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Discurso pertencente á sessão de 7

O sr. Costa Lobo: — Sr. presidente, devo em primeiro logar pedir desculpa á camara por lhe ter cansado a attenção na sessão ultima, e por per ainda hoje obrigado a tomar-lhe algum tempo. Tenho esperança de que ella se dignará ouvir-me com aquella benevolencia que hontem me dispensou.

Sr. presidente, o problema financeiro que nos incumbe resolver póde formular-se nos seguintes termos: Como ha de um paiz atrazado em civilisação, com um deficit igual a uma terça parte da sua receita e uma divida que lhe absorve metade d'esta, como ha de esse paiz extinguir aquelle deficit e prover ao seu futuro desenvolvimento moral e material?

E esta pergunta envolve necessariamente uma outra. E conveniente continuar o expediente até hoje adoptado de recorrer ao credito?

Procurei hontem demonstrar que da parte do governo havia ausencia de todo o systema para a resolução d'estas' difficuldades; que as normas do seu procedimento eram desconnexas e contradictorias, porque tendo estabelecido nos primeiros tempos da sua administração o principio formulado em lei de que se não aggravariam as despezas sem a creação de receita correspondente, votára a completo desprezo essa regra fundamental de toda a organisação financeira; que elle se contentava com expedientes ephemeros e declamações vagas; que ao passo que proclama que devemos pôr hombros a toda a ordem de commettimentos civilisadores, não declara ao mesmo tempo como se ha de effectuar essa empreza, nem d'onde provirá a receita indispensavel. O procedimento do governo consiste apenas em nos apontar para o deficit e pedir a votação de novos tributos. O futuro não lhe dá cuidado, o seu empenho reduz-se a encontrar as necessidades indeclinaveis com expedientes de occasião. O resultado é que por algum tempo se pallia o mal que nos afflige, mas que o paiz continuará estorcendo-se n'esse estado anomalo, perigoso e progressivamente mais grave em que até hoje tem laborado.

Levado pela lealdade politica e pelo impulso do meu espirito, que me não soffre estar silencioso em ponto de tanto momento, abalancei-me a declarar qual era a minha opinião n'este assumpto. Disse que o conselho que nos era dictado pelas nossas circumstancias actuaes era o de nos contrahir, com o fim de expurgar o deficit do orçamento, aos limites que actualmente este apresentava, não aggravando a despeza senão para a feitura de melhoramentos que fossem não só reproductivos, o que não me parece nas nossas condições sufficiente, mas immediatamente compensadores. Este preceito que, no meu entender, nos é imperiosamente imposto pelo desconcerto da fazenda, era ainda indicado pela justa apreciação das forças productivas do paiz, porque, ía eu dizendo, o nosso paiz é pobre.

Pobreza e riqueza são cousas relativas. Não quero dizer que a prosperidade publica não tenha successivamente crescido, mas ninguem dirá que é paiz rico aquelle que com difficuldade e escassamente provê á sua alimentação. E não é isto o que entre nós acontece? Não o confessam os proprios defensores do projecto em discussão? Não dizem elles que o imposto de consumo não affecta os generos geralmente usados para o sustento do povo, porque este se nutre de sardinha e de bacalhau? E não é geralmente reconhecido, não o demonstrou o sr. ministro das obras publicas n'um relatorio publicado ha annos, que similhante alimento é miseravel e insufficientissimo?

Alem de que ha uma simples consideração que conduz á mesma illação. O nosso paiz vive e alimenta-se quasi exclusivamente pela agricultura, da qual paga, pela contribuição predial, 1.870:000$000 réis. Se tivessemos esta contribuição pela decima parte do rendimento liquido territorial, e sobre esta base calculássemos o montante d'este, e em seguida o dividíssemos por 4.500:000 habitantes, a quota parte diaria que a cada um caberia seria apenas de 11 réis, somma tão absurdamente diminuta que torna impossivel a primeira supposição. Mas supponhamos que a contribuição predial é, não a decima mas a quadragésima parte do rendimento territorial, e n'este caso ninguem dirá que fico áquem da verdade; ainda assim, feito o devido calculo, a cada habitante pertenceria por cada dia apenas um valor de 45 réis. Ora um paiz cuja principal industria é a agricultura, e que apenas póde pelo rendimento d'ella distribuir uma tão diminuta somma, será um paiz de uma sobriedade espartana, o que a observação mostra ser verdade, mas evidentemente é um paiz pobre.

Possuidos d'esta convicção, devemos adoptar por maxima' aquelle rifão dos nossos maiores, que inculcavam com optimo conselho— o viver pobre mas honrado. É necessario medir bem as nossas forças, e não imitar a vaidade da rã, que queria quadrar com o boi em corpulencia.

Mas, parar é morrer. Eis o anathema com que de prompto se fulminam os que têem o arrojo de proclamarem a necessidade impreterivel de uma prudente e calculada administração financeira; anathema de que os candidatos ao po der e á popularidade se arreceiam mais do que na meia idade se arreceiavam os fieis das excommunhões papaes.

Eu diria que se o parar é morrer, a inanição é o aniquilamento.

Mas eu não aconselho o estacionamento.. Nem elle é possivel. No mundo moral, como no mundo physico, não ha estacionamento. Ha progresso ou retrocesso, estacionamento nunca.

Ora um paiz que gosa de ordem e tranquillidade publica desenvolve se necessariamente pelo desenrolamento espontaneo e fatal dos seus recursos.

Alem d'isso o que tenho sustentado é que nos restrinjamos por emquanto aos limites mareados para a despeza pelo actual orçamento, sem que os alarguemos, por se me afigurar incompativel com as nossas posses maior latitude. Mas no orçamento ordinario ha não só desde já verbas importantes consagradas ao fomento da riqueza publica, senão que, uma somma superior a 2.000:000$000 réis, que é no orçamento extraordinario votada annualmente para melhoramentos publicos, não é somma despicienda, porque representa uma oitava parte da nossa receita.

Sr. presidente, eu entendo que não ha melhoramento mais reproductivo que uma boa organisação de fazenda. Não ha causa mais fecunda de progresso, que uma administração financeira ajustada pelas regras da economia, da prudencia e de um calculo previdente. Ora, a primeira d'essas regras é o aniquilamento do deficit, minotauro insaciável que devora os rendimentos publicos com uma soffreguidão inextinguível. Esse é o grande e o principal melhoramento. Para esse fim é de toda a necessidade concentrar e dirigir exclusivamente todas as faculdades d paiz, sacrificando-lhe por algum tempo o ardor pelos commodos materiaes, cuja consecusão nos impõe, pela penuria do thesouro, encargos intoleráveis e superiores ás nossas forças. Que esses que anceiam com tanta impaciencia o esplendor da riqueza material, comparem a rapidez com que correríamos n'essa direcção, logo que se realisasse o ajustamento da receita e da despeza, com os passos vacillantes, pausados e mal seguros com que agora nos arrastámos pelo estadio da civilisação. O progresso que então haveríamos de fazer em dez annos, estou convencido que seria superior ao que hoje nos é dado adiantar em cincoenta.

Por que rasão não sobem os nossos fundos publicos, á custa dos quaes dotámos o paiz de estradas e caminhos de ferro? Por que não sobem apesar da religiosidade com que ha alguns annos a esta parte são satisfeitas as obrigações do thesouro? Não sobem, porque é sabido que o thesoura para não faltar aos seus compromissos é obrigado todos os annos a impor-se sacrificios enormes, pelos quaes hypotheca a obras, muitas vezes de utilidade contestável, os recursos do presente e as esperanças do futuro? Se não fôra assim, se o pagamento dos juros fosse o resultado natural da prospera situação do thesouro, o effeito espontaneo da actividade productiva do paiz, os titulos de divida não poderiam deixar de alcançar aquella cotação commum aos de todos os paizes que offerecem garantias incontestaveis de solvabilidade. Reflicta-se bem na grandeza das economias assim effectuadas.

E depois, pergunto eu, não é um incalculavel elemento de prosperidade o acabar com este estado de incerteza em que ora vivemos, a respeito do nosso futuro financeiro? Podem, porventura, expandir-se em todo o seu pleno desenvolvimento, as forças de um paiz, trabalhado incessantemente pelo sobresalto e pela duvida, resultado de uma vida anormal e desregrada? Quem póde jamais garantir a tranquillidade publica com este systema de contrahir emprestimos sobre emprestimos, para depois descarregar sobre o povo de um só jacto os encargos accumulados por muitos annos?

Mas desapparecendo todas estas duvidas, lançando-se os tributos á vista dos commettimentos emprehendidos á sombra da estabilidade e da ordem, os capitaes affluiriam em maior abundancia a fecundar os recursos naturaes do paiz; não só os capitaes estrangeiros, mas muitas emprezas particulares tomariam sobre sí trabalhos que pesam hoje o estado.

Se as tendencias do governo fossem dirigidas n'este sentido, se o equilibrio do orçamento fosse o seu principal empenho, depois de realisadas as economias a que se prestam todos os serviços publicos, eu lhe aconselharia que pedisse ao paiz a somma de contribuições necessaria para cobrir desde já todo o deficit. Porque este systema com que vamos vivendo, é um systema de illusão e de decepções. O deficit ficará sendo de 2.500.000$000 réis. Recorreremos ao emprestimo para o preencher. A fortuna publica em nada se resente. Mas quando é impreterivelmente necessario tornar effectiva a responsabilidade contrahida, a propriedade e o trabalho são gravados com um encargo muito superior ao que seria necessario primitivamente. Hoje são necessarios 2.500:000$000 réis para supprir o deficit. D'aqui a alguns annos, sabe Deus quantos serão necessarios.) „

Infelizmente, sr. presidente, se alguma opinião definida é possivel determinar onde não se encontram senão proposições vagas, sem nexo nem sequencia, não são esses os intuitos do governo, como já na sessão passada o fiz ver pela leitura do relatorio do digno ministro da fazenda. Esse parece tambem ser o caminho traçado pelo seu illustre collega das obras publicas.

No seu aliás bem pensado, relatorio a respeito da viação publica, datado de 28. de agosto do anno passado, o sr. ministro das obras publicas entende que para a feitura de 2:600 kilometros de estradas, que ainda faltam para complemento da viação de primeira ordem se deveria desde já votar um emprestimo de 18.000:000$000 réis. E para fazer sentir á camara o quanto é facil deixar-se deslumbrar por vantagens apparentes e illusorias, esquecendo os padecimentos profundos a que ellas dão causa, eu tomo a liberdade de ter a apologia que o sr. ministro apresenta dos melhoramentos materiaes, confrontando-a com os resultados do projecto actualmente em discussão.

«A nação deve ter, diz s. ex.ª, terá de certo o vigor e confiança em si e no futuro para realisar esta empreza, por mais vasta que ella se afigure a quem não considere que o, engrandecimento do paiz depende especialmente do augmento da riqueza, da actividade e illustração do povo; a quem desconhecer as vantagens das communicações rapidas e completas; a quem não souber que por toda a parte, as sommas despendidas em estradas, em canaes, em caminhos de ferro, em portos artificiaes, em tudo o que facilita o commercio, abre novos mercados e estreita as relações dos povos, as sommas empregadas n'estas grandes e productivas machinas de trabalho social, se reproduzem por mil fórmas, se multiplicam indefinidamente, transformando-se em civilisação e riqueza, em progresso e liberdade.

Não ha duvida. O engrandecimento do paiz depende essencialmente do augmento da riqueza, da actividade e illustração do povo. As vias de communicações são machinas de trabalho social.

Mas para obter esses instrumentos secundarios hemos nós de exhaurir a fonte de todo» os melhoramentos, que é o trabalho? As estradas, os canaes, os pórtos artificiaes, os caminhos de ferro são, capitaes productivos, mas o unico agente da producção é o trabalho. De que valem instrumentos valiosos se o braço não tem forças? E que fazemos nós para alcançar aquelle melhoramentos? Vamos, debilitar o trabalho, difficultando a alimentação do povo, que é já insufficientissima e miseravel, condemnando-o ainda por um tempo indefinido á classe de iehtyophago, aggravando com este imposto desigual o estado precario de fraqueza, que dão alimentos tão poucos nutrientes, como a sardinha e o bacalhau.

Fazemos como o lavrador I que para robustecer uma arvore lhe limpasse cuidadosamente o tronco, e ao mesmo, tempo escavasse das raizes a terra, que, lhe fornece a seiva alimenticia

Difficultando a alimentação, obstámos ao augmento da população, a qual cresce em rasão da barateza e qualidade das victualhas; tolhemos a instrução, porque o proletario,

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curvado ao peso do seu trabalho quotidiano, não póde vagar á satisfação das necessidades do espirito; damos impulso á moralidade, porque, já o disse sir Roberto Peei ao defender as suas grandes reformas, a abundancia e a modicidade do preço dos viveres tendem a diminuir o numero dos crimes e a disseminar a moralidade; attenuamos, finalmente, o bem estar individual, e cerceámos a satisfação interior de cada um com a sua condição, unico penhor seguro de ordem e o mais efficaz estimulo de actividade.

Nós julgâmos que, em obtendo vias de communicação por toda a parte, havemos de ser um paiz necessariamente rico. E um erro. Torno a repetir: só o trabalho e a economia são fonte de riqueza. Só a energia e a satisfação com a condição de que se gosa, são incentivo efficaz para o trabalho. As estradas são os canaes por onde a riqueza tem vasão e auxiliam poderosamente a producção, mas não a produzem necessariamente. Vede a Irlanda. Não lhe faltam todos esses melhoramentos, por cuja execução immediata nós estamos compromettendo a honra nacional, e todavia, porque a sua alimentação é insufficiente e vive descontente, é esse um dos paizes mais miseraveis, mais desgraçados, mais ignorantes, mais viciosos que ha no seio da Europa. E um povo constantemente balouçado entre o tumultuar das sedições e as amarguras da fome.

Continuemos pois a dar pasto ao prurido insoffrido de construcções despendiosas, e continuaremos o abuso ruinoso do credito, esse abuso que é amaldiçoado quando se trata de pedir tributos ao povo, mas que é defendido e glorificado quando se propõem despezas que se decoram com o nome seductor de reproductivas, mas que começam pela reproducção da fraqueza, da miseria, da ignorancia e da immoralidade. Continuemos a saldar o credito com o credito, que é um absurdo tão grande como o de querer alimentar uma fonte com as aguas que d'ella brotam. Continuemos n'esse systema louco e imprevidente de despezas, e de emprestimos sobre emprestimos, e de contribuições sobre as subsistencias do povo, systema que se traduz, para me servir de uma phrase rude, mas pertinente de um trágico inglez, na estulta pretensão de querer viver á custa do proprio estomago.

De facto, sr. presidente, com o systema financeiro que até hoje temos seguido, e que, á vista das tendencias do governo, continuaremos a seguir, contrariámos diametralmente os intuitos que nos propomos obter. Para que servem aquelles instrumentos de trabalho, de que falla o sr. ministro das obras publicas? Seguramente para auxiliar a industria, o commercio e a agricultura. Mas como se obtêem elles. Á custa dos capitaes nacionaes e estrangeiros, os quaes ultimos vem ultimamente a ser satisfeitos com as economias da nação. Isto quer dizer que convertemos em capitaes immoveis de exigua, pausada e incerta retribuição os capitaes circulantes, que são o pão quotidiano do trabalho, e a força insubstituivel da industria. É indubitavel que em Portugal é tão fraca a offerta do capital, e por isso tão elevado o seu preço, que lhe não permitte sequer rastejar as outras nações, que competem á porfia no estadio da industria e da especulação, e que tem assim realisado na sua riqueza transformações de uma grandeza deslumbrante; porque sem capital a agricultura definha, a industria não se póde desenvolver, as descobertas technicas são impossiveis, as investigações scientificas inuteis, e o trabalho desapparece ou é relativamente infecundo.

Mas como é possivel remediar este mal, em frente da concorrencia irresistivel feita pelo estado aos estabelecimentos de credito e a todas as emprezas industriaes? Como é possivel que estas prosperem e se multipliquem, quando o estado, tendo de pagar com o producto de emprestimos as despezas correntes e as despezas extraordinarias, é coagido a chamar a si, a todo o custo, os capitaes que, sem isso, iriam fecundar o commercio o a producção nacional? Como é possivel que não seja exorbitante o typo do juro n'um paiz em que se lançam annualmente á circulação tantos mil contos de réis em inscripções, e em que se sustenta uma divida fluctuante de 16.000:000$000 réis?.

Repito outra vez, e repeti-lo-hei mil vezes, porque em assumpto de tanta gravidade não se póde insistir com demasiada importunidade, é necessario parar, mas parar n'estes appellos insensatos ao credito, verdadeiro tonel das Danaides, que sorve a substancia da nação, não só pelas sommas quantiosas, que por sua indole desbarata, senão tambem pelas descomedidas profusões que alimenta. Interroguemos os algarismos da divida publica, examinemos as sommas que a compõem, confrontem o las com o emprego recebido, com os nossos caminhos de ferro, com as nossas estradas, com os telegraphos, com as construcções navaes, com o augmento do funccionalismo, e chegaremos á triste conclusão que as vantagens obtidas não compensam os sacrificios impostos, e que uma grande parte das quantias, ás quaes temos empenhado o nosso presente, e os haveres das gerações vindouras, têem sido imprudentemente malbaratadas.

