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Em Portugal é sabido que o direito de nomeação dos bispos foi uma concessão de muito moderna disciplina, pois data apenas de 1514 a 1516 para as dioceses ultramarinas, e somente alguns annos depois para as de Elvas, Leiria, Miranda e Portalegre; de sorte, que se fosse possivel, sem perigo de scisma, e sem quebra do dogma, tornar-se. á antiga disciplina, ficaria a coroa despojada dessa mesma regalia em nome da qual vê o orador que se invoca a disciplina chamada antiga." Como nenhum dos que o ouve pôde ter esquecido como é que, depois da luta com os hespanhoes veio o direito de nomeação para todos os bispados do continente, desiste de referir-se a essa parte da historia.

Por esta occasião entende o sr. marquez que é do seu dever declarar francamente que aceita, e honra-se d'elle, o epitheto de ultramontano, com que é designado; mas também lhe parece que não é exagerado nos direitos que está sustentando. Quem foi que concedeu o direito do padroado? E elle um direito próprio do soberano ? Tanto o não é, que os reis se submetteram a essas que hoje se denominam inr tervenções da sé apostólica. Emquanto aos bispos, havia a eleição dos co-provincianos com o clero e o povo; havia depois a eleição feita pelos cabidos, e houve por fim a nomeação feita pelos reis, mas observe-se que sempre houve a confirmação da santa sé, ou directamente ou pelo meio indirecto dos patriarchas, ou dos legados, ou dos metropo-litas, nos tempos de perseguição e de guerra»; e em todo, o caso com recurso para o soberano pontifice. A vista d'isto, o orador faz a si mesmo as seguintes, a que desde logo responde:

. Somos nós catholicos apostólicos romanos ? Somos. A igreja é só uma? É. Nesse caso a confirmação dos bispos não pôde estar dependente do capricho dos reis, nem da ignorância ou malevolencia dos scismaticos, pois é um direito conferido ao príncipe dos apóstolos pelo divino fundador da nossa religião. Creio que sim', e que tinha direito para dar esse poder.

¦ O orador tem sabido pela historia da existência de certos homens notáveis que embrenhando-se n'estas matérias, têem empregado expressões mal soantes: não as referirá agora, apenas observará, que viu numa peça offieial assignada pelo sr. Vicente Ferrer Neto de Paiva, a affirmativa de que os curas eram de instituição divina, asserção que desde logo fez tenção de combater e que s. ex.a veiu repetir de Ricci e de Tamburini, para não ir mais longe, e que foi cabalmente refutada por Bergomeuse, Petavio-e outros, os quaes mostraram que a sua maior antiguidade. não passa do terceiro século.

Tendo demonstrado como lhe foi possivel a verdade dos principios que tem conscienciosa e constantemente defendido n'esta casa, põe ponto nas observações que tinha que addu-zir em relação ao discurso do digno par e seu amigo, o qual suppõe que não terá tido rasão para queixar-se de nenhuma das expressões que para isso empregou: e ainda bem porque se pôde argumentar e combater com as armas do raciocínio e com os factos da historia.

N'estes termos não hesita o orador em declarar que ap-prova a conducta do governo, especiajisando os srs. ministