698 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO
homens, distribuidos por oito companhias, dá 26:000 homens.
Ora, tirando d'estes algarismos os impedidos, os recrutas e os doentes, já vê v. exa., sr. presidente, a força militar com que fica cada corpo.
Eu estou fallando diante de collegas e camaradas que foram distinctos commandantes de corpos e s. exas. sabem perfeitamente que com esta diminuta forca não se póde dar a conveniente instrucção.
Sr. presidente, o sr. ministro da guerra pertenceu á commissão que elaborou o projecto da ultima organisação do exercito e foi collega de outros illustres militares muito competentes para tratarem do assumpto.
Não sei porque s. exa. então não fez a este respeito as observações que fez no parlamento.
S. exa. condemnou nem podia deixar de condemnar, porque é um militar illustrado, o principio de remissão como prejudicial a toda a boa organisação militar.
Esta questão logo a tratarei mais especialmente.
Sr. presidente, nós temos tido muitas organisações depois que foram implantadas em Portugal as instituições liberaes.
Tivemos, a organisação de 1834, depois a de 1837, seguiu-se a de 1849, a de 1853, 1863 e 1864, e ultimamente a de 1884, que é a que vigora.
De todas estas organizações a melhor foi a de 1849 e sabe v. exa. porque? Porque foi feita por uma só cabeça, a do sr. general Ferrer, que, era uma illustração militar.
Permitta-se-me a phrase: panella mechida por muitos, ainda que sejam habeis cozinheiros, será sempre mal temperada.
Apparecem as ambições ou rivalidades das armas e outros inconvenientes que eu me dispenso de ponderar á camara.
O marechal Saldanha, que n'estes assumptos era mestre, quiz dotar ultimamente o exercito com uma boa organisação, e fez-me a honra de me encarregar d'este importante trabalho.
Eu opinava porque, esse trabalho fosse feito em dictadura; mas o marechal entendia que toda a organisação militar, que envolvesse questões de recrutamento, só podia ser resolvida pelo parlamento.
Dizia s. exa., e com rasão, que um projecto que envolvia o tributo de sangue só devia ser sanccionado pelo parlamento.
Eu ponderei-lhe:
Ninguem mais competente do que v. exa. para tal commettimento.
Respondeu-me elle: mas o meu camarada sabe que eu não posso entregar-me a esse trabalho, e como v. tem estudado o assumpto e é muito apologista da organisação de 1816, tome-a por typo, ponha-a á moda, e como eu tenho uma grande consideração pelo talento e pelos grandes conhecimentos do nosso amigo Latino Coelho, peça-lhe da minha parte que a adorne com as galas do seu primoroso estylo.
Começámos com zêlo e solicitude esse trabalho, e eu não quero recordar á camara o facto que o inutilisou, e as decepções que tive n'essa occasião, que tanto me despeitou e a um dos maiores talentos d'esta terra.
Sr. presidente, o meu illustre amigo e collega o sr. Carlos Bento, fez hontem um discurso tão sensato como espirituoso. O digno par disse ao sr. ministro da fazenda que era preciso que fizesse ver aos seus collegas a impossibilidade que havia de se levarem por diante melhoramentos que podiam comprometter as finanças, do paiz.
O sr. ministro parece que concordou com as reflexões do meu illustre amigo.
O sr. Carlos Bento é inimigo do deficit, mas creio que hão é inimigo das instituições militares.
S. exa. não é contra a melhor organisação do exercito, mas deseja como eu mais soldados e menos estados maiores. O digno par que é muito illustrado, não Ignora tambem os assumptos militares e conhece muito Bem a organisação da Allemanha.
O sr. ministro da fazenda, declarou que se opporia quanto fosse possivel ás pretensões dos seus dignos collegas; mas esta declaração estava um pouco em desharmonia com uma outra que s. exa. fez em resposta a uma pergunta que eu lhe dirigi n'uma das sessões passadas.
Eu perguntei se o sr. ministro da fazenda acceitava as propostas, do seu collega da guerra, e s. exa. disse que estava perfeitamente de accordo com ellas, e até se referiu muito especialmente á escola pratica de cavallaria.
Veja v. exa., sr. presidente, como os tempos mudam.
Eu, que sou velho parlamentar, lembro-me que um projecto apresentado a este respeito pelo sr. Fontes, a quem se devera os melhoramentos que o exercito tem tido, desde o material de guerra até ás suas leis organicas, e do qual eu tive a honra de ser relator, foi vivamente combatido pelo actual sr. ministro da fazenda e pelos seus amigos politicos.
Esse projecto foi convertido em lei, mas nunca foi posto em execução. O sr. Marianno de Carvalho disse n'essa occasião que só approvava todas as despezas productivas.
Eu concordo com s. exa. e lembro-lhe o dilemma que resulta da sua asserção: organisar o exercito de modo que satisfaça á sua elevada missão, era harmonia com os modernos principios da sciencia, ou então riscar do orçamento do estado a importante verba que lhe está consignada, que, de similhante modo applicada, póde considerar-se improductiva.
Não é só necessario reorganisar o exercito nas condições alludidas; é indispensavel e urgente não abalar a sua disciplina, infundir-lhe espirito militar.
Gastam-se perto de 5.000:000$000 réis com o exercito, pois vale bem a pena gastar mais alguma cousa. E preciso reorganisal-o, segundo preceitos mais racionaes e economicos e mais conformes com os principios da sciencia, de modo que seja mobilisado rapidamente sem ter de empregar nas fileiras na occasião do perigo individuos inteiramente estranhos á educação e aos habitos da vida militar.
Sr. presidente, se o nosso exercito não poder passar facilmente do pé de paz para o pé de guerra, então é completamente inutil.
O systema militar que elevasse rapidamente o exercito no pé de guerra a uma força consideravel, principalmente em relação á arma de infanteria, que augmentasse, ainda que no seu limite minimo, o numero de bôcas de fogo em analogia com os rigorosos principios da sciencia; que attendesse à instrucção -pratica de todas as armas, reunidas num campo de instrucção, e que infundisse nas tropas ás qualidades moraes a que ha pouco me referi, seria aquelle que conviria a Portugal.
A guerra que podemos tomar é puramente defensiva.
Os nossos vizinhos podem invadir o nosso territorio n'um curto espaço de tempo.
Por conseguinte, eu desejo que o nosso exercito attinja este grau de perfeição e que pela sua disciplina,, pela sua instrucção e pelo seu espirito militar um soldado valha por dez como muito bem diz o distincto escriptor mr. de Wilharmé.
Ora, sr. presidente, desgraçadamente a instrucção, a disciplina e o espirito militar deixam muito a desejar.
Eu não quero dizer com, isto e está mesmo longe de mim tal idéa que o nosso exercito esteja. insubordinado. Não está.
Parecerá um paradoxo, o que eu vou dizer.
Um exercito que apesar dos factos que todos nós lamentamos muito ainda é um elemento de ordem e um nucleo para a independencia do paiz, bem, prova quanto é susceptivel de se tornar o que foi na guerra da independencia e nas luctas das instituições liberaes.