só pelos municipios, porque elles reputariam justo supportar uma despeza que viam todos os dias a maneira como era applicada, e de que tiravam immediato proveito.

Os contribuintes pagam todas as despezas, ou sejam do municipio, ou do districto, ou do estado. Emfim, sobre isso não farei questão; aqui só ha o facto da condemnação d'este projecto pelo sr. ministro do reino, que em 1872 julgou asperamente, e com justiça, este empenho de reformar tudo, quando mesmo se não sabe se foi mal legislado, e sem que a pratica e a experiencia hajam demonstrado a necessidade da reforma.

É sómente s. exa. o unico contradictor d'este projecto, e portanto, a venha-se como podér comsigo mesmo.

Eu pela minha parte não hei de crear embaraços ao sr. ministro; e só desejava que nos esclarecesse, porque ou queria votar com consciencia sobre as vantagens de reformar o que ainda não está em execução, se não na sómente desejo de reformar seja como for.

Não tenho mais nada a dizer.

O sr. Ministro do Reino (Luciano de Castro): - Confesso a v. exa. que não esperava que do digno par que acaba de usar da palavra partisse qualquer impugnação a este projecto.

Sr. presidente, não tive outro intuito com esta reforma, como disse no relatorio que a precede, senão facilitar a execução da lei de 2 de maio de 1878, que foi referendada pelo digno par o sr. Rodrigues Sampaio. As minhas ambições foram pois modestissimas; não quiz fazer obra nova, pelo contrario conservei em grande parte o que fizera o meu illustre antecessor.

Creio, se me não falha a memoria, que no relatorio que precedeu a minha proposta de lei, eu franca e lealmente fiz justiça á obra do meu digno antecessor, e lhe rendi os louvores merecidos pela sua reforma de instrucção primaria.

Por consequencia, repito, não julguei nunca que fosse o sr. Rodrigues Sampaio que offerecesse impugnação a este projecto que, como já disse tambem, não tem outro fim senão tornar mais facil a execução da reforma do meu illustre antecessor.

Devo ainda dizer que na camara dos senhores deputados tive de resistir ás exigencias de alguns cavalheiros d'aquella casa de parlamento, que achavam demasiado mesquinha reforma decretada na lei de 2 de maio de 1878, desejando que se alargasse o plano de estudos ali estabelecidos, de modo que abrangesse mais algumas disciplinas.

N'essa occasião levantei-me por mais de uma vez para defender com todo vigor das minhas convicções a reforma do sr. Sampaio. N'estas circumstancias julguei sempre que s. exa. encontraria para este projecto todo o apoio e cooperação que os seus elevados talentos, e primorosas qualidades de parlamentar me davam direito a esperar. Infelizmente não succedeu assim. Não se confirmou a, minha esperança. Muito ao contrario. S. exa. veiu recordar a opinião que eu expendi em tempo, quando eu propus a reforma da carta constitucional, e disse que condemnava as reformas feitas precipitadamente, sem se ter dado logar a que o tempo e a experiencia mostrassem a sua necessidade.

S. exa. encontrou n'estas palavras a condemnação antecipada, feita por mim, do projecto que agora se discute.

E acrescenta s. exa. que eu, não deixando executar a lei de 2 de maio de 1878, me colloquei em contradicção com o relatorio que precede o projecto de reforma da carta.

Sr. presidente, eu sustento ainda hoje o que disse em 1872. Continuo a estar convencido que se não póde ter como boa e plausivel doutrina que as reformas se
Faça precipitadamente, que deve haver toda a prudencia, e a maior circumspecção antes de se emendar ou alterar qualquer lei que esteja em vigor.

Mas, sr. presidente, não foi eu que suspendi a lei de 1878. Achei-a suspensa por virtude das suas mesmas disposições. Alem d'isso, foi o meu illustre antecessor o primeiro que a suspendeu. E para o mostrar peço á camara que me permitta que eu lhe leia o artigo 71.º da lei de 2 de maio de 1878.

(Leu.)

Ora, estes ordenados, que aqui se mandam pagar desde a publicação da lei, são os estabelecidos pela lei aos professores de instrucção primaria. Mas, s. exa. continuou a pagar os ordenadas antigos, e suspendeu, por consequencia, a lei que mandava dar desde logo os novos vencimentos.

