SESSÃO N.° 52 DE 4 DE SETEMBRO DE 1908 41
trar o que ella tem de anti-scientifico e de anti-pedagogico
Sem repetir o que está espalhado por todos os tratados de pedagogia e de hygiene escolar, bastará lembrar que a extensão das aulas de classe não é indefinida: ella não depende só do numero de alumnos, mas tambem da sua idade, a que estão ligados as dimensões do mobiliario escolar, do alcance da vista e do ouvido das crianças, do limite do poder vocal do professor, das exigencias da illuminação e das necessidades pedagogicas.
Deve ter-se em linha de conta a necessidade de que as crianças sentadas nas bancadas mais afastadas do professor possam ouvir a sua palavra, e ver nitidamente e sem esforço as figuras e caracteres traçados no quadro collocado por detrás d'elle.
Em relação ao professor, é necessario que a classe se não entenda muito longe para não obrigar a exagerados esforços vocaes, cujas consequencias são as varias doenças do apparelho da phonação e por ultimo a perda da voz, e para que as bancadas mais recuadas não excedam os limites do seu poder disciplinar.
Te do t m consideração todos estes factores, o limite maximo do comprimento de uma aula é de 10 metros. Isto nas aulas de eixo maior longitudinal — em relação ao professor. Nas aulas mais largas do que compridas, a largura é limitada pelas necessidades da illuminação: ella deve ser tal que o alumno collocado no extremo da bancada opposta á janela possa ler sem esforço, á distancia de 0m,50, os caracteres chamados diamante Ora, como é pela parte mais alta da janela que chega mais luz aos aluirmos situados na extremidade mais afastada, segue-se que quanto mais larga for a aula mais deverá aumentar a altura das janelas. Mas por sua vez esta elevação é limitada pelas exigencias da architectura e as necessidades economicas: nestas condições a largura da aula não poderá ir alem de 7m,20. Por outro lado ainda numa aula demasiadamente larga a extrema obliquidade dos raios luminosos que partem do quadro, impede que se veja o que nelle se escreve e deforma o apparelho da visão.
Pelo que respeita ao professor, a aula não deverá ser tão larga que toda a classe não possa ser abrangida num só golpe de vista. São por isso preferiveis as salas alongadas longitudinalmente, considerando-se como a mais favoravel a relação 4:3 entre o comprimento e a largura.
Se acrescentarmos que cada alumno deve ter uma area minima de lm2, 25 e um cubo minimo de 5 metros cubicos, e que a altura das salas não deve exceder um maximo de 5 metros ver-se ha que se quiserem ultrapassar o numero de 50 alumnos, conservando a cada alumno a superficie e a cubagem de ar estrictamente necessarios, são prejudicadas a hygiene pedagogica e a hygiene dos sentidos; se admittem este numero de alumnos sem aumentar nas mesmas proporções as dimensões da aula, é a hygiene geral, em particular a hygiene respiratoria, que é sacrificada.
Mas se as consequencias das novas medidas legislativas se nos apresentam já bastante graves sob este ponto de vista, ellas são ainda mais graves consideradas no ponto de vista propriamente pedagogico. Toda a pedagogia moderna se baseia sobre a substituição dos methodos activos, que exercitam a intelligencia, aos methodos passivos, que enchem a memoria, do methodo heuristico, que põe toda a classe em movimento, ao monologo enfadonho do professor a que a maioria da classe não presta a menor attenção; baseia-se, numa palavra, sobre a individualização dos methodos pedagogicos, pelo conhecimento dos defeitos e aptidões particulares de cada alumno.
Esta mesma orientação tem de presidir á verificação do aproveitamento. Um professor de hoje não pode contentar-se com reconhecer que o alumno «respondeu bem»; tem que attender á actividade que ella desenvolve, aos esforços que faz para vencer as difficuldades que se lhe apresentam, tem que verificar os progressos realizados no que respeita á formação do espirito e do caracter; tem de fazer a correcção dos exercicios não somente para que o alumno se contente em lançar um olhar distraindo para o caderno «a ver quantos erros fez», unas de maneira que elle reflicta sobre os seus erros e pouco a pouco aprenda a corrigir os defeitos proprios.
