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CAMARA DOS DIGNOS PARES.

EXTRACTO DA SESSÃO DE [01 DE JUNHO].

Presidencia do Em.mo Sr. Cardeal Patriarcha.

Secretarios - os Srs.

Conde de Mello.

Conde de Louzã (D. João).

(Assistia o Sr. Ministro do Reino, e entraram

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depois os Srs. Ministros, da Fazenda, e da Marinha).

Depois das duas horas e meia da tarde, tendo-se verificado a presença de 38 dignos Pares, declarou o Em.m° Sr. Presidente aberta a sessão. Leu-se a acta da antecedente contra a qual não houve reclamação.

O Sr. Secretario Conde de Mello deu conta da seguinte correspondencia:

Um officio do digno Par Visconde da Granja, participando, que para a applicação do remedios, que lhe eram aconselhados, tinha de ausentar-se da capital. — Inteirada.

-da Camara dos Srs. Deputados, acompanhando uma proposição de lei, que amplia as authorisações concedidas ao Governo para a divisão territorial. — A commissão de legislação.

-da mesma Camara, acompanhando outra proposição de lei, que concede á companhia que se forme para a navegação por vapôr entre Aveiro e Ovar, os mesmos privilegios da companhia Despertadora.

A commissão de administração publica.

O Sr. Visconde de Fonte Arcada — Desejava que o Sr. Ministro do Reino tivesse a bondade de recommendar aos Governadores Civis, que houvessem de activar a remessa dos esclarecimentos que pedi, e me são precisos, relativamente ao rendimento das Misericordias.

O Sr. Ministro dos Negócios do Reino — Comprazendo com os desejos muito bem intendidos do digno Par, que são igualmente os seus, diz que já expediu ha tres dias uma circular, recommendando a urgencia dos esclarecimentos pedidos, e declarando que são da maior conveniencia.

O Sr. Conde de Thomar — Mando para a Mesa o seguinte requerimento (leu).

«Requeiro que o Governo remetta á Camara uma nota das sommas despendidas até á data deste requerimento, sendo possivel, ou até ao fim de Abril ultimo, na estrada de Lisboa a Coimbra: igualmente das sommas despendidas na estrada do Alem-Téjo, de Aldegallega a Badajoz, com declaração das que se despenderam durante a Administração de 18 de Junho, e das que se tem despendido durante a actual. Camara dos Pares, 1.° de Junho de 1855. = Conde de Thomar.»

Proseguiu. — Eu preciso destes esclarecimentos para a discussão do orçamento do Ministerio das Obras Publicas, e por tanto peço ao Sr. Ministro do Reino tenha a bondade de dizer ao seu collega que haja de os mandar quanto antes.

Aproveito a occasião para igualmente pedir a S. Ex.ª haja de fazer saber ao Sr. Ministro da Guerra, que é indispensavel que os documentos pedidos por mim, ha tempos, venham antes da discussão do orçamento do Ministerio da Guerra, sem o que não se póde entrar nessa discussão com conhecimento de causa.

O Sr. Presidente —Segundo o estylo, estes requerimentos costumam ser votados desde logo..

Foi approvado.

O Sr. Visconde de Laborim — Sr. Presidente, em 21 de Abril de 1854, quero dizer, ha mais de um anno, mandei para a Mesa uma proposta, com assentimento da Camara, para que se abolissem as gratificações aos empregados desta casa, e em contemplação a isto fossem nivelados em seus ordenados com os da outra, visto que me parecia que, em o não serem, não só havia injustiça, mas até falta de dignidade, pois que, sendo esta Camara superior, os seus empregados se achavam em peior situação do que os da outra casa, quando aliás já estava consignado por lei, e por mais de uma resolução desta Camara, que os seus empregados em nada fossem menos considerados, que os da outra; portanto, supplicava a V. Em.a, que se dignasse informar-me sobre o estado deste negocio; isto é, se effectivamente já se decidiu (do que eu não duvido, porque não tenho assistido sempre ás sessões da Camara, por causa da minha molestia), ou se se tracta de o decidir com aquella brevidade, que me parece conveniente, e que eu muito desejava, para que se não chegue outra vez a fechar a Camara, sem que se tome uma resolução definitiva sobre similhante assumpto.

O Sr. Presidente — Como tambem tenho estado ausente, nada posso dizer sobre o estado do negocio; mas o Sr. Secretario Conde de Mello poderá informar o digno Par do que se tem passado, na certeza de que aquillo que faltar fazer-se se ha-de procurar resolver em conformidade com a justiça, e com as decisões tomadas pela Camara.

O Sr. Secretario Conde de Mello — Informarei o digno Par, que a Mesa, desde o principio da actual sessão, se tem effectivamente occupado deste objecto, conforme a resolução da Camara, mas quando se estava tractando de dar a ultima redacção a uma parte que já tinha sido approvada, tanto pela Mesa, como pela commissão de fazenda, tivemos noticia de que estava proximo de Lisboa o nosso Presidente, rasão porque julgou a Mesa dever sobreestar no andamento daquelle negocio até que S. Em.a houvesse de tomar conhecimento do que já estava feito, e do mais que restava a fazer, a fim de se dar ao negocio a devida conclusão.

O Sr. Visconde de Laborim — Como esse objecto está affecto á commissão de fazenda e á Mesa, estando V. Em.ª á testa della, espero que haja de dar as providencias necessarias para que, quanto antes, se faça justiça aos empregados.

O Sr. Presidente —Tomarei as providencias para que o negocio se decida com a brevidade compativel.

ORDEM DO DIA.

Discussão do seguinte parecer (n.° 226).

A Commissão de instrucção publica examinou o projecto de lei n.° 202, que veio da Camara dos Senhores Deputados, no qual se regula o numero das substituições ordinarias e extraordinarias das Faculdades de Medicina e Philosophia da Universidade de Coimbra, na conformidade do artigo 98.° do Decreto de 5 de Dezembro de 1836; e se supprimem os logares de ajudantes de clinica e demonstradores nas mesmas Faculdades: e observando, que pelo mesmo projecto se harmonisam entre si os quadros das sobreditas duas Faculdades com os das outras da Universidade, facilitando assim a execução das disposições das leis vigentes; e attendendo ao bem do serviço: é de parecer que o sobredito projecto deve ser approvado por esta Camara, para subir á Sancção Real.

Sala da Commissão, 22 de Maio de 1855. = G. Cardeal Patriarcha, Presidente = José, Bispo de Viseu = José, Bispo de Bragança—Francisco Antonio Fernandes da Silva Ferrão = Visconde da Granja = Visconde de Algés.

Projecto de lei n.° 202.

Artigo 1.º O numero de substituições ordinarias e extraordinarias nas Faculdades de Medicina e Philosophia da Universidade de Coimbra será regulado na conformidade do artigo noventa e oito do Decreto de cinco de Dezembro de mil oitocentos trinta e seis.

Art. 2.° Ficam supprimidos os logares de ajudantes de clinica e demonstradores nas Faculdades de Medicina e Philosophia.

Art. 3.º Fica revogada a legislação em contrario.

Palacio das Côrtes, em 1 de Maio de 1855. = Julio Gomes da Silva Sanches, Presidente = Joaquim Gonçalves Mamede, Deputado Secretario = Carlos Cyrillo Machado, Deputado Secretario.

Foi approvado sem discussão.

Passou-se á especialidade, que tambem foi approvada sem discussão, e a mesma redacção.

Entrou em discussão o seguinte parecer (n.° 228).

Senhores. — As commissões de administração publica e legislação, tendo examinado o projecto n. 203, vindo da Camara dos Senhores Deputados, intendem deve ser adoptado com alteração, apenas do redacção, no intuito de exprimir com precisão e clareza o pensamento da mesma Camara, de modo que se preencha o fim que ella teve em vista, de fazer cessar toda a duvida sobre o objecto daquelle projecto.

O pensamento da Camara dos Senhores Deputados foi manifestamente pôr termo, por meio de uma lei interpretativa, á variedade com que, nos casos de que tracta o projecto, se teem intendido os termos «metade e mais um» ou «maioria absoluta,» quando o numero inteiro é impar: sendo o numero par, nenhuma duvida póde haver, nem ha por consequencia logar a interpretação.

No modo por que a Camara dos Senhores Deputados interpretou os referidos termos, conformou-se ella com os bons principios e com a pratica, quasi invariavel. Nesta conformidade se regulou geralmente o numero dos membros dos Corpos administrativos necessarios para elles se constituirem e deliberarem, até que por Portarias do Ministerio do Reino, de 27 de Março de 1843, e de 20 de Agosto de 1844, sé declarou que não podendo elles deliberar sem estarem presentes metade e mais um, ao menos, dos membros que os compõem, era necessaria nas Camaras municipaes, compostas de sete membros, a presença de cinco, e nos Conselhos compostos de cinco, a de quatro, vindo á ser assim a maioria do numero impar a mesma que a do numero par immediatamente superior; porém, tendo o Decreto de 20 de Junho de 1851, no artigo 116, paragrapho unico, declarado em relação ao objecto eleitoral de que ahi se tracta, que a maioria absoluta de qualquer numero impar é a mesma que a do numero par immediatamente inferior, foi esta disposição applicada áquelles Corpos por Portarias de 2 de Março, 4 de Maio, e 1 de Agosto de 1853, declarando-se nellas que nesta conformidade as Juntas geraes de districto, compostas de treze membros, podem funccionar com sete, e que as Camaras municipaes compostas de sete podem funccionar com quatro, não obstante a doutrina consignada nas Portarias anteriores.

Apesar disto, apesar do modo por que teem sido intendidas e applicadas as leis em casos identicos, apesar da intelligencia que as Camaras legislativas teem dado invariavelmente ás diversas diposições em que essa maioria se requer, apesar da boa razão em que essa intelligencia é fundada, apesar, finalmente, de que o citado Decreto não estabeleceu um direito novo e especial para as eleições de Deputados, mas fez applicação a ellas de um principio geralmente applicavel a todos os casos da mesma natureza, principio recebido entre nós, e seguido na legislação de outros povos, é comtudo certo que continuam a suscitar-se duvidas, e que dellas teem resultado graves embaraços, deixando algumas Camaras de funccionar pela falta do numero de seus membros, que erradamente suppõem indispensavel; e as commissões, com quanto não julguem ponderosas as razões em que se funda a intelligencia contraria áquella, é de parecer que este objecto seja definitivamente regulado por uma lei, e que para este fim seja adoptado o, projecto, para ser applicada a doutrina do mencionado Decreto á maioria absoluta, sempre que ella é necessaria para a constituição dos Corpos collectivos nas suas deliberações. As commissões, considerando o exposto, e julgando que neste sentido foi o projecto approvado pela Camara dos Senhores Deputados, tem a honra de o offerecer á vossa consideração nos seguintes termos:

Artigo 1.° Metade e mais um dos membros de qualquer Corpo collectivo, estabelecida pelas leis para que elle possa constituir-se e deliberar, sendo o numero daquelles impar, é metade e mais um do numero par immediatamente inferior.

Art. 2.° Ficam deite modo declaradas e interpretadas as referidas leis, e sem effeito quaesquer disposições em contrario.

Sala da commissão, 26 de Maio de 1855. = José da Silva Carvalho = Barão de Chancelleiros =Manoel Duarte Leitão — Diogo Antonio Corrêa de Sequeira Pinto = Joaquim Larcher —Francisco Antonio Fernandes da Silva Ferrão = José Maria Eugenio de Almeida —Joaquim Antonio de Aguiar, relator = Visconde da Granja = Visconde de Balsemão = Barão de Porto de Moz —Visconde de Algés

Projecto de n.º 203.

