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N.º 53
SESSÃO DE 19 DE JULHO DE 1887
Presidencia do exmo. sr. Antonio José de Barros e Sá
Secretarios - os dignos pares
Frederico Ressano Garcia
Conde de Paraty
SUMMARIO
Leitura e approvação da acta. - Não houve correspondencia. - Presente o sr. ministro da guerra, visconde de S. Januario. - Ordem do dia: discussão do parecer n.° 75, sobre o projecto de lei n.° 33. - Usa largamente da palavra o digno par o sr. Camara Leme, terminando o seu discurso por mandar para a mesa um projecto de lei, que foi remettido á commissão de guerra. Responde o sr. ministro da guerra. - O sr. presidente observa que a hora já deu e propõe a prorogação da sessão. - Lê-se na mesa uma mensagem da camara dos senhores deputados. Foi remettida á commissão de guerra. - Usam da palavra para explicações os dignos pares Francisco de Albuquerque, Bandeira Coelho, Camara Leme e Franzini - O sr. presidente levantou a sessão, dando para ordem do dia da sessão de 20 do corrente a continuação da de hoje.
Ás duas horas e meia da tarde, estando presentes 21 dignos pares, o sr. presidente declarou aberta a sessão.
Lida a acta da sessão precedente, julgou-se approvada, na conformidade do regimento, por não haver reclamação em contrario.
Não houve correspondencia.
(Estava presente o sr. ministro da guerra.)
ORDEM DO DIA
O sr. Presidente: - Como nenhum digno par pede a palavra antes da ordem do dia, vae entrar-se na ordem do dia, que é a discussão do parecer n.° 75, relativo á fixação da força do exercito.
Leu-se na mesa o parecer e é do teor seguinte:
PARECER N.° 75
Senhores. -A vossa commissão de guerra examinou detidamente o projecto de lei n.° 33 da camara dos senhores deputados, o qual fixa a força do exercito em tempo de paz, no corrente anno economico, em 30:000 praças de pret de todas as armas, podendo ser licenciada toda a força que o poder ser sem prejuizo do serviço. Pondera e reconhece a commissão quanto é prejudicial para uma boa e solida instrucção militar, ter um tão diminuto effectivo distribuido por 52 regimentos, 4 companhias de artilheria de guarnição, 1 brigada de montanha da mesma arma, 2 companhias de administração e 2 da correcção, de onde resulta que, abatidos ao effectivo dos corpos, os recrutas no periodo de instrucção, os impedidos dos officiaes e outros, os estados menores, os musicos, os doentes e os desertores, e não se completando geralmente o contingente do recrutamento, os corpos estão sempre com um limitado effectivo de praças disponiveis para a instrucção, de modo que, fóra das guarnições de Lisboa e Porto, é esta deficientissima, deixando assim de se aproveitar o reconhecido zêlo e aptidão dos officiaes do exercito, desejosos de se instruirem, instruindo as forças do seu commando. Feitas estas considerações, e attendendo ás urgencias do thesouro, é a vossa commissão de parecer que o projecto de lei n.° 33 deve ser approvado para subir á regia sancção.
Sala da commissão, em 11 de julho de 1887. = José Paulino de Sá Carneiro = Antonio Florencio de Sousa Pinto = Francisco Maria da Cunha = Visconde da Silva Carvalho = José Joaquim de Castro = José Bandeira Coelho de Mello = Barros e Sá = José Maria Lobo d'Avila = Conde do Bomfim = Marino João Franzini.
Projecto de lei n.° 33
Artigo 1.° A força do exercito, em pé de paz, é fixada no anno economico de 1887-1888 em 30:000 praças de pret de todas as armas.
§ unico. Será licenciada toda a força que poder ser dispensada sem prejuizo do serviço.
Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.
Palacio das côrtes, em 6 de julho de 1887. = José Maria Rodrigues de Carvalho, presidente. = Francisco José de Medeiros, deputado secretario = José Maria de Alpoim de Cerqueira = Borges Cabral, deputado secretario.
O sr. Presidente: - Está em discussão.
O sr. D. Luiz da camara Leme: - Sr. presidente, se eu estivesse presente na occasião em que a illustre commissão de guerra assignou este parecer, eu tel-o-ía assignado com declarações, não porque o não approve na sua essencia, mas porque desejava aproveitar a occasião para fazer algumas reflexões ao meu amigo e camarada o sr. ministro, da guerra.
Parecia-me conveniente que as sensatas ponderações que a commissão faz no seu parecer, as tivesse feito primeiro no seio da mesma commissão.
E peço a s. exa. que não julgue que lhe desejo ser desagradavel, pelo contrario, sou o primeiro a reconhecer a solicitude pela prosperidade do exercito.
Sr. presidente, não, tenho o menor intuito politico, nem a menor ambição a ser ministro. Se tivesse similhante ambição, estava ella plenamente satisfeita quando o marechal Saldanha me fez a honra de me convidar para me encarregar da pasta da guerra no gabinete que aquelle illustre estadista e invicto general presidia em 1870.
Sr. presidente, trata-se da fixação da força do exercito, que não está nada em harmonia com a ultima organisação do exercito.
É notavel que tendo-se augmentado extraordinariamente os quadros dos officiaes, o das praças de pret ficasse o mesmo.
Os corpos passaram a ser cincoenta e dois e a força do exercito continua a ser de 30:000 praças.
Ora, sr. presidente, a illustre commissão fez sensatas reflexões a este respeito, para as quaes eu chamo a attenção do sr. ministro da guerra, e passo a referir-me ao que s. exa. disse, na outra casando parlamento a tal respeito.
S. exa. disse, e disse com rasão, que uma das causas ou talvez a unica a que attribuia não a indisciplina do exercito, mas factos que a podiam prejudicar era a lei do recrutamento.
Ora a lei do recrutamento, apesar de ser constituida com o principio altamente condemnado que é a remissão a dinheiro, não dava a força sufficiente para se preencher o effectivo dos corpos.
E assim é, sr. presidente, porque os corpos, são cincoenta e dois e supponha v. exa. se se der a cada um 500
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homens, distribuidos por oito companhias, dá 26:000 homens.
Ora, tirando d'estes algarismos os impedidos, os recrutas e os doentes, já vê v. exa., sr. presidente, a força militar com que fica cada corpo.
Eu estou fallando diante de collegas e camaradas que foram distinctos commandantes de corpos e s. exas. sabem perfeitamente que com esta diminuta forca não se póde dar a conveniente instrucção.
Sr. presidente, o sr. ministro da guerra pertenceu á commissão que elaborou o projecto da ultima organisação do exercito e foi collega de outros illustres militares muito competentes para tratarem do assumpto.
Não sei porque s. exa. então não fez a este respeito as observações que fez no parlamento.
S. exa. condemnou nem podia deixar de condemnar, porque é um militar illustrado, o principio de remissão como prejudicial a toda a boa organisação militar.
Esta questão logo a tratarei mais especialmente.
Sr. presidente, nós temos tido muitas organisações depois que foram implantadas em Portugal as instituições liberaes.
Tivemos, a organisação de 1834, depois a de 1837, seguiu-se a de 1849, a de 1853, 1863 e 1864, e ultimamente a de 1884, que é a que vigora.
De todas estas organizações a melhor foi a de 1849 e sabe v. exa. porque? Porque foi feita por uma só cabeça, a do sr. general Ferrer, que, era uma illustração militar.
Permitta-se-me a phrase: panella mechida por muitos, ainda que sejam habeis cozinheiros, será sempre mal temperada.
Apparecem as ambições ou rivalidades das armas e outros inconvenientes que eu me dispenso de ponderar á camara.
O marechal Saldanha, que n'estes assumptos era mestre, quiz dotar ultimamente o exercito com uma boa organisação, e fez-me a honra de me encarregar d'este importante trabalho.
Eu opinava porque, esse trabalho fosse feito em dictadura; mas o marechal entendia que toda a organisação militar, que envolvesse questões de recrutamento, só podia ser resolvida pelo parlamento.
Dizia s. exa., e com rasão, que um projecto que envolvia o tributo de sangue só devia ser sanccionado pelo parlamento.
Eu ponderei-lhe:
Ninguem mais competente do que v. exa. para tal commettimento.
Respondeu-me elle: mas o meu camarada sabe que eu não posso entregar-me a esse trabalho, e como v. tem estudado o assumpto e é muito apologista da organisação de 1816, tome-a por typo, ponha-a á moda, e como eu tenho uma grande consideração pelo talento e pelos grandes conhecimentos do nosso amigo Latino Coelho, peça-lhe da minha parte que a adorne com as galas do seu primoroso estylo.
Começámos com zêlo e solicitude esse trabalho, e eu não quero recordar á camara o facto que o inutilisou, e as decepções que tive n'essa occasião, que tanto me despeitou e a um dos maiores talentos d'esta terra.
Sr. presidente, o meu illustre amigo e collega o sr. Carlos Bento, fez hontem um discurso tão sensato como espirituoso. O digno par disse ao sr. ministro da fazenda que era preciso que fizesse ver aos seus collegas a impossibilidade que havia de se levarem por diante melhoramentos que podiam comprometter as finanças, do paiz.
O sr. ministro parece que concordou com as reflexões do meu illustre amigo.
O sr. Carlos Bento é inimigo do deficit, mas creio que hão é inimigo das instituições militares.
S. exa. não é contra a melhor organisação do exercito, mas deseja como eu mais soldados e menos estados maiores. O digno par que é muito illustrado, não Ignora tambem os assumptos militares e conhece muito Bem a organisação da Allemanha.
O sr. ministro da fazenda, declarou que se opporia quanto fosse possivel ás pretensões dos seus dignos collegas; mas esta declaração estava um pouco em desharmonia com uma outra que s. exa. fez em resposta a uma pergunta que eu lhe dirigi n'uma das sessões passadas.
Eu perguntei se o sr. ministro da fazenda acceitava as propostas, do seu collega da guerra, e s. exa. disse que estava perfeitamente de accordo com ellas, e até se referiu muito especialmente á escola pratica de cavallaria.
Veja v. exa., sr. presidente, como os tempos mudam.
Eu, que sou velho parlamentar, lembro-me que um projecto apresentado a este respeito pelo sr. Fontes, a quem se devera os melhoramentos que o exercito tem tido, desde o material de guerra até ás suas leis organicas, e do qual eu tive a honra de ser relator, foi vivamente combatido pelo actual sr. ministro da fazenda e pelos seus amigos politicos.
Esse projecto foi convertido em lei, mas nunca foi posto em execução. O sr. Marianno de Carvalho disse n'essa occasião que só approvava todas as despezas productivas.
Eu concordo com s. exa. e lembro-lhe o dilemma que resulta da sua asserção: organisar o exercito de modo que satisfaça á sua elevada missão, era harmonia com os modernos principios da sciencia, ou então riscar do orçamento do estado a importante verba que lhe está consignada, que, de similhante modo applicada, póde considerar-se improductiva.
Não é só necessario reorganisar o exercito nas condições alludidas; é indispensavel e urgente não abalar a sua disciplina, infundir-lhe espirito militar.
Gastam-se perto de 5.000:000$000 réis com o exercito, pois vale bem a pena gastar mais alguma cousa. E preciso reorganisal-o, segundo preceitos mais racionaes e economicos e mais conformes com os principios da sciencia, de modo que seja mobilisado rapidamente sem ter de empregar nas fileiras na occasião do perigo individuos inteiramente estranhos á educação e aos habitos da vida militar.
Sr. presidente, se o nosso exercito não poder passar facilmente do pé de paz para o pé de guerra, então é completamente inutil.
O systema militar que elevasse rapidamente o exercito no pé de guerra a uma força consideravel, principalmente em relação á arma de infanteria, que augmentasse, ainda que no seu limite minimo, o numero de bôcas de fogo em analogia com os rigorosos principios da sciencia; que attendesse à instrucção -pratica de todas as armas, reunidas num campo de instrucção, e que infundisse nas tropas ás qualidades moraes a que ha pouco me referi, seria aquelle que conviria a Portugal.
A guerra que podemos tomar é puramente defensiva.
Os nossos vizinhos podem invadir o nosso territorio n'um curto espaço de tempo.
Por conseguinte, eu desejo que o nosso exercito attinja este grau de perfeição e que pela sua disciplina,, pela sua instrucção e pelo seu espirito militar um soldado valha por dez como muito bem diz o distincto escriptor mr. de Wilharmé.
Ora, sr. presidente, desgraçadamente a instrucção, a disciplina e o espirito militar deixam muito a desejar.
Eu não quero dizer com, isto e está mesmo longe de mim tal idéa que o nosso exercito esteja. insubordinado. Não está.
Parecerá um paradoxo, o que eu vou dizer.
Um exercito que apesar dos factos que todos nós lamentamos muito ainda é um elemento de ordem e um nucleo para a independencia do paiz, bem, prova quanto é susceptivel de se tornar o que foi na guerra da independencia e nas luctas das instituições liberaes.
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Sr. presidente, eu não quero fatigar a camara entrando em largas considerações a este respeito.
Eu não estou em nenhuma academia, estou a tratar de um projecto que fixa a força armada, e a proposito parece-me que vale bem a pena tratar de um assumpto que importa ao paiz uma verba muito avultada.
Eu tenho aqui uma nota comparativa que desejava apresentar á camara e que é curiosa, mas não a encontro agora.
(O orador procura nos seus apontamentos a nota que de seja apresentar.)
A nota comprehendia o orçamento do estado relativo ao anno de 1850 em que a força do nosso exercito andava quasi pela mesma cousa que actualmente, e gastavamos com esse exercito pouco mais ou menos 2.500:000$000 réis ou
2.600:000$000 réis e nós gastâmos quasi o dobro.
Eu bem sei que depois d'isso se augmentaram as tarifas e os prets e que houve outras necessidades, mas no entanto esta verba é excessiva em relação á força que temos, e, portanto, ha de haver necessariamente defeitos a emendar para que chamo a attenção do sr. ministro da guerra.
Eu sei de alguns que não quero agora referir porque não desejo cansar a attenção da camara.
Sr. presidente, esta questão da força armada prende-se essencialmente na minha opinião com tres principios salutares para a constituição de um exercito: disciplina, recrutamento e o fim para que o exercito é destinado que é para a defeza do paiz. São tres pontos essenciaes.
Permitta-me a camara que eu resumidamente toque n'estes pontos, começando pelo primeiro que se refere á disciplina do exercito. O assumpto é melindroso e desde já declaro á camara que não tenho o menor intuito de melindrar; ninguem, e se proferir alguma palavra menos conveniente desde já a retiro.
Eu desejava que o sr. ministro da guerra pozesse uma barreira de bronze entre o exercito e entre os, politicos, e que resistisse a todas as conveniencias partidarias que fazem com que o nosso exercito seja politico não o devendo ser.
Ha pretensões justas e rasoaveis, nas quaes não deve intervir a politica.
Sr. presidente, eu não posso deixar de tocar, com grande magua, em factos que ultimamente se deram e que de certo não são muito conducentes nem salutares para a manutenção da disciplina do exercito.
Custa-me a fallar em uma questão, que ainda está pendente dos tribunaes militares, refiro-me ao facto de um alferes que assassinou á traição um seu inferior, crime de que, foi absolvido pelo conselho de guerra.
Repito, não é minha intenção melindrar ninguem. Acato e respeito a decisão dos tribunaes, que de creto procedem de perfeita harmonia com os dictames da sua consciencia. Não posso avocar o processo para esta camara, e posso apenas referir-me a elle. Perante outro tribunal tem elle sido discutido largamente e, cousa notavel, a opinião é unanime. Um poder superior impelle-me a voz.