Quando se pensa, sr. presidente, que depois de termos vendido quasi todos os bens nacionaes e despendido assim essas economias accumuladas pelos nossos maiores durante tantos seculos, tendo desprezado obrigações tão solemnes e importantes, como as de toda a nossa divida passiva, depois de termos violado a boa fé devida aos possuidores de fundos publicos, depois de termos creado uma divida enorme, que depois de tudo isto não termos obtido com todos estes sacrificios senão alguns kilometros de estradas e de telegraphos e mais algumas escólas, parece incrivel que se queira continuar immolando a esta deidade infernal do credito a vida do povo e as esperanças da nação.

Os exemplos de inconsiderada profusão pullulam em todas as paginas da nossa historia financeira. Despendemos

para cima de 8.500:000$000 réis nos caminhos de ferro de norte e leste, e obtivemos um caminho de ferro internacional que não responde ás condições que deve possuir uma estrada d'esta ordem, segundo a confissão geral e do mesmo sr. ministro das obras publicas, o qual entende, por consequencia, que se deve construir outro através da Beira.

Quer a camara saber porque preço nos têem ficado as nossas estradas? Haja vista o que diz o relatorio da direcção geral das obras publicas do reino, referido ao dia 31 de dezembro de 1865 (leu.) Deduz-se d'aqui a media annual de 425$000 réis por kilometro era despezas de pessoal e trabalhos graphicos, a qual, junta á media de construcção de 4:725$000 réis eleva a 5:150$000 réis o custo real de cada kilometro das poucas estradas que possuimos. Ora, o governo tem mais de uma vez recebido propostas para a execução de estradas de 1.ª ordem pelo preço de 4:500$000 réis por kilometro.

E que a facilidade de substituir a moeda pelo papel, de viver sem trabalhar, gera a irreflexão, o esbanjamento. Se tivessemos de pagar anno por anno as despezas feitas, esse sacrificio seria um freio salutar, e nos levaria a ser economicos e a pesar as vantagens e os encargos contrahidos. Assim como o unico trabalho consiste em fabricar inscripções, despendemos a esmo, sem calculo nem reflexão. A nação não sabe realmente o que faz. Depois chega o momento de pagar, e o povo, que tem igualmente uma grande parte da responsabilidade pelo seu constante clamor em prol de novos beneficios, queixa-se e tumultua, como se elle quizesse ter o privilegio dos israelitas, áquem o maná caía do céu.

Os effeitos recentes d'esta irreflexão, manifestados nos actos do actual governo, estão vivos na memoria de todos. Citarei apenas um exemplo.

Tinha-se o anno passado encerrado o parlamento. O sr. ministro da fazenda, chorando sobre as miserias do paiz, tinha declarado n'esta mesma camara, que era impossivel prover á defensão do territorio, attento o estado desgraçado das nossas finanças. E, todavia, não eram passados dois mezes, depois de terminada a guerra que devastou a Europa central, s. ex.ª tomado de um repentino ardor bellico, abre, contra as disposições da propria lei que elle tinha proposto, um credito extraordinario para a formação de um acampamento e para o equipamento do exercito. Fórma-se o campo de Tancos. Depois de um estudo rapido decide-se por um typo de espingarda, que não é o adoptado nos paizes mais competentes, que tinha sido rejeitado em um concurso em Inglaterra, que já tinha sido modificado pelo seu mesmo inventor, e fez mais diversos outros contratos para o equipamento do exercito. E depois? Depois ficou tudo como estava, com a differença que se haviam gasto pelo menos 600:000$000 réis, senão mais, como geralmente se apregoa. Para que esta pressa? Porque se não esperou pela abertura do parlamento? Quantos regimentos estão armados e equipados com os novos petrechos? Já se pediu ao parlamento a sancção d'estes actos?

E quer V. ex.ª e a camara saber quanto nos custaram os taes armamentos?

No mesmo dia em que o sr. ministro assignava o decreto para a abertura do credito extraordinario, abria-lhe tambem em París a casa Marcuard, André e C.a um credito de 200:000 libras representadas por titulos do thesouro portuguez sobre a agencia financial em Londres em fundos com um juro de 7 por cento e uma commissão de 2 por cento a 90 dias, o que equivale ao juro de 15 por cento ao anno.