Artigo 1.° Por metade é mais um dos vereadores necessarios para a validade de qualquer deliberação, ha conformidade do artigo cem do Codigo administrativo, intende-se mais da metade real do numero, que compete a cada Camara.

§ unico. Do mesmo modo se intenderão todos os artigos das leis, em que por aquellas mesmas palavras se determina a maioria para a constituição ou deliberação dos corpos collectivos.

Art. 2.° Fica deste modo authenticamente interpretado e declarado o artigo cem do Codigo administrativo, e todos os outros de que se tracta no paragrapho unico do artigo antecedente.

Art. 3.° As disposições desta lei são extensivas ás provincias ultramarinas.!.!

Art. 4.° Fica revogada a legislação em contrario.. !

Palacio das Côrtes, em 1 de Maio de 1855. = Ja\io Gomes da Silva Sanches, Presidente = Joaquim Gonçalves Mamede, Deputado Secretario = Carlos Cyrillo Machado, Deputado Secretario.

Foi approvado sem discussão.

Seguiu-se a especialidade do projecto,

Artigo 1.° O Sr. Aguiar— Peço licença para dizer que ha aqui falta de uma palavra, que foi omittida na impressão; e vem a ser a palavra par, que se deve incluir entre numero e immediatamente, de modo que se lea —metade e mais um do numero par immediatamente inferior (apoiados).

Approvado o artigo, salva a redacção.

Art. 2.º

O Sr. Aguiar — Eu peço que todo este projecto se approve, salva a redacção, pois talvez seja isso muito conveniente. Para mim é evidente, e creio que para todos os membros desta Camara, que não se pertende estabelecer aqui o numero necessario, para que os corpos collectivos possam funccionar, mas unicamente definir o que é metade e mais um do numero necessario para qualquer corpo collectivo se constituir (apoiados). Não póde ser outra a intelligencia que esta Camara lhe dê. Entretanto, como póde acontecer que se dêem casos de algum equivoco para alguem, será bom que se approve p projecto, salva a redacção, a fim do que se torne esta o mais clara que for possivel, porque ás vezes a falta de uma palavra póde dar logar a grandes duvidas.

O Sr. Presidente — Porei a votos o artigo 2.°, salva a redacção; para o que vai de novo remettido o projecto á mesma commissão.

Foi approvado, e bem assim o artigo 3.°; e remettido o projecto a commissão, para lhe dar a redacção conveniente.

Entrou em discussão o seguinte parecer (n.°, 229)...

A commissão especial, encarregada de examinar o projecto de lei n.° 209, remettido pela Camara dos Senhores Deputados, sobre a presidencia do Conselho de Ministros, prestando a devida attenção ás providencias contidas no mesmo projecto, considerou que é conveniente a regra nelle estabelecida, de que, em todos os Ministerios, haja sempre um Presidente, porque tendo havido entre nós, algumas vezes, Ministerios sem Presidente, por não haver Lei escripta em contrario, e sendo derivada dos principios constitucionaes a necessidade da presidencia, deve determinar-se, por Lei, que o Presidente do Conselho é parte integrante do Ministerio, a fim de evitar para o futuro uma falta, que, sem duvida, repugna ao espirito das nossas instituições.

E attendendo igualmente a commissão, a que muitas circumstancias podem occorrer, em que o Presidente do Conselho não possa desempenhar, como convém, as funcções que, nesta qualidade, lhe devem competir, satisfazendo conjunctamente aos deveres impostos pela direcção especial de qualquer das repartições do Ministerio, considerou que a disposição expressa no projecto, de que poderá o Presidente ser Chefe do Gabinete, sem pasta, quando o bem do Estado assim o exigir, é justa, e necessaria, porque deste modo se póde satisfazer, em todas as eventualidades, á direcção politica e governamental, e á devida e prompta expedição dos negocios da Administração publica..

A commissão intendeu tambem, que são claras as regras determinadas no projecto, sobre as funcções proprias do Presidente do Conselho, sujeito á responsabilidade, nos termos da Carta Constitucional.

É, portanto, de parecer que o projecto deve ser approvado. —Manoel Duarte Leitão = Joaquim Antonio de Aguiar = Francisco Antonio Fernandes da Silva Ferrão = Diogo Antonio Corrêa de Sequeira pinto—Visconde de Algés,

Projecto de lei n.° 209.

Artigo 1.° Em todos os Ministerios haverá um Presidente do Conselho de Ministros, nomeado pelo Rei.

Art. 2.° O Presidente do Conselho de Ministros é o Chefe do Ministerio. Nessa qualidade convoca as reuniões do Conselho, ordinaria e extraordinariamente; tem voto sobre todos os negocios, de que nellas se tractar, e é solidamente responsavel, como todos os outros Ministros de Estado.

§ unico. Todos os negocios importantes, especialmente os que respeitarem a assumptos, que tenham de ser levados ao Corpo legislativo, ou que, na conformidade da Carta Constitucional, e das Leis, devam ser submettidos ao Conselho de Estado, serão tractados e decididos em Conselho de Ministros.

Art. 3.° O Presidente dó Conselho de Ministros terá a seu cargo alguma das Secretarias de Estado; porém, quando o bem do Estado assim o exigir, poderá exercer sómente as attribuições de Chefe do Ministerio.

Art. 4.° Quando o Presidente do Conselho de Ministros não tiver a seu cargo alguma das Secretarias de Estado, o seu ordenado será o mesmo, que o dos demais Ministros de Estado.

Art. 5.° Fica revogada toda a legislação em contrario.

Palacio das Cortes, em 10 de Maio de 1855. = Julio Gomes da Silva Sanches, Presidente = Joaquim Gonçalves Mamede, Deputado, Secretario ==Luís Augusto de Almeida Macedo, Deputado, vice-Secretario.

O Sr. Visconde de Laborim —Sr. Presidente, está em discussão o parecer da distincta commissão especial desta Casa (composta, sem hesitação, dos membros os mais conspicuos, e competentes), sobre p projecto n.° 229, vindo da Camara dos Srs. deputados, a que deu logar a proposta de lei, alli apresentada, e assignada pelo meu nobre, e antigo amigo, o Sr. Ministro dos Negocios do Reino, Rodrigo da Fonseca Magalhães; e foi; apresentada contra a opinião de alguem, que julgou, que a doutrina da proposta cabia na alçada do Poder executivo, fundando-se esta opinião no precedente, emanado do Decreto de 24 de Setembro de 1834, relativo á Presidencia do nobre Duque de Palmella, que Santa Gloria haja, e que foi nosso Presidente, de quem, muito deveras, temos Vivas Saudades (apoiados); mas os Srs. Ministros, mais bem avisados, tomaram a sabia deliberação de vir sujeitar este negocio ao Parlamento, prestando assim a devida homenagem ao Poder legislativo. Honra lhes seja feita; pois deram SS. Ex.ª mais uma prova de saberem respeitar á Lei, fundamental do Estado, e na parte mais importante della, tal é a divisão dos poderes politicos.

Sr. Presidente, muito desejava e a prestar-lhe a minha humilde annuencia, e muito mais desejava votar nesta importante, e delicada materia silenciosamente; mas sou obrigado a dar á Camara as rasões, em que me fundo para votar contra este projecto na sua generalidade, porque á isso me levam os meus sagrados deveres, e até a minha intima consciencia; deveres, e consciencia, que fallam mais alto do que os meus desejos, e que estão muito acima delles.

Sr. Presidente, estas, cadeiras; em que nós os dignos Pares temos a honra de nos assentarmos, são sagradas, em relação á verdade politica, e a ella consagradas. Este elevado pensamento, esta luminosa idéa, preside a todas as deliberações, tomadas por todos os dignos Pares, sem excepção de um só. Todos respeitam este sagrado principio, ou antes preceito, e se ha alguma divergencia nas, discussões, e nas votações, essa divergencia não nasce de o não acatarem, mas sim da fórma, e maneira, porque se encaram as questões..Uns encaram-nas de uma sorte, outros de outra; mas nunca deixa de ser religiosamente observado pelos dignos Pares o respeitavel principio da justiça, verdade, e rasão. Parece-me que nisto tenho feito a devida justiça aos meus collegas; mas tambem me parece que estou constituido no direito de exigir delles, que Outra tanta me façam (apoiados). Certo nisto e certo tambem de que a Carta Constitucional da monarchia me outhorga a liberdade de opinião, direi em muito poucas palavras o modo, e maneira, porque encaro este negocio.

Sr. Presidente, eu tenho como axioma politico, que não póde existir corporação de qualidade alguma sem um presidente; sem um individuo, que chamando os negocios a um centro, lhe dê a devida direcção, por isso mesmo que conheço, que não ha corpo vital sem cabeça, nem embarcação sem leme. Não venho portanto fazer guerra a esta verdade axiomatica. Tambem não faço opposição ao projecto, no que toca á sua letra, a que faço opposição é ao principio, ao espirito, e, à opportunidade do mesmo, e para isso sou authorisado pelo que prescreve o nosso Regimento no artigo 41.°, que determina, que estas circumstancias sejam as unicas que se attendam, quando se tracta da discussão na generalidade.

Sr. Presidente, depois de eu ver, ouvir, e presencear o que se passou na Camara dos Srs. Deputados da Nação portugueza, nas discussões de 30 de Abril, e do 1.° de Maio, a cujos promenores não desço, porquê isso me é tolhido pelo nosso Regimento, artigo 45.°; mas creio que os meus dignos collegas hão-de convir em que não me é tolhido o dizer qual foi o pensamento, qual a base, que predominou, e em que se fundaram aquellas discussões, porque, Sr. Presidente, se isso me fosse tolhido, tolher-se-iam as regras da hermeneutica, que mandam, que quando se tracte da analyse de qualquer projecto de lei, sê recorra á fonte donde elle emanou; permitta-se-me então, que diga, qual o pensamento, que ahi predominou. Sabe V. Em.ª qual foi?.. Foi a moléstia do Marechal ... Moléstia, que todos nós deploramos, pois não ha um só portuguez, quê hão tenha estes sentimentos; todos nós lhe desejámos longos dias de vida, porque todos nós respeitamos os seus valiosos serviços a favor da patria e da liberdade (mas note-se que fallo dos prestados tão sómente até ao anno de 1851), pois eu mesmo fui testimunha de algumas de suas gentilezas militares no cerco do Porto; e se hão faço elogios á sua penna politica, nem critica, ou censuras, porque o logar não é proprio, não posso deixar de render os maiores encomios á sua espada, que tem sido certamente uma garantia da liberdade portugueza (muitos apoiados). Oxalá que o Author da Divina Providencia dê á mão, que a tem empunhado, a força, que ella agora não tem, para continuar naquella antiga marcha; e nisto, que deixo dito, e no que passo a dizer, deve ver a Camara, que eu louvo o que é digno de louvor, e opponho-me ao que merece censura. Mas voltando outra vez ao meu discurso direi, que na Camara dos Srs. Deputados da Nação portugueza emittiu-se o principio, emanado de fonte previdente, sabia, e competente de que, tendo nós actualmente um Presidente de Conselho de Ministros, doente, e impossibilitado de gerir os negocios publicos, como o poderia fazer uma pessoa sã; mas convindo que elle estivesse á testa dos negocios; o conhecimento desta necessidade despertou á commissão, como

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indispensável, o tomar uma providencia, que tivesse o caracter de generalidade.» São estas as for mães, e sinceras palavras do mui digno Relator da commissão da Camara dos Srs. Deputados sobre este assumpto.

