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N.° 52

DE 18 DE JULHO DE 1887

Presidencia do exmo. Sr. Antonio José de Barros e Sá

Secretarios - os dignos pares

Frederico Ressano Garcia
Conde de Paraty

SUMMARIO

Leitura e approvação da acta. - Correspondencia. - O digno par Fernandes Vaz apresentou o parecer n.º 81, sobre o projecto de lei n.° 37. - Ordem do dia: discussão sobre o projecto do banco emissor. - Usam da palavra os dignos pares Augusto José da Cunha, Carlos Bento da Silva, ministro da fazenda, conde de Linhares, conde da Folgosa, Antonio de Serpa Pimentel e Manuel Vaz Preto. - O digno par Mendonça Cortez apresentou o parecer n.° 82, sobre o projecto de lei n.° 40. - O digno par Marino Franzini apresentou o parecer n.° 83, sobre o projecto de lei n.° 36, pedindo que, dispensado o regimento, entrasse em discussão. - O digno par Vaz Preto combateu este pedido. - O digno par Pereira Dias propoz que o requerimento do sr. Franzini tosse posto á votação, depois de votado o parecer n.° 71. - A proposta do digno par Pereira Dias foi approvada pela camara. - Foi approvado o artigo 1.° do projecto, relativo ao banco emissor, sem prejuizo do additamento apresentado na sessão anterior pelo sr. Pe-reira de Miranda. - Tambem foi approvado este additamento. - Foram seguidamente approvados os artigos 2.º, 3.° e 4.° do projecto. - O digno par Franzini pediu para retirar o seu requerimento. A camara resolveu affirmativamente. - Foi approvada sem discussão a convenção entre Portugal e a França para a delimitação das possessões dos dois paizes na Africa occidental. - O digno par Mendonça Cortez apresentou é parecer n.° 84, sobre o projecto de lei n.° 22. - O sr. presidente levantou a sessão, dando para ordem do dia de ámanhã, 19 do corrente, a continuação da que vinha para hoje.

Ás duas horas e tres quartos da tarde, estando presentes 36 dignos pares, o sr. presidente declarou aberta a sessão.

Lida a acta da sessão precedente, julgou-se approvada na conformidade do regimento, por não haver reclamação em contrario.

Mencionou-se a seguinte:

Correspondencia

Officio do ministerio da guerra, remettendo as copias dos documentos respectivos ao caminho de ferro de Lisboa a Torres Vedras, considerado sob o ponto de vista estrategico, faltando a copia do parecer do engenheiro João Joaquim de Matos, sobre este assumpto, por não existir no commando geral de engenheria.

Estes documentos haviam sido requeridos pelo digno par D. Luiz da Camara Leme, e foram entregues a s. exa.

(Estava presente o sr. ministro da fazenda. Entrou durante a sessão o sr. ministro dos negocios estrangeiros.)

O sr. Fernandes Vaz: - Mando para a mesa o parecer n.° 81 da commissão de legislação sobre o projecto de lei n.° 37, creando no concelho de Condeixa & Nova um officio de tabellião.

Foi a imprimir.

O sr. Presidente: Vae entrar-se na ordem do dia.

ORDEM DO DIA

Discussão na especialidade do projecto de lei n.° 13 relativo à creação do banco emissor

O sr. Augusto J. da Cunha (relator): - Pedi a palavra para declarar a v. exa. e á camara que a commissão de fazenda acceita o additamento proposto na sessão passada pelo digno par o sr. Pereira de Miranda.

O sr. Carlos Bento: - Declara approvar o projecto. Mas o interesse que lhe merecem todas ás questões economicas faz com que não possa abster-se de usar da palavra por algum tempo.

Entende que o sr. ministro da fazenda possue a competencia precisa para resolver o problema financeiro, ha tanto tempo pendente.

O sr. Fontes Pereira de Mello por muitas vezes procurara resolvel-o, mas a este desejo oppunham-se dificuldades que aquelle illustre estadista não podia vencer.

A verdade é que, durante quarenta annos de paz, não se tem conseguido equilibrar o orçamento.

As receitas augmentaram tres vezes, o que em grande parte foi devido ao aggravamento do imposto, mas os encargos da divida augmentaram cinco vezes.

Apresenta-se como principal rasão d'este facto o grande desenvolvimento que têem tido os melhoramentos materiaes.

Ora, sem se mostrar contrario a estes melhoramentos, entende comtudo que devemos imitar o prudente exemplo de nações muito mais ricas, que se têem mostrado relativamente muito mais sóbrias em despezas com obras publicas.

Cita o exemplo da Inglaterra e da França.

Não se occupará por agora amplamente das vantagens da unidade da circulação fiduciaria. Isso depende de um accordo com os diversos bancos emissores, e esse accordo terá de vir ao parlamento, onde será discutido opportunamente.

Tem ouvido fallar na necessidade de uma indemnisação aos bancos do Porto, por causa das difficuldades em que se encontram em relação ao estabelecimento de um caminho de ferro em paiz estrangeiro.

Não se conforma com a idéa do estabelecimento de um tal caminho de ferro.

Bem sabe que poderia allegar-se que a Inglaterra tinha tomado parte no canal de Suez, e a Franca no caminho de ferro de Tunis.

Mas a verdade é que a Inglaterra tomou depois conta do Egypto e que a França foi tomar Tunis.

Tendo-se occupado da disposição relativa ao pagamento das classes inactivas, insiste de novo na necessidade de equilibrar a receita com a despeza.

Bismarck disséra que o maior. inimigo da Italia era o deficit.

Não crê que este inimigo da Italia seja nosso amigo, e não é.

Mas a pertinacia que o deficit tem tido em conservar-se no orçamento póde servir-nos de lição e de estimulo para cuidarmos de melhorar no futuro a nossa situação financeira.

Precisâmos ser modestos em melhoramentos materiaes, imitando o exemplo da Turquia.

Conta a este respeito que o conde de Moltke, estando em Constantinopla, fora consultado, na sua qualidade de engenheiro, sobre as obras de canalisação a que se devia proceder para o abastecimento de aguas da cidade. Moltke

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fizera um plano modesto, mas responderam-lhe que se queria um projecto que desse logar a inauguração.

Repete, é preciso evitar estes exemplos, e é preciso que o sr. ministro da fazenda resista ás exigencias dos seus proprios collegas, a fim de realisar o equilibrio orçamental.

(O discurso do digno par será publicado na integra, quando s. exa. devolver as notas tachygraphicas.)

O sr. Ministro da Fazenda (Marianno de Carvalho): - Vou responder ao Orador que me precedeu, não para defender o projecto, com o qual s. exa. está de accordo nos pontos principaes; mas principalmente pela muita consideração que tenho para com o digno par, e para agradecer-lhe a cooperação que promette ao ministro da fazenda, cooperação, aliás, tanto mais apreciavel, quando ella parte de pessoa que, como s. exa., possue tão vastos conhecimentos economicos.

Os conselhos do digno par têem o cunho da auctoridade que resulta da sciencia e da pratica.

Acceito e agradeço, pois, os conselhos de s. exa., e, se todos seguissem o seu exemplo, não se veria constantemente assaltado por exigencias de muito difficil, senão de impossivel, realisação.

S. exa. tem rasão em considerar o deficit como um commensal da casa.

Este facto, de ser o déficit assim considerado, faz-me lembrar uma anecdota que em tempo ouvi contar.

Um francez chegou a Italia e alojou-se n'uma hospedaria. De noite, foi incommodado de tal maneira, que não conseguiu dormir um momento. No dia seguinte, queixando-se á hospedeira, esta disse-lhe:

- Que quer? São os hospedes da casa.

O deficit é tambem um hospede da casa.

Disse o digno par que o assusta a febre continuada de pedidos de melhoramentos materiaes.

Todos querem melhoramentos materiaes e todos querem empregos. E os que são despachados para empregos acabam por queixar-se de ser mal remunerados

Ha individuos que pedem com muita instancia qualquer logar n'uma repartição publica.

Fazem milhares de pedidos para conseguir o emprego, e, quando são satisfeitos os seus desejos, apresentam logo ás côrtes uma representação pedindo melhoria de vencimento!

E a proposito direi que uma das maiores infelicidades que podem acontecer a um homem na sua vida, aconteceu-me a mim.

Consegui eu que o digno par, o sr. Carlos Bento, sendo ministro da fazenda, nomeasse um individuo, por quem lhe pedi; aspirante das alfandegas da raia.

