688 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO
fizera um plano modesto, mas responderam-lhe que se queria um projecto que desse logar a inauguração.
Repete, é preciso evitar estes exemplos, e é preciso que o sr. ministro da fazenda resista ás exigencias dos seus proprios collegas, a fim de realisar o equilibrio orçamental.
(O discurso do digno par será publicado na integra, quando s. exa. devolver as notas tachygraphicas.)
O sr. Ministro da Fazenda (Marianno de Carvalho): - Vou responder ao Orador que me precedeu, não para defender o projecto, com o qual s. exa. está de accordo nos pontos principaes; mas principalmente pela muita consideração que tenho para com o digno par, e para agradecer-lhe a cooperação que promette ao ministro da fazenda, cooperação, aliás, tanto mais apreciavel, quando ella parte de pessoa que, como s. exa., possue tão vastos conhecimentos economicos.
Os conselhos do digno par têem o cunho da auctoridade que resulta da sciencia e da pratica.
Acceito e agradeço, pois, os conselhos de s. exa., e, se todos seguissem o seu exemplo, não se veria constantemente assaltado por exigencias de muito difficil, senão de impossivel, realisação.
S. exa. tem rasão em considerar o deficit como um commensal da casa.
Este facto, de ser o déficit assim considerado, faz-me lembrar uma anecdota que em tempo ouvi contar.
Um francez chegou a Italia e alojou-se n'uma hospedaria. De noite, foi incommodado de tal maneira, que não conseguiu dormir um momento. No dia seguinte, queixando-se á hospedeira, esta disse-lhe:
- Que quer? São os hospedes da casa.
O deficit é tambem um hospede da casa.
Disse o digno par que o assusta a febre continuada de pedidos de melhoramentos materiaes.
Todos querem melhoramentos materiaes e todos querem empregos. E os que são despachados para empregos acabam por queixar-se de ser mal remunerados
Ha individuos que pedem com muita instancia qualquer logar n'uma repartição publica.
Fazem milhares de pedidos para conseguir o emprego, e, quando são satisfeitos os seus desejos, apresentam logo ás côrtes uma representação pedindo melhoria de vencimento!
E a proposito direi que uma das maiores infelicidades que podem acontecer a um homem na sua vida, aconteceu-me a mim.
Consegui eu que o digno par, o sr. Carlos Bento, sendo ministro da fazenda, nomeasse um individuo, por quem lhe pedi; aspirante das alfandegas da raia.
Mal o homem se encontrou n'esta situação, allegou que não podia viver, na localidade onde se achava, com tão pouco ordenado, e foi-lhe concedido que viesse fazer serviço na alfandega de Lisboa.
Ora, estando a fazer serviço na capital, obteve por isso uma gratificação, conseguindo mais tarde passar para o quadro dá alfandega de Lisboa.
Hoje não sei se já foi promovido.
Isto significa tambem que eu tenho mais um motivo para ser grato ao sr. Carlos Bento, entre muitos outros que determinam o meu reconhecimento para com s. exa.
Sr. presidente, para que nós tivessemos já conseguido fazer, como a Italia fez, desapparecer o deficit, bastava que não fossemos obrigados á luctar com repetidas exigencias d'este genero e outras muito mais importantes ainda e que não acontecesse como acontece em varias povoações nossas, onde não ha nem sombra de real de agua.
O real de agua entre nós está sendo muito maior em algumas localidades do que em outras, que têem industria igual; e outras e muitas ha onde as despezas com a fiscalisação d'este imposto são maiores do que o producto do seu rendimento.
Se se estabelecesse a taxa geral de 400 réis, o real de agua renderia 1.200:000$000 réis.
E facto que os contribuintes não abrem espontaneamente ás portas ao fisco; ninguem gosta de pagar maior imposto.
Quanto á necessidade de estar de accordo com os meus collegas, posso asseverar que estou perfeitamente de accordo com elles.
Mas a verdade é que os ministerios das obras publicas, da guerra e principalmente o da marinha e ultramar exigem hoje despezas, para as quaes estão muito insuficientemente dotados.
E a rasão d'isto, no que toca ao ultramar, é que as colonias portuguezas, comquanto tenham diante de si um largo futuro, exigem pesados sacrificios.
Só para a organisação de uma provincia não se gastam menos de 1.200:000$000 réis.
Eu tenho, pois, de luctar com as dificuldades que resultam das naturaes exigencias e necessidades dos ministerios das obras publicas e da guerra; mas com as necessidades do ministerio da marinha ainda mais, porque no ultramar ha muitas vezes a mais completa falta de recursos e os governadores, que lá presidem a todos os ramos de administração, na maioria dos casos, valem-se do unico recurso de sacar sobre ã metropole e o ministro da fazenda, quando menos b espera, vê-se na necessidade de pagar o saque.
Eu devo dizer ao digno par que uma reforma no ultramar importa n'uma despeza consideravel.
S. exa. sabe que as communicações entre a metropole e as colonias, sobre serem difficeis e morosas, são dispendiosas.
O ministerio dá guerra tambem tem assustado sempre todos os ministros da fazenda.
Quanto ao ministerio das obras publicas e a todos os outros ministerios, eu disse aos meus collegas, não ha muito tempo, que se as despezas relativas aos differentes ministerios fossem muito alem das que estavam consignadas na lei de meios, approvada já por esta camara, seria essa para mim uma questão ministerial.
O expediente até agora seguido, de estarmos constantemente a augmentar as receitas e a votar projectos que avolumam consideravelmente as despezas publicas, é impossivel continuar, sem que para isso haja uma rasão imperiosamente attendivel.
O digno par, a proposito dó projecto, fallou dá questão das classes inactivas.
Eu devo dizer a s. exa. que seria muito mais agradavel para nós que o thesouro podesse pagar ás classes inactictivas, em vez de recorrermos ao expediente agora proposto.
A despeza com o pagamento a essas classes é avultada e não se póde de prompto resolver a questão; é preciso appellar para o tempo.
E a este respeito disse o digno par que nós deveriamos pensar um pouco.
Ponderarei a s. exa. que o parlamento vota annualmente um subsidio para a caixa de aposentações, e que o ministro da fazenda não póde apresentar um numero maior do que aquelle que permitte a verba votada, verba que o parlamento póde fiscalisar immediata e promptamente;
S. exa. sabe que pelo regimen antigo as aposentações eram feitas por uma verba votada pelo parlamento e graduadas pela mortalidade.
Agora não; agora o individuo deposita uma certa quantia para a sua aposentação e o thesouro fica alliviado do pesado encargo que tinha até hoje.
Emquanto ás novas aposentações, só se podem fazer em virtude de uma verba votada annualmente pelo parlamento, fixa, certa e determinada, de maneira que o parlamento sabe quanto se gasta cada anno e póde perfeitamente calcular quanto deve auctorisar para, o anho seguinte.