Sr. presidente, sem offensa para ninguem, respeitando todas as opiniões, acatando os principios da sciencia declaro á camara e ao sr. ministro da guerra que tenho muito medo dos doidos, dos epillepticos larvados, como agora é moda dizer.
Já tivemos doidos no exercito mas a esses podia-se chamar doidos sublimes pelo arrojo com que intentavam acções, cujo exito parecia de impossivel realisação Esses deram; honra ao exercito e ao seu paiz, d'estes quero eu.
Derrubem a estatua de D. Pedro IV, que veiu das terras de Santa Cruz para os Açores organisar um punhado de bravos soldados para desembarcar na praia do Mindello. 7:500 homens para batarem 80:000. Que doidisse!
Derrubem a estatua, do duque da Terceira por desembarcar no Algarve com 1:500 homens, para de lá vir sobre. Lisboa, atravessando esta provincia é a do Alemtejo para tomar esta capital defendida ainda por 10:000 homens.
Doido era o marquez de Sá da Bandeira, o valente que no alto da Bandeira perdeu o braço por um acto heróico de valor e por ter abolido as varadas no exercito. Foi até s. exa., segundo me lembro, o encarregado de elaborar essa lei.
A estatua que não póde ser derrubada porque ainda não se fundiu, foi a estatua do duque de Saldanha. Outro doido sublime que no dia 25 de julho de 1833 atacou valente, mente á frente do seu estado maior as columnas de infanteria que pretendiam entrar no Porto.
De que de epyllepsias larvadas, permitta-se-me a phrase, não foi atacado este invicto general pelos seus arrojos e temeridades em favor das instituições liberaes. Este doido sublime ainda não tem estatua, o que é uma vergonha para o paiz.
Eu chamo a attenção do sr. ministro da guerra para esta divida nacional. Se s. exa. não tem bronze no arsenal, mande fundir com canhões de Almoster. (Vozes: -Muito bem.) Esta má vontade que parece haver em commemorar os actos gloriosos d'aquelle intelligente e ousado general, até n'esta camara se reflecte. Ha dias arranjou se uma sala n'esta camara onde se pozeram os retratos dos presidentes da camara dos pares; pois vejam se está lá o retrato do duque de Saldanha, d'aquelle que abriu as portas do parlamento portuguez, que desde 1826 estavam fechadas.
Está o retrato do sr. duque de Palmella, de certo muito digno, de lá estar. Pois se o eminente diplomata representava a penna n'essas epochas de gloria, o marechal Saldanha representava a espada.
Peço a v. exa., visto que agora exerce o logar de presidente, que ao menos se pague este pequeno tribuno mandando pôr ali este retrato.
Ninguem melhor do que v. exa. sabia apreciar os altos dotes e a nobre alma d'aquelle grande vulto que tão assignalados serviços fez ao paiz e que tantas finezas nos dispensou.
Ajude-me v. exa. n'esta grata homenagem. A camara e v. exa. comprehendem perfeitamente a rasão por que eu me abstenho de tratar mais desenvolvidamente do facto altamente lamentavel a que me referi.
Repito, respeito as decisões dos tribunaes, agurdo os seus resultados, que oxalá sejam proficuos e salutares para a disciplina do exercito, sem a qual não é possivel que se justifique a existencia d'esta instituição que tão avultada verba custa ao paiz.
O sr. Pereira Dias: - Peço a palavra.
O Orador: - Espero que s. exa. não veja nestas minhas breves e innocentes reflexões a menor desconsideração pelos cavalheiros que têem figurado no processo a que me referi.
astava s. exa. pertencer a uma classe tão respeitavel como aquella a que s. exa. pertence, para eu não poder ter similhante intuito.
Peco-lhe se convença da sinceridade d'esta minha asserção; basta dizer-lhe que á mesma classe pertencem dois velhos amigos meus, dois talentos brilhantes, o sr. dr. Thomás de Carvalho e dr. Marcellino Craveiro. Alem d'isso eu tenho a maior consideração pelos altos conhecimentos e pela competencia sobre a materia, do digno par o sr. Senna.
Respeito muito a opinião de todos e só peço que respeitem a minha.
Sr. presidente, pouco tempo depois deste facto acontecer, deram-se outros não menos lamentaveis, factos que são apreciados devidamente por um jornal e por um jornal sem côr politica, por isso que até é conhecido pelo incolor, da seguinte maneira, que peço licença á camara para ler.
(Leu.)
Eu respeito muito as decisões do conselho que vota como, não como os jurados civis.
Agora, sr. presidente, e visto que estou tratando da in-
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disciplina do exercito, permitta-me v. exa. que eu leia um trecho de um folheto muito notavel, escripto por um cavalheiro de incontestavel talento, que se senta nas cadeiras do poder.
Refiro-me ao sr. Emygdio Navarro, ministro das obras publicas, a proposito do soldado Antonio Coelho, e por causa de quem se fez ao sr. Fontes Pereira de Mello, que então era ministro da guerra, uma guerra atroz, na imprensa e na camara, em toda a parte, e o sr. Navarro escreveu um folheto que eu aqui tenho, e que vou ler em alguns pontos, posto o seu auctor não estar presente, porque eu julgo não poder increpar-se-me este facto, visto que se trata de um documento publico e de todos conhecido.
Vou, pois, ler alguma cousa do que se diz n'este folheto, e, depois d'essa leitura, perguntarei ao sr. ministro da guerra se está de accordo com a opinião do seu illustre collega das obras publicas.,
Peço aos srs. tachigraphos que tomem nota na integra d'estes periodos.
1.° "Se a lei auctorisa esse fuzilamento, a sentença não póde impor a morte, embora d'ahi provenha a desorganisação total do exercito e um perigo imminente para a segurança dos cidadãos."
Mais adiante diz ainda o sr. Navarro:
"O fuzilamento de Antonio Coelho não só não aproveita á disciplina, mas ha de prejudical-a ainda mais. Não será recebido como lição de dever, e exemplo de correcção, mas como acto de aggressão, como golpe de hostilidade e ameaça, vibrado pelos officiaes contra os soldados."
Quer com isto provar o sr. Navarro que não era crime militar.
O que é então crime militar?
O nosso codigo de justiça militar, é o unico que admitte attenuantes; o da Belgica tambem ao principio as admittia; mas o ministro da guerra, um dia veiu declarar que não respondia pela disciplina do exercito-se as attenuantes subsistissem e foram abolidas.
O sr. Navarro pensa que deve.
Uma voz: - Pensou.
O Orador: - Pensou?!
Pensou e pensa, porque eu tenho aqui o que elle pensava.
Logo ao principio do seu folheto, dedicado à seu filho, dizia o illustre escriptor:
"Vincular o nome á responsabilidade da opinião; prender o presente ao futuro n'uma solidariedade de doutrina que para o auctor d'este opusculo se prende já tambem ao passado, tal é o fim d'esta publicação... quem no livro as professa como dogma de crença firmissima, ensinado pelo estudo do gabinete e pela observação reflectida dos factos."
O sr. Navarro é muito illustrado para ignorar o que diz a historia militar. A disciplina é, pois, de uma grande importancia, não só considerada debaixo do ponto de vista militar, mas tambem sob o aspecto da existencia dos estados.
Uma nação póde perigar pela indisciplina dos seus exercitos, como aconteceu a Roma e a Bysancio no tempo do baixo imperio, ou póde salvar-se com a disciplina como succedeu quando Brenno ameaçou o Capitolio e Annibal derrotou na primeira campanha as legiões romanas.
O sr. Pereira Dias: - Pensou isso n'um dado momento; não pensa agora.
O Orador: - Ah! Pensou quando estava na opposição, quando tudo servia de pretexto para guerrear um grande vulto politico que hoje pertence á historia e cuja morte permatura todos nós lamentâmos.
Agora, que está no governo, renega as suas opiniões!
E, não obstante, dizia ainda:
(Leu.)
Ora, pergunto eu á camara, eram ou não verdadeiros estes factos?
E muita cousa ha aqui que eu não leio, porque ha cousas que não podem ser lidas n'este logar.
O sr. Costa Lobo meu digno amigo, já n'uma occasião disse que tinha documentos sobre a carteira que se não atrevia, a ler á camara. Pois tambem eu agora digo o o mesmo.
Todos estes casos são esporádicos, diz o sr. ministro da guerra; mas é innegavel que, sejam o que forem, concorrem para a indisciplina do exercito, e é preciso pôr-lhes cobro.
Eu peço a s. exa., permitta se-me a phrase, que estabaleça um lazareto moral para que as fileiras do exercito se não contaminem da tal molestia.
Sr. presidente, para que v. exa. e a camara saibam como lá fóra, no estrangeiro, se considera a disciplina dos exercitos, basta que eu leia uma passagem do excellente relatorio apresentado pelo sr. Miguel Sá Nogueira a respeito do exercito Italiano.
E n'esta occasião, eu folgo poder prestar ao seu talentoso auctor toda a consideração que me merece o seu talento e o seu nobre caracter.
Diz-se ali:
(Leu.)
É isto o que o sr. Nogueira diz a respeito da disciplina d'aquelle exercito.
Nós.temos entre nós um collega que contesta as opiniões do sr. Navarro, o sr. Testa; tenho aqui essa controversia mas abstenho-me de a ler para não cansar a camara.
Sr. presidente, ha um outro ponto que me parece que prende essencialmente com a questão da disciplina, que é a lei do recrutamento, que bastante preoccupa, e com rasão, o sr. ministro da guerra.
Effectivamente, o principio da remissão é altamente condemnado, ninguem o adopta já. Entretanto o partido progressista, de outra vez que esteve no poder, apresentou um projecto de remissão a dinheiro, mas aggravado com a remissão dos refractarios, o que é caso novo.
Eu não sei se o principio da remissão foi adoptado segundo a opinião do sr. Fontes, ou se aquelle estadista se viu forçado a adoptal-o, para fazer face com o seu producto ás despezas creadas pela nova organisação.
O sr. Fontes, como presidente do conselho de então, muitas vezes foi interpellado na outra casa do parlamento, por não ter cumprido a promessa que fazia no seu relatorio, de apresentar uma lei sobre o serviço obrigatorio. E elle respondia que se a não tinha apresentado era porque entendia que a opinião publica não estava preparada para a receber, e que deixava essa gloriarão partido progressista.
Agora, a convicção que tenho a respeito do projecto dos srs. ministros da guerra e do reino, é que o serviço militar fica, não serviço militar obrigatorio, mas desobrigatorio.
Agora, apesar da iniciativa do principio ser completamente inutil, eu vou mandar para a mesa um projecto de lei, que desde 1868 tenho em mente, e que tem só trinta artigos. Este projecto apresento-o eu unicamente como lembrança ao sr. ministro da guerra, pois não tenho esperança de o ver approvado, e o sr. ministro da guerra fará o que entender.
Isto de censurar é muito facil, mas é preciso dizer o modo de remediar o mal. Sobre o assumpto têem escripto grandes auctoridades militares, censurando o principio da remissão a dinheiro. Aqui está, por exemplo, o relatorio do coronel Stoffel, relatorio que podia ter sido um salutar aviso para a França.
(Leu.)
Quer v. exa. ouvir outra opinião bastante auctorisada, apresentada em 1848, no parlamento francez, do general Lamoricière?
(Leu.)
A Prussia apresenta um bello exemplo de justiça e de
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moralidade, pela applicação do serviço obrigatorio. Como querer comparar uma organisação baseada sobre um principio tão justo e tão fecundo nas suas consequencias, á organisação franceza, em que existe a odiosa substituição a dinheiro, causa da desmoralisação para o exercito e para a nação?
As grandes summidades militares todas proclamam bem alto que o serviço militar constituo o primeiro dever do cidadão, e que nada desmoralisa mais a sociedade, como deixar ao rico a faculdade de se fazer substituir por dinheiro. Com a applicação do serviço obrigatorio confunde-se a nação com o exercito.
Voltando agora a referir-me á opinião do general Lamoricière.
(Leu.)
Elle entendia que o principio da remissão a dinheiro equivalia á compra de um documento de cobardia e que quando esses principios admittidos, dentro em pouco o exercito se tornaria um exercito de mercenarios.
Ora, eu não tenho, como já disse, perfeito conhecimento do projecto apresentado pelos srs. ministros do reino e da guerra, mas parece-me que o serviço fica mais desobrigatorio do que obrigatorio.
O sr. ministro do reino foi quem principalmente trabalhou n'este projecto mas por certo que tambem o sr. ministro da guerra collaborou n'elle.
Sr. presidente, eu poderia agora apresentar diversas considerações sobre algumas leis organicas que dizem respeito ao exercito e que precisam ser modificadas, mas, como receio cansar muito a camara, reservo-me para outra occasião.
Passarei a tratar de uma proposta apresentada pelo sr. ministro da guerra na camara dos srs. deputados.
Essa proposta diz respeito ás praças de guerra.
Ora o sr. ministro da guerra sabe perfeitamente que é mau para á disciplina estabelecer a desigualdade nas promoções e ninguem melhor do que s. exa. sabe as desigualdades que tem havido nas promoções do nosso exercito; basta lembrar a s. exa. o que tem acontecido com o corpo do estado maior a que s. exa. pertence.
A proposta que s. exa. apresentou vae aggravar mais a situação em que já se encontram alguns officiaes.
Se o sr. ministro da guerra saír ámanhã do ministerio e se o ministro que o substituir quizer nomear s. exa. para governador da praça de Elvas ou para qualquer outra, para que s. exa. é muito competente, não o poderá fazer, sendo approvada a sua proposta.
Veja s. exa. a lei austriaca e de outras nações que estabelecem quanto possivel a igualdade nas promoções.
Pois não ha officiaes de infanteria e cavallaria dignos de taes commandos. Em quanto coroneis não os podem exercer mas chegando a generaes então sim?
Não os temos nós no nosso exercito?
Temos, certamente.
Não foram militares distinctos o conde de Avillez, o conde das Antas, José Jorge Loureiro, Saldanha e tantos outros que eu poderia aqui citar?
Ora eu peço ao sr. ministro da guerra que considere que a arma de infanteria é uma arma muito importante. Lembre-se s. exa. o que disse no parlamento francez o general Lewal a respeito da importancia da infanteria.
Referir-me-hei tambem de passagem ao corpo do estado maior.
Este corpo não está organisado entre nós como nos outros paizes, e a este respeito eu chamo a attenção do sr. ministro da guerra.
S. exa. sabe que o corpo de estado maior é um elemento poderossissimo no exercito.
Por muito grandes que sejam, e na verdade são já, os seus serviços, o corpo do estado maior, objecto de emulação, como tem sido, desamparado e esquecido, carece de vida propria, de movimento, de estimulos de gloria, de esperanças, emfim, que o levem a praticar serviços taes, que convencendo o exercito e o paiz da sua utilidade, firme e robusteça a propria convicção dos officiaes do corpo, de que é de justiça ser o seu trabalho condignamente remunerado, e de que a sua missão é, não só honrosa, mas indispensavel, e que poderá ser gloriosa.
O serviço do corpo do estado maior tem diversa natureza, maior generalidade, como é assas notorio a quem estuda as cousas militares. Tanto deve o official pertencente áquella classe, saber manejar os instrumentos mathematicos no campo, a espada em combate, a penna nos quarteis generaes e nas secretarias, como dirigir os movimentos das, tropas.