Mal o homem se encontrou n'esta situação, allegou que não podia viver, na localidade onde se achava, com tão pouco ordenado, e foi-lhe concedido que viesse fazer serviço na alfandega de Lisboa.

Ora, estando a fazer serviço na capital, obteve por isso uma gratificação, conseguindo mais tarde passar para o quadro dá alfandega de Lisboa.

Hoje não sei se já foi promovido.

Isto significa tambem que eu tenho mais um motivo para ser grato ao sr. Carlos Bento, entre muitos outros que determinam o meu reconhecimento para com s. exa.

Sr. presidente, para que nós tivessemos já conseguido fazer, como a Italia fez, desapparecer o deficit, bastava que não fossemos obrigados á luctar com repetidas exigencias d'este genero e outras muito mais importantes ainda e que não acontecesse como acontece em varias povoações nossas, onde não ha nem sombra de real de agua.

O real de agua entre nós está sendo muito maior em algumas localidades do que em outras, que têem industria igual; e outras e muitas ha onde as despezas com a fiscalisação d'este imposto são maiores do que o producto do seu rendimento.

Se se estabelecesse a taxa geral de 400 réis, o real de agua renderia 1.200:000$000 réis.

E facto que os contribuintes não abrem espontaneamente ás portas ao fisco; ninguem gosta de pagar maior imposto.

Quanto á necessidade de estar de accordo com os meus collegas, posso asseverar que estou perfeitamente de accordo com elles.

Mas a verdade é que os ministerios das obras publicas, da guerra e principalmente o da marinha e ultramar exigem hoje despezas, para as quaes estão muito insuficientemente dotados.

E a rasão d'isto, no que toca ao ultramar, é que as colonias portuguezas, comquanto tenham diante de si um largo futuro, exigem pesados sacrificios.

Só para a organisação de uma provincia não se gastam menos de 1.200:000$000 réis.

Eu tenho, pois, de luctar com as dificuldades que resultam das naturaes exigencias e necessidades dos ministerios das obras publicas e da guerra; mas com as necessidades do ministerio da marinha ainda mais, porque no ultramar ha muitas vezes a mais completa falta de recursos e os governadores, que lá presidem a todos os ramos de administração, na maioria dos casos, valem-se do unico recurso de sacar sobre ã metropole e o ministro da fazenda, quando menos b espera, vê-se na necessidade de pagar o saque.

Eu devo dizer ao digno par que uma reforma no ultramar importa n'uma despeza consideravel.

S. exa. sabe que as communicações entre a metropole e as colonias, sobre serem difficeis e morosas, são dispendiosas.

O ministerio dá guerra tambem tem assustado sempre todos os ministros da fazenda.

Quanto ao ministerio das obras publicas e a todos os outros ministerios, eu disse aos meus collegas, não ha muito tempo, que se as despezas relativas aos differentes ministerios fossem muito alem das que estavam consignadas na lei de meios, approvada já por esta camara, seria essa para mim uma questão ministerial.

O expediente até agora seguido, de estarmos constantemente a augmentar as receitas e a votar projectos que avolumam consideravelmente as despezas publicas, é impossivel continuar, sem que para isso haja uma rasão imperiosamente attendivel.

O digno par, a proposito dó projecto, fallou dá questão das classes inactivas.

Eu devo dizer a s. exa. que seria muito mais agradavel para nós que o thesouro podesse pagar ás classes inactictivas, em vez de recorrermos ao expediente agora proposto.

A despeza com o pagamento a essas classes é avultada e não se póde de prompto resolver a questão; é preciso appellar para o tempo.

E a este respeito disse o digno par que nós deveriamos pensar um pouco.

Ponderarei a s. exa. que o parlamento vota annualmente um subsidio para a caixa de aposentações, e que o ministro da fazenda não póde apresentar um numero maior do que aquelle que permitte a verba votada, verba que o parlamento póde fiscalisar immediata e promptamente;

S. exa. sabe que pelo regimen antigo as aposentações eram feitas por uma verba votada pelo parlamento e graduadas pela mortalidade.

Agora não; agora o individuo deposita uma certa quantia para a sua aposentação e o thesouro fica alliviado do pesado encargo que tinha até hoje.

Emquanto ás novas aposentações, só se podem fazer em virtude de uma verba votada annualmente pelo parlamento, fixa, certa e determinada, de maneira que o parlamento sabe quanto se gasta cada anno e póde perfeitamente calcular quanto deve auctorisar para, o anho seguinte.

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No relatorio do decreto que creou a caixa das aposentações, instituição que tem dado excellentes resultados, tendo-se já comprado 80:000$000 réis em inscripções com o producto das entradas, fallava-se das vantagens que poderiam advir de uma combinação com o banco de Portugal para o pagamento das classes inactivas.

Fallou tambem o digno par na questão de Salamanca e na questão dos bancos do Porto.

S. exa. poz a questão nos seus verdadeiros termos, nos termos em que ella deve ser posta e em que eu tenho semprer querido collocal-a.

É claro que qualquer combinação feita pelo governo em nada impede o parlamento de proceder como entender mais conveniente, e sem que se veja obrigado a approval-a, porque, desde o momento em que o governo ultrapasse as suas attribuições, terá de recorrer ao parlamento, ficando a este inteira liberdade de apreciação, aposto que eu esteja convencido de que este accordo não é absolutamente necessario.

Muitos dos bancos que têem a faculdade da emissão de notas nunca usaram d'ella, e os bancos do Porto, que a têem aproveitado, nunca viram tomar grande desenvolvimento essa circulação; de fórma que, se até aqui, que as notas dos bancos do Porto tinham no norte do paiz o mesmo curso legal que no districto de Lisboa tinham as notas do banco de Portugal, não tiraram aquelles bancos vantagens apreciaveis de tal privilegio, não é de crer, que, tendo de futuro as notas do banco emissor curso legal em todo o paiz, as notas dos bancos do Porto possam prejudicar esse curso.

Por consequencia, julgo que não é indispensavel o accordo por causa do privilegio da emissão, accordo que mais se impõe pelas necessidades da questão de Salamanca.

Disse s. exa., e muito bem, que esta questão é um mal e que o mal não provem de doença, mas principalmente de remedio.

Ora todo e qualquer governo ha de sempre encontrar-se a braços com dificuldades provenientes d'essa questão.

Creio que a nada mais tenho que responder ao digno par, tanto mais, que s. exa. não impugnou o projecto.

Termino, por isso, como comecei, prestando ao digno par o testemunho de apreço em que tenho a sua opinião e agradecendo-lhe a cooperação que dá ao governo.

(S. exa. não reviu.)

O sr. Conde de Linhares: - Apenas por alguns minutos occuparei a attenção da camara, o que ainda assim não succederia se eu tivesse interrompido o sr. ministro da fazenda, quando ainda agora disse que um dos ministerios de que tinha mais receio era o da marinha, por causa dos augmentos de despeza que, provenientes d'elle, vem sobrecarregar o orçamento. Não fiz a interrupção, porque em alto grau considero o nobre ministro.

Ora, o ministerio da marinha é da marinha e ultramar, e eu perguntaria ao nobre ministro se os seus receios provem das despezas resultantes do ultramar ou propriamente da marinha.

O sr. Ministro da Fazenda: - Eu referia-me ao ultramar.

O Orador: - Ora foi por isso que eu tomei a palavra n'este assumpto.

O nobre ministro referiu-se a despezas avultadas. Por isso desejei que ficasse bem accentuado este ponto. Mas a interrupção de s. exa. esclareceu as minhas duvidas.

(O digno par não reviu.)

O sr. Ministro da Fazenda: - Apenas quero dizer ao digno par que, quando fallei no ministerio da marinha, me referia unicamente ás nossas colonias, como creio ter feito sentir claramente.

O sr. Conde da Folgosa: - Sr. presidente, votei na ultima sessão a generalidade d'este projecto e confesso que dei o meu voto sem o minimo constrangimento. Procedi segundo os dictames da minha consciencia porque reputo a medida em discussão de utilidade para o paiz e de subido valor para os interesses do thesouro publico.

Os notaveis discursos aqui pronunciados, tanto por parte do governo, como pelo lado da opposição, esclareceram por tal fórma o espirito da camara sobre o valor e importancia do projecto pendente da nossa approvação final, que tudo quanto eu podesse dizer, em resultado do meu estudo sobre, o assumpto, evidentemente não teria influencia alguma sobre a resolução d'esta assembléa.

Ha, comtudo, nas bases para o contrato com o banco tres pontos com que eu não estou de accordo e por isso mesmo me inspiraram a resolução de mandar para a mesa estas propostas, que vou ler e fundamentar, segundo as prescripções do nosso regimento.

"Proponho ao artigo 30.°, (a) a seguinte emenda: - nomeado por tres annos."

Na organisação do novo banco emissor figuram algumas disposições que foram tiradas do banco hypothecario, e eu estimava bastante que se não tivessem esquecido outras que igualmente podiam ter sido aproveitadas. Refiro me á nomeação do governador.

Na companhia geral do credito predial o governador é eleito pela assembléa geral, depois confirmado pelo governo, exerce o cargo unicamente por tres annos, findos o§ quaes, se procede a nova eleição, bem como á de uma parte dos corpos gerentes do mesmo estabelecimento. Ora eu queria que para o banco emissor, onde não ha eleição, mas sim nomeação, que ella fosse feita de tres em tres annos, e não de seis em seis, como se determina n'estas bases. Se o governador se tornar digno pelo seu zêlo e illustração de ser reconduzido no logar o governo póde decretar a reconducção porque para isso fica auctorisado pela presente lei.

A outra minha proposta é a seguinte:

"Proponho que se elimine do artigo 34.° a sua segunda parte, comprehendida entre a palavra - exclusivamente - e as palavras - interesses do estado - inclusivamente."

Esta parte refere-se, como se vê, ao artigo 34.°, que marca as attribuições do governador do banco.

N'este artigo estabelece-se que o governador póde suspender as decisões das secções, as do conselho de administração, para as submetter á deliberação do conselho geral, urgentemente convocado; podendo ainda suspender as deliberações d'este, dando parte ao governo, que póde resolver ou deixar sem resolução o incidente que motivou a suspensão, porque n'esta lei não se impõe ao governo obrigação alguma a este respeito.

Bem sei que me podem dizer que a suspensão das deliberações tomadas é só nos casos em que ellas forem contrarias á lei e aos estatutos; mas a isso responderei que as deliberações assim tomadas não têem validade, e lá está a lei de sociedades anonymas para corrigir os abusos e impor a responsabilidade a quem os praticar, e não é preciso dar poderes tão latitudinarios ao governador para que ella possa suspender, primeiro as decisões tomadas por tres directores, depois por dez, e por ultimo por dezesete (conselho fiscal e toda a direcção).

Esta faculdade parece-me, não só inadmissivel, em face do systema liberal que nos rege, mas tambem a reputo prejudicial aos bons principios de administração bancaria.

E por isso que eu não posso concordar que o governador do banco tenha por si só o direito de suspender as deliberações tomadas por dezesete homens que tanto são os que compõem a direcção e o conselho fiscal, todos eleitos pelos maiores accionistas do mesmo banco em assembléa geral.

É, pois, com estes fundamentos que proponho a eliminação da parte final do artigo 34.°

A terceira e ultima proposta é a seguinte:

"Proponho que sejam tambem eliminados os §§ 2;° e 3.° do artigo 42.° e todo o artigo 44.°"

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Os §§ 2.° é 3.° do artigo 42.° e todo o artigo 44,° foram aqui transcriptos palavra por palavra dos actuaes estatutos do banco de Portugal.

Nem lhes falta uma virgula só!

Ora, os estatutos compõem-se de mais de cento e cincoenta artigos, mas só os dois a que aqui me refiro é que mereceram as honras de serem transcriptos no projecto das bases para o contrato com o banco, emquanto que todos os outros foram indifferentemente postos de lado, por terem sido considerados de importancia secundaria debaixo de um certo e determinado ponto de vista.

Eu entendo, sr. presidente, que tudo quanto diz respeito á organisação de estatutos é das attribuições exclusivas dos accionistas, e não da competencia do governo, que em caso nenhum tem direito de intrometter-se no que for considerado como materia regulamentar, salvo quando haja alguma disposição contraria á lei geral, porque n'este caso manda reformar o estatuto é só depois lhe dará a sua approvação final, A não ser assim, então seria melhor o governo decretar desde já os novos estatutos, dispensando os accionistas do incommodo de os organisar, é tudo correria bem, se não houvesse reclamações em contrario por parte dos interessados.

É, portanto, sr. presidente, que mando para a mesa, com este fundamento, a terceira proposta, conjuntamente com a primeira e segunda, para que a camara tome d'ellas conhecimento e as resolva como entender na sua alta sabedoria.

Leu-se na mesa a proposta do sr. conde da Folgosa:

Proposta

Proponho ao artigo 30.° a) das bases para o contrato á seguinte emenda nomeado por tres annos.

Proponho que se elimine do artigo 34.° a sua segunda parte, comprehendida entre a palavra "convocado" exclusivamente e as palavras "interesses do estado" inclusivamente.

Proponho, finalmente, que sejam eliminados os §§ 2.° e 3.° do artigo 42.° e todo o artigo 44.°

Camara dos pares, 16 de julho de 1887. = Conde da Folgosa.

Foi admittida á discussão.

O sr. Ministro da Fazenda: - Sr. presidente, sinto não poder acceitar as propostas do digno par que acaba de fallar, não obstante a muita consideração que tenho por s. exa.

Vou dizer rapidamente á camara os motivos por que entendo que essas propostas não podem ser acceitas.

A primeira refere-se ao tempo por que deve servir o governador do banco emissor.

Eu entendo que o praso de seis annos não é excessivo, tanto mais que o governador do banco, desde que falte ao cumprimento dos seus deveres; póde ser exonerado.

Alem d'isso o logar de governador do banco, no primeiro periodo, exige um largo estudo e um grande trabalho. Parece-me, portanto, que a nomeação deverá ser pôr seis annos e não por tres, para se lhe dar a esperança de que, cumprindo os seus deveres, conservará o logar por esse espaço de tempo.

S. exa. apontou o exemplo da companhia de credito predial.

Ora eu reconheço que é difficil é melindroso o desempenho do Jogar de governador do Credito predial. Entretanto devo dizer que o logar de governador do banco emissor me parece bem mais difficil de desempenhar.

Quanto á questão do governador poder suspender as deliberações do conselho geral, parece-me que esta disposição deve ser mantida nos termos das bases, que são sufficientemente cautelosos.

O digno par propõe tambem que sejam eliminados os §§ 2.° e 3.° do artigo 42.° e todo o artigo 44.

Diz s. exa. que estes artigos foram copiados textualmente dos estatutos do banco de Portugal.

Ora estes estatutos foram votados em assembléa geral do banco, e sanccionados, ouvido o conselho de ministros assim como o procurador geral da corôa.

Por consequencia, eu ficaria muito mal commigo mesmo, se não mantivesse disposições votadas e approvadas por tantas pessoas competentes, incluindo o sr. Hintze Ribeiro, e sanccionadas pela pratica.

O bom governo do banco depende dos actos da direcção, não depende dos actos da assembléa geral, como s. exa. sabe muito bem.

Taes são os motivos que tenho para me oppor ás propostas do digno par.

(S. exa. não reviu.)

sr. A. de Serpa: - Peço desculpa á camara de ter pedido a palavra, estando nós ainda sob a impressão do espirituoso discurso do digno par o sr. Carlos Bento. Não pedi a palavra para contradizer s. exa.; tambem não foi para contradizer o sr. ministro da fazenda, porque me parece que estou completamente de accordo com todas as considerações que apresentou.

Cheguei até por um momento a illudir-me um pouco e a pensar que s. exa. já não era ministro e que fallava como um membro da opposição.

Disse s. exa. que o sr. Carlos Bento lhe deu conselhos. Eu entendo que esses conselhos não foram ao sr. ministro da fazenda, más aos seus collegas. Era bom que os acceitassem. Mas, como eu disse, não responderei aos discursos proferidos hoje n'esta camara.

Na sessão de ante-hontem, quando acabou de fallar o sr. Pereira de Miranda, abstive-me de usar da palavra, porque não desejava impedir que se votasse o projecto na generalidade, é constava-me que se desejava que tivesse logar aquella votação.

Não tinha eu muito que responder ao meu amigo o sr; Pereira de Miranda, porque hão divirjo da maior parte das observações que apresentou.

Nem com todas ellas todavia eu Concordo, e a uma me referi apenas especialmente.

