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1928

e a que na imprensa e n'outro recinto se tem alludido, o governo portuguez obrigava-se a ter um prévio accordo particular com a santa sé para a nomeação do primeiro arcebispo, e não foi isso o que se fez; a confirmação não podia portanto verificar-se. Essa nota é assignada pelo sr. Rodrigo da Fonseca Magalhães, diplomata consumado, e de um talento que elle sr. marquez teve muitas occasiões de reconhecer, porque muitas vezes o combateu nesta casa, e honra-se com isso.

Na nomeação do illustre prelado, não se guardou o que estava solemnemente pactuado por parte de Portugal; e desde logo é claro que-as difficuldades haviam de surgir pela natureza das cousas. A santa sé viu n'isso uma irregularidade, ou falta de cumprimento do que se havia estipulado, e recusou sanccionar por um acto seu essa quebra, que hoje se sabe ter sido involuntária, duma promessa dada e recebida; e ao governo portuguez não restava para mostrar a sua lealdade senão fazer o que fez. Para defender o seu procedimento e ao mesmo tempo o da santa sé, ha dois meios diversos, defende-6e o negocio diplomaticamente e em vista das leis da igreja, e é debaixo d'esses dois pontos de vista que o nobre par entra uo assumpto.

Dizem os que atacam —a nota não podia ligar o governo portuguez, porque a concordata não faz menção de similhante estipulação; e portanto é só esta que pôde obrigar, porque também só ella é que o poder legislativo approvou; mas o orador, mesmo pondo de parte o caracter sagrado da santa sé, dado, mas não concedido, se tratasse de uma convenção formal entre paiz e paiz, sem attender sequer á magestade da santa sé, observa quanto seria inconveniente para- o governo, que tendo o seu negociador feito uma promessa em seu nome, e tendo essa promessa sido recebida pelo outro governo, se faltasse depois a ella?

Está bem certo de que o sr. Ferreri (cuja memoria respeita) não tinha conhecimento da nota quando fez a nomeação; mas depois que soube da sua existência, de que por ella estava empenhada a palavra do governo portuguez, como homem de honra não podia deixar de.fazer o que depois veiu a fazer-se, porque a santa sé não trata com as camarás legislativas, mas sim com o governo, que é o representante do paiz nas suas' relações exteriores. Ora foi esse governo, por meio do negociador, que era o seu delegado do governo para esse fim, quem o obrigou; e emquanto se não provasse que houve dolo, fraude ou engano da parte do negociador, pelo que houvesse de ser, e fosse effectivamente castigado, era do seu rigoroso dever cumprir o que por elle tinha sido estipulado; assim, sem entrar na apreciação longa dos principios de direito publico universal, e recorrendo unicamente ao' simples bom senso, entende que ninguém deixará de reconhecer, que um governo que se queira acreditar não pôde deixar de fazer o que se fez em relação a este negocio, transferindo o que tinha sido arcebispo de Goa, na ignorância do ajustado, para a diocese de Beja, não insistindo o governo mais na sua confirmação para a primeira. Mas diz-se — que o procedimento é inaudito, isto é, que é tal que ainda se não ouviu fallar de outro igual, mas isto não é assim: o termo é exagerado. Ainda ha pouco n'Um paiz com quem temos bastantes relações O abbade Maret, homem de grande illustração, que tem composto muitas obras em diversos ramos da sciencia ecclesiastica, ligado com uma das primeiras familias de França e com as maiores illustrações do império, foi nomeado pelo imperador dos francezes para o bispado de Vannes, e como não houve essa attenção com a santa sé, que ali é de costume haver, o resultado foi não ter sido confirmado. Se tivesse havido essa previa intelligencia, o governo imperial saberia que havia circumstancias que não permittiam a confirmação, e elle não teria sido nomeado; esta intelligencia portanto, em vez de ser attentatoria das prerogativas da coroa, como se disse, não com bons fundamentos, é uma forte garantia de que na espécie se applicam devidamente ao fim para que existem. \

O caso é que não foi confirmado, e que houve causas fortes para o não ser, porque, estando a santa sé, não dirá escrava, porq~ue nunca tal se pôde considerar, mas estando Roma povoada de bayonetas francezas, sua santidade não pôde acceitar a nomeação do imperador dos francezes, que não julgou por isso offendidos os direitos da sua coroa; e a santa sé procedeu como entendeu que devia proceder. Estes são os factos que se apresentam, por assim dizer de si mesmos, para por meio da comparação dar rasão' aquelles que procederam cá do mesmo modo: o orador porém não crê que a comparação dos precedentes possa servir sempre de argumento, pois as circumstancias variam ás vezes, e uma só que falte é bastante para fazer com que não haja analogia. Alem d'isso, não deve perderse de vista que se discutiam também as rasões de direito. O orador ignora se o governo concordará em todos os principios em que elle se baseia para justificar n'esta parte a sua conducta; e sente que não esteja presente o sr. ministro dos negócios ecclesiasticos, porque sendo, como é, um canonista distincto, havia de dirigir-se a elle, pedindo-Íhe e esperando que o rectificaria em qualquer cousa do que vae dizer que exigisse rectificação; e entra de plano nas rasões de direito.