Acrescente-se a educação moral, que tem de ser dada com todas as classes a proposito do ensino, e reconhecer-se-ha que um trabalho de tal maneira serio é já difficil com uma classe de mais de 40 alumnos e torna-se impossivel acima de 50. Querendo attender ao ensino, a verificação do aproveitamento dei-xnrá a desejar; no caso contrario será o ensino o sacrificado ; e querendo levar os dois de vencida, ambos soffrerão, e será o caso mais vulgar.
Outro ponto em que o orçamento vem ferir os interesses da instrucção é o que se refere aos vencimentos dos professores. Pela lei actual os professores dos lyceus são obrigados a 12 horas de trabalho semanaes, podendo fazer 8 horas supplementares que são gratificadas alem do ordenado. O orçamento em discussão eleva o numero das horas obrigatorias a 16 não podendo ser gratificadas mais de 6 horas supplementares. O resultado é uma diminuição nos vencimentos. O professor do lyceu pode actualmente, com o seu trabalho supplementar, attingir um vencimento entre 70 a 75$000 réis mensaes — com excepção dos meses de ferias: — não é uma sinecura. Pois, com o novo orçamento, os seus vencimentos ficarão em 65 a 70$000 réis. Evidentemente a differença é insignificante; mas insignificante ou não, o que é para lamentar é que a differença seja para menos.
Não se trata aqui dos interesses particulares d'este ou d'aquelle, trata-se dos interesses da instrucção publica, infimamente ligados aos legitimos interesses do professorado.
Governos e familias, sociologos e moralistas, cada vez mais exigem do professor, cada vez mais o carregam de responsabilidades:
vae o Governo Português diminue-lhe os vencimentos.
Exige-se do professor valor real e apresentação, intelligencia e moralidade, assiduidade e intensidade no trabalho, qualidades pedagogicas e saber constantemente ao nivel dos progressos que se vão realizando: impõe-se-lhe o pesado encargo de formar a alma das novas gerações, de a temperar para as lutas viris de ámanhã, e para que elle desempenhe esta alta funcção social, paga-se-lhe menos do que a um chefe de repartição. Isto é tanto mais digno de reparo, quanto o professorado dos lyceus se tem mostrado, mesmo sem auxilio, animado de um espirito francamente progressivo.
Ha tambem maus professores?
Mas o remedio não consiste em rebaixar os bons, difficultando-lhes a tarefa: o remedio e criar varias categorias de professores a que se vá ascendendo gradualmente, em parte por antiguidade, em parte pelo estudo e pelo trabalho pessoaes.
A Liga de Educação Nacional não desconhece a situação precaria das finanças portuguesas ; mas ha dois dominios de actividade social que devem ser os ultimos sobre que recaiam as reducções de despesa: o dos factores que acrescentam o rendimento da terra, e o dos que aumentam a productividade do homem; os que fornecem o pão, e os que dão a educação geral e technica, que por sua vez barateia o pão. Sem estas duas cousas não pode haver exercito, nem marinha, nem caminhos de ferro, nem estradas, nem desenvolvimento agricola, nem equilibrio orçamental.
Fazer economias com a instrucção é matar a gallinha dos ovos de ouro: as unicas economias a fazer aqui tão as que resultam de uma melhor utilização das despesas.
A Liga de Educação Nacional espera, pois, que o Parlamento Português, tendo pesado maduramente os verdadeiros interesses da nação, rejeite as novas propostas orcamentaes referentes á instrucção publica, e mantenha, quando não melhore, as conquistas obtidas á custa de tantos esforços.
Lisboa. 22 de agosto de 1908. = Pela Liga de Educação Nacional, Zofimo Consiglieri Pedroso, presidente da commissão de educação e ensino — Francisco Beis Santos e José de Magalhães, secretarios geraes.
Rectificação
Na sessão n.° 47. de 24 de agosto, não foi mencionada uma declaração do Digno Par Pimentel Pinto com relação ao projecto referente á estatui do Marquez de Pombal. Essa declaração é do teor seguinte:
Declaro que approvo o projecto referente á estatua cio Marquez de Pombal.
Sala das sessões, 24 de agosto de 1908. = O Par do Reino. Pimentel Pinto.