Foi, pois, s. exa. que tomou n'esta parte sobre si a responsabilidade de não executar a lei.

No mais, a propria lei determina que a sua execução só possa ter logar dois annos depois da sua promulgação.

Não podia eu, pois, ter a menor duvida em a conservar suspensa, e vir no entretanto pedir a reforma de alguns pontos que me pareceu levantariam difficuldades na execução.

Eu achei, pois, a lei suspensa.

Da sua execução resultara, um encargo immediato para os municipios, e tão pesado, que se me affigurou impossivel que o podessem supportar.

Desde que as camaras municipaes deviam pagar as despezas da instrucção primaria, na o tendo os municipios os indispensaveis recursos, não podia executar-se a lei. Foi isto o que sustentei no meu relatorio e me levou a pedir á camara que alterasse esta disposição, por se me affigurar de impossivel realisação.

Ha aqui bastantes cavalheiros que conhecem as nossas provincias o que sabem que n'uma grande parte dos municipios era impraticavel a lei pela, enormidade dos encargos que sobre elles lançava.

E, sr. presidente, não ha aqui incoherencia, porque eu já tinha estas opiniões antes de ser ministro, e a prova é que quando combatia o ministerio passado nos bancos da opposição na camara dos srs. deputados, ataquei a lei de 2 de maio de 1878, justamente por este lado, o vaticinei logo a s. exa. que esta lei não podia ser executada emquanto os encargos da instrucção primaria pesassem exclusivamente sobre os municipios.

Disse o digno par que era indifferente que a despega fosse satisfeita pelos municipios, pelos districtos ou pelo estado; mas eu direi que, se assim fosse, o argumento provava de mais, porque nos levaria a juntar todas as contribuições geraes, districtaes e municipaes, e a pedil-as de uma só vez aos contribuintes.

Este systema, se fosse adoptado, produziria graves difficuldades e levantaria grandes reluctancias.

Na opinião de s. exa., o contribuinte é sempre o mesmo, quer tenha de pagar aos municipios as despezas municipaes, aos districtos as despezas districtaes, e ao estado as despezas geraes; mas, permitia-me que lhe diga, não obstante todo o respeito que devo á sua sabedoria, ao seu talento, á sua profunda experiencia, e ás elevadas qualidades que possue, que o estado tem uns rendimentos, e os municipios e os districtos têem outros, e mui diversos, assim, o estado cobra o imposto de registro, sêllo, das alfandegas, e outros, que não entram aos cofres municipaes e districtaes.

Pelo que acabo de expor, creio que a camara conhecerá que eu não me propuz a alterar os pontos fundamentaes da lei de 1878, e que só procurei tornar-a exequivel.

Desde que me convenci que os recursos municipaes eram incompativeis com os encargos com que os sobrecarregava

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a reforma da instrucção primaria referendada pelo sr. Antonio Rodrigues Sampaio, cuidei de dividir esses encargos pelo estado, pelos districtos e pelos municipios. E n'este ponto, peço licença para o dizer, não inventei cousa alguma; procurei apenas seguir o exemplo da Belgica, para vencer as mesmas difficuldades que lá se tinham levantado.

Sr. presidente, v. exa. conhece, e a camara tambem, a lei de 1 de julho de 1879, recentemente publicada na Belgica, e não ignora que um dos pontos que deu logar a maiores discussões, foi este de que estou tratando. Em parte nenhuma do mundo, que eu saiba, as despezas da instrucção primaria estão unicamente a cargo dos municipios. Na Belgica, na Italia, na Allemanha, e na propria Hespanha, acha-se estabelecido o principio que consignei n'este projecto, porque os municipios não podem sós com tão pesados encargos.

Eu estabeleço o limite de 15 por cento sobre as contribuições geraes directas para os impostos que as camaras municipaes têem a lançar com esta applicação. Este maximo pareceu-me o mais conveniente. E permitta-me o sr. Sampaio que me refira agora ao que o digno par disse com relação ao § unico do artigo 11 ° Se bem comprehendi, s. exa. disse que não podia entender este §, que diz o seguinte:

(Leu.)

Parece-me que o que fez o principal objecto da observação de s. exa. foi o dizer-se n'este paragrapho que este impostos, directo ou indirecto, póde ser lançado sobre as contribuições directas do estado. Quer s. exa. que desde que o imposto lançado pelas camaras municipaes, póde ser directo ou indirecto, não seja só sobre as contribuições directas.

Vou procurar explicar a idéa do artigo. O que se quer aqui é fixar o maximo em relação ás contribuições directas do estado, mas o imposto especial, tanto póde ser directo como indirecto. Quer dizer, este imposto não póde exceder as contribuições directas do estado, mas depois de fixado, póde ser distribuido, tanto pelos impostos municipaes directos como indirectos.

S. exa. tambem se referiu a um ponto que julgo ser questão de fórma ou de redacção. Não pude perceber bem e por isso não poderei responder agora a s. exa.

Quanto á applicação das multas, não só aos professores, mas aos alumnos e aos paes que não mandam os filhos ás escolas, devo dizer que eu não alterei n'essa parte a lei referendada por s. exa.

As disposições d'aquella lei relativa ás multas impostas aos paes por não mandarem seus filhos ás escolas, deixei-as ficar como estavam, o que fiz, foi preencher um lacuna n'essa lei, que não dizia qual o tribunal de recurso, quando as camaras municipaes multem os professores por faltas que estes commettessem.

O que eu proponho não é em relação aos paes dos alumnos, é em relação aos professores, a quem, por motivo de faltas, applicarem multas as camaras municipaes.

Não sei se o digno par fez mais algum reparo que careça de defeza da minha parte. Se o fez, queira s. exa. indicar-mo, porque procurarei dar-lhe resposta e esclarecer a questão tanto quanto couber na minha modesta intelligencia.

Repito, o meu pensamento n'este projecto não é contrariar a reforma decretada em 2 de maio de 1878, mas pedir ás côrtes os meios de tornar facil e exequivel essa reforma, que eu entendo realisará um grandissimo progresso na instrucção publica.

O sr. Presidente: - Vae-se ler uma mensagem recebida da camara dos senhores deputados.

Leu-se na mesa

Um officio da presidencia da camara dos senhores deputados remettendo a proposição que tem por fim auctorisar o governo a mandar contar ao primeiro tenente de artilheria, Antonio Carlos da Costa, como tempo de serviço effectivo na fileira, vinte dias que esteve doente por molestia adquirida no serviço.

Á commissão de guerra.

Um officio do ministerio dos negocios ecclesiasticos e de justiça remettendo 80 exemplares das contas da gerencia de 1878-1879 e exercicio de 1877-1878 a fim de serem distribuidos pelos dignos pares.

Mandaram-se distribuir.

Outro do ministerio dos negocios da fazenda remettendo 100 exemplares do annuario estatistico sobre o serviço das contribuições directas, no anno civil de 1877 e no economico de 1877-1878 a fim de verem distribuidos pelos dignos pares.

Mandaram-se distribuir.

O sr. Rodrigues Sampaio: - Como o meu fim não é combater o projecto, e como as disposições d'elle não repugnam á minha consciencia, não tenho duvida alguma em ser breve, mesmo porque não costumo ser diffuso.

Digo sómente que a lei não esteve suspensa por arbitrio meu, mas em virtude das suas disposições.

Na secretaria do reino entendeu-se que essa lei não começava a vigorar em todas as suas partes senão passados dois annos depois de publicada; por consequencia, eu não a suspendi, ella é que diz n'um dos seus artigos que começará a executar-se no fim de dois annos, porque essa execução dependia da elaboração dos regulamentos.

Quanto ao principio de que as parochias pagam com mais facilidade os tributos cuja applicação vêem immediatamente do que pagam aquelles que são applicados aos encargos geraes do estado, observarei que foi esse mesmo principio que determinou o governo transacto a desejar que as freguezias, ou os municipios, subsidiassem a sua instrucção.

Eu sustento que as localidades devem satisfazer as despezas que se fazem com as localidades, os districtos a que pertencem aos districtos, e o estado as que pertencem a todo o reino.

Todos pagara para a sustentação do exercito, mas ha povoações onde, talvez mesmo no volver de seculos, não apparece um soldado, por conseguinte, pedir-lhes para o exercito, é pedir lhes para uma necessidade que elles não conhecem.

Acho mais difficil que ellas de bom grado contribuam para uma cousa em que não têem interesse immediato, do que quando se lhes pede para as suas obras municipaes e para instrucção dos seus filhos.

Foi este o motivo porque se lançou o imposto para as escolas primarias aos municipios. E este principio na minha opinião devia ser adoptado para todos os corpos administrativos; as juntas geraes por exemplo, deviam concorrer para a instrucção secundaria, e aliviava-se assim o estado, que não póde fiscalisar tão bem.

Mas aqui o ponto principal é a maneira por que a instrucção deve ser subsidiada. Ora eu não acho demasiada a dotação que se marca na lei aos sub-inspectores. Se elles quizessem servir gratuitamente, melhor seria, mas como as dedicações d'esta ordem são poucas, se esses inspectores e sub-inspectores forem bons e se quisermos ter bons professores, temos de lhes pagar convenientemente.

Tenho apenas a acrescentar que a lei não estava suspensa por minha culpa, estava suspensa porque na mesma lei se dispunha que ella só devia vigorar dois annos depois, e isto pela demora necessaria para se fazerem os regulamentos.

O sr. Ministro do Reino (Luciano de Castro): - Sr. presidente, eu apenas quero explicar ao digno par, que eu não disse que s. exa. tinha suspendido a lei.

Referi-me apenas ao artigo 61.° da lei de 2 de maio de 1861, que, diz:

(Leu.)

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Porque, em virtude d'este artigo, logo que a lei foi publicada, o sr. Sampaio era obrigado a pagar aos professores os ordenados n'ella estabelecidos. E não os pagou. Logo não cumpriu a lei n'esta parte.

Não tenho mais nada a dizer.

O sr. Presidente: - Tem a palavra o sr. Andrade Corvo.

O sr. Andrade Corvo: - Sr. presidente, eu, tendo apenas um minuto para fallar hoje, porque tanto falta para a hora, e não desejando levar a palavra para casa, desejava que v. exa. me desse antes a palavra na primeira cessão.

Creio que a camara concordará em que n'um minuto não se póde fallar sobre instrucção publica.

Por muito pouco que eu tenha a dizer tenciono tratar de tres pontos distinctos, e não posso levar menos de dez minutos com cada um d'elles. (Apoiados.)

O sr. Presidente: - N'esse caso, a primeira sessão será ámanha, 4 do corrente, e a ordem do dia será a continuação da discussão do parecer n.° 72 e mais os pareceres nos 67, 71, 73, 63 e 70.

Está levantada a sessão.

Eram cinco horas da tarde.

Dignos pares presentes na sessão de 3 de maio de 1880

Exmos. srs.: Duque d'Avila, e de Bolama; João Baptista da Silva Ferrão de Carvalho Mártens; Duque de Palmella; Marquezes, de Ficalho, de Fronteira, de Monfalim, de Vallada, de Vianna, de Sabugosa; Condes, de Avilez, de Bertiandos, de Bomfim, de Cabral, de Castro, de Fonte Nova, de Gouveia, de Paraty, de Podentes, de Samodães, de Valbom, da Torre; Bispo eleito do Algarve; Viscondes, de Alves de Sá, de Bivar, de Borges de Castre, de Condeixa, de S. Januario, da Praia, de Soares Franco, de Valmór, de Villa Maior, de Chancelleiros; Barão de Ancede; Ornellas, Quaresma, Sousa Pinto, Barro s e Sá, D. Antonio de Mello, Couto Monteiro, Fontes Pereira de Mello, Rodrigues Sampaio, Serpa Pimentel, Costa Lobo, Coutinho de Macedo, Barjona de Freitas, Xavier da Silva, Palmeirim, Carlos Bento, Sequeira Pinto, Montufar Barreiros, Fortunato Barreiros, Margiochi, Andrade Corvo, Mendonça Cortez, Mamede, Braamcamp, Baptista de Andrade, Castro, Reis e Vasconcellos, Manços de Faria, Mello Gouveia, Costa Cardoso, Mexia Salema, Luiz de Campos, Camara Leme, Daun e Lorena, Seixas, Vaz Preto, Franzini, Mathias de Carvalho, Canto e Castro, Miguel Osorio, Placido de Abreu, Calheiros, Thomás de Carvalho, Vicente Ferrer, Seiça e Almeida, Pinto Bastos.

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