Disse que o sr. Aguiar leu também offerecendo-a como termo de comparação, uma nota de um antigo ministro que também se chamava Aguiar. (O sr. Aguiar:—Esse era marquez.) Era o marquez de Aguiar, que o orador não teve o gosto de conhecer, mas conhece ha muito tempo a nota. Emquanto ao sr. marquez de Aguiar, como individuo, parce sepultis; mas este principio'não deve ir tão longe que empeça a critica justa de seus actos: a historia acabava completamente se não se podesse fallar d'aquelles que deixaram de existir. E necessário que se occupe um pouco do sr. marquez de Aguiar para destruir as suas proposições, pois aquella nota parece escripta não por um ministro do rei fidelíssimo,

mas sim por um ministro de sua magestade britannica, ou do autócrata de todas as Russias; mais ainda d'este.

O sr. marquez de Aguiar na sua nota dirigida ao nosso ministro em Roma, invocando o que chama a antiga disciplina, diz: que se porventura se obstinasse a santa sé a não confirmar o bispo nemeado, Santa Clara, que se recorria ao alvitre de confirmar-se o bispo, dentro do reino pelo metropolita, e depois sagrado na forma dos cânones. (O sr. Aguiar:—Pela antiga praxe da igreja.) Segundo a primitiva praxe da igreja. (O sr. Aguiar: — Apoiado.) Estas pretensões não são novas. No império do Brazil houve uma questão similhante por causa da confirmação de um bispo; e foi levada á assembléa legislativa, e ali mandada a uma commissão que deu o seu parecer no sentido e segundo as doutrinas expostas n'essa nota: no entretanto aconteceu que o ministério caiu e foi substituído por outro, que logo que tomou conta das pastas e appareceu na camará, foi inter-pellado por um deputado, a quem respondeu, o sr. Maciel Monteiro, hoje barão de Itamaracá e ministro d'aquelle império na nossa corte.

Perguntou-lhe o deputado se elle consentiria que se arrastasse o manto do imperador do Brazil aos pés da cúria, e a coroa imperial aos do papa; s. ex.* levantou-se (está escripto) e disse = sou filho da terra da Santa Cruz, e como ministro de um imperador catholico somente hei de proceder conforme as regras da igreja que eu acato = e mais acrescentou: « Sabem os illustres deputados qual é a consideração em que eu tenho esse parecer?» Pegou n'elle e fe-lo pedaços, rasgou-o mesmo na tribuna, e sentou-se! Eis a resposta qué s. ex.* deu aquella interpellação. O orador lembrou este para mostrar que a pretensão nem é infelizmente singular, nem restricta a este paiz. Pela sua parte está com os que julgam que não são precedentes, nem tem justo e solido fundamento.

Dizem aquelles que os invocam que no.s tempos antigos eram confirmados os bispos pelo metropolita: assim é, mas da existência de um facto á rasão de direito em que se fundam, a distancia é immensa: o que deviam fazer os adoradores do facto era provar, e isso nem o fizeram, nem o poderão fazer, que a auctoridade, ou para melhor dizer, a jurisdicção do metropolita, era própria d'elle e não delegada; se era jurisdicção de direito divino incommunicavel e irrevogável pelos homens, ou communicavel e revogável, de sorte que podesse por consequência acabar. Pergunta-isto, e a historia vae responder.

Desde os primeiros séculos da igreja, o primado da sé de Roma foi constantemente reconhecida e respeitado. Crearam-se arcebispos com certos poderes de delegação, pois ó preciso distinguir entre o poder da ordem e o da jurisdicção; n'aquella ordem são iguaes os bispos uns aos outros: o pontífice, os patriarchas,1 os primazes, metropolitas, arcebispos e bispos todos são iguaes entre si; mas emquanto á jurisdicção, á limitação dos poderes sobre um certo numero de fieis, sobre uma determinada área de terreno, esse poder de jurisdicção varia.