Julgo, pois, de muita conveniencia que o corpo do estado maior seja reorganisado, segundo os preceitos actualmente estabelecidos na Prussia e ultimamente na Belgica, e exarados no excellente livro do sr. Brialmont, no qual se demonstra que esta corporação póde ser considerada como os olhos que vêem, a cabeça que combina e dirige os movimentos dos exercitos.
Passarei agora a tratar de um outro ponto importante, que é o que se refere á defeza do paiz.
Agora se nós estamos a gastar .esta verba immensa para deixarmos estragar as nossas fortes posições pelos traçados dos caminhos de ferro, confesso a v. exa. que não comprehendo.
Sr. presidente, eu desejo chamar mui especialmente a attenção do sr. ministro da guerra para um outro ponto que julgo importantissimo.
Refiro-me ao traçado do caminho de ferro para Torres.
Eu agradeço a s. exa. a promptidão com que me mandou as consultas da commissão de defeza de Lisboa que ainda não tive tempo de ler, mas não veiu o projecto do sr. engenheiro Matos, engenheiro e militar illustre e muito competente na materia que desejava ler á camara.
Eu desejo chamar a attenção de s. exa. para o traçado do caminho desferro de Torres, traçado que, segundo me parece, prejudica bastante a defeza de Lisboa.
Em primeiro logar eu devo dizer a v. exa. e a camara que Torres Vedras é um ponto importantissimo; é um ponto de tal modo forte e de tal modo importante para a defeza de Lisboa, que é notado por todos os homens eminentes na arte da guerra. E notado no nosso paiz, foi notado por um engenheiro inglez numa memoria que appareceu no fim do seculo passado, foi notado em 1823 n'um folheto que tem um grande valor historico e que faz parte de uns apontamentos escriptos pelo capitão de engenheria, o sr. Manuel José Dias Cardoso.
Este distincto engenheiro que faz a apreciação de Torres Vedras, diz o seguinte em relação não só áquella posição, mas em relação ás estradas:
(Leu.)
N'aquella epocha não havia caminhos de ferro, e, portanto, as estradas tinham uma grande importancia para as cousas militares.
(Continuando a leitura.)
Sr. presidente, quer v. exa. saber o que eu acho notavel n'este folheto e que foi notado pelo marquez de Sá da Bandeira?
É o seguinte:
(Leu.)
Ora, se isto é exacto para as estradas o que seria para caminhos de ferro:
No traçado d'aquella linha não se attendeu de certo a esta condição.
Eu tenho aqui ainda outras opiniões que não leio para não cansar a attenção da camara, taes como Guizot, general Palet, Fix, John T. jones e tantas outras sumidades militares.
Temos uma, por exemplo, do general Jomini, o auctor do tratado das grandes operações de guerra e uma grande auctoridade, que diz o seguinte:
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"Ninguem póde contestar, pois, que as linhas de defeza, ao mesmo tempo naturaes e artificiaes, mais celebres aos tempos modernos, são as de Torres Vedras. O duque de Wellington as construiu para cobrir Lisboa. Consistiam em duas linhas de obras destacadas, estendendo-se desde o Tejo sobre a direita até ao mar sobre a esquerda. Para o centro, as partes da linha eram a tres leguas umas das outras; mas no flanco direito approximavam-se muito entre si. A linha interior, que era a mais forte, tinha a extensão de 38 kilometros, desde Alhandra sobre o Tejo, a seis leguas de Lisboa, até ao rio S. Lourenço, proximamente a dez leguas da mesma cidade. A linha exterior estendia-se igualmente desde o mar até ao Tejo, passando perto da villa de Torres Vedras, e cobria quasi doze leguas.
" A occupação de uma linha tão extensa pelo exercito de Wellington, que só contava 50:000 homens, teria sido muito perigosa e contraria ás regras da guerra, se as communicações entre as duas linhas e todas as outras partes de cada uma não tivessem sido perfeitamente estabelecidas.
"Alem d'isso, graças á natureza do terreno que se lhe estendia pela frente, Wellington tinha inteiramente a seu favor a vantagem das linhas interiores, que lhe permittiam concentrar-se n'um dado ponto, em muito menos tempo do que o podia fazer o seu adversario.
"Ha trinta annos quasi todas as capitães da Europa foram occupadas por exercitos inimigos. Cita-se como excepção o exemplo de Lisboa em 1810. A posição de Torres Vedras não era susceptivel de ser torneada nem de ser deixada á retaguarda pelo inimigo."
Eu tenho aqui ainda uma outra opinião que tambem é notavel, escripta pelo auctor da obra intitulada Guerra peninsular, o que se refere tambem ás linhas de Torres Vedras.
Emfim. muitos homens notaveis têem escripto sobre o assumpto.
Ainda na Revista dos dois mundos, d'este mez, vem publicado um artigo muito notavel sobre o assumpto, para que eu chamo a attenção do illustre ministro.
O marechal Saldanha tinha uma grande predilecção, tinha uma predilecção immensa pelas linhas de Torres Vedras.
Não era partidario, como o sr. marquez de Sá da Bandeira, e do general Costa,, da defeza concentrada sobre Lisboa.
Elle teve o arrojo de atacar aquella linha. E dizia então Mousinho de Albuquerque para Torres Vedras: Estejam descansados que elle não terá similhante arrojo. Mas o marechal quando queria vencer, não via difficuldades.
Todos ficaram espantados quando o marechal atacou aquella forte posição.
Mousinho de Albuquerque que era um official muito distincto, não quiz ouvir á opinião de um official do seu estado maior que lhe aconselhava, e muito bem, que mandasse cortar a ponte.
Foi um irmão meu que a atacou valentemente com o seu pelotão commandado pelo capitão Franco.
Mousinho respondeu-lhe: Deixe-se d'isso, o marechal não vem cá.
Uma hora depois estava ferido mortalmente aquelle illustre militar e homem de sciencia.
Eu creio que o sr. visconde de S. Januario foi nomeado pelo sr. João Chrysostomo para fazer estudos sobre o traçado da linha de Torres Vedras; por conseguinte, s. exa. conhece melhor do que eu o assumpto de que estou tratando.
(Leu.)
Tenho aqui a planta feita por mim quando se discutiu esta questão.
O que eu assevero é que não ha militar algum que entenda que o traçado do caminho de ferro para Torres como está feito é favoravel á defeza militar. (Pausa.)
Peço ao sr. ministro da guerra queira prestar-me a sua attenção.
A companhia dos caminhos de ferro tem obtido quantas concessões tem desejado; agora alcançou mais outra, a linha marginal do Tejo até Cascaes.
O traçado d'esta linha póde prejudicar todas ás obras de defeza de Lisboa, nas quaes se tem gasto rios de dinheiro.
A linha de Caceres foi tambem outra desgraça: traçaram-n'a de maneira que se facilita ao inimigo a invasão por aquelle lado; e só se poderá remediar, este erro, fazendo um campo intrincheirado em que se ha de gastar muito dinheiro.
Eu tenho aqui uma memoria de officiaes do corpo do estado maior, conforme a minha opinião que não leio á camara para não cansar a sua attenção.
O sr. ministro da fazenda, que se atemorisou com as largas despezas propostas pelos srs. ministros da guerra e de marinha, de certo não dá 2.000:000$000reis para remediar similhante erro.
Desejava que o sr. ministro não desattendesse o prejuizo que para a defeza militar póde provir da linha marginal, do Tejo até Cascaes, á fim de que não aconteça o mesmo que se deu com a deu Torres Vedras.
N'este sentido permitta á camara que eu maneie para a mesa uma proposta que não é politica e que me lisonjeio a camara a approvará, aliás não tem confiança no governo.
(Leu.)
É uma simples lembrança. O sr. ministro de certo não se esqueceria; no entanto parece-me bom que a camara se pronuncie n'este negocio. A minha proposta não tem fim politico; é unicamente para evitar que se faça um grande desperdicio, e para harmonisar as conveniencias militares com os legitimos interesses commerciaes.
A proposito d'estas questões eu que sou velho no parlamento, lembro-me da discussão, que houve a proposito da quinta secção dos caminhos de ferro do norte é leste. Dizia-se então que o governo não fazia se não proteger a companhia concessionaria d'esse caminho. Pois sabem o que aconteceu? Foi que, como n'aquelle tempo já a politica se mettia em tudo, (o que desgraçadamente cada vez acontece mais) dizia se muita cousa desagradavel; e faziam-se acres insinuações que então o partido progressista julgava, licitas, e appareceu n'essa discussão uma celebre moção assignada pelo sr. Saraiva de Carvalho, que era um talento; muito brilhante e cuja morte todos nós lamentâmos, e por outros srs. deputados, a qual moção dizia.
(Leu.)
Ora, sr. presidente, eu não sei quando seria mais bem cabida essa moção, se então se agora... Isto não quer dizer que eu mande agora para a mes nenhuma moção igual aquella e muito menos que pretenda fazer insinuações a ninguem, o que não é proprio do meu caracter. Mas sabem o que aconteceu então?
O sr. Fontes respondeu com uma phrase enrgica e feliz, como aquellas que, o chorado chefe do partido regenerador sabia dizer. Dizia o sr. Fontes "eu a taes insinuações esmago-as com o tacão da minha bota".
Deixando estas recordações tristes e pouco edificantes, sr. presidente, o que eu desejo é que para bem da defeza do paiz nós não estraguemos as nossas fortes posições, mesmo para que o exercito tambem não represente uma despeza imprpductiva.
Tem-se dito já que a verdadeira organisação do, exercito devia consistir em augmentar o numero dos soldados e diminuir o dos officiaes. Pois não é só n'isso que devia consistir; muita cousa é necessario ter em attenção para que a despeza que se faz com o exercito seja reproductiva em vantagens para o paiz.
Disciplina, por exemplo, teve-a rigorosa o nosso, exercito quando o marehal Beresford, o organisou no tempo da
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guerra da Peninsula, e eu podia recordar á camara os factos historicos é assignalados do exercito, que tinha como legenda nas suas bandeiras versos sublimes do immortal Camões.
Eu tomei a palavra para em boa paz fazer estas reflexões ao sr. ministro da guerra, por quem tenho a maxima consideração e a maior estima; mas a quem não vejo agora como camarada e sim como ministro da guerra.
Tinha ainda a referir-me aos outros elementos constituitivos do exercito e sobre as suas leis organicas, especialmente sobre as leis de promoções, mas eu não desejo abusar da benevolencia da camara, mas não posso dispensar-me de dizer alguma cousa sobre a lei da promoção.
Um dos requisitos essenciaes para que um exercito seja forte, e desempenhe cabalmente a missão que a sociedade lhe confia, consiste, em que todos os commandos, desde os de menor importancia até aos mais elevados na hierarchia militar, sejam exercidos por quem, ás demais qualidades que devem distinguir o verdadeiro homem de guerra, reuna uma instrucção militar adequada ao cargo que desempenha, e os conhecimentos que hoje se exigem a toda a pessoa civilisada.
Será porventura possivel conseguir este resultado em Portugal sem os inconvenientes que muitos imaginam?
Em todas as nações cuja organisação militar póde tomar-se por modelo, a lei tem determinado as condições de capacidade, pelas quaes se regulam as promoções nos diversos postos, desde o de cabo de esquadra até ao de general. O principio, geralmente admittido, de que a cada funcção do serviço publico deve corresponder uma conveniente habilitação, não deve ser rejeitado na carreira militar; porque seria rebaixar a nobilissima profissão das armas ás condições de um mister mechanico, em que a pratica menos esclarecida dispensasse o auxilio de toda a luz intellectual.
A arte da guerra foi sempre entre os povos cultos, e é, hoje principalmente, mais alguma cousa do que o systema de arrojar um contra o outro dois exercitos,, para decidirem, pelo simples conflicio da força bruta, as pendencias entre as nações. A guerra, tornou-se uma sciencia vastissima, que pede auxilio a muitas outras sciencias, e que aperfeiçoa os seus meios e multiplica os seus recursos, á medida que o progresso vae alongando o horisonte dos conhecimentos humanos. O militar destinado pelo seu posto a exercer sobre os seus subordinados a influencia do commando, não póde sem grave prejuizo do exercito e da nação a que pertence, isentar-se de possuir os conhecimentos indispensaveis, segundo a arma em que servir, e a importancia do cargo que lhe cumpre desempenhar. Assim como o official do estado maior, o engenheiro e o artilheiro, tem de satisfazer ás condições scientificas que a lei previdentemente lhes impõe, não ha rasão plausivel que dispense o official de infanteria, e o de cavallaria de possuir as habilitações que se julgam indispensaveis para desempenhar com proficiencia os deveres da sua honrosa profissão.
Promover um militar a official, abrindo-lhe assim o caminho que conduz aos mais elevados postos, acceitando-lhe por habilitação exclusivamente a prática do serviço e o bom comportamento, qualidades aliás apreciaveis, quando mesmo o não recommende alguma acção distincta no campo da batalha, seria retrogradar aos tempos primitivos, em que preceitos de barbarie estabeleciam uma absurda anti-pathia entre a intelligencia e a acção, entre a sciencia e o valor, como se a defeza da patria, a mais alta de todas as funcções sociaes, não merecesse os cuidados do talento e o auxilio da sciencia?!
Os exercitos mais exemplares na organisação, na disciplina e na instrucção; mais ennobrecidos por distinctas acções guerreiras, são exactamente aquelles em que a sciencia preside com maior esplendor a todos os trabalhos militares, desde o fabrico do material, até ás mais elevadas operações da estrategica e da grande tatica. Ali, as palmas da intelligencia abraçam-se com os louros da victoria; o vigor do entendimento convive com os brios do coração.
Em Portugal, as difficuldades dos tempos tem obstado á organisação moral de muitos serviços publicos, consentindo apenas que alguns fundamentos, ainda desconnexos, se lançassem, para sobre elles se estabelecer a illustração do exercito. As suas antigas mas previdentes leis de accesso foram esquecidas, prevalecendo o receio do patronato aos justos preceitos, que regulavam tão importante objecto. A admissão ao primeiro posto de official não está ainda, rigorosamente dependente de que os candidatos provem por documentos, ou por exames a sua capacidade: primeira regra a estabelecer, com proficuo resultado, para a. regeneração do exercito, respeitando-se todavia, em termos habeis, os direitos adquiridos.
Attenda-se quanto possivel, ao principio da antiguidade, porque não, seria justo cortar, o accesso a officiaes encanecidos nas fadigas da guerra, e que tão valiosos serviços, prestaram ás liberdades patrias; mas não se, comprometia a existencia do exercito, como se demonstra a priori, e com ella, talvez, a garantia da independencia nacional, deixando de se prescrever as habilitações indispensaveis, pelo menos para os postos de, alferes, major e general de brigada.
A hora está adiantada, eu estou cansado e a camara, muito, mais de me ouvir.
(Vozes: - Falle, falle.)
Vou pois terminar, lembrando a s. exa. duas cousas: a primeira que tenha muito cuidado com a disciplina do exercito, e com os factos para que chamei a sua attenção; a segunda para conjurar as aspirações manifestadas n'um discurso que a proposito da tomada de Roma pelas valentes, tropas de Victor Manuel, proferiu o grande tribuno Emilio Castellar, o primeiro orador da peninsula, lembrava ao seu governo em phrases eloquentissimas que aproveitasse qualquer circumstancia politica, dando como exemplo da Italia, para tornar Lisboa capital da Iberia. (Apoiados.)