O digno par tratou das epochas que classificou de prosperidade apparente e de prosperidade real do paiz.

Referindo-se a 1876, disse que tinha sido uma epocha de prosperidade apparente, e considerava-a assim porque em setembro d'esse anno houve a crise de que todos nós temos lembrança.

Admiro-me de que õ digno par tenha esta opinião, quando no seu discurso se mostrou tão conhecedor do que se tem passado, em epochas de crise, na Inglaterra.

Ahi deveria ter visto que algumas das crises succederam exactamente n'uma epocha de prosperidade, e de prosperidade real, que não se converteu em apparente, porque uma crise lhe sobreveiu. E isto explica-se perfeitamente.

Nas epochas de prosperidade ha abundancia de capital e abundancia de credito, e é ordinariamente o abuso do capital e do credito que produz as crises financeiras.

Na epocha a que o digno par sé referiu, nos primeiros mezes de 1876, havia abundancia de capital e de credito; os fundos subiam, e não só os fundos dó estado, mas até as acções dos bancos, das companhias e dás sociedades industriaes.

Alem d'isto, não tiveram uma subida rapida, n'um curto periodo; foi uma subida longa, permanente, continua, insistente e importante.

Os nossos fundos publicos em 1876 chegaram a 55. Poucos annos antes estavam, não só abaixo de 50 não só de 40, mas chegaram mesmo a estar debaixo de 30.

Depois subiram gradualmente, mas constantemente, permanentemente, até aquella situação que o digno par classificou de prosperidade apparente.

Mas não só subiam os fundos, e abundava o capital é o credito.

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As receitas publicas, outro indicio certo de prosperidade real, augmentaram consideravelmente. As receitas publicas em 1876 excederam em 6.000:000$000 réis as receitas que tinha havido, ha quatro annos antes.

E este augmento de receitas tambem foi continuo e successivo durante os quatro annos anteriores, e não proveiu do augmento da importação de cereaes ou do azeite, como ás vezes succede, porque então significava escacez da producção agricola, e não prosperidade real. Mas o augmento da receita verificou-se em todas as classes de impostos.

E se fosse verdadeira a asserção do digno par, se a prosperidade daquella epocha deixou de poder ser considerada como real, porque se lhe seguiu uma crise, então tambem se não póde dizer ainda que estamos agora em uma epocha de prosperidade real, porque póde sobrevir uma crise dentro de dois, tres ou quatro mezes.

Não digo isto porque receie que uma tal crise sobrevenha dentro de dois, quatro ou seis mezes. Creio que não virá. Más quando ella virá de certo será dentro de dois, quatro ou seis annos, se continuarmos a ter deficits annuaes de 8.000:000$000, 9.000:000$000 e 10.000:000$000 réis. N'este caso é que a crise será fatal e inevitavel.

O digno par sabe perfeitamente qual foi o deficit da gerencia com que findou o anno economico, terminado em junho do anno passado. Foi superior a 9.500:000$000 réis. O deficit da gerencia do anno economico, que terminou ha poucos dias, ainda se não sabe exactamente qual foi, mas, segundo indicam as ultimas contas do thesouro publicadas e a divida fluctuante em 30 de junho, comparada com a de 30 de junho do anno passado, deve ser de mais de 10.000:000$000 réis. O deficit do anno economico que começou ha poucos dias e o do anno economico futuro tambem não hão de ser inferiores, se continuarmos a governar e a administrar como estamos governando e administrando actualmente.

Deixemos, porém, este assumpto, porque não foi por causa d'elle que pedi a palavra.

Tinha eu dito, a proposito d'aquelle artigo vago sobre o accordo para indemnisar os bancos, que esta discussão não podia passar sem que nós soubessemos se o governo tencionava indemnisar sómente os bancos que tinham o direito ou a faculdade da emissão, e que tinham usado d'essa faculdade, e d'ahi auferido lucros, ou tambem os bancos que tinham a faculdade e não tinham usado d'ella.

Eu pergunto se o sr. ministro da fazenda entende que se deve dar indemnisação, não só aos bancos que têem tirado vantagem da emissão de notas, como áquelles que, tendo a faculdade da emissão, nunca d'ella sé utilisaram.

O sr. Ministro da Fazenda: - Eu entendo que se lhes póde fazer alguma concessão, mas que não têem direito a qualquer indemnisação.

O Orador: - Da resposta de s. exa. vê se que, pelo que respeita aos bancos que teem o direito da emissão, mas que nunca usaram d'elle, se lhes póde dar alguma concessão, mas não uma indemnisação.

Está, pois, satisfeito o meu fim, que não era outro senão provocar sobre este ponto uma resposta do sr. ministro da fazenda.

Não digo que ella fosse inteiramente explicita e categorica, mas não tenho remedio senão satisfazer-me com ella.

O sr. Vaz Preto: - Como o § 2.° do artigo 1.° se reduz a dispor que o governo poderá celebrar um accordo que não exceda as attribuições do poder executivo, é inutil e desnecessario no projecto esta disposição, pois até áquelle ponto chegam as faculdades do poder executivo.

Sendo inutil e desnecessario este § 2.°, como se deduz das declarações e doutrinas que s. exa. o sr. ministro da fazenda professa e expoz aqui na ultima sessão, a respeito dos bancos do Porto, proponho a eliminação do referido paragrapho, e parece-me que s. exa. não terá duvida em acceitar a minha proposta, porque para fazer accordos que não sáiam das attribuições do executivo, não precisa o governo nem o sr. ministro da fazenda auctorisação alguma.

No emtanto, a declaração que o sr. ministro fez hoje de que entendia que, mesmo aos bancos que não chegaram a usar da faculdade de emittir notas, se deve dar alguma cousa, declaração que é diametralmente opposta e que não está de accordo com à sua anterior, em que affirmava que aquelles bancos, tendo recebido um favor, não tinham direito a indemnisações, faz-me persuadir que o sr. ministro da fazenda está hoje mais macio para com os bancos e não terá duvida de os attender nas suas injustificaveis pretensões, embora em detrimento do paiz.

O sr. ministro não reconhece na sua primeira declaração direito aos bancos, a indemnisações; na segunda porem parece s. exa. indicar que não só os bancos que emittir, em notas, a, que o projecto se refere teem esse direita, mas mais alguns, que tendo, a, faculdade da, emissão, não chegaram, a usar d'ella! Similhante afirmação é, sem duvida uma ironia, pungente para o parlamento.

Na minha opinião, sr. presidente, nenhum tem direito a indemnisações, e ainda menos os que tinham a faculdade da emissão e não chegaram a usar d'ella.

Só não tiraram proveito d'esse privilegio, é porque não quizeram, ou porque elle não lhe dava resultado; portanto não têem rasão nem base alguma em que possam firmar a justiça das suas reclamações.

Mas, sr. presidente, não sou eu só que affirmo que elles não têem direito, é a propria lei, que lhes concede esses privilegios. Aquella faculdade de emittir notas foi-lhes concedida condicionalmente, só até ao momento de se regular este assumpto. A lei de 14 de abril de 1874 é bem expressa a este respeito no artigo 3.°, que eu já aqui citei n'outra sessão. Portanto qualquer cousa que n'este sentido sé faça ou se dê, é e será sempre um favor.

Sr. presidente, está theoria de que os favores que sé fazem hão de continuar por tempo indefinido, é se quem os faz não quizer continuar a fazel-os, fica sendo obrigado a pagar indemnisações, é nova é cerebrina. Eu esperava ou, vir tudo no parlamento, menos um similhante asserto. Eu não sei onde nos levará esta doutrina. Eu não sei riem comprehendo a protecção a esta classe em detrimento das outras.

O sr. ministro da fazenda acha-se em terreno tão escorregadio, que as contradicções succedem umas ás outras, e não podendo sustentar n'este caso ás indemnisações aos bancos, isto é, pela faculdade que elles tinham de emittir notas, vem então com outro pretexto. Então ás reclamações são para serem indemnisados das perdas que soffreram na especulação dó caminho de ferro de Salamanca. Nesse caso o § 2.° do artigo é aqui disparatado.

O caminho de ferro de Salamanca não tem relação alguma com o banco emissor. Se o sr. ministro entende que os bancos, entrando n'uma especulação contraria aos seus estatutos e tendo soffrido perdas, têem direito a indemnisações do estado, n'esse caso traga aqui a questão tal qual ella é; discutamol-a, examinemol-a seriamente 5 resolvamos depois; mas envolver esta questão com a do banco emissor é fazer suspeitar que ha cousa occulta e mysteriosa, para a qual se carece de uma auctorisação. disfarçada da camara.

