702 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO
"Ninguem póde contestar, pois, que as linhas de defeza, ao mesmo tempo naturaes e artificiaes, mais celebres aos tempos modernos, são as de Torres Vedras. O duque de Wellington as construiu para cobrir Lisboa. Consistiam em duas linhas de obras destacadas, estendendo-se desde o Tejo sobre a direita até ao mar sobre a esquerda. Para o centro, as partes da linha eram a tres leguas umas das outras; mas no flanco direito approximavam-se muito entre si. A linha interior, que era a mais forte, tinha a extensão de 38 kilometros, desde Alhandra sobre o Tejo, a seis leguas de Lisboa, até ao rio S. Lourenço, proximamente a dez leguas da mesma cidade. A linha exterior estendia-se igualmente desde o mar até ao Tejo, passando perto da villa de Torres Vedras, e cobria quasi doze leguas.
" A occupação de uma linha tão extensa pelo exercito de Wellington, que só contava 50:000 homens, teria sido muito perigosa e contraria ás regras da guerra, se as communicações entre as duas linhas e todas as outras partes de cada uma não tivessem sido perfeitamente estabelecidas.
"Alem d'isso, graças á natureza do terreno que se lhe estendia pela frente, Wellington tinha inteiramente a seu favor a vantagem das linhas interiores, que lhe permittiam concentrar-se n'um dado ponto, em muito menos tempo do que o podia fazer o seu adversario.
"Ha trinta annos quasi todas as capitães da Europa foram occupadas por exercitos inimigos. Cita-se como excepção o exemplo de Lisboa em 1810. A posição de Torres Vedras não era susceptivel de ser torneada nem de ser deixada á retaguarda pelo inimigo."
Eu tenho aqui ainda uma outra opinião que tambem é notavel, escripta pelo auctor da obra intitulada Guerra peninsular, o que se refere tambem ás linhas de Torres Vedras.
Emfim. muitos homens notaveis têem escripto sobre o assumpto.
Ainda na Revista dos dois mundos, d'este mez, vem publicado um artigo muito notavel sobre o assumpto, para que eu chamo a attenção do illustre ministro.
O marechal Saldanha tinha uma grande predilecção, tinha uma predilecção immensa pelas linhas de Torres Vedras.
Não era partidario, como o sr. marquez de Sá da Bandeira, e do general Costa,, da defeza concentrada sobre Lisboa.
Elle teve o arrojo de atacar aquella linha. E dizia então Mousinho de Albuquerque para Torres Vedras: Estejam descansados que elle não terá similhante arrojo. Mas o marechal quando queria vencer, não via difficuldades.
Todos ficaram espantados quando o marechal atacou aquella forte posição.
Mousinho de Albuquerque que era um official muito distincto, não quiz ouvir á opinião de um official do seu estado maior que lhe aconselhava, e muito bem, que mandasse cortar a ponte.
Foi um irmão meu que a atacou valentemente com o seu pelotão commandado pelo capitão Franco.
Mousinho respondeu-lhe: Deixe-se d'isso, o marechal não vem cá.
Uma hora depois estava ferido mortalmente aquelle illustre militar e homem de sciencia.
Eu creio que o sr. visconde de S. Januario foi nomeado pelo sr. João Chrysostomo para fazer estudos sobre o traçado da linha de Torres Vedras; por conseguinte, s. exa. conhece melhor do que eu o assumpto de que estou tratando.
(Leu.)
Tenho aqui a planta feita por mim quando se discutiu esta questão.
O que eu assevero é que não ha militar algum que entenda que o traçado do caminho de ferro para Torres como está feito é favoravel á defeza militar. (Pausa.)
Peço ao sr. ministro da guerra queira prestar-me a sua attenção.
A companhia dos caminhos de ferro tem obtido quantas concessões tem desejado; agora alcançou mais outra, a linha marginal do Tejo até Cascaes.
O traçado d'esta linha póde prejudicar todas ás obras de defeza de Lisboa, nas quaes se tem gasto rios de dinheiro.
A linha de Caceres foi tambem outra desgraça: traçaram-n'a de maneira que se facilita ao inimigo a invasão por aquelle lado; e só se poderá remediar, este erro, fazendo um campo intrincheirado em que se ha de gastar muito dinheiro.
Eu tenho aqui uma memoria de officiaes do corpo do estado maior, conforme a minha opinião que não leio á camara para não cansar a sua attenção.
O sr. ministro da fazenda, que se atemorisou com as largas despezas propostas pelos srs. ministros da guerra e de marinha, de certo não dá 2.000:000$000reis para remediar similhante erro.
Desejava que o sr. ministro não desattendesse o prejuizo que para a defeza militar póde provir da linha marginal, do Tejo até Cascaes, á fim de que não aconteça o mesmo que se deu com a deu Torres Vedras.
N'este sentido permitta á camara que eu maneie para a mesa uma proposta que não é politica e que me lisonjeio a camara a approvará, aliás não tem confiança no governo.
(Leu.)
É uma simples lembrança. O sr. ministro de certo não se esqueceria; no entanto parece-me bom que a camara se pronuncie n'este negocio. A minha proposta não tem fim politico; é unicamente para evitar que se faça um grande desperdicio, e para harmonisar as conveniencias militares com os legitimos interesses commerciaes.
A proposito d'estas questões eu que sou velho no parlamento, lembro-me da discussão, que houve a proposito da quinta secção dos caminhos de ferro do norte é leste. Dizia-se então que o governo não fazia se não proteger a companhia concessionaria d'esse caminho. Pois sabem o que aconteceu? Foi que, como n'aquelle tempo já a politica se mettia em tudo, (o que desgraçadamente cada vez acontece mais) dizia se muita cousa desagradavel; e faziam-se acres insinuações que então o partido progressista julgava, licitas, e appareceu n'essa discussão uma celebre moção assignada pelo sr. Saraiva de Carvalho, que era um talento; muito brilhante e cuja morte todos nós lamentâmos, e por outros srs. deputados, a qual moção dizia.
(Leu.)
Ora, sr. presidente, eu não sei quando seria mais bem cabida essa moção, se então se agora... Isto não quer dizer que eu mande agora para a mes nenhuma moção igual aquella e muito menos que pretenda fazer insinuações a ninguem, o que não é proprio do meu caracter. Mas sabem o que aconteceu então?
O sr. Fontes respondeu com uma phrase enrgica e feliz, como aquellas que, o chorado chefe do partido regenerador sabia dizer. Dizia o sr. Fontes "eu a taes insinuações esmago-as com o tacão da minha bota".
Deixando estas recordações tristes e pouco edificantes, sr. presidente, o que eu desejo é que para bem da defeza do paiz nós não estraguemos as nossas fortes posições, mesmo para que o exercito tambem não represente uma despeza imprpductiva.
Tem-se dito já que a verdadeira organisação do, exercito devia consistir em augmentar o numero dos soldados e diminuir o dos officiaes. Pois não é só n'isso que devia consistir; muita cousa é necessario ter em attenção para que a despeza que se faz com o exercito seja reproductiva em vantagens para o paiz.
Disciplina, por exemplo, teve-a rigorosa o nosso, exercito quando o marehal Beresford, o organisou no tempo da