Eu escuso de lembrar a s. exa., porque estou certo do seu patriotismo, e confio na sua illustração e na sua solicitude, que a defeza da patria é a mais alta de todas as funcções sociaes. Que o exercito deve tornar-se pela sua disciplina, pela sua illustração e espirito militar um poderoso elemento de civilisação e de ordem publica na paz, e em, taes condições um seguro penhor de bons resultados na, guerra, para garantir a independencia nacional.
Tenho concluido.
Vozes: - Muito bem, muito bem.
(O orador foi comprimentado por varios dignos pares.)
Leu-se na mesa o seguinte
Projecto de lei
Artigo 1.° A força publica em Portugal, constará de tres elementos:
1.° Exercito activo;
2.° Reserva de 1.ª e 2.ª classe;
3.° Milicia nacional.
§ 1.° A milicia, nacional será organisada por uma lei especial.
§ 2.° O exercito activo será composto, em tempo de paz de 40:000 praças de pret de todas as. armas.
Art. 2.° A reserva de 1.ª classe será formada com as praças que concluirem o seu tempo de serviço no exercito permanente; a de 2.ª classe, compor-se-ha dos mancebos, definitivamente apurados no recenseamento, mas excluidos pela sorte do serviço activo, dos que se fizerem substituir, dos que trocarem e dos isentos do serviço activo.
Art. 3.° Todo o cidadão portuguez será obrigado a servir a patria, desde a idade de dezenove annos completos, até á de cincoenta.
Art. 4.° O tempo de serviço no exercito nacional continuará, a ser fixado em oito annos. Os que a sorte designar para comporem o contingente activo, servirão tres, annos
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nas fileiras do exercito permanente, e cinco na reserva de 1.ª classe.
Art. 5.° O contingente activo será decretado annualmente pelas côrtes, e o numero de recrutas que houver de compol-o, dividir-se-ha proporcionalmente pelos districto administrativos do continente do, reino e ilhas adjacentes, como hoje se pratica.
Art. 6.° Para o recenseamento dos mancebos aptos para o serviço militar, estará aberto na casa da administração de cada concelho ou bairro, desde o dia 1 até 31 de dezembro de cada anno, um registo no qual serão obrigados a inscrever-se todos áquelles que no dia 1 de janeiro seguinte tiverem dezenove annos de idade completos.
§ unico. A falta de cumprimento d'este preceito, fará com que seja ipso facto considerado refractario, e como tal obrigado a servir oito annos activamente, e tres na reserva, aquelle que a Commetter, quando, até á occasião de encerrar-se o apuramento dos recrutas recensados, não se fizer inscrever.
Art. 7.° Os recrutas definitivamente apurados, que forem chamados ao serviço activo, continuarão a ser regulados pela sorte.
§ 1.° Serão excluidos do serviço militar: todo aquelle que não tiver 1m,56 de altura.
§ 2.° o que soffrer molestia incuravel, devidamente comprovada, que o torne improprio para aquelle serviço.
§ 3.° O que for ou tiver sido condemnado em alguma das penas maiores, que produzem effeito da perda dos direitos politicos, segundo o codigo penal.
Art. 8.° Os mancebos, que souberem ler, escrever e contar serão dispensados do ultimo anno de serviço effectivo, passando nó fim do segundo do seu alistamento para a reserva de 1.ª classe. Igual vantagem será concedida áquelles que se habilitarem com o primeiro grau das escolas regimentaes durante os dois primeiros annos do seu alistamento no exercito activo. Estas disposições, porém, não aproveitarão aos refractarios.
Art. 9.° Fica limitada a readmissão nas fileiras do exercito permanente aos officiaes inferiores, musicos, cabos, clarins, ferradores, corneteiros e tambores, não só pela difficuldade, que existe1 em habilitar de prompto praças que os possam substituir, como tambem para conservar nas fileiras quem se dedique á vida militar, e principalmente para não desfalcar as reservas.
Art. 10.° A reserva será exclusivamente destinada a elevar o exercito do pé de paz ao de guerra; e só poderá ser convocada com auctorisação especial do poder legislativo, em caso de guerra com estrangeiro.
Art. 11.° No exercito activo será sempre licenciado o maior numero de praças que poderem ser dispensadas sem prejuizo do serviço e da instrucção do mesmo exercito. Na concessão das licenças, deverá haver a prescripção de que nenhuma praça do contingente activo passará á reserva sem ter servido, pelo menos, dois annos effectivamente, salvo quando se fizer substituir.
Art. 12.° Os cidadãos pertencentes ao contingente de reserva, serão obrigados, no anno a que elle se referir, a servir por tres mezes nas fileiras, e unicamente nos corpos de infanteria. A instrucção que durante este tempo lhes será ministrada, limitar-se-ha á da escola de pelotão.
Art. 13.° Todo o cidadão poderá alistar-se voluntariamente no exercito. N'este caso, ser-lhe-ha facultativa a escolha de arma e corpo, salvo se não tiver as condições requeridas para o serviço militar e para a arma que preferir.
Art. 14.° Tanto os compellidos ao serviço activo, como os voluntarios poderão fazer-se substituir por individuos que houverem concluido os oito annos de serviço, e estiverem nas condições que hoje se exigem aos substitutos que foram militares, ou trocar com outros que estiverem na reserva. Em qualquer dos casos, porém, serão obrigados a servir tres mezes no exercito activo terminado este
praso passarão á reserva. Aquelles com quem houverem trocado, findo o seu serviço activo, regressarão á situação, d'onde tinham saído para completarem o. tempo que lhes falta.
Art. 15.° Os mancebos designados pela sorte para o contingente do exercito activo, que tiverem n'este primeiro elemento de força publica um irmão servindo como praça de pret, serão transferidos para o contingente da reserva.
Art. 16.° Igualmente será isento de servir no exercito activo, mas encorporado na reserva, todo aquelle que provar que elle só pelo seu trabalho sustenta qualquer dos seus ascendentes ou irmãos, que não poderem alimentar-se por absoluta carencia de meios e estado de não poder obtel-os; e bem assim o exposto, abandonado ou orphão que sustentar só com o seu trabalho a mulher pobre ou sexagenaria, que o tiver creado gratuitamente e educado desde a infancia.
Art. 17.° O tempo de serviço na reserva de 2.ª classe será: para os que se fizerem substituir ou trocarem, na conformidade desta lei o que lhes faltar para completar oito annos; para os mais de oito annos, incluindo os tres mezes que tiverem estado nas fileiras do exercito permanente; para adquirirem a indispensavel, instrucção militar.
Art. 18.° As reservas ficarão sujeitas á legislação penal nas faltas ou delictos puramente militares; em todos os mais serão as praças que as constituirem julgadas pelos tribunaes civis.
Art. 19.° Estabelecer-se-hão multas e penas para quem infringir as disposições d'esta lei, e para a execução desta serão fixadas as regras do processo.
Art. 20.° Fica o governo auctorisado a fazer os regulamentos necessarios para a execução d'esta lei.
Sala da camara, 19 de julho de 1887. = O par do reino, D. Luiz da Camara Leme.
O sr. Ministro da Guerra (Visconde de S. Januario): - Começa por dizer que lhe é absolutamente impossivel seguir o orador que o precedeu através de todas as reflexões que apresentou, tendo assim de limitar uma resposta, que seria ampla se previamente lhe tivessem annunciado que o desejavam interpellar sobre tão variados assumptos.
Concorda em que se dão no nosso paiz casos de indisciplina, mas elles dão se em toda a parte, e na Allemanha, onde a boa organisação militar não póde ser posta em duvida, os tribunaes de guerra funccionam constantemente. Entre nós, actualmente, são menores os casos de indisciplina do que outr'ora, e isto quando está abolido o castigo corporal.
Entende que ha muitas deficiencias no exercito, mas é certo que todos os ministerios têem obrigação, e acompanhar o da fazenda no empenho que este manifesta em restaurar o systema financeiro.