Parece me ter mostrado, sob os differentes pontos de vista, que o § 2.° não tem rasão de estar inserido no projecto. Se ao governo dentro da esphera da sua actividade, cabe a disposição inserta no paragrapho, é inutil e desnecessario o paragrapho.

N'esta conjunctura desejo pois que o sr. ministro diga sé acceita ou não a minha proposta para a eliminação do § 2.° do antigo 1.° do projecto que está em discussão.

O sr. Ministro da Fazenda: - Sr. presidente, pedi a palavra para dizer ao digno par que não posso acceitar o seu alvitre, porque entendo que é necessario que os bancos desistam dá emissão, e rasões de ordem publica me acon-

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selham a dar-lhes uma compensação. Alem d'isso, se, no accordo com os bancos, o governo exceder as attribuições do poder, executivo, virá submetter esse accordo á sancção legislativa. Não ha, portanto, nenhum perigo na conservação do paragrapho, que de mais a mais foi introduzido no projecto para satisfazer a commissão de fazenda da camara dos senhores, deputados, que desejava tornar mais restricta a auctorisação dada ao governo.

Agora vamos ás explicações que o digno par deseja.

Eu devo dizer a s. exa. que a opinião que mantenho, inteira e completa, é de que os. bancos não teem direito a, nenhuma especie de indemnisação.

Mas o que disse eu hoje, respondendo ao digno par o sr. Carlos Bento da Silva?

Insisti, n'esta ordem de idéas, em que o principal motivo que levaria o governo à fazer um accordo com os bandos do Porto era ainda o caminho de ferro de Salamanca.

Se a questão fosse de direito, então a indemnisação seria obrigatoria para o estado.

Agora a pergunta que me fez o digno par o sr. Serpa Pimentel é differente. Perguntou-me s. exa. se a indemnisação dada aos bancos do Porto que tinham a faculdade de emittir notas trazia onus para o estado?

Eu respondo a s. exa. que não.

Perguntou me mais s. exa. se as concessões que o governo talvez haja de fazer aos bancos, que, apesar de terem a faculdade de emissão, não teem usado dessa faculdade até hoje, importariam onus para o estado?

Eu respondo igualmente a s. exa. que não.

Por consequencia, não me parecem justas as enormes accusações que o digno par. me fez a respeito das indemnisações e concessões que não são onerosas para o estado.

Resta-me a questão de Salamanca.

Disse o digno par que o ministro da fazenda é quem menos póde dar indemnisações aos bancos do Porto.

Permitta-me o digno par que lhe diga que sou exactamente eu quem tem mais auctoridade para dar essas indemnisações, porque combati por todos os meios ao meu alcance a questão do caminho de ferro de Salamanca; combati no parlamento e fóra do parlamento; combati-a com a penna na mão e em comicios.

Mas, o que encontrei eu?

Encontrei a questão de Salamanca na integra. Encontrei o contrato Salamanca feito, e, portanto, tenho obrigação de acceitar as suas consequencias e avaliar o que ellas podem trazer de bom ou mau para o credito publico. Pergunto eu ao digno par, apesar do seu muito zêlo pelo interesse publico, mas suppondo que a questão de Salamanca era, tal que levasse a praça do Porto a uma crise grave, se não lhe tremeria a mão quando por um acto seu fizesse perigar aquella praça e com ella o credito nacional?

Não tomo a responsabilidade dos factos que deram origem ao chamado syndicato de Salamanca; não tomo essa responsabilidade, nem a posso tomar, nem tomo a responsabilidade da boa ou má gerencia d'esse syndicato; mas tenho obrigação de trazer ao parlamento alguma medida que evite um mal maior, se porventura elle ameaçar.

Não venho aqui sanccionar o contrato Salamanca.

Encontrei as consequencias d'esse contrato, e, no uso das minhas attribuições e no cumprimento do meu dever, entendo que devo propor ao parlamento o que julgar mais necessario para evitar qualquer mal que se torne imminente e que possa affectar o nosso credito.

Parece-me que o digno par deve ficar satisfeito com estas minhas explicações.

Por ora, não lhe posso dar outras.

(S. exa. não reviu.)

O sr. Mendonça Cortez: - Mando para a mesa o parecer n.° 82, sobre o projecto de lei n.° 40, annexando á freguezia de Cótimos á comarca de Trancoso, e o parecer n.° 84 sobre o projecto de lei n.° 22, fixando o subsidio orçamental para o pagamento das classes inactivas.

Foram a imprimir.

O sr. Franzini: - Mando para a mesa o parecer da commissão de marinha, que approva o projecto de lei que concede um posto de accesso, por distincção, ao guarda marinha João Baptista Ferreira e a um soldado de marinheiros que praticaram actos de valor no combate de Tungue.

Pedia a v. exa. consultasse a camara sobre se permitte que se, dispense a impressão d'este projecto, a fim de poder entrar em discussão hoje mesmo, caso termine a discussão sobre o projecto que tem occupado a attenção da camara.

(O digno par não reviu.)

O sr. Vaz Preto: - Entendo, sr. presidente, que a camara não deve approvar o requerimento do digno par, por isso que o tempo não urge, e não ha rasão para que a camara vote sem bem conhecer o projecto e sem saber a questão.

Demais, eu preciso conhecer o projecto, porque faço tenção de discutir. Não para impedir que actos de valor sejam premiados, mas sim para fazer que os premios e os galardões vão a todos os que os ganharam e mereceram. Espero, pois, que a camara não dispensara o regimento, antes pelo contrario resolverá que o parecer seja impresso e distribuido regularmente.

O sr. Franzini: - Isto é um caso excepcional. O digno par sabe perfeitamente que os individuos contemplados neste projecto se portaram com inexcedivel valentia, que o guarda marinha foi atravessado por duas balas e que o marinheiro perdeu um olho no combate.

Por este feito militar evitou-se que um numero grande de indigenas occupasse a nossa posição e fez-se recuar o inimigo para alem da praia. Eu, suppondo interpretar os sentimentos da camara, propuz a dispensa da impressão e a discussão d'este projecto quando se votar o que se está discutindo, a fim de que se não demore recompensa tão justa.

(O digno par não reviu.)

O sr. Pereira Dias: - Sr. presidente, eu achei de todo o ponto justo tudo quanto acaba de dizer o sr. Franzini; mas o que acho improprio é que se intercale na discussão de um projecto a discussão de um outro.

(O digno par não reviu.)

O sr. Presidente: - O digno par o sr. Franzini frisou bem a sua intenção, que era a de propor á camara a dispensa da impressão do parecer que mandou para a mesa, a fim de que se podes se discutir logo que terminasse a discussão do projecto de que a camara sé está occupando.

Portanto, opportunamente consultarei a camara.

O sr. Conde da Folgosa: - Pedi a palavra para agradecer ao sr. ministro da fazenda as explicações que me deu, e, como s. exa. declarou não poder acceitar as minhas propostas, peço a v. exas. que consulte a camara sobre se permitte que eu as retire.

Consultada a camara concedeu a licença pedida.

O sr. Vaz Preto: - Poucas reflexões tenho a fazer, sr. presidente; o que eu desejo é que o sr. ministro da fazenda explique á camara quaes as rasões de ordem publica que s. exa. affirma ter, que não lhe consentem que seja eliminado o § 2.° do projecto?

Quaes são essas rasões de ordem publica que influem no animo de s. exa. para conservar no projecto um paragrapho inutil e superfluo, é que á camara precisa saber.

Sr. presidente, póde porventura haver rasões poderosas e de ordem publica que façam metter e conservar num projecto um paragrapho que é inutil, desnecessario e superfluo? Ninguem o acredita. Se o sr. ministro tem a faculdade de fazer o accordo a que se refere o paragrapho, para que pede a intervenção da camara?

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SESSÃO DE 18 DE JULHO DE 1887 693

Quaes são pois essas rasões de ordem publica tão imperiosas, que não consentem que, um paragrapho inutil superfluo seja eliminado, é preciso dizel-o. Pois se o governo póde negociar independente d'este projecto, quem é o que é, e quaes as rasões de ordem publica que o impedem de negociar. Precisâmos liquidar este negocio, que sendo simples de sua natureza, parece que se vae complicando e tornando escuro cada vez. mais. Não ha duvida que o governo tem toda a, liberdade dentro da esphera da sua actividade, mas tambem não ha duvida que, saíndo fóra d'ella, ha de forçosamente trazer ao parlamento a combinação, accordo ou contrato que fizer, para nós o sanccionarmos.