O digno par, o sr. Aguiar, sabe, e devem sabe-lo todos os que se têem occupado d'estas matérias, como é que certas causas eram julgadas, e o foram sempre; as causas dos bispos em quaesquer aceusações que se erguiam contra elles eram julgadas em Roma. Veiu então a nomeação dos primazes e dos metropolitanos para julgarem nas suas respectivas dioceses, para melhor commodo dos fieis e para evitar certas desintelligencias; e como os metropolitas tinham a sua jurisdicção do primaz e como o primaz tinha a sua directamente da santa sé, e que esta podia ampliar, restringir e revogar, revogou esta; e porque o faria? Por causa de diversas desintelligencias que houve com os arcebispos, com os primazes qu metropolitanos, e por causa das heresias que se levantaram e que deram logar a essas desintelligencias, por isso que alguns bispos se apartaram da verdadeira estrada e seguiram os heresiarcas nas suas opiniões detestáveis; e finalmente pelas frequentes desintelligencias a que deram logar as eleições episcopaes, ao mesmo tempo que já eram muito mais fáceis as relações com Roma.

Esta matéria tem sido tão largamente tratada por ambas as partes que o orador parece-lhe estar ouvindo que o sr. Aguiar lhe virá com o Manual do direito ecclesiastico francez, de mr. Dupin; mas apesar de reconhecer a exiguidade [¦dos seus estudos e a curteza do seu talento, não deixará de fazer algumas reflexões sobre as palavras de mr. Dupin, que tem á vista, e que dizem assim: desafio a toãos que tiverem conhecimento ãa matéria a que me apontem um único texto, quer ãos bispos, quer ãos santos paãres, para apoiar a proposição ãa jurisáicção canónica ãos papas. São estas pouco mais ou menos as palavras do celebre jurisconsulto francez.

Fazendo-se cargo d'ellas, e respondendo de antemão á objecção possivel, se lança um olhar respectivo sobre os primeiros séculos da igreja, o que vê?... vê um patriarcha de Alexandria (S. Cyrillo) escrever ao papa, dizendo-lhe que = é tempo ãe o fazer, como o ãever e antigo costume exigem, ;para adverti-lo do que a malícia infernal tenta fazer em nossas igrejas = ; vê outro bispo um cardeal de Constantinopla (S. João Chrisostomo) dizer-lhe=é sobre vós que repousa o cuidado do mundo inteiro, pois tendes a combater simultaneamente não só pelas igrejas desoladas e os povos dispersos, mas também pelos padres que se vêem rodeados de inimigos, pelos bispos forçados a fugir, e pelas constituições de nossos padres indignamente calcadas aos pés; vê outro luminar dos antigos tempos (S. Gregorio de Niza) dizer =a igreja de Roma é a primeira de todas, e só ao seu chefe pertence a confirmação dos bispos; vê mais um grande homem dos primitivos séculos, dirigindo-se ao papa Julio (Santo Athanasio). dizer =que a igreja de Roma é a cabeça, e as outras os membros, que só ella pôde