Referindo-se ao caso Marinho da Cruz, diz que não sabe (c) que poderá decidir o tribunal superior a quem o processo respectivo está sujeito, parecendo-lhe comtudo que elle não confirmará a decisão da primeira instancia; dada, porém, essa confirmação, o orador, emquanto ministro da guerra, affirma á camara e ao paiz que não consentirá que esse alferes volte ás fileiras do exercito a enodoar os militares dignos.
Apresenta ainda algumas reflexões em resposta ao sr. Camara Leme.
(O discurso de s. exa. será publicado quando o devolver.)
O sr. Francisco de Albuquerque: - Sr. presidente, eu sinto não ter estado presente quando o digno par o sr. D. Luiz da Camara Leme se referiu a uma phrase do sr. Fontes a proposito de uma moção apresentada em 1873 pelo sr. Saraiva de Carvalho.
Eu tive a honra de ser um dos signatarios d'essa pro-
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posta, e como o digno par disse que o sr. Fontes, que era então o presidente do conselho, respondendo a um deputado signatario da proposta, que hoje é membro d'esta camara, lhe dirigira expressões acres, talvez mesmo offensivas; desejava eu que o sr. Camara Leme declarasse a quem se refere, porque dos signatarios d'essa proposta ha tres que têem hoje assento n'esta camara, em cujo numero entro eu.
Desejava que o sr. Camara Leme tivesse a bondade de me dizer qual é o digno par a que s. exa. se referiu, e que é um dos signatarios da moção apresentada na camara dos senhores deputados em 1873 pelo sr. Saraiva de Carvalho. S. exa. referiu-se a um deputado que tem agora assento n'esta camara.
O sr. Bandeira Coelho: - O digno par, o sr. Francisco de Albuquerque, não estava presente quando o facto se passou, mas eu estava. Eu sou um dos signatarios d'essa moção apresentada pelo sr. Saraiva de Carvalho.
O digno par, o sr. Camara Leme, referindo-se a ella, disse que havia n'esta casa um digno par que por essa occasião fazia parte da outra casa do parlamento, e proferira umas palavras acres contra o sr. Fontes, o qual lhe respondêra que desviava as suas insinuações com a ponta do pé.
Foi isto o que s. exa. disse.
O sr. Presidente: - Eu tenho a observar ao digno par que a sessão não está prorogada.
O sr. Francisco de Albuquerque: - É apenas uma explicação.
Vozes: - Falle, falle.
O sr. Camara Leme: - V. exa. dá-me a palavra?
O sr. Franzini: - Lembro a v. exa. que eu pedi a palavra na qualidade de relator do projecto Este incidente é completamente estranho ao assumpto que está em discussão.
O sr. Presidente: - O digno par, o sr. Francisco de Albuquerque, pediu a palavra para antes de se encerrar a sessão.
Vae ler-se uma mensagem vinda da camara dós senhores deputados.
Leu-se na mesa a seguinte mensagem:
Um officio da presidencia da camara dos senhores deputados, remettendo a proposição de lei, que tem por fim fixar o contingente de recrutas para o serviço do exercito, da armada e da guarda fiscal no corrente anno.
Foi remettido á commissão de guerra.
O sr. Franzini: - E eu pedi a palavra para dizer alguma cousa que tinha relação com o projecto que se discute.
Eu sou o primeiro inscripto.
O sr. Camara Leme: - Sr. presidente, eu quando me referi á moção apresentada na camara dos senhores deputados pelo sr. Saraiva de Carvalho, não quiz censurar ninguem, referi apenas um facto historico e nada mais.
Referi-me a um deputado que n'essa occasião fallou sobre o assumpto da moção, e disse que havia um collega n'esta camara.
(Interrupção que se não percebeu.)
O Diario das sessões da camara dos senhores deputados diz o seguinte com respeito á sessão de 4 de março de 1873:
(Leu.)
Foi a isto que me referi.
O sr. Fontes viu n'esta moção uma insinuação, e declarou a que calcava aos pés.
(Interrupção que não se percebeu.)
Eu não me referi a ninguem. Não fallei no nome do deputado. Aqui tem v. exa. os meus apontamentos.
V. exa. póde consultar o Diario das sessões da camara dos senhores deputados.
Sr. presidente, eu não - faço insinuações a ninguem, estou velho para acceitar os conselhos do digno par, por quem tenho muita sympathia e estima. Parecia-me melhor que s. exa. d'esse esses conselhos ao sr. ministro da fazenda, um amigo que ainda n'uma das sessões passadas se referiu a certa autocracia financeira, o que podia parecer uma insinuação a um caracter respeitavel e a um talento brilhante d'esta camara.
O sr. Francisco de Albuquerque: - Estou plenissimamente satisfeito com o que acaba de dizer o digno par, o sr. Camara Leme; entretanto, poucas palavras direi para rectificar um pouco os factos.
Não é exacto que o sr. Candido de Moraes fosse um dos signatarios da moção, nem é exacta a resposta que se attribue ao sr. Fontes.
Quando se apresentou a moção, o sr. presidente do conselho pediu á camara que a acceitasse á discussão, porque ella envolvia a sua honra e a sua dignidade, e desejava dizer sobre ella algumas palavras.
Por essa occasião o sr. presidente do conselho, sem se dirigir a deputado algum, declarou o seguinte:
(Leu.)
Estas foram as expressões de s. exa.
Agora com relação a referencias ao actual governo, eu não terei duvida nenhuma em me associar a qualquer moção que s. exa. queira apresentar á camara para censurar os srs. ministros pelo seu procedimento, se elles estiverem nas mesmas condições em que se acharam aquelles a que em 1873,se dirigia a moção; quando se pretender accusar alguns dos srs. ministros apresente se a accusação clara e franca e acabe-se por uma vez com todas as reticencias que são...
O sr. D. Luiz da C amar a Leme: - Eu não fiz reticencias. Não acceito conselhos de s. exa., nem preciso d'elles para cousa nenhuma.
O Orador: - V. exa. está intrepretando mal as minhas palavras. Já disse que estava satisfeito com o que v. exa. disse e não me referia a v. exa. no que acabei de dizer e nem nunca tive pretensão de lhe dar conselhos; exponho a minha opinião como sei e como entendo.
O sr. Presidente: - Este incidente está terminado. A proxima sessão será amanhã, e a ordem do dia a continuação da que estava dada para hoje.
Está levantada a sessão.
Eram cinco horas e vinte minutos da tarde.
Dignos pares presentes na sessão de 19 de julho de 1884
Exmos. srs.: Antonio José de Barros e Sá; Condes, de Alte, do Bomfim, de Castro, da Folgosa, de Linhares, de Magalhães, de Paraty; Viscondes, de Arriaga, de Benalcanfor, de Carnide, de S. Januario, da Silva Carvalho; Barão de Salgueiro; Adriano Machado, Braamcamp Freire, Quaresma, Sousa Pinto, Silva e Cunha, Antunes Guerreiro, Henriques Secco, Pequito de Seixas, Costa Lobo, Carlos Bento, Pinheiro Borges, Hintze Ribeiro, Fernando Palha, Cardoso de Albuquerque, Francisco Cunha, Ressano Garcia, Barros Gomes, Henrique de Macedo, Melicio, Valladas, Vasco Leão, Andrada Pinto, Gusmão, Braamcamp, Barjona de Freitas, Bandeira Coelho, Baptista de Andrade, Ayres de Gouveia, Castro, Fernandes Vaz, Silva Amado, Lobo d'Avila, Ponte Horta, Mello Gouveia, Sá Carneiro, José Pereira, Silvestre Ribeiro, Sampaio e Mello, Bocage, Camara Leme, Pereira Dias, Vaz Preto, Franzini, M. Osorio Cabral, D. Miguel Coutinho, Thomás de Carvalho, Serra e Moura.
Redactor = Carrilho Garcia.