Sr. Presidente, que quer isto dizer?... Peço aos dignos Pares, peço a V. Em.ª, peço aos Srs. Secretarios, e peço a todos os homens, que intendem a lingoa portugueza, e sabem raciocinar, que me digam se a seguinte traducção não é exacta? Quer dizer fizemos um projecto de lei, que, debaixo do pretexto de generalidade, nos conservo o Marechal no Ministerio, posto que enfermo, para estar á testa da situação, que creou, sem pasta, vencendo o ordenado como até aqui; se esta não é a verdadeira traducção, eu peço que me traduzam o texto de outro modo. (Entra o Sr. Ministro da Fazenda.) E tanto mais, Sr. Presidente, depois de eu ver que os Srs. Ministros da Corôa, quando aqui foram interpellados sobre a contradicção, que havia entre o nobre Marechal apparecer em muitos dos logares publicos, e não vir ao Parlamento ha perto de quatro annos cumprir com o seu dever, responderam S. Ex.ª que os facultativos... (sussurro.) Peço a attenção da Camara. Responderam S. Ex.ªs, que os facultativos haviam dito, que com quanto reconhecessem, que o Marechal, mesmo, para o seu restabelecimento, se devia distrair; comtudo tambem conheciam, que pela grave molestia, que soffria, não devia occupar-se dos negocios publicos; e note bem a Camara, que este dizer dos Srs. Ministros vai accórde com aquelle pensamento da Camara dos Sr. Deputados, a que já me referi.

Depois de eu ver, que quando nesta, e na ou outra Camara alguns de seus membros se dirigiram aos Srs. Ministros, pedindo que organisassem definitivamente o Ministerio, acabando assim com as accumulações de pastas, que até agora teem havido; S. Ex.ªs, longe de accederem a esses pedidos, e instancias, responderam umas Trezes com evasivas, e n'outras tornaram-se surdos, sem que disso jamais tractassem; e agora, em logar de cuidarem em organisar o corpo, só curam de organisar a cabeça, propondo, para esse fim, novas medidas, no que vão coherentes com aquelle pensamento!!!

Finalmente depois de eu ter ouvido dizer por muitas vezes aqui aos Srs. Ministros da Corôa, que a conservação do nobre Marechal no Ministerio é necessaria, para que elle possa continuar á testa da situação, que creára; o que importa o mesmo principio, que predominou na Camara dos Srs. Deputados; neste logar não posso deixar de exclamar - desgraçada situação, cuja existencia depende da vida de um só homem, que ainda que seja um Hercules, é uma dependencia precaria, e muito mais, de um valetudinário; desgraçada situação, ou regeneração, torno a dizer, que pelas suas virtudes, e garantias, para com a nação, não se sustenta por si, e carece de um homem para se animar, e manter!!!! E á vista disto, pergunto eu — como querem os dignos Pares, que eu encare o projecto de lei, que está em discussão? Eu declaro com a maior lealdade, que o encaro como um negocio de interesse particular, pretextado com interesse publico, e aquelle inteiramente sobordinado a este; encaro-o como contendo um pensamento reservado, finalmente como um projecto, que, na sua essencia, é puramente pessoal. E não seria mais leal, mais franco e mais decente, que os Srs. Ministros, na proposta de lei, em substancia dissessem— o Marechal está doente, cumpre-nos conserva-lo no Ministerio, apesar de não trabalhar, a fim de que possa estar á testa da situação, que creou. Isto, torno a repetir, era franco, era leal, e os interessados na situação defenderiam a doutrina sem custo, e sem recorrerem a subterfugios. Encarando portanto este projecto, como não posso deixar de o encarar, puramente pessoal, não posso tambem deixar de conhecer, que elle tem os seguintes defeitos, a saber: é contradictorio, incompativel, e dispendioso: contradictorio, porque o nobre Marechal, não podendo exercer a pasta dos Negocios da Guerra, porque as suas molestias para isso o impossibilitam, não pode ser Presidente do Conselho sem pasta, com o ordenado por inteiro, dirigindo assim os negocios do Estado e exercendo, segundo o projecto em discussão, funcções quatro Tezes mais pesadas, e de grave responsabilidade, do que as daquella pasta da guerra, que deixou. O Marechal está doente! Muito sinto; mas o Marechal doente, e no estado, em que se diz, que está, póde desempenhar o commando em chefe do Exercito?!, Oh! Sr. Presidente, que revoltante contradicção!!! E até não sei se possa dizer que eu desejaria que um projecto desta natureza não fosse visto por homens honestos, e que possuem isso a que se chama raciocinio. É incompativel, porque o Marechal, elevado ao cume dessa grandeza de Presidente do Conselho, e com tantas prerogativas, como são todas essas, que constam do projecto, no qual em lettra clara, e intelligivel, se diz, que elle é chefe, ficando assim superior a todos os seus collegas, como ha-de ficar subordinado ao Ministerio da Guerra? (ou este em logar demandar, terá de obedecer?) Grande contradicção, e tão grande que custa a supportar a sangue frio!! É finalmente despendioso, porque (com muita magoa o digo) no estado lastimoso das nossas finanças, em que não pode deixar de economisar-se a mais insignificante quantia, vamos por este projecto satisfazer ao Marechal os seus ordenados, sem trabalhar, porque se nos diz que o não póde fazer, e ao mesmo tempo temos de pagar mais o ordenado de outro Ministro, que tem de occupar a pasta da guerra, que o nobre Marechal não póde desempenhar! E isto, Sr. Presidente, faz-se á face de uma divida enorme, e quando até os emolumentos dos desgraçados empregados publicos, emolumentos, que não saem do Thesouro, e sim da bolsa dos particulares, são mulctados, e a arbitrio; pois não teem uma receita certa, e regular (apoiados)!

Sr. Presidente, parece-me que Já estou ouvindo os meus adversarios politicos, que já estou ouvindo a illustre commissão dizerem-me — pois este projecto tem alguma cousa com pessoa determinada, ou mesmo indeterminada?... Este projecto contêm uma regra geral, nada tem com o Marechal, e nem sequer nelle se falla!! Pois então quem é que ha de executar este projecto? Se não é o Marechal, segue-se que elle pediu, ou ha de pedir a sua demissão, e, em tal caso, damo-nos reciprocamente os pêsames por similhante successo.

Mas tambem me parece estar Já ouvindo dizer, que eu longe de discutir o projecto, não tenho feito mais do que entrar no campo das personalidades! Entrei nesse campo, não ha duvida, mas quem ahi me levou, foi a razão, a justiça, e a verdade, que voluntariamente emanaram da combinação, entre si, dos seguintes documentos—proposta de lei do Governo, parecer da commissão dos Srs. Deputados, fundamento do discurso do digno relator, projecto, que está em discussão, e por ultimo, parecer da illustre commissão especial desta casa! Tenho portanto demonstrado, que o projecto, como verdadeiramente pessoal no seu espirito, e fim, é contradictorio, é incompativel, e é dispendioso (apoiados), e assim, como. disse no principio do meu humilde discurso, voto contra elle na generalidade.

Sr. Presidente, muito mais poderia dizer, mas não quero cançar a Camara, occupando-me de um objecto, aliás importantissimo, mas que considero claro. (Vozes — Muito bem.)

O Sr. Ministro do Reino como lhe cabe a palavra sobre a proposta que o Governo apresentou na Camara dos Srs. Deputados, convertida alli em projecto de Lei e vinda a esta Camara, tem o penoso dever de mostrar que não se póde conformar com a opinião do seu nobre e antigo amigo o Sr. Visconde de Laborim, por estar intimamente convencido de que o lado porque S. Ex.ª olha esta questão não é o mesmo porque a olha o Governo, nem aquelle pelo qual foi considerado na outra Camara, e que será provavelmente o mesmo, porque esta Camara o considere. Faz justiça ás rectas intenções, á lealdade de caracter do digno Par, o nobre Visconde de Laborim, e não leva a mal, nem julga reprehensivel a censura ou considerações pessoaes que mesmo S. Ex.ª ainda agora confessou que fez sobre este projecto do lei, porque o considerou, como é licito considerar a todo e qualquer membro desta Casa.

Disse que era verdade que na outra Camara se fallou na molestia que opprimia ha pouco o Presidente do Conselho, a cujo merito e relevantes serviços o digno Par a que se referia fez aquelles elogios que jamais deixou de prestar aos homens grandes e illustres do seu paiz; mas que tambem era certo que alli, nem o Governo, nem ninguem tractou dos serviços que prestara ao paiz, nem do merito do Presidente, do Conselho, em consequencia dos quaes fosse necessario tomar-se esta medida: que alli só se tractára de uma providencia que com justa razão se poderia dar a necessidade de se tomar, como já se havia tomado, mas que convinha que fosse tomada em virtude de uma Lei, e não a arbitrio do Governo; estabelecendo-se o principio por uma Lei permanente, meio muito mais seguro de fazer com que a governação do paiz seja conhecida. Que esta era a occasião mais opportuna para se trazei ao Parlamento este projecto; porque desde que uma vez foi necessario tomar-se a medida que se consigna no projecto, desde que já se tomou, e desde que é muito possivel ainda que para o futuro se tome, não julga elle Sr. Ministro que o Governo devesse tomar sobre si essa responsabilidade, podendo alias faze-lo, authorisado por uma Lei que o Parlamento sanccionasse. Que esta occasião foi sugerida, se tanto podia dize-lo, pela molestia do nobre Presidente do Conselho. (O Sr. Visconde de Laborim — Apoiado.) Apoiado, pois quem o nega? Isso seria uma pequenez, uma puerilidade negar tal, e para que? Mas que apesar disso não se tracta de uma questão pessoal como quiz indicar o digno Par; não é uma Lei que se faça para o Marechal, é uma Lei que se faz para 0 Presidente do Conselho. (O Sr. Conde de Thomar — Peço a palavra.) Que em certas circumstancias e n'um certo estado politico do paiz, póde ser muito conveniente que seja Ministro Presidente do Conselho um tal homem, antes que um outro; porque não se póde negar que politicamente, os homens são em certas occasiões taes e não outros (apoiados): e que não se dissesse, como já se ouviu dizer: — desgraçada nação, e, desgraçada situação esta, que pereceria se morresse um homem!

O nobre Ministro faz notar que elle não disse que sé morresse o Presidente do Conselho a situação creada por elle, havia de desapparecer: não disse isso, mas é certo, e a historia politica dos nossos tempos vem em confirmação do que agora vai dizer, e é, que em certos tempos, e em certos paizes, a presença de um homem é tudo (apoiados): e trouxe para exemplo Sir Robert Peel, a respeito do qual perguntou se não sabiam todos que a perda desse homem foi muito sentida, e que houve um tremendo abalo, em consequencia disso? Que não foi menor o abalo que produzio a morte de Canning, não só em Inglaterra, mas até os portuguezes sentiram essa perda por um modo bem deploravel, e muito a seu pesar (apoiados). Que não queria recorrer a outros nomes, para não affectar aqui uma erudicção a que está muito longe de pertender: mas com referencia aos homens que acabou de nomear, é facto verdadeiro, e ao alcance de todos, que a Inglaterra nas suas duas Camaras, chamou a esta perda uma perda nacional: todavia, apesar della, e apesar de tudo, as suas instituições não padeceram: que entre nós succederia por certo o mesmo se tal accontecesse, porque a providencia não, havia de desampar-nos, e dar-nos-ia um homem que podesse substituir o fallecido: pois às nações nao morrem. — Que o digno Par o Sr. Visconde de Laborim, tinha declarado insignificante e desgraçada a situação actual (o Sr. Ministro não quer alterar o sentido das palavras, nem substituir outras que não tenham a significação que o seu auctor lhes quiz dar): mas pareceu-lhe, que o seu nobre amigo deu por desgraçada a situação, que depende de um só homem: e a isso disse que responderia, observando, que se assim acontecesse, aconteceria o mesmo que tem acontecido em toda a parte; repetindo comtudo o orador, que se fia tanto na providencia, em presença da solidez em que estão as cousas no nosso paiz, que vindo esse successo, está convencido de que succederia o contrario do que pensa o digno Par. — mas que realmente não ha susto pela vida do actual Presidente do Conselho, porque S. Ex.ª esta muito melhor dos padecimentos que têm soffrido (apoiados). Se isso, porém, acontecesse, o que está o Sr. Ministro muito longe de pensar, outro homem haveria que podesse sustentar a situação, ainda que deve dizer, que para si, e para os homens que a sustentam, é mais gostoso que esteja á frente della, o nobre Duque de Saldanha: que isso é inegavel (apoiados). E accrescentou que não lhe parece, que a situação seja tão mesquinha, que pela falta de um só homem, houvesse de se desmoronar: não succederia de certo tal, ainda que faltasse a vida ao actual Presidente do Conselho.

Observou que em presença do modo como o digno Par encarou a questão vê-se, que o pensamento de S. Ex.ª é, que o projecto de lei em discussão contém um interesse particular, pretextado por interesse publico: mas que não é como pensa o digno Par; que pelo contrario esta Lei é uma Lei geral, sendo desnecessario que o orador mostre agora, que se podem dar muitos casos, em que convenha que a Presidencia seja exercida por certo homem, e não por outro homem, porque não é necessario mostrar quaes as circumstancias porque seria mais conveniente, que esse homem seja o que preside aos seus collegas sem pasta, antes do que pedir elle a sua demissão, por não poder ter a direcção de uma repartição do Ministerio: a Camara não exigirá decerto, que se lhe apresente uma lista immensa de hypotheses, em que essa necessidade se demonstrasse: que o trabalho do Presidente do Conselho de Ministros, sem dirigir uma repartição, não é tamanho como o trabalho do Presidente do Conselho de Ministros, presidindo a esse Conselho, e além disso dirigindo uma repartição trabalhosa, e á qual diariamente affluem immensos negocios; e que tambem se deve attender a que não é só o trabalho material, é tambem a importancia desse trabalho. O trabalho da Presidencia de Ministros não cança nem occupa todo o dia, o que não succede ao exercicio da pasta da guerra, por exemplo, que occupa todo o dia, e muitas vezes parte da noute,

O orador insiste em fazer sentir bem, que o Presidente do Conselho de Ministros, no exercicio destas funcções com os seus collegas, póde fazer um serviço muito importante, sem se cançar muito; ao passo que a sua falta poderia trazer muitos desserviços: que não falla no nobre Duque de Saldanha, falla de qualquer Presidente de Conselho, dadas identicas circumstancias. Se pois isto é assim, como se faz então a comparação do trabalho? Pois não se sabe que o Capitão, que á testa de uma columna vai atacar a praça no momento do perigo, tem mais trabalho e fadiga do que tem o general em chefe, que está de longe vendo o modo como se opera? Todos correm mais perigo, e teem mais trabalho do que elle: mas apezar disso dispensar-se-ia o General em chefe? A acção do Presidente do Conselho de Ministros póde exercer-se, sem a canceira, e perigo mesmo que corre aquelle que noestado valetudinário, e de molestia, tem de vêr e examinar todos os dias, e a todas as horas differentes papeis, despacha-los, e ouvir e attender a muitos pertendentes. Vê-se, pois, que não ha comparação entre um e outro trabalho.

Observou ainda o Sr. Ministro que o digno Par accrescentára mais estás palavras: E além disso Commandante em Chefe do Exercito! Mas que o digno Par sabe muito bem, que até aos ultimos annos da sua vida, o Duque de Wellingthon foi Commandante em Chefe do Exercito inglez (apoiados): mas o orador não quer fazer comparações para que se não diga que vai buscar exemplos estranhos, e que recorre a um nome com que se escude, quando por si só não póde defender-se, como foi accusado n'uma das ultimas sessões de costumar fazer.

Observou que vinha ainda outra consideração, a do ordenado. O Sr. Ministro conhece a nobreza de caracter do digno Par; que S. Ex.ª sabe muito bem que o nobre Duque de Saldanha não accumula ordenados; e que a differença que póde resultar em cada mez não excede a 30$000 réis, quando esta Lei se dê á execução; e que uma conveniencia politica vale mais do que 30$000 réis. Que demais esta differença não é tal que pese sobre o Thesouro, nem que o digno Par haja de tomar em consideração; e não toma de certo. Que o digno Par reduzindo todos os seus argumentos a uma synthese, acha o projecto de lei contradictorio, dispendioso, e incompativel. Contradictorio, não mostrou S. Ex.ª que o seja: pois o facto é, que ha necessidade de que o Governo se não ponha no risco, dada uma eventualidade qualquer, de fazer por uma authoridade que não tem, uma cousa que as Côrtes podem fazer sem incompatibilidade alguma, porque a não ha. O orador já confessou, que o Governo se comprometteu a apresentar esta proposta de lei por occasião da molestia do Presidente do Conselho; e a occasião, sabe-se perfeitamente que não é um firme proposito, é porque em quasi todas as circumstancias da vida ha differentes casos que se apresentam como motivo para legislação, e nunca lembra a apresentação das medidas propostas, sem que a necessidade dellas se tenha feito sentir n'alguma parte; é se a isto se chama a occasião, a occasião desta foi a que deixou dita. Incompativel e dispendioso, tambem se não tinha o digno Par dado ao incommodo de provar que fosse uma, ou outra cousa.

O Sr. Ministro considera que podem dar-se muitos casos em que seja necessaria esta creação, como já se tinha dado um, que não está inhibido de contar, nem de concordar, ou deixar de concordar com o digno Par sobre o acerto, ou desacerto da primeira resolução, que se tomou a respeito de um Presidente de Conselho de Ministros; que o nomeado era uma das maiores intelligencias deste paiz, e um dos homens mais respeitaveis da Europa; e que por sua parte não concorda em que o Governo que então tomou sobre si o decretar a creação dessa presidencia sem pasta fez mal; sendo sabida por todos a razão porque elle Sr. Ministro não concorda em que o Governo tivesse feito mal: que então não havia Lei, e os homens publicos deste paiz estavam então muito menos adiantados nos conhecimentos praticos da politica e administração propriamente dita do que hoje: que não se póde negar que, á excepção delle orador, o& mais todos teem feito grandes progressos: par consequencia elle Sr. Ministro não só não acha a incompatibilidade, mas inteira e absolutamente o contrario. E quanto ao dispendioso, que não quer agora repetir o que já disse, por isso mesmo que está certo de que, na propria opinião do digno Par, foi essa a consideração menos momentosa que S. Ex.ª apresentou; e neste caso não lhe resta mais do que uma pequena observação sobre outro objecto, concluindo com ella o que tinha a dizer.

Que o digno Par na exposição que fez, pareceu querer dar a intender, que o Governo considerava pela verbalisação desta proposta de lei, que o Presidente do Conselho era uma personagem superior aos seus collegas, ou que os governava: que isso não era uma idéa nova; já aqui se tinha ouvido, até se ouviu dizer, que o Presidente do Conselho maneatava os seus collegas! Mas o Sr. Ministro em primeiro logar não vê que de nenhuma phrase do projecto se possa deprehender que o Governo considera o Presidente do Conselho superior aos Ministros que o constituem; e em segundo logar — que o Governo não póde negar ao Presidente do Conselho a qualidade de Presidente, pois que com quanto seja um collega dos Ministros, desde que é Presidente, ha-de exercer certas funcções que não exercem os outros Ministros seus collegas: e passando a exemplificar, disse o Sr. Ministro: que um digno Par toma a cadeira da presidencia, elle é igual aos outros, mas, desde que se senta naquelle logar, exerce certas funcções que os seus collegas tem de obtemperar, por bem da ordem, da lei, e em fim porque esta & a natureza de todas as presidencias: que o Em. Presidente, que felizmente vê agora sentado na cadeira da presidencia, pondo de parte os respeitos que se lhe devem, na sua alta qualidade de Cardeal, e Pastor desta Igreja, e todos os dotes e meritos que o revestem, comtudo, sentado em qualquer destas cadeiras é um Par do Reino como qualquer dos seus collegas; más collocado alli, é o Presidente da Camara; e que Deos livrasse de que assim o não considerassem, como prova da sua educação, e do reconhecimento de um dever de respeito, muito necessario a bem da ordem, e do serviço!

Que isto mesmo é o que acontece em qualquer tribunal superior de justiça, por exemplo, na Relação, onde todos os Juizes são iguaes> mas aquelle que preside devem-lhe, sem duvida nenhuma, certas attenções especiaes todos os seus. collegas, sem que por isso se julguem inferiores a elle (apoiados). Que assim, elle orador, como Ministro, não se considera inferior ao Presidente do Conselho, nem elle ainda tal exigio, nem póde imaginar que algum dos seus collegas repute que lhe é inferior.

O Sr. Conde de Thomar — Eu não posso conformar-me com a approvação do projecto que se acha em discussão; e não é porque ache que a sua doutrina seja contraria aos principios; bem longe disso; é sim porque não julgo que esta medida seja indispensavel para o bom andamento dos negocios publicos, e porque em virtude deste projecto se vai crear uma despeza que póde evitar-se; sendo certo que nas circumstancias em que nos achamos, não se devem votar despezas novas que se podem dispensar; de sobejo se tem já nestes ultimos tempos augmentado a despeza publica, para que ainda agora, sem uma necessidade urgente e reconhecida, se vá votar o que se nos propõe. Não vale a circumstancia de que naturalmente, como acaba de dizer o Sr. Ministro do Reino, occupará este logar o actual presidente do Conselho, que não accumula; esta circumstancia particular não póde influir de maneira nenhuma para a approvação do projecto, porque assim como neste momento, e em outro qualquer caso póde occupar o logar da presidencia um individuo que tenha ordenado, que não possa accumular com este, tambem se póde dar caso de que seja chamado á presidencia do Conselho quem não tenha emprego algum publico, e então é claro que a despeza que daqui provém ha-de subsistir; e não se intenda que é só aquella despeza que á primeira vista se reconhece que resulta do projecto, não senhor: a creação deste logar de Presidente do Conselho sem pasta, ha-de mais tarde trazer a consequencia da creação de mais uma secretariasinha (riso); o tempo o mostrará!

Eu sinto realmente que as idéas de economia que grassaram por tantos annos neste paiz, que foram o programma de muitos homens politicos, e de differentes partidos, tenham desapparecido, e que sem a menor difficuldade se estejam constantemente votando despezas, e creando estabelecimentos que fazem despender sommas consideraveis (apoiados).

Em outras épocas, e particularmente quando eu tive a honra de pertencer aos Conselhos da

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Corôa, a idéa dominante era: suppressão de logares, porque existiam (na opinião dos que hoje são Governo) logares de mais; suppressão mesmo de algumas pastas, porque seis eram de mais, affirmam-se então que se podia fazer o serviço com menor numero. Com estas razões mesmo, se me fez, a miro e aos meus collegas, uma guerra constante, porque então todos diziam que o paiz tinha empregados de mais; mas a época da regeneração tem, pelo contrario, demonstrado que o numero dos empregados era diminutissimo, que se devia augmentar consideravelmente, e até mesmo estabelecer ordenados para certos logares que antes os não tinham!!!

Houve mesmo uma época, Sr. Presidente (e o Sr. Ministro do Reino sabe-o perfeitamente) em que um Governo estrangeiro nos lançára em rosto, que as nossas repartições publicas eram numerosas, que tinham muitos empregados, e que era necessario reduzirmos as nossas despezas publicas, para que assim se podessem satisfazer as nossas obrigações, e pagamento das nossas dividas: a época actual porém veio demonstrar, que em logar disso nós deviamos, não só deixar de pagar as mesmas dividas, mas até recorrer á expoliação para augmentar consideravelmente a despeza, e crear novas repartições com um pessoal numerosíssimo, como convinha á nova situação (apoiados).