Por isso não se comprehende que, sendo este paragrapho tão manifestamente, inutil e superfluo, s. exa. nos venha dizer agora que faz má impressão eliminado; que se oppõem é sua. eliminação rasões de ordem publica!!! Explique-nos pois este mysterio. Que s. exa. diga que rasões de ordem publica exijem um accordo com os bancos comprehendo eu mas que nos diga que rasões de ordem publica se oppõem á eliminação do paragrapho é o que eu não comprehendo, nem posso comprehender. Sr. presidente, tambem não comprehendo a relação que tenha a creação de um banco emissor com os bancos do Porto para lhes dar o estado um au xilio, attenta as suas más circumstancias financeiras. Nada d'isto eu comprehendo, sr. presidente.

Comprehendo que, se a situação dos bancos do Porto é tão critica que estão a ponto de quebrar, que o governo desse áquelles bancos o mesmo auxilio que o governo regenerador deu aos bancos do paiz em 1876. Comprehendo que o governo faça agora o que fez o governo1 regenerador, quando houve uma crise bancaria, em 1876.

Comprehendo que lhe facilite por emprestimo de capitães do que elles carecerem para continuar desafrontadamente as suas operações; comprehendo que por esta fórma o governo os ajude a sustentarem-se; mas não comprehendo que o sr. ministro da fazenda e as camaras tenham o direito de poder distrahir e dispor dos rendimentos publicos em favor de interesses alheios e particulares. Os bancos, quando tiverem lucros e vantagens de qualquer especulação, não repartem com o governo, e portanto não teem direito a lesar e a prejudicar as outras classes, com quem não repartem os seus lucros, obrigando-as a soffrer os encargos das operações mal combinadas que fizerem contra disposição expressa dos seus estatutos.

Sr. presidente, o facto de conceder um auxilio como indemnisação aos bancos do Porto em detrimento de outras classes do paiz, não se póde admittir; eu pelo menos protesto contra similhante doutrina, que ha de influir desfavoravelmente nas nossas finanças. É necessario estabelecer as boas regras de administração, firmal-as e sustental-as.

É preciso não as esquecer, e não as postergar sob qualquer pretexto frivolo e. falso.

Sr. presidente, eu voto contra o § 2.° do artigo, por ser inutil e superfluo, e voto pelas rasões que expendi n'outra sessão contra a auctorisação pedida para a creação de um banco emissor. Uma das principaes rasões por que voto contra a creação do banco, é porque neste banco hão de estar, depositadas uma grande parte das fortunas do paiz, que ao mais leve abalo que haja na Europa, hão, de soffrer um grande prejuizo, como é fatal n'essas occasiões. Se o governo pretende agora soccorrer bancos com quem não está ligado, o que succederá então.com este, com quem tem contratos e intimas ligações? Sr. presidente, quando o paiz é pobre e os capitães estão empregados em operações com o governo, á mais breve complicação europea, a crise será fatal, igual ou muito peior ainda do que em 1846, em que as notas perderam metade do seu valor, e o governo, para acudir á crise, se viu obrigado a dar-lhe curso forçado.

Ora, como eu não quero o papel moeda que, sendo forçado, revela, sempre a falta de numerario e uma crise temerosa, é a rasão porque a tempo eu mostro, os perigos para os evitarem se quizerem. O que eu não serei nunca é connivente com os governos e maiorias em favorecer meios para futuros desastres. Por isso, repito, voto contra esta e todas as auctorisações que o actual governo pedir.

O sr. Ministro da Fazenda: - Pedi a palavra para dizer ao digno par que, quando me referi, a questões de ordem publica, me referi sómente a ellas debaixo do ponto de vista do alto interesse publico, e não ás de outra qualquer especie. S. exa. comprehende perfeitamente que o facto de estar inserida na lei esta disposição, e de não ser approvada por um dos corpos legislativos, póde produzir lá fóra impressão e tornar se-nos prejudicial; rasão esta por que me vão é possivel acceitar a proposta do digno par.

Emquanto á segunda parte do discurso de s. exa., o digno par disse, e disse muito bem, que o governo não era obrigado a indemnisar os bancos do Porto, por haverem feito uma má especulação, e que portanto não se devia ir sacrificar a grande massa dos contribuintes para lhes valer. Esta é a verdade; mas supponha s. exa. que por causa dessa má especulação uma grande crise rebentava na, praça do Porto,?

Entende, s. exa. que, é mais conveniente deixar progredir e espalhar, por todo o paiz esta crise, do que o governo, empregar, todos, os meios, ao seu, alcance para a conjurar?

A meu ver, parece-me que a obrigação d'este, ou de qualquer outro governo, é envidar todos os esforços para a evitar. No entanto, se s. exa. me pergunta se eu sympathico com a idéa de dar uma indemnisação aos bancos do Porto por causa do syndicato de Salamanca, digo ao digno, par que não.

Mas, em frente de uma crise grave, a questão muda muito de figura, é um assumpto a apreciar, e que deve ser apreciado com muita reflexão.

(S: exa. não reviu.)

O sr. Hintze Ribeiro: - Sr. presidente, duas palavras apenas sobre o assumpto que se discute.

Eu já tive occasião, quando apresentei algumas considerações ácerca d'este projecto, de manifestar o que entendo com respeito á questão dos bancos do Porto ventilada entre os srs. Vaz Preto e ministro da fazenda.

No que diz respeito á questão de Salamanca, eu disse claramente que essa questão era alheia completamente á organisação do banco emissor; que a constituição d'este banco, quando se entendesse que o privilegio concedido ao, banco emissor excluia a faculdade de emissão a outro qualquer banco, podia trazer comsigo a necessidade de dar ama indemnisação aos bancos do Porto, mas que essa indemnisação não estava de fórma alguma envolvida com o accordo ou negociação a respeito do syndicato de Salamanca.

E, sr. presidente, para que a camara veja bem que assim é, basta ponderar o seguinte.

O governo, pelo § 2.° do artigo 1 de projecto, fica auctorisado a, negociar um accordo com os bancos que têem actualmente a faculdade da emissão de notas.

Ora, pergunto eu: todos os bancos que entraram no syndicato de Salamanca têem a faculdade da emissão de notas?

Não têem; nem todos.

Logo, se o governo fica só auctorisado a negociar um accordo com os bancos que teem a faculdade de emissão; eu pergunto se fica tambem auctorisado a negociar um accordo com todos os bancos que entraram no syndicato de Salamanca.

Não fica; tanto mais que n'esse syndicato não entraram só bancos do Porto, entraram tambem casas commerciaes mais ou menos importantes, e que não são propriamente bancos.

Logo, pelo § 2.° do artigo 1.º do projecto, o governo não fica auctorisado a negociar um accordo com os bancos entraram no syndicato de Salamanca, porque n'esse

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syndicato entraram alguns bancos que não teem a faculdade da emissão.

Esta é a primeira rasão. Agora vamos á segunda.

O accordo para a questão de Salamanca faz-se sem encargo para o estado?

Eu creio que não.

Pois então como é que o sr. ministro da fazenda entende que podem dar-se circumstancias graves, que levem o governo a valer aos bancos, sem, que esse auxilio seja oneroso para ser efficaz?

Se um tal auxilio se póde tornar conveniente n'um momento dado, claro é que não póde deixar de haver encargo para o estado, proveniente de qualquer adiantamento, de qualquer indenmisação material ou monetaria, concedida a esses bancos. Logo, ha um encargo; logo, ha um onus.

Mas como por este projecto o governo não fica auctorisado a fazer qualquer accordo que traga encargo para o estado, sem o submetter á sancção do parlamento, é claro que será inutil estarmos a discutir agora esse accordo, visto que sobre elle o parlamento ha de ser ouvido.

Se esse accordo se podesse fazer independentemente de qualquer encargo para o estado, era inutil a auctorisação aqui concedida, porque o governo não precisava d'ella.

Repito, na hypothese do accordo não trazer comsigo um encargo para o thesouro, a auctorisação aqui concedida é desnecessaria.

