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364 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

tas de 1640; mas uma nação não se sustenta hoje só pela força das bayonetas, sustenta-se cumprindo honradamente os seus deveres, os seus encargos, e mal della quando se declara a bancarota! (Apoiados.)

E não me admira nada disto, porque o digno par, Sr. Antonio de Serpa, num artigo seu, ultimamente publicado, diz o seguinte:

"Se, porem, a Propaganda fide prefere inverter uma parte dos seus bens em titulos de divida portugueza, em vez de os inverter em titulos italianos, faz-nos muita honra; mus não cremos que proceda com um providentissimo criterio financeiro. Reputámos o nosso credito publico perfeitamente garantido, apesar das predicções dos pessimistas; mas a verdade é que temos uma divida maior, relativamente, do que a italiana, e temos ainda um déficit, o que não succede na Itália."

É grave, e sobretudo confirmado por tudo quanto tenho dito, o que escreve este illustre homem d'estado, que tem gerido muitas vezes a pasta da fazenda. Aconselha s. exa. em sua consciencia, e o seu conselho é bom.

A Italia, fez a guerra da Criméa, luctou com as maiores dificuldades, passou por uma verdadeira transformação; não admira, pois, que tivesse um grande augmento de divida. Nós não temos nada disso, e observa o sr. Serpa, relativamente aquelle paiz, que a situação do nosso é peior.

N'estas condições vem o governo apresentar uma proposta que é um verdadeiro attentado.

Um governo que tem uma situação financeira tão desgraçada, e vem apresentar ao parlamento uma proposta, dizendo aos estabelecimentos de beneficencia, que são o amparo dos pobres, dos desgraçados, aos meus expostos da misericordia, que o capital que lhes resta, depois de terem convertido os seus bens de raiz em fundos publicos, deve dar entrada no deposito publico, foi até onde nenhum governo tinha chegado! (Muitos apoiados.)

E sabe a camara o que isto significa, o que quer dizer a entrada destes capitães no deposito publico?

É a absorpção de todos elles na divida fluctuante, e na voragem das despezas do expediente! (Apoiados.)

O sr. Conde do Casal Ribeiro: - Não passa.

(Profunda sensação na assembléa.)

O Orador: - Não passa, diz bem, e nessa occasião, quando houver o debate, o meu patriotismo ha-de vir aqui fallar, clamar, em nome dos meus expostos, daquelles infelizes da santa casa, e protestarei contra este attentado, que é um dos mais graves que se póde commetter!

O sr, ministro da fazenda, não ha de ousar dizer aos expostos, aos estabelecimentos pios, cumpri esta lei! Não, que isso não póde ser, nem ha de ser! Ouça-o o sr. Fontes. (Apoiados repetidos.)

(Pausa.)

Sr. presidente, temos alem disto a bancarota das camaras municipaes! Tenho aqui documentos que provam que o vaticinio, que eu fiz ha poucos dias nesta camara, se vae approximando. Examino primeiro o relatorio da companhia geral de credito predial portuguez, que costumo ler sempre com toda a attenção, que é o verdadeiro espelho do estado da riqueza publica.

Sabem os dignos pares, quantas propostas para emprestimos municipaes e districtaes deram entrada no escriptorio d'aquella companhia no anno que acaba determinar? Sabem v. exas. mais um resultado dessa lei de administração que eu me honro de ter aqui combatido com todo o vigor? Eu lhes digo, e conto o que vem no relatorio da companhia; porque, sr. presidente, tudo neste paiz vae num plano inclinado e fatal, e a loucura de gastar dinheiro é de todas as repartições e corporações publicas. Sommam estas propostas para emprestimos em 6.695:000^000 reis!

São 176 propostas municipaes e 37 districtaes. Felizmente nem todas foram attendidas, e se o fossem, como os encargos, tomados com a companhia, se elevam pouco mais ou menos a 8 por cento, seria o resultado um encargo annual de 535:600$000 réis, quantia que tinha de ser paga pelos contribuintes!

Ha poucos dias dizia um jornal do Porto o seguinte:

"As execuções em massa constituem o primeiro acto da derrocada, porque não ha execuções por essa forma, senão quando os contribuintes se encontram na impossibilidade, ou em gravissimas dificuldades, de pagar. Ha já mais de um concelho, onde as execuções em massa começaram.

"Num dos concelhos mais importantes do districto de Vianna, em Caminha, essas exacções fiscaes estão" dando motivo a irritados clamores populares. É apenas um principio!

"Concordancia instructiva: no parlamento acaba de ser votado um projecto, auctorisando a camara municipal de Paredes de Coura, do mesmo districto, a desviar da sua applicação legal o saldo em cofre do fundo de viação e mais uma verba annual de 600$000 réis, durante os cinco annos seguintes. Este municipio anda já ao rebusco."

Isto tudo mostra á camara que é verdade o que tenho dito tantas vezes: este codigo administrativo não póde continuar. O sr. presidente do conselho, que em 1882 nos tinha promettido melhorar este estado e tratar do assumpto, até hoje o que fez? Nada!

Mas temos para nos consolar as reformas politicas, que não prestam para nada, nem hão de salvar o paiz.

Sr. presidente, tenho aqui dois projectos que foram distribuidos hontem: tratam do mesmo assumpto; outras camaras municipaes, que não podem com os seus encargos, e pedem tambem aos poderes publicos auctorisações para desviar fundos da sua applicação legal.

Sr. presidente, o digno par o sr. conde do Casal Ribeiro, quando ha dias aqui fallou, disse que as reformas economicas apresentadas por sir Robert Peel tinham sido reclamadas pela fome.

A nossa situação, tambem não é muito feliz: os dados estatisticos que o outro dia leu á camara o sr. visconde do Chancelleiros, tirados do relatorio escripto pelo nosso illustradissimo collega o sr. Ferreira Lapa, bem o provam.

Vê-se por esse relatorio que a nossa producção de cereaes representa um déficit de cinco mil e tantos contos, e a falta de dinheiro e a fome hão de trazer a imperiosa obrigação de olharmos seriamente pelas nossas finanças.

Como o exemplo de sir Robert Peei, na questão da liberdade dos cereaes, não lhe parecesse a proposito para à questão das reformas politicas, lembrou-se o sr. Fontes de citar o mesmo estadista, quando, foi a emancipação dos catholicos, e ahi é que julgou encontrar a paridade.

Sr. presidente, não ha tambem aqui paridade, e eu já no anno passado me referi a esta reforma de Peei; mas visto o sr. Fontes ter-se esquecido, vou-lhe pedir que não leia só a pagina 38 do livro de Guizot, citado por s. exa, onde falla de Cicero, leia s. exa. tambem as paginas 399, 400 e 437. É a correspondencia notabilissima entre lord Wellington e Peel.

Diz-se ali:

"O governo deve tomar todas as precauções para que as reformas propostas não sejam só decididas pelas maiorias, mas que tenham em seu favor, quanto possivel, o sentimento decidido e não equivoco do parlamento.

"É necessario pensar no caracter e no modo como e constituida essa maioria.

"É da maior importancia que os projectos passem como consentimento geral, e com uma maioria imponente; se for por outra forma, ter-se-ha apenas lançado no paiz as sementes do descontentamento e agitação futura."

Admiravel correspondencia trocada entre estes dois grandes homens! A isenção de Peei é sempre a maior e a insistencia de Wellington para que elle fique no gabinete igual- a elle na sua reserva.

Finalmente cede porque lord Wellington lhe declara que sem o seu auxilio não se póde obter o assentimento do Rei e o voto do parlamento!