Que documento damos nós da probidade e honra nacional, se no momento em que se prova que é necessario fazer economias para cumprirmos com as nossas obrigações dentro e fora do paiz, vamos gravar mais os nossos credores, e praticar a expoliação, para crear novas repartições, sem as quaes o paiz passava muito bem, por isso mesmo que, em geral, essas creações se podiam dispensar, como eu ainda hei-de provar?! Eu peço que se olhe com attenção para o que tem apparecido de novo, para tudo que se tem creado depois que appareceu este brilhante astro da regeneração!

Eu vou fazer uma resenha abreviada do que de repente me lembra das repartições creadas, e das despezas que em consequencia dellas tem accrescido no orçamento.

Lá está o Conselho ultramarino, repartição importante e numerosa, com grandes ordenados, e a competente secretaria.

Lá está o Ministerio das Obras Publicas, com um pessoal immenso, e ainda que actualmente elle seja servido pelo proprio Sr. Ministro da Fazenda, economisando-se um ordenado de Ministro ou pasta, é força confessar, que tambem por outro lado ha n'isso um gravissimo inconveniente para o serviço publico, pois que d'ahi resultam queixas, e queixas grandes e repetidas, de que o expediente daquellas repartições está parado ha muitos mezes, pois que até para se obter a assignatura do Ministro n'alguns papeis, estão estes á espera por muitos dias (apoiados)! Lá se criam tambem novos ajudantes para a Procuradoria geral da fazenda. Lá se cria o estabelecimento agricola em grande, e cujas despezas eu na occasião do orçamento hei-de tractar de examinar para saber o que ellas são na realidade, perguntando desde já ao Sr. Ministro do Reino quaes as vantagens que d'ahi se tem tirado; quanto a mim por em quanto são nullas.

Tambem vemos, que não sei se por desgraça nossa, se por pouco zelo dos Srs. Ministros, especialmente, por isso não mandando á exposição universal de Paris todos quantos objectos podiamos mandar, mandamos todavia uma commissão espantosa, pelo seu numero (apoiados). Um presidente, cinco vogaes e um secretario! Qual é o paiz do mundo, por muito industrial que seja, que apresente na exposição universal de Paris este estado-maior?! Já por ahi se conta, que indo apresentar-se essa numerosa commissão ao Principe Napoleão, presidente da exposição, aquelle ao vêr uma tão avultada fileira de empregados portuguezes dissera: que estado-maior em comparação da exposição que mandam! É cousa extraordinaria! Portugal abunda muito em empregados!

Eu, Sr. Presidente, respeito todas as pessoas, que foram mandadas naquella commissão, e principalmente o seu digno Presidente, a quem todos sabem qual a homenagem que eu tributo á sua probidade, aos seus talentos e serviços feitos ao paiz, mas é necessario convir, que a par dos objectos que se mandaram á exposição, não se tornava absolutamente necessario mandar uma commissão a maior seguramente que lá se apresenta?!

sem sei que o Sr. Ministro me ha-de dizer, que foram para estudar, e fazerem um bem descripto relatorio do que lá acharam de interessante para informação do paiz, mas eu intendo, que ainda assim, não era necessario uma commissão tão numerosa e tão dispendiosa, e a proposito perguntaria ao Sr. Ministro se conta fazer face a todas, essas despezas, com os dez contos que pedio, e que as Côrtes lhe votaram, ou se está já disposto por medida extraordinaria decretar novas sommas, com o fim de fazer face a qualquer despeza maior, sem que primeiro venha pedir authorisação ao Corpo legislativo?

Permitta-me, porém, a Camara, que eu me demore um pouco sobre este objecto: Em parte destas nomeações não imperou o desejo de promover o bem publico, mas sim de satisfazer a exigencias de amigos! Todos sabem como estas nomeações se fizeram; depois de nomeados alguns em primeiro logar, e que aliás se julgavam necessarios, foram outros nomeados, porque certas influencias o exigiram; tambem toda a gente sabe, que aquella commissão foi nomeada, sem secretario, mas depois, o Governo escutando os queixumes de alguem, e querendo evitar as iras de outro, nomeou então um secretario, custando duas nomeações, que a principio se não julgaram necessarias 120 libras por mez! E comtudo, é fora de dúvida, que os Srs. Ministros não teem direito de dispôr assim dos fundos publicos para serviremos seus afilhados (apoiados.)

Sr. Presidente, é ainda em resultado desta brilhante situação que lá apparece no orçamento essa enorme somma que hoje se gasta com o commandante em chefe do exercito, todos sabem que a despeza era anteriormente muito menor, porque então o commandante em chefe do exercito, pela sua alta posição, não recebia forragens nem gratificações, e pela modestia que lhe é propria em tudo, tinha apenas os officiaes do estado-maior indispensaveis ao serviço, é sabido que estavam ao seu serviço naquella época só tres ou quatro, em quanto agora apparece um esquadrão de ajudantes de ordens á roda do commandante em chefe, e isto até se nota cada vez que sahe um General a passear as ruas da capital, o que não é indifferente para o Thesouro publico, porque existem considerados ajudantes de ordens muitos individuos que recebem gratificações e forragens contra Lei, e quando esta despeza tem augmentado consideravelmente, é que ainda se vem pedir um novo augmento, sem que o serviço publico reclame tal augmento. Esta situação ainda nos trouxe uma grande despeza pela denominada melhoria de reformas, que tem sido dadas contra Lei a homens que estavam reformados ha muitos annos, e não tinham direito a essa melhoria de reforma, conseguida só por patronato; quando chegarmos á discussão do orçamento do Ministerio da Guerra, eu me occuparei deste objecto, e então a Camara verá até que ponto tem chegado o escandalo nesta parte.

Sr. Presidente, nem mesmo os estabelecimentos pios deixam de vêr augmentada a sua despeza, estabelecendo-se pingues ordenados e gratificações para os seus directores É este um ponto em que eu desejava encontrar patriotismo naquelles que inculcam grande interesse pelos estabelecimentos pios! Eu concebo que se tome sobre seus hombros um grande trabalho, reunido ao que resulta dos altos empregos que se servem para mostrar interesse pelos estabelecimentos pios servindo de graça, mas por avultadas gratificações! Estas, ou a sua recepção provam o contrario do que inculca!...

E, Sr. Presidente, permitta-se-me que repita o que já disse em outra sessão, é que a despeza do orçamento tem augmentado consideravelmente pela Lei das aposentações, já hoje é enorme e ha-de crescer progressivamente, o Governo e as Côrtes não poderão deixar de attender a esse ponto; e aproveito esta occasião para recommendar ao Sr. Ministro, que, se a Lei deve ser respeitada para todos, não devem deixar estar parados os processos de certos individuos, só porque não sejam do partido dos Srs. Ministros! Portanto, Sr. Presidente, em todos as ramos do serviço publico a despeza tem augmentado prodigiosamente: ainda poderia notar muitos outros factos, mas não posso deixar em esquecimento o theatro de D. Maria 2.ª, que fazia de despeza ao Estado seis contos de réis; e já montou á de vinte e nove contos! E quando se tracta dos negocios augmentando a despeza por esta fórma é impossivel o justificar um projecto que cria uma nova despeza.

Sr. Presidente, em quanto o Governo não tractasse de levantar essa infamante nota que existe ainda do Stock exchange, em quanto nos não habilitamos a apresentar de cabeça levantada na primeira praça do commercio da Europa, em quanto não provássemos por factos que não somos um governo fraudulento, não deviamos crear novas despezas, que não são absolutamente reclamadas pelo serviço publico, se queremos merecer, e ser considerados como uma nação de boa fé, devemos mostrar que temos feito sacrificios o diminuido as nossas despezas, e que se não pagamos é porque não podemos — mas crear novas repartições muito numerosas, dispendiosas —mas dispensaveis, é querer continuar a merecer o titulo de Governo e nação fraudulenta. Eu não deixarei de clamar contra tal systema (apoiados). Neste estado de cousas é, Sr. Presidente, que o Governo vem ainda apresentar um projecto creando mais uma despeza, e isto porque a doença do actual Presidente do Conselho deu logar a pensar nesta medida; de sorte que até aqui não era necessaria aquella medida, e se o Duque de Saldanha não estivesse doente, os Srs. Ministros não pensavam nesta grande medida de administração publica. Mas o que é extraordinario é que invocam precedentes para justificar a medida, e esses precedentes foram adoptados em circumstancias diversas, e provam coatra, porque o recedente de 1834 teve como razão e fundamento a necessidade do Presidente do Conselho assistir constantemente ás discussões das Camaras, e então o Presidente do Conselho julgava que não se podia occupar dos negocios de uma pasta para estar com assiduidade no Parlamento: agora é o contrario, o Presidente do Conselho não deve gerir uma pasta, porque estando doente não deve sair de sua casa, e não é necessario que esteja nas Camaras para assistir ás discussões!

Eu vou ler á Camara as palavras do nobre Duque de Palmella, dando os motivos porque acceitou o cargo de Presidente sem pasta. O Sr. Visconde de Laborim — Ouçam, ouçam. O orador (leu). E adoptava o melhor meio (falla o Sr. Duque de Palmella) para me poder entregar inteiramente á discussão das graves materias, que se apresentam no Conselho, e para poder dar o andamento necessario á marcha do Governo, ficando por agora livre da trabalhosa tarefa que o expediente de qualquer das repartições impõe, dispensado de sacrificar uma grande parte do meu tempo em audiências, quasi sempre sem resultado, e por isso mesmo habilitado a assistir com mais assiduidade ás importantes deliberações das Camaras legislativas.

Sr. Presidente, então dizia o nobre Duque de Palmella — que era necessario uma presidencia do Conselho sem pasta, para que desembaraçado dos outros negocios, podesse assistir constantemente ás deliberações da Camara e ás suas decisões; e agora cria-se aquelle logar, porque o actual Presidente do Conselho se acha doente, e não póde representando o pensamento governativo vir ás discussões parlamentares.

O negocio, diz o Sr. Ministro do Reino, não é exclusivamente pessoal, estabelece uma regra geral, não ha duvida que deu logar a pensar nesta medida a molestia do Presidente do Conselho; mas quem duvida, disse tambem S. Ex.ª, que dadas certas circumstancias, estas exigem que um certo homem esteja á testa dos negocios publicos, e applicando ao caso presente, quem duvida (continuou o Sr. Ministro) que a situação politica que hoje existe carece que esteja á sua frente o actual Presidente do Conselho? E comtudo o Sr. Visconde de Laborim, meu particular amigo, já tinha dito que desgraçada situação aquella que precisa da presença de um homem para se sustentar! E comtudo o Sr. Ministro do Reino ainda sustenta que esta creação não importando os interesses do individuo, mas os interesses de uma situação politica, deve ser approvada! Eu intendo que as Leis que as Côrtes votam não devem ter em vista os interesses de um partido, mas sim os interesses da nação; e admira-me que um Ministro da Corôa venha aqui dizer, que a medida deve ser votada, porque á situação actual exige que esteja á sua frente a espada do Duque de Saldanha (apoiados). Não é por estas considerações mesquinhas de partido, que as Côrtes devem votar aquella medida, os interesses geraes são o fundamento unico com que devemos votar as Leis. É vergonhoso que dos bancos do Ministerio se diga que esta medida é necessaria para sustentar a actual situação.

O Sr. Ministro do Reino — Eu não disse tal.