Pelo contrario, para qualquer accordo que traga encargo ou responsabilidade do thesouro, é claro que a intervenção do parlamento se torna1 indispensavel; mas essa intervenção não tem logar agora, fica para mais tarde, quando o accordo for sujeito á sua deliberação; logo, é inutil auctorisal-o desde já.

E quasi que poderia dizer o mesmo em relação á eliminação da faculdade emissora dos bancos do Porto.

Entre parenthesis, devo ponderar que, para mim, toda a faculdade legal é um direita.

Se se trata de uma faculdade que não é reconhecida por lei, que não é, reconhecida pelos poderes publicos, não é um direito, certamente, e n'esse caso nada ha que possa justificar a indemnisação pela cessação, d'aquella faculdade.

O sr. ministro devia pois ser lógico, não propondo que se indemnisassem os bancos.

Se, peio contrario, á lei reconhece a faculdade, se foi sanccionada pelas estações competentes, então ha evidentemente um direito, que póde ser revogavel, mas que não deixa de ser um direito.

Eu julgava dispensavel este paragrapho, que tem por fim indemnisar os bancos.

A indemnisação póde deixar de envolver onus para o estado?

Não pôde. Desde que envolva, fica dependente da approvação do parlamento; logo, é, desnecessario, estarmos agora a apreciar um assumpto que mais tarde solicitará a nossa atenção, quando nos for de, novo apresentado.

Pela que toca á faculdade, da emissão, entendo que é legal, importa um direito; e por isso approvo o accordo para a indemnisação; ainda mais, queria a arbitragem para liquidar quaesquer pendencias sobre esse ponto.

Relativamente á questão de Salamanca, não reconheço faculdade nem direito, por que as obrigações do estado ficaram claramente definidas no contrato que se celebrou, e fóra d'esse contrato não ha direito a exigir cousa alguma.

Já outro dia eu disse que, levado por motivos de ordem economica, traduzidos e justificados pelas representações, e instancias que eram dirigidas ao governo, de que tive a honra de fazer, apresentei ao parlamento a proposta de lei relativa ao caminho de ferro de Salamanca.

Se o syndicato geriu mal, a culpa não é minha, com os negocios do syndicato nada tenho.

Bem assente isto, entendo, como o sr. Vaz Preto, que nós podiamos perfeitamente eliminar da lei este paragrapho; mas tambem entendo que, embora não eliminemos, nenhum prejuizo causará, porque, em verdade, elle é mais um paragrapho platonico do que outra cousa.

(O digno par não reviu.)

O sr. Presidente: - Está extincta a inscripção.

Vae-se votar o projecto.

Os dignos pares que approvam o artigo 1.º, salva a redacção, sem prejuizo da proposta do sr. Pereira de Miranda, tenham a bondade de se levantar.

Foi approvado

Em seguida tiveram tambem approvação a proposta do sr. Pereira de Miranda e os restantes artigos do projecto.

O sr. Franzini: - Attendendo a escrupulos, ha pouco manifestados, peço a v. exa. que consulte a camara sobre se consente que eu retire o requerimento que apresentei.

Caso o requerimento possa ser retirado, peço a v. exa. que mande imprimir o parecer com urgencia, a fim de que tambem com urgencia possa entrar em discussão.

(O digno par não reviu.)

Consultada a camara, resolveu que o sr. Franzini retirasse o seu requerimento.

O sr. Presidente: - Vae ler-se o parecer n.° 70.

Foi lido na mesa e é do teor seguinte:

PARECER N.° 70

Senhores. - A vossa commissão de negocios externos examinou com a escrupulosa attenção que a natureza do assumpto exigia a proposição de lei vinda da camara da senhores deputados, a qual tem por fim auctorisar o poder executivo a ratificar uma convenção entre Portugal e a França, assignada em París aos 12 de maio de 1886, convenção cujo objecto principal é a delimitação das possessões dos dois paizes na Africa occidental.

D'este exame resulta que, executadas as clausulas do referido instrumento diplomatico, abandonâmos, por uma parte, o dominio explusivo e incontestado do presidio de Zeguichor e pequeno territorio annexo, na margem direita do Casamansa, bem como, a parte de dominio que, em commum com a França, fruiamos no mesmo rio; obtemos por outra parte, e como compensação: o rio Cassini no sul da Guiné, o reconhecimento pela França de uma ampla extensão do territorio por nós recentemente occupado na região do Massabi, e a affirmação pela mesma potencia do nosso direito de expansão em uma larga zona comprehendida entre as nossas possessões, das duas costas africanas.

E como á vossa commissão se afiguram, não sómente obvias as vantagens do facto da delimitação só por si, pomo sufficientes as compensações obtidas em troca do territorio e dominio cedidos, é ella de parecer que approveis, para que possa ser ratificada pelo poder executivo, a referida convenção.

Sala das sessões, em 5 de julho de 1887. = A. de Serpa = J. M. Ponte Horta = Visconde de Borges de Castro = A. Costa Lobo = J. de Andrade Corvo. =J. V. B. du Bocage = H. de Macedo, relator = Tem voto do sr.: Agostinho de Ornellas.

Projecto de lei N.º 27

Artigo 1.° É approvada, para ser ratificada pelo poder executivo, a convenção entre Portugal e a França para a delimitação das possessões respectivas na Africa occidental, assignada pelos plenipotenciarios em París aos 12 de maio de 1886.

Art. 2.° Fica revogada toda a legislação em contrario.

Palacio das côrtes, em 4 de julho de 1887. = José Maria Rodrigues de Carvalho presidente = Francisco José de Medeiros, deputado secretario = José Maria de Alpoim de Cerqueira Borges = Cabral, deputado secretario.

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Convenção relativa á delimitação das possessões portuguezas e francezas na Africa occidental

Sua Magestade El-Rei de Portugal e dos Algarves, e o Presidente da Republica Franceza, animados do desejo de estreitar, pelas relações de boa vizinhança e de perfeita harmonia, os laços de amisade que existem entre os dois paizes, resolveram concluir para este effeito uma convenção especial para preparar a delimitação das suas possessões respectivas na Africa occidental, e nomearam seus plenipotenciarios, a saber:

Sua Magestade El Rei de Portugal e dos Algarves;

O sr. João de Andrade Corvo, conselheiro d'estado, vice-presidente da camara dos pares do reino, gran-cruz da ordem de S. Thiago, gran-cruz da ordem da Legião de Honra de França, seu enviado extraordinario e ministro plenipotenciario junto, do governo da Republica Francoza, etc.;

E o sr. Carlos Roma du Bucage, deputado, capitão de estado maior de engenheria, seu official ás ordens honorario e addido militar na sua legação junto de Sua Magestade o Imperador de Allemanha e Rei da Prussia, cavalleiro da ordem de S. Thiago, official da ordem da Legião de Honra de França, etc.;

O Presidente da Republica Franceza;

O sr. Girald de Rialle, ministro plenipotenciario, chefe da divisão dos archivos no ministerio dos negocios estrangeiros, cavalleiro da ordem nacional da Legião de Honra, etc.;

E o sr. capitão de mar e guerra 0'Neill, commendador da ordem nacional da Legião de Honra, etc.;

Os quaes, depois de terem trocado os seus plenos poderes, que acharam em boa e devida fórma, concordaram nos artigos seguintes:

Artigo I. Na Guiné, a fronteira que ha de separar as possessões portuguezas das possessões francezas seguirá conforme o traçado indicado na carta n.° I annexa á presente convenção:

Ao norte, uma linha que, partindo do cabo Roxo, se conservará, tanto quanto possivel, segundo as indicações do terreno, a igual distancia dos rios de Casamansa (Casamance) e de S. Domingos de Cacheu (San-Domingo de Cacheu) até á intersecção do meridiano de 17°.30 de longitude oeste de París com o parallelo de 12°. 40 de latitude norte. Entre este ponto e o meridiano de 16° de longitude oeste de Paris a fronteira confundir-se-ha com o parallelo de 12°.40 de latitude norte.

A leste a fronteira seguirá o meridiano de 16° de longitude oeste de París, desde o parallelo de 12°.40 de latitude norte até ao parallelo 11°.40/ de latitude norte.