dar força a todas, e que por consequência é a ella que todos se devem dirigir: e diz então, não só em seu nome mas no de todos os fieis que com elle se acharem reunidos =. Depois d'isto, que valor merecem as pretensões da igreja gallicana (refere-se ás grandes questões da igreja gallicana com a santa sé)? Debalde homens muito illustres, como mr. Ampire, na sua historia litteraria, mr. Michelet, na sua historia de França, tentam mostrar que nos primeiros séculos, homens distinctos não só no conhecimento das matérias ecclesiasticas, mas notáveis na republica das letras, defenderam o episcopado contra o que se chama e elles também appelidara, invasão da corte de Roma, porque logo se levantam os padres francezes, e dizem =eu vos mostrarei um dos homens mais distinctos, um dos mais illuminados do século vi, o grande Avito, bispo de Vienna (de França), homem notável e muito conhecido na republica das letras, e tão notável, que se diz com bons fundamentos, que o grande poeta inglez Milton, não só bebeu as idéas do seu poema, mas copiou quasi palavra por palavra, muitos dos versos de tres cantos de um seu poema, do qual diz mr. Gui-zot, que não é só pelo nome =Paraizoperãião=, e pelo assumpto que a sua obra faz lembrar a de Milton. Esse santo e sábio bispo que viveu no v século, disse o contrario de tudo quanto mr. Michelet affirmava na sua historia da França,'e mr. Ampire na sua historia litteraria. Quando o papa Symmacho convocou vários bispos, porque as af-frontas o acabrunhavam; mas os bispos disseram ao rei godo Theodorico: «O papa é superior a todos, não podemos julga-lo que somos prelados inferiores; e demais reconhecemos a sua innocencia»; e quando a noticia da reunião, do concilio para julgar o papa chegou á Gallia, os bispos d'ella, á testa dos quaes se achava Santo Avito, dirigiram uma carta a Roma, na qual diziam: «Não podeis vós de maneira nenhuma julgar, e muito bem fizeste no vosso decreto em deixar a Deus só o julgamento do papa; de forma nenhuma podeis julga-lo, porque elle está superior a vós em tudo. » Mas os regalistas francezes proseguem na sua marcha, os litteratos não desistem da sua tarefa, vão buscar outro argumento mais antigo, e dizem: «Nos primeiros séculos da igreja não se reconheceu similhante obediência» ; mas Santo Iveneu, padre da igreja os refuta amplamente n'um das suas homilias, dizendo: «A sé de Roma é aquella em que se tem invariavelmente conservado as tra-dicções apostólicas, e é a essa igreja que todas as outras devem obedecer » ; mas elles não se dão por abatidos, e vem dizendo que foi o imperador que convocou o concilio de Nicea, e não o pontifice procurando por esse meio negar-lhe a auctoridade que os contraria. Pois enganam-se: quem convocou esse conedio foi o pontifice, e o imperador é que fez as despezas. E que convocou o concilio é evidente, quando mais não fosse, porque quem presidiu a elle não foram os patriarchas de Antiochia, de Alexandria ou de Jerusalém, foi um bispo hespanhol, Osio, bispo de Cordova, com dois simples presbyteros da cidade de Roma. Pois os prelados superiores em hierarchia consentiriam que outro inferior em consideração, e dois padres fossem presidir ao concilio se não houvesse uma causa maior que determinasse esse feito? N inguem o crererá, porque é próprio do coração humano. Consentiram n'isso, por esse bispo do extremo occideme, e esses mesmos bispos eram delegados do papa. São tantos os exemplos que se offerecem á nossa^consideração, que dificilmente e n'uma sessão, poderiam relatar-se todos, e todos elles derrocam pela base, tiram o valor á proposição que foi aqui lida.

0 orador podia citar muitos exemplos, porque são elles tantos, que só ha a difficuldadc da escolha, mas é que também a sua memoria o não ajuda, e por isso apenas mencionará dois factos.

Tendo-se Marciano, bispo de Aries, posto do lado da heresia de Novaciano, os bispos das Gallias dirigiram-se ao papa Santo Estevão para applicar o remédio conveniente; e como este se demorasse, recorreram a S. Cypriano, para que elle intercedesse n'este sentido com o papa, o que elle fez, pedindo a S. Estevão que ordenasse aquelles bispos que mais não soffressem que Marciano insultasse o corpo episcopal; e que ordenasse aos bispos da provincia, clero e povo de Aries, que, em virtude de suas letras, ãepozessem Marciano, e elegessem outro bispo em seu logar. Era isto em 254. ,

O segundo facto é a disposição tomada pelo'segundo concilio cabilonense (Chalons) em França, que foi reunido para instaurar novo processo aos bispos de Embrun e de Gap, que, tendo sido anteriormente depostos, provaram ante o papa João III a sua innocencia, e foram restituídos ás suas sés, e não confirmaãas pela santa sé as eleições dos seus successores; e assim se faz. Mas como aquelles bispos, ou a final prevaricaram, ou proseguiram nas antigas prevaricações, reuniu-se este concilio para de novo os depor, e regular que o-modo da eleição fosse outra vez somente o da congregação dos bispos co-provinciaes. Era isto em 579.

Assim mostrou o orador que em todas as epochas, e desde a primeira nomeação que houve no apostolado a que presidiu, e que se fez por ordem do chefe dos apóstolos, que podia faze-la de per si só, como muito bem disse S. João Chrysostdmo, e com elle muitos padres da igreja, porque n'elle residia o supremo poder, que foi transmittido integralmente aos seus successores, os pontífices romanos, em quem reside formal e subjectivamente, como diz Gerson; que ê só quem possue a auctoriãaãe primitiva, que lhe sub-mette toãas as outras, como diz Almano, ambos elles insuspeitos para o digno par. Haja vista ao cânon quarto e quinto do concilio de Sardica; vejam-se todos os escriptores os mais notáveis que têem tratado d'esta matéria; o mesmo Van-Espen, que faz as delicias dos regalistas, todos são concordes na necessidade d'esta confirmação dos bispos pelo papa.