O orador — Sr. Presidente, é necessaria, disse S. Ex.ª, porque o actual Presidente do Conselho não póde vir ás Camaras, não obstante estar muitissimo melhor, como acabou de asseverar o Sr. Ministro dos Negocios do Reino, e assim o devemos acreditar, porque já se não contenta em ir, como S. Ex.ª tambem disse em outra occasião, ao theatro de S. Carlos embuçado n'um capote para ouvir Mad. Alboni, já apparece nas festividades publicas e particulares, e assiste a outros actos publicos (riso); mas só não apparece aonde o chama o seu dever! Está muitissimo melhor, como S. Ex.ª o Sr. Ministro do Reino fez publicar no seu orgam official e convencional, o Arauto. Se já não existe essa grave doença, se está muitissimo melhor, porque não vem o Sr. Presidente do Conselho a esta Camara para responder pelos seus actos, e não continuar a defender-se constantemente por procuradores?

É necessaria porque assim o reclama a situação, disse ainda o nobre Ministro. Todos o ouviram. E porque a julga S. Ex.ª necessaria? Lembro-me do perspicaz dito que ouvi a um homem de estado deste paiz, mostrando que para evitar intrigas e revoluções existe a necessidade de ter o actual Presidente do Conselho sempre, ou dentro dos mesmos Conselhos, ou de o ter fora do paiz; como os Srs. Ministros o não podem hoje mandar para fora dó paiz, adoptam o outro meio, isto é, obrigam-no a partilhar a responsabilidade ministerial para o terem seguro!...

Sr. Presidente, eu bem sei que encarando a questão pelo ordenado, em quanto o actual Presidente do Conselho occupar esta pasta, que a differença que vai receber é pequena, creio que não chega a 500$000 réis por anno, e grande favor fez S. Ex.ª em dizer que continuando o Sr. Duque de Saldanha a occupar os logares que occupa não ha-de haver accumulação. Seria uma flagrante violação da lei, e seria até muito extraordinario, que quem recebe varios ordenados e pingues, gratificações de doze mil cruzados, e forragens como Commandante em chefe do exercito, ainda fosse accumular mais este ordenado, contra a disposição expressa da lei. Mas para mim não é só esta a questão, é a importancia de uma secretariasinha, que se ha-de criar mais tarde, e que ha-de augmentar a despeza do Estado, e eu intendo que sem absoluta necessidade do serviço publico não devemos criar despezas novas, e, na situação em que nos achamos com os credores nacionaes e estrangeiros, nós não podemos sem uma vantagem absoluta do serviço publico augmentar a despeza, porque a nossa obrigação é antes de votar medidas de luxo satisfazer as dividas que estamos obrigados a pagar (apoiados). É por estas razões que eu intendo que este projecto não deve ser adoptado. Eu intendo que um dos Srs. Ministros póde ser Presidente do Conselho, e occupar uma pasta, e permitta-me a Camara que diga, que o futuro ha-de mostrar a absoluta inutilidade deste logar. Todos nós que aqui estamos, que temos sido Ministros de Estado e Presidentes do Conselho, sabemos perfeitamente como os negocios se tractam, sabemos perfeitamente que cada Ministro, com o zelo que lhe é proprio, com o talento que possue, tracta de dar andamento a todos os negocios a seu cargo, e sabemos perfeitamente que as altas questões sempre são tractadas em Conselho de Ministros, e não era necessario que este projecto viesse dizel-o; e tambem sabemos que se as funcções de Presidente tem sido limitadas ultimamente a passar avisos para a reunião do Conselho, de futuro ha-de ser o mesmo: porque eu espero vêr que o actual Presidente do Conselho, ou outro que fôr nomeado, chamado aqui á barra para dar conta dos negocios publicos, ha-de declarar que não está ao facto delles, e que é necessaria a presença do Ministro competente para responder.

Portanto, Sr. Presidente, convencido destas rasões, convencido de que não é necessaria a criação desta despeza, eu voto contra este projecto (apoiados).

O Sr. Duarte Leitão — Peço a palavra.

O Sr. Presidente — Tem o Sr. Ministro da Fazenda a palavra.

O Sr. Ministro da Fazenda vê, com magoa, que

se tem pertendido tractar este projecto de lei, que está sujeito á discussão da Camara, como uma medida de interesse pessoal, e de conveniencia de certas relações politicas, quando lhe parecia melhor, e mais proprio do talento dos dignos Pares que o combatem, que se apresentassem na elevação natural das suas idéas; e que, visto dissentirem da opinião do Governo, e da doutrina consignada no projecto, se occupassem de combater esta mesma doutrina, por principios e razões mais elevadas, e mais concludentes no sentido do verdadeiro interesse publico. Mas quando este negocio, pelo modo por que está apresentado, não só pela redacção do projecto, que lhe diz respeito, como pela eventualidade a que se refere em cada um dos seus artigos, tem o caracter de uma medida geral, sem que, por maneira alguma, diga respeito a hypotheses, ou circumstancias determinadas; elle orador vê que os dignos Pares, que combatem o projecto, para assim justificarem o seu dissentimento, precisam descobrir, atraz das palavras do mesmo projecto, um pensamento que julgam o gerador desta medida, e assim tractam de discutir o Presidente do Conselho, tractam de combater o nobre Duque de Saldanha! E quando deste modo se discute e combate, e quando deste modo se sáe do campo dó raciocinio, o unico, e mais forte para defender ou atacar qualquer medida, é porque as boas razões não abundam! E assim sáe-se da analyse, sáe-se do bom campo, para se ir descer a individualidades, e a pequenas questões pessoaes.

Accrescentou que o digno Par, que acabava de fallar, tão conhecido pelos seus talentos, saber, e longa pratica nos negocios publicos, combateu uma medida de organisação politica, uma medida de certo tão interessante para a boa gestão dos negocios publicos, porque essa medida traz uma despeza de alguns cem mil réis! E diz de alguns cem mil réis, porque é quasi inadmissivel que possa ser nomeado Presidente do Conselho de Ministros um homem, que nada receba do Estado, o que reputa quasi inadmissivel, porque todos sabem, que, para que um individuo possa ser elevado á alta posição de Presidente do Conselho, é preciso que já tenha creado no paiz um nome, e uma reputação respeitavel, não só pela longa pratica do serviço publico, como tambem pelos seus talentos, e serviços prestados á nação; e o homem que assim tiver exercido essas altas funcções, terá direito a receber do Estado algum ordenado, que de certo não será dos mais inferiores: pois quem é que, em regra, ha de ser Presidente do Conselho, senão um Conselheiro de Estado, um General distincto, um Membro do Supremo Tribunal de Justiça, uma alta dignidade da Igreja, e n'uma palavra, um individuo que tenha adquirido já uma alta posição social?... E então quem é que (a não ser por uma rara, rarissima excepção, e quasi impossivel) póde vir a ser nomeado Presidente do Conselho, cujo ordenado traga ao Thesouro um grande augmento de despeza?... Por conseguinte, este pequeno augmento de despeza, não é só porque se tracte do Sr. Duque de Saldanha, ha de ser a generalidade.

O Sr. Ministro, porém, diz que vai á questão, e que tomará as palavras, taes como saíram da bocca do digno Par, quando disse que o Sr. Ministro do Reino havia dito (que não disse), que a situação politica actual era impossivel, com a saída do Ministerio do nobre Duque de Saldanha, e que lhe parecia impossivel que os Ministros se não envergonhassem de proferir taes expressões! O orador não tem duvida nenhuma de dizer á Camara, que casos ha, que circumstancias se dão, em que se póde reputar não só necessario, mas indispensavel a certa situação politica a existencia de um certo homem no gabinete do Governo; porque muitas vezes, da permanencia desse homem no Governo, deponde a existencia desta ou daquella situação politica; e que desde o momento em que elle deixou dalli estar, a situação mudou, porque esse homem que apresentou um certo pensamento governativo, que apregoou umas certas idéas politicas, e que levantou uma bandeira, que um grande partido segue, e que o paiz abraçou, é necessario, é indispensavel que esteja á testa dos negocios publicos, e da situação que creou (apoiados), porque, desde que elle a deixou, cessou immediatamente de existir esse principio que arvorara, e sustentava (apoiados). Que isto é sabido de todos, é doutrina corrente aqui, e em toda a parte, e se não que se lance a vista para o paiz visinho, onde se julgou indispensavel pôr-se á testa dos negocios publicos um certo individuo; necessidade que foi reconhecida por todos os partidos. A mesma Inglaterra, que tão adestrada está na pratica do systema parlamentar, a Inglaterra, que tanto abunda em homens, grandes, alli, dadas certas circumstancias, julgou-se indispensavel pôr á testa dos negocios, lord Palmerston; e isto tendo elle feito parte de um Ministerio, que caíra na presença de uma votação do Parlamento! E não significaria isto a ligação intima que existe sempre entre certos homens de Estado, e as idéas que representam?,.. Não significaria isto a necessidade que havia de continuar um systema, filho de certas idéas, que esse homem apresentára, e desenvolvera? O Sr. Ministro intende que sim, e é natural que o Parlamento inglez assim o intendesse; e comtudo o digno Par julga que o Governo se devia ter envergonhado de declarar, que a situação actual dependia muito da existencia no Ministerio do Sr. Duque de Saldanha, situação que S. Ex.ª havia creado!... (O Sr. Conde de Thomar — Referi-me a essa necessidade absoluta). Necessidade absoluta?... Pois não vê o digno Par que essa necessidade absoluta parte de uma grande conveniencia politica? E posto que o digno Par se referisse á conveniencia de um partido, não vê S. Ex.ª que os partidos politicos não representam outra cousa, que não sejam as conveniencias do paiz! O orador quer que se faça justiça a todos os partidos politicos: na sua opinião todos elles julgam representar as melhores idéas a bem do seu paiz, e maldito aquelle que não tiver este pensamento! Porque então esse partido não fará mais.

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do que arrancar as entranhas do seu paiz sem que já mais lhe de bem algum! Mas como não quer fazer a satyra da humanidade, por isso diz que todos os partidos julgam apresentar, e seguir aquellas idéas que só podem fazer o bem do seu paiz, chegando pela adopção de suas doutrinas ao seu aperfeiçoamento: pode ser que cada um caminhe por diversos caminhos, mas o fim a que todos se dirigem é o mesmo; que portanto, quando se diz que certa medida interessa a um partido politico, intende-se que interessa á continuação de uma serie de doutrinas e de opiniões, que se reputam as mais convenientes para o desenvolvimento dos melhoramentos do paiz; e nestes termos, e na presença do estado das cousas, póde-se, sem receio, nem vergonha de o confessar, dizer que é de uma alta conveniencia politica a permanencia do actual Presidente do Conselho á frente (los negocios do Estado (apoiados). E por sua parte não tem o Sr. Ministro vergonha de o confessar, porque, para que a tivesse havia de primeiramente envergonhar-se de estar com o nobre Duque de Saldanha no Ministerio, e de apoiar e sustentar a sua politica; e um homem, como o orador, que a apoia e sustenta tanto quanto póde, não deve, nem póde, envergonhar-se de julgar absolutamente indispensavel a existencia do nobre Duque no Governo; antes o contrario é que séria uma grande aberração, e uma manifesta contradicção de principios. Mas o Duque de Saldanha está doente, o foi esta a causa da apresentação desta medida; logo novo motivo de dissentimento da parte dos dignos Pares, que combatem o projecto; porque dizem, foi só quando se deu essa causa, que o Governo se lembrou de vir apresentar a necessidade de haver um Presidente do Conselho som pasta! A isto já o seu nobre amigo e collega, o Sr. Ministro do Reino respondeu, que na maior parte das vezes as grandes medidas de interesse publico são tomadas só quando se conhece a sua necessidade: isto não é de hoje, nem é deste paiz, é de todos os tempos e de todos os paizes, porque é preciso que se conheça, que sempre que apparece uma certa medida de interesse publico, é porque se deu uma certa circumstancia pela qual se conheceu que era necessario occorrer-lhe de prompto com esta ou aquella medida; por conseguinte não intende o orador que tenha havido nada de desairoso, nem de inconveniente para o Governo em apresentar este projecto de lei, porque julgou que havia necessidade da permanencia do nobre Duque de Saldanha no Ministerio: objecto de censura seria na opinião do Sr. Ministro, se acaso se não tivesse encarado esta questão como unia questão politica, e mesmo assim poder-se-ía defender convenientemente, mas nem essa razão existe; se esta medida, toda de circumstancias, apresentada pelo Governo fosse julgada dispensavel, e mesmo escusável na presente occasião, então poder-se-ía dizer, que era toda pessoal, e até prejudicial ao paiz, porque della só poderiam resultar inconvenientes; mas não é assim, e nem os dignos Pares que combatem a medida desconhecem a vantagem que póde resultar ao serviço publico de que haja uma presidencia sem pasta em certas circumstancias; e só a combatem porque intendem que é pessoal ao Duque de Saldanha, e traz um augmento de despeza; e porque, em quanto se não levantar uma certa nota que existe no Stock exchange, o Governo não deve propôr augmento de despeza alguma! O orador exclamou aqui dizendo, que quando os dignos Pares assim fallavam, parecia-lhe estar ouvindo já a discussão do orçamento! Mas não, senhores, não era isso! E os dignos Pares vinham discutir o orçamento do Estado, e vinham combater alguns dos seus diversos capitulos, e muitas das suas verbas por occasião de se discutir um projecto de lei que consigna a doutrina do que, em certas circumstancias, possa haver um Presidente do Conselho sem pasta! Fazendo justiça aos talentos e conhecimentos dos dignos Pares, não póde comtudo callar que o modo porque argumentam e, combatem o projecto não é outro senão o de fazer opposição, porque pela doutrina de SS. Ex.ªs, em quanto Portugal dever um real, ou em quanto não pagar tudo quanto deve aos seus credores, não deve augmentar despeza alguma, sem que se tracte de distinguir o que são despezas productivas e necessarias para os melhoramentos de que tanto o paiz carece, para que assim o Governo possa um dia vir a pagar o que deve!