Ao sul, a fronteira seguirá uma linha que partirá da foz do rio Cajet, situado entre a ilha Catack (que ficará para Portugal) e a ilha Tristão (que ficará para França) e, conservando-se tanto quanto possivel, segundo as indicações do terreno, a igual distancia do rio Componi (Tabatí) e do rio Cassini, depois do braço septentrional do rio Componi (Tabati) e do braço meridional do rio Cassini (estreito de Kakondo) a principio, e do rio Grande por fim, virá terminar no ponto de intersecção do meridiano de 16° de longitude oeste de París com o parallelo de 11°.40 de latitude norte.

Ficarão pertencendo a Portugal todas as ilhas comprehendidas entre o meridiano do cabo Roxo, a costa, e um limite meridional formado por uma linha que seguirá o thalweg do rio Cajet e se dirigirá depois para sudoeste, seguindo o canal dos Pilotos até attingir o parallelo de 10°.40 de latitude norte, com o qual se confundirá até ao meridiano de cabo Roxo.

Art. n. Sua Magestade El-Rei de Portugal e dos Algarves reconhece o protectorado da França sobre os territorios de Futa-Djallon, tal como este protectorado foi estabelecido pelos tratados feitos no anno de 1881 entre o governo da Republica Francesa e os almamys do Futa-Djallon.

O governo da Republica Franceza, pela sua parte, obriga-se a não procurar exercer a sua influencia dentro dos limites attribuidos á Guiné portugueza pelo artigo I da presente convenção. Compromette-se além d'isso a não modificar o tratamento concedido, desde antigos tempos, aos subditos portuguezes pelos almamys do Futa-Djallon.

Art. III. Na região do Congo, a fronteira entre as possessões portuguezas e as possessões francezas seguirá, conforme o traçado indicado na carta n.° II annexa á presente convenção, uma linha que, partindo da ponta de Chamba, situada na confluencia do rio Loema ou Luisa Loango e do rio Lubinda, se conservará, tanto quanto possivel, e segundo as indicações do terreno, a igual distancia cTestes dois rios, e a partir da nascente mais septentrional do rio Luali, seguirá a linha de cumiada que separa a bacia do Loema ou Luisa JLoangq da bacia do Chi-loango, até ao meridiano de 10°.30 de longitude leste de París, depois confundir-se-ha com este meridiano até ao seu encontro com o Chiloango, que n'este ponto serve de fronteira entre as possessões portuguezas e o estado livre do Congo.

Cada uma das altas partes contratantes obriga-se a não realisar na ponta de Chamba construcção alguma que possa servir de obstaculo á navegação. O thalweg do estuario comprehendido entre a ponta de Chamba e o mar servirá de linha de demarcação politica ás possessões dag altas partes contratantes.

Art. IV. O governo da Republica Franceza reconhece a Sua Magestade Fidelissima o direito de exercer a sua influencia soberana e civilisadora nos territorios que separam as possessões portuguezas de Angola e de Moçambique, sob reserva dos direitos anteriormente adquiridos por outras potencias, e obriga-se pela sua parte a abster-se ali de qualquer occupação.

Art. V0. Os subditos portuguezes nas possessões francezas da costa occidental de Africa é os cidadãos francezes nas possessões portuguezas da mesma costa serão respectivamente, no que se refere á protecção das pessoas e das propriedades, tratados n'um pé de perfeita igualdade com os cidadãos e os subditos da outra alta parte contratante.

Cada uma das duas altas partes contratantes gosará, nas alludidas possessões, pelo que respeita á navegação e ao commercio, do regimen da nação mais favorecida.

Art. VI. As propriedades que fazem parte do dominio do estado de cada uma das altas partes contratantes, nos territorios que mutuamente cederam, serão materia de trocas e compensações.

Art. VII. Uma commissão será encarregada de determinar, sob o terreno, a posição definitiva das linhas de demarcação previstas pelos artigos I e III da presente convenção e os seus membros serão nomeados da maneira seguinte:

Sua Magestade Fidelissima nomeará e o Presidente da Republica Franceza nomeará: dois commissarios.

Estes commissarios reunir-se-hão no logar que será ulteriormente fixado, de commum accordo pelas altas partes contratantes e no mais breve praso possivel depois da troca das ratificações da presente convenção.

Em caso de desaccordo, os ditos commissarios appellarão para os respectivos governos.

Art. VIII. A presente convenção será ratificada, e as ratificações trocadas em Lisboa o mais breve que seja possivel.

Na fé de que os respectivos plenipotenciarios assignaram a presente convenção e a sellaram com o sêllo das suas armas.

Feito em París, aos 12 de maio de 1886.

(Logar do sêllo). = João de Andrade Corvo.

(Logar do sêllo). = Carlos Roma du Bocage.

(Logar do sêllo). = J. Girard de Rialle.

Página 696

696 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

(Logar do sêllo). = A 0'Neitt.

Está conforme. - Secretaria d'estado dos negocios estrangeiros, em 4 de junho de 1887. = A. de Ornellas.

O sr. Presidente: - Está em discussão.

O sr. Vaz Preto: - V. exa. comprehende perfeitamente que não é. possivel discutir um assumpto tão importante, faltando apenas cinco minutos para dar a hora.

Se a camara quer tratar seriamente de um negocio tão momentoso, deve adiar a suar discussão para a sessão seguinte.

O sr. ministro dos negocios estrangeiros parece que deseja que nós approvemos todas as suas propostas, sem que ellas venham acompanhadas dos documentos necessarios. Isso não póde ser. Este projecto, sr. presidente, não traz um unico documento.

O sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros: - Estão nos quatro volumes do Livro branco.

Q Orador: - Vão agora procural-os nos quatro volumes do Livro branco. Os documentos os mais necessario e indispensaveis devem sempre acompanhar os projectos. Eu nem sei onde estão os documentos, não vi os taes quatro volumes do Livro branco. Pela leitura deste projecto ninguem sabe o que se dá nem o que se recebe.

A camara não sabe, pois, o que o projecto significa, o que vale, o que representa, o que damos e o que recebemos.

A França fica senhora de posições e de territorios que ella nos reconheceu n'outro tempo...

(Interrupção que se não ouviu.)

Quando se discutiu a auctorisação para o tratado com a China, eu disse que temos sido prejudicados em todos os tratados e em todos os convénios que temos feito com as nações estrangeiras, começando pela conferencia de Berlim e acabando no projecto que v. exa. acaba de pôr á discussão.

Sabemos que cedemos os nossos direitos e grande porção de territorio, e, como não estou habilitado a discutir amplamente o assumpto, limito-me a, lavrar o meu protesto e a declarar que voto contra.

O sr. Presidente: - Puz o projecto em discussão em conformidade com as disposições regimentaes.

Se nenhum outro digno par pede a palavra, vae votar-se. Os dignos pares que approvam o projecto, tenham a bondade de se levantar.

Foi approvado.

O sr. Presidente: - A seguinte sessão é ámanhã, e a ordem do dia a continuação da que vinha annunciada para a hoje.

Está levantada a sessão.

Eram cinco horas da tarde.

Dignos pares presentes na sessão de 18 de julho de 1887

Exmos. srs. Antonio José de Barros e Sá; Condes, do Bomfim, de Castro, da Folgosa, de Linhares, de Magalhães, de Paraty, de Valenças; Viscondes, de Alemquer, de Benalcamfor, de Borges de Castro, de S. Januario; Barão do Salgueiro; Adriano Machado, Aguiar, Pereira de Miranda, Quaresma, Sá Brandão, Sousa Pinto, Silva e Cunha, Henriques Secco, Couto Monteiro, Pequito de Seixas, Serpa Pimentel, Costa Lobo, Cau da Costa, Augusto Cunha, Carlos Bento, Sequeira Pinto, Hintze Ribeiro, Fernando Palha, Ressano Garcia, Henrique de Macedo, Ferreira Lapa, Holbeche, Valladas, Vasco Leão, Gusmão, Bandeira Coelho, Baptista de Andrade, Costa Pereira, Ayres de Gouveia, Castro, Fernandes Vaz, Silva Amado, Ponte Horta, Sá Carneiro, José Pereira, Mexia Salema, Silvestre Ribeiro, Sampaio e Mello, Bucage, Camara Leme, Seixas, Pereira Dias, Vaz Preto, Franzini M. Osorio Cabral, D. Miguel Coutinho, Gonçalves de Freitas, Cardoso de Albuquerque, Antunes Guerreiro, Agostinho Lourenço, Van Zeller, Mendonça Cortez, Lobo d'Avila, Barjona de Freitas, Barros Gomes e Serra é Moura.

Redactor: -Alberto Pimentel.

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