Ora, é sabido que a publicação na praça de Londres d'este e de outros contratos similhantes com que se proveiu ao deficit, promoveu desde logo uma descida consideravel nos nossos fundos. De maneira que os armamentos e o campo militar não nos custaram sómente 600:000$000 réis, e o juro enorme de 15 por cento, e o encargo perpetuo que vincularam ao thesouro, mas tambem nos custaram toda aquella depreciação do credito publico para que elles pela sua parte concorreram, e todo aquelle menor preço por que havemos de conseguir o emprestimo, a que sem duvida temos de recorrer este anno, porque eu não creio que o sr. ministro tenha a intenção de avolumar mais a divida fluctuante que já iguala toda a nossa receita. Estes são os effeitos do nosso procedimento financeiro, que se póde caracterisar como a negação cabal da previdencia.

Sr. presidente, qualquer que seja o conceito que a camara forme dos principios que tenho proclamado, de que estou plenamente convencido, e a minha suprema ambição seria que elles calassem no espirito de alguem que melhor do que eu os podesse defender; qualquer que seja o juizo que sobre elles pronuncie, uma cousa é certa. E que o governo não tem systema de natureza alguma. Pedis um tributo tão oneroso e vexatorio como este. Mas quaes são os vossos intuitos? Quereis sustentar por mais algum tempo o edificio carcomido do credito? E o futuro? Como entendeis que se póde extinguir o deficit? Qual é a medida que julgaes dever-se adoptar para as futuras despezas? Qual é a norma que julgaes dever seguir-se na administração economica? Qual é, n'uma palavra, a vossa solução das nossas difficuldades financeiras? A nenhuma d'estas perguntas o governo dá resposta alguma. Por isso propuz eu o adiamento. Não quero com o meu voto condemnar o paiz a preencher uma parte do deficit, para que elle, pelo desleixo, pelo desperdicio e pela irreflexão, se torne a aggravar, recaíndo novamente sobre o povo com um peso intoleravel.

Ha outras considerações que justificam ainda a minha proposta. O clamor geral é por economias.

Dizia Necker, aquelle ministro de Luiz XVI, cujas maximas deveram ser meditadas por todo o homem d'estado, que não é licito recorrer ao imposto antes de se esgotarem todos os recursos que subministram a ordem e a economia. Já se esgotaram todos esses recursos? Já se fizeram todas as economias possiveis? Todos confessam o contrario.

As proprias economias realisadas pelo governo accusam a larga escala em que é possivel fazer reducções sem prejuizo do interesse publico. Se no serviço telegraphico, serviço crescente e reproductivo, póde o sr. ministro supprimir cento e quatro logares, poupando 55:000$000 réis n'um orçamento de 198:000)5000 réis, isto é, mais de 27 por cento se sómente na secretaria da fazenda se poderam dispensar mais de cento e trinta empregados, avalie-se por estas reducções, pelas quaes cabem ao governo justos louvores, a superfluidade de empregados de que improficuamente se encontra empachado o serviço do estado. A menor das vantagens da reorganisação economica das repartições publicas, seria o grande allivio que experimentaria o thesouro. O grande resultado, o resultado de incommensuravel utilidade, seria a declaração assim feita ao paiz, de que por largos annos estava fechado o accesso aos empregos publicos, por isso que as vacaturas seriam para o futuro preenchidas pelos empregados em disponibilidade. D'esta maneira a actividade do paiz abandonaria aquella direcção funesta, por onde agora geralmente se encaminha, e terminaria essa concorrencia despeada aos empregos que, já aqui o disse em outra occasião, empobrece o paiz e vae desbaratando a fazenda e as qualidades civis da nação.

Por isso, o primeiro intento do governo devêra ter sido a discussão do orçamento. Como muito bem o expoz n'uma das sessões passadas, o digno par, o sr. barão de Villa Nova de Foscôa, essa era a ordem logica.

O imposto não se justifica senão pela necessidade. A votação do imposto é uma consequencia. Como tal precisa de uma demonstração. Essa demonstração é a discussão do orçamento, discussão pausada, séria e reflectida.

Taes foram, sr. presidente, os rasões que me levaram a propor o adiamento do projecto em discussão. Outras tenho a apresentar, deduzidas da sua natureza intrínseca; mas como não quero abusar por mais tempo da bondade da camara, reservo-me para a especialidade.

(O orador foi comprimentado por muitos dignos pares.}

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