O orador sente deveras, que os dignos Pares se não elevassem á grande e mais transcendente questão da conveniencia da creação de despezas productivas, comas quaes o paiz, desenvolvendo sua riqueza, possa pagar o que não póde aos seus credores! Pois não valia mais que SS. Ex.ªs tivessem entrado nesta grande questão, do que terem descido a essas questões acanhadas? Não que o sejam as opiniões dos dignos Pares, mas acanhadas as suas considerações. Pois como é que S. Ex.ªs intendem que os Estados, e os Governos podem pagar as suas despezas e as suas dividas? Não será creando novas fontes de receita? E como se crearão essas fontes — não será fazendo desenvolver a riqueza do paiz?

Intende o digno Par que se poderia consegui-lo sem procurar desenvolver as fontes da riqueza nacional; que se poderia consegui-lo sem haver viação publica; sem estradas, nem canaes, nem caminhos de ferro, nem outras cousas que são absolutamente necessarias e indispensaveis? nada disso se póde fazer sem despezas, e sem se organisarem as convenientes repartições que hão de superintender nessas obras. E censurou-se a creação do Ministerio das Obras Publicas, porque trouxe comsigo a nomeação de certos empregados para ella! Quem ouvir o digno Par, julgará que o Governo tem augmentado nos quadros das repartições os seus empregados: mas não é assim; acontece o contrario disso, porque os logares que teem vagado, não se teem preenchido, em vista da lei: — os empregados temporarios que teem fallecido, não teem sido substituidos, por que a Lei o veda: crearam-se repartições indispensaveis, em virtude das quaes, e dos meios que referi, o paiz se ha, de mais tarde achar collocado em circumstancias de poder preencher as suas necessidades. É pois debaixo deste ponto de vista, que elle orador desejava que o digno Par encarasse este negocio, quanto mais que o digno Par foi muitos annos membro da Administração, e por isso tem dados para profundar estes assumptos com todo o conhecimento de causa, e por isso não e desculpavel em apresentar aqui proposições geraes, sem descer á analyse de todas essas medidas que combate, compara-las depois com as necessidades do paiz, e em presença desse exame formular o seu voto. As situações impõem deveres, e os homens que teem estado á testa dos negocios publicos, teem mais obrigação de medir as palavras, do que quaesquer outros homens (apoiados).

Observou que se tinha tambem dito — creou-se um Conselho ultramarino! Creou-se uma escola de agricultura, e uma escola industrial! Creou-se o Ministerio das Obras Publicas! E tudo isto traz comsigo muitas despezas: logo o principio de economia adoptado n'outra época, desappareceu dos actos dos Srs. Ministros! Que era verdade ter-se creado o Conselho ultramarino; mas que não se provou ser inutil, e que não serve para esclarecer o Governo sobre as diversas providencias que teem de habilitar mais tarde o Ultramar: que se prove isto, e depois conclua-se que se creou uma despeza desnecessaria. Mas dizer-se que se creou o Conselho ultramarino que de nada serve, e dizer-se isto sem o provar, e não dizer mais nada para motivar a desnecessidade desse Conselho, não é proprio de um Cavalheiro que esteve tantos annos nos Conselhos da Corôa, e que conhece a fundo os negocios publicos, e cujos talentos são reconhecidos.

Que o digno Par bem via que póde haver neste paiz um homem que pela sua posição social, que pelos seus feitos d'armas, e pelos seus serviços relevantes, tenha um grande prestigio; e que esse homem cançado pelos annos, e abatido pelos soffrimentos, póde não ter forças para gerir uma repartição do Estado, sem comtudo deixar esse homem de ser util nos altos Conselhos da Corôa, e poder nesse exercicio fazer valiosos serviços. Na Inglaterra Lord Aberdeen, homem respeitado por todos, e de unia, grande reputação, foi chamado á presidencia do conselho sem pasta; e isto mesmo tem acontecido a respeito de outros nesse paiz aonde se comprehendem as altas conveniencias do Estado, onde se diz — as conveniencias de Inglaterra primeiro que tudo; nesse paiz aonde se não olha para uma retribuição mesquinha: e podo dizer o orador que é uma retribuição mesquinha essa que se dá aos Ministros: todos sabem que o é.

Mas o digno Par tinha dito que o nobre Duque de Palmella foi Presidente do Conselho sem pasta, motivando-se isso com a necessidade que tinha de assistir ás discussões dos corpos legislativos. Isto o que quer dizer é, que a saude do nobre Duque de Palmella não era sufficiente para exercer as funcções de Presidente do Conselho, e ao mesmo tempo ter uma pasta; e tambem quer dizer, que o nobre Duque de Saldanha tem a saude peior do que tinha o nobre Duque de Palmella, porque não póde vir assistir ás discussões do Parlamento. Mas não se esqueça de que essa medida que então se tomou não foi outra cousa senão uma medida politica daquelle tempo; naquella época intendeu o Governo que um homem politico da importancia do nobre Duque de Palmella devia estar á testa dos negocios publicos; e intendeu-se tambem que elle não podia ler uma pasta: mas não se disse então que essa despeza era inutil, nem que era inconveniente, administrativamente considerada, a nomeação de Presidente do Conselho sem pasta: pelo contrario, a opposição disse que sim convinha essa medida, mas que faltava lei: esta é a historia do que então succedeu. A opposição d'agora não póde seguir aquelle caminho, nem combater a medida com os mesmos argumentos; e por isso diz que a questão é grande, e que em quanto o Estado dever aos seus credores não póde fazer tal despeza. Faial argumento que teem os credores, se o teem, porque o Sr. Ministro não o sabe; dizer que, por que um proprietario devo, não ha-de gastar para melhorar as suas terras, não póde admitti-lo (O Sr. Conde de Thomar— Eu não disse isso). O orador — Mas fallou em augmento de empregados (O Sr. Conde de Thomar — Fallei). Note V. Ex.ª que esses empregados são os que estão nas repartições competentes, e com os trabalhos dos quaes se habilita o Governo para desenvolver as medidas tendentes a melhorar e a augmentar a riqueza publica, beneficiar a industria, a agricultura, a viação, e outras cousas de que o paiz carece (apoiados).

Notou que o digno Par fallára na escola agricola, o exigira que se lhe dissesse qual era o resultado que tem vindo da creação d lia? Pois o digno Par, ou alguem pretenderá, que já haja grandes resultados de uma escola, que apenas se acha aberta ha uni anno? Que diria a França, quando alli se crearam essas escolas, se no fim de um anno se censurasse o Governo porque ellas não produziam ainda nenhum fructo? Pois as escolas criam-se, e no fim de um anno já se querem agricultores: e já se quer colher resultado dessa criação? Não póde ser. (O Sr. José Maria Grande — Apoiado.) É facil e muito facil combater o projecto de lei em discussão, principalmente como o combateu o digno Par, citando sómente a despeza, e nada mais, devendo notar-se, que o digno Par combate a despeza da Presidencia sem pasta, com o fundamento de que a escola agricola, e a escola industrial ainda não produziram os seus resultados! Embora seja um facto verdadeiro, que os discipulos que frequentam aquelles estabelecimentos, progridam nos seus estudos com muita vantagem e adiantamento! O Sr. Ministro não sabe se o digno Par tem visitado aquelle estabelecimento; mas, se não tem, estimaria que o fizesse, para que com a sua lealdade de cavalheiro viesse dizer á Camara, se aquella creação, que foi approvada por lei, que é deste ministerio, e que importa em alguns contos de réis, produz ou não os resultados, de que é de esperar que tire grande proveito este paiz.

É verdade que ha instituições que se demoram mais do que outras a produzir os seus resultados, o que se deve attribuir a que, sendo mais difficeis no estudo, são tambem menos frequentadas as respectivas escolas. O que admira é que entre nós, no momento que estabelecemos essas mesmas instituições, que estão na sua primeira infancia, que ainda não póde haver tempo de se saber quaes os fructos que hão-de produzir, entretanto se fulminem com duas simples palavras; e combatendo-as por este modo na occasião em que se tracta de um projecto de lei relativo á Presidencia do Conselho de Ministros sem pasta! Mas o digno Par ainda obriga o orador especialmente a entrar no debate, porque sendo precisamente nos negocios que estão debaixo da sua direcção, que julgou achar motivo para fazer agora tantas censuras ao Governo, ainda o censurou por uma cousa que confessa que o maravilhou muito! O digno Par censurou o Governo pela commissão que este mandou á exposição universal de Paris! Isto admirou», porque esperava que o Governo merecesse os elogios do digno Par, ou que pelo menos lhe não fizesse censuras, por isso mesmo que mandava estudar aquelle grande facto economico, que raras vezes se póde dar na Europa, para o que o Governo escolheu alguns dos homens distinctos e especiaes. O Sr. Ministro esperava que, a não merecer por isto os louvores do digno Par, ao menos lhe merecesse o silencio, para não censurar aquillo em que todas pensam que não póde caber censura, e muito menos o sarcasmo!

Sente igualmente que o digno Par viesse repetir na Camara um dito que se espalhou, e que está convencido que é apocripho (apoiados); está persuadido que tal não existiu, mas se tivesse existido, não era ao Governo que isso implicava deshonra, nem mostrava que elle fosse quem tivesse commettido alguma inconveniencia (apoiados), ou que desconhecesse os seus interesses e deveres na nomeação daquella commissão que se apresentou em Paris.

Está firmemente convencido de que tal se não proferio, mas quando fosse verdade, era um Par do Reino, um homem amigo do seu paiz, zeloso do decoro da sua patria, e finalmente um homem de estado, devia repetir aqui? Não deveria antes ser o ultimo a faze-lo? (Apoiados)! Essas, cousas amesquinham as questões, e causam a discutir-se, muito mais vergonha do que quaesquer proposições fortes, e até mesmo injustas a que por ventura haja de se responder nos devidos termos (apoiados.)

Mas o que tem a exiguidade dos productos, que Portugal mandou á exposição, com o exame que se manda fazer do que produzem os outros paizes? É notavel o argumento do digno Par; é deploravel mesmo, (com perdão de S. Ex.ª); pois, porque sabemos pouco, e porque produzimos pouco, não estudemos o que os outros produzem? Não mandemos os homens especiaes?

Que uma nação collocada no apogeu do desenvolvimento material não mandasse estudar o que os outros produzem, isso comprehende-se, porque na sua vaidade, ou orgulho nacional, podia intender, que não tinha que aprender dos estrangeiros, mas nós, por isso mesmo que estamos tão atrasados, que mandamos meia duzia de cousas, como o digno Par diz, é que temos muito ainda a aprender; e para aprender muito em diversos ramos e complicados, não basta mandar um homem, dois, ou tres; de modo que nas nossas circumstancias, o orador intende o contrario do que intende o digno Par, que devia ses o ultimo a combater este pensamento do Governo, por isso que tambem foi no tempo do Ministerio de S. Ex.ª que se nomeou uma commissão similhante, para fim igual a este; e o digno Par deve sabor que as pessoas que se mandam n'uma similhante commissão recebem o encargo de informar depois o Governo sobre os meios conducentes a desenvolver certas industrias, mesmo para não passarmos pelo desgosto, que S. Ex.ª suppõe que houve.

Disse que o que digno Par deve igualmente saber é, que o exame que se mandou fazer não póde ser executado por um homem só, pois uns poucos de homens especiaes, ainda em numero maior do que aquelle que foi de Portugal póde ser insufficiente para conhecer da vastidão das materias, e dos processos necessarios para os productos que se apresentam na exposição universal de Paris.

Que o digno Par não ignora que se apresentam lá objectos de agricultura, e não ha de querer, que Oi maquinista de a sua opinião sobre elles, e vice-versa! Tambem por certo não ignora, que na parte industrial, por exemplo — a secção das machinas — só ella por si, é de tal vastidão e complicação nos seus variadissimos detalhes, que uns poucos do homens especiaes são talvez insufficientes para apreciar devidamente todo esse complexo, e no entanto o Governo para esse fim mandou só dois homens, um especialmente industrial, e outro mechanico.

Que em quanto aos tecidos, o digno Par deve saber, que o homem que exercita certos misteres de fabricante deve, para examinar com proveito, ter alguns conhecimentos da chimica, e de mais a mais é, que era de todo indispensavel representar alli a chimica, por isso que, sendo ella sempre necessaria ás industrias de todos os paizes, não podia deixar de fazer parte da commissão algum chimico, que viesse informar de certos preparados, e habilitar o Governo a resolver a maior questão que hoje temos nesta nossa terra —a liberdade, ou a protecção, applicadas ao commercio.

Que é necessario encarar tudo debaixo deste ponto de vista, e sente por isso que o digno Par ande tão rasteiro (permitta-se-lhe a expressão), porque S. Ex.ª parece não querer ir á altura a que a sua especialidade o póde levar, reconhecendo tanto ou mais do que muitos outros, que ha aqui um fim eminentemente util o importante para o paiz no exame deste grande facto economico.

Se á exposição de Londres não se mandaram esses homens especiaes para estudarem os differentes melhoramentos o varios processos que alli havia a examinar, sob pena de censura não o fazendo, o que acontece agora? Manda o Governo á exposição de Paris uns poucos de homens especiaes, os melhores, os primeiros que acha em todo o reino, sem fazer offensa a ninguem, porque entre bons e bons escolheu uns tão bons como outros; é entretanto censurado porque vai por um patronato escandaloso nomear para uma commissão tal, homens aliás reconhecidos pelo seu zelo, intelligencia e conhecimentos scientificos! De modo que os homens que regem cadeiras as mais importantes em diversos estabelecimentos do Estado, que se teia distinguido em concursos publicos (O Sr. José Maria Grande — apoiado), sendo encarregados do exame de materias espinhosas o difficeis, que tem relação com aquellas de que a lei lhes incumbe entrar na demonstração e ensino proprio das cadeiras que occupam; são estes homens que I o digno Par intende que foram nomeados por influencias e patronato?

O Sr. Ministro não falla do Presidente dessa commissão. o Sr. Ávila, porque não é necessário, todos sabem que elle Sr. Ministro, como homem publico, collocado numa posição differente daquella em que S. Ex.ª se tem achado, fez-lhe opposição quando elle era Ministro, seta que jamais deixasse de reconhecer que tinha grandes dotes o grande merecimento para servir o seu paiz em muitos ramos da administração publica (apoiados); sentiu porém que o digno Par, ainda que no meio do seu discurso tecesse elogios a esse cavalheiro, elogios que do certo elle merece (apoiados), todavia estranhasse a no» meação de uma commissão de que elle é presidente, e de que comprehende todo o alcance! O Sr. Ministro tractou sobre isso largamente com aquelle cavalheiro, fallará sobre os moios de que se devia dispôr para apresentar ao paiz um «desenvolvido relatorio do tudo que houvesse a examinar, o elle não achou de mais o numero de individuos, que se nomearam! Pelo contra-rio, esse secretario a que se refere o digno Par, e que pensa que! foi nomeado por patronato, foi requisitado pelo proprio presidente da commissão, (O Sr. Ministro dos Negocios, Estrangeiros — ouçam, ouçam). Que por isto se visse como se refere a historia de hontem! O presidente da commissão é que julgou que podia assim ser ajudado efficazmente; e entretanto quer-se que haja aqui patronato e meios occultos, com que o Governo desconhece os serviços dos homens publicos, para favorecer os afilhados, aliás homens respeitaveis, e alguns de representação incontestavel, como um Conselheiro de Estado, e varios lentes de primeira ordem das escolas publicas, todos capazes de fazerem aquillo de que o Governo os incumbiu (O Sr. José Maria Grande — apoiado).

Disse que bem sabia que o digno Par não fez a censura a esses homens, foi ao Governo; mas, que era preciso mostrar, que elles eram os mais proprios, para desempenhar essa commissão, cujo pensamento o Governo reputa de grande vantagem para o paiz. Isto é que era necessario provar-se, e fica provado.

Que á pergunta de S. Ex.ª, o que se ha-de fazer se não chegarem os dez contos? Respondia, que nesse caso gastaria mais, pois o Governo espera achar nas Côrtes bastante patriotismo para lhe legalisar essa despeza, e a de mais dois, tres, quatro, ou seis contos de réis, se se mostrar que assim foi necessario, para tirar é desejado e necessario resultado deste grande ajuntamento cosmopolita das differentes industrias de todos os paizes. Já assim o declarou na outra Camara, e ninguem alli julgou que o Governo commettia nenhum crime constitucional em dizer, que não podia antecipadamente saber ao certo quanto se gastaria. Da outra vez não se chegou a gastar toda a quantia, mas agora parece-lhe que se ha-de gastar mais; porem a illustração das Côrtes comprehende quanto importa uma vez, e n'um caso destes, não olhar a uma pequena differença de cifra, mas sim aos resultados que dahi se tiram (apoiados). Que em quanto ao modo de fazer a applicação da quantia votada, o Governo não é obrigado a dar contas disso; póde dizer como lord Palmerston, que perguntando-se-lhe quanto linha gasto lord Jonh Russel na sua viagem a Berlín disse, que tinha gasto o necessario (riso). Quando se vota uma verba em globo, o Governo depois dá conta ás Côrtes do resultado, para as Côrtes legalisarem essa despeza, ou não legalisarem, se não está nos termos, O Governo toma toda a responsabilidade se excede a verba, mas se gasta dentro da verba não toma responsabilidade nenhuma em gastar desta ou daquella maneira, quando preencha o fim para que a mesma verba foi votada em globo.

Accrescentou que tambem ouvira fallar no commando em chefe do Exercito, o foi na ordem em que o digno Par percorreu os differentes capitulos do orçamento;, mas não podia esperar que S. Ex.ª fallasse no commando em chefe do Exercito, principalmente sendo a pessoa que hoje commanda o Exercito aquella em que vai recair este projecto, que este commandante em chefe 6 um fantasma tremendo para os cavalheiros que fazem opposição, para combater o commando em chefe do Exercito na pessoa a que se refere este projecto: e que se tractára da despeza que se faz com o commando em chefe do Exercito; mas a que proposito se o actual commandante em chefe do Exercito não accumula (no que não faz favor), a que vem aqui a questão da despeza?

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O Sr. Conde de Thomar — Não accumula a gratificação?

O orador — Essa sim, accumula legalmente; e desde que essas accumulações são legaes, o Sr. Ministro admira-se, e acha muito extraordinario, que venham fazer opposição por aquillo que está reconhecido pela Lei (apoiados).

Que tambem se fallou nos Ajudantes de ordens, que o digno Par disse — ser uma nuvem que acompanhava o Commandante em Chefe — mas que S. Ex. ignora que todos elles tem o seu logar nos corpos, desde essa época chamada regeneração, e não se faz mais despeza com elles. O digno Par ignora que o proprio orçamento do Ministerio da Guerra, que tinha sido augmentado em virtude dos Officiaes da convenção de Evoramonte, tem actualmente diminuido, e não augmentado; pelo que essa opposição de S. Ex.ª, desfaz-se ao primeiro exame que se fizer do orçamento; porque não basta só confrontar as cifras, é necessario ver tambem porque existem, e a razão porque se elevou a despeza em certas verbas do orçamento do Ministerio da Guerra. Quando se tractar desta questão o Sr. Ministro responderá ainda outra vez sobre este negocio que nunca acaba; mas repetirá pela quarta ou quinta Tez qual foi a razão, altamente politica e apreciada por todos os homens amigos do paiz, porque o Governo intendeu que devia dar um bocado de pão aos individuos que até então não tinham uma verba no orçamento, com quanto tivessem feito grandes serviços á patria (apoiados). Que é daqui que vem o augmento da despeza, e não do numero dos Ajudantes de ordens, que todos tem logar nos quadros do Exercito, o por isso não augmentam aquella verba de despeza (O Sr. Conde de Thomar — Eu mostrarei). S. Ex.ª de certo está ahi para mostrar, mas elle Ministro está tambem para combater as suas asserções, o que faz como póde, e não as deixa sem resposta com toda a conveniencia e dignidade. O Sr. Presidente — A hora já deu. Continúa a mesma ordem do dia na segunda-feira. Eu convido as commissões para que preparem alguns trabalhos, porque não ha sobre a mesa mais objectos para discussão. — Está fechada a sessão.

Eram cinco horas e meia.

Relação dos dignos Pares presentes na sessão do 1.° de Junho corrente.

Os Srs. Cardeal Patriarcha; Silva Carvalho; Marquez de Fronteira; Arcebispo Bispo Conde; Condes das Alcaçovas, de Arrochella, do Bomfim, do Farrobo, do Fonte Nova, da Louzã (D. João), de Mello, da Ponte, da Ponte de Santa Maria, e de Thomar; Bispos de Bragança, e de Vizeu; Viscondes de Algés, de Athoguia, de Balsemão, de Benagazil, de Castro, de Fonte Arcada, de Fornos de Algodres, de Francos, de Laborim, de Nossa Senhora da Luz, de Ovar, e de Sá da Bandeira; Barões de Porto de Moz, e da Vargem da Ordem, Mello e Saldanha, Pereira Coutinho, Sequeira Pinto, Ferrão, Margiochi, Aguiar, Larcher, Silva Costa, Guedes, Eugenio de Almeida, José Maria Grande, Duarte Leitão, Brito do Rio, Fonseca Magalhães, e Aquino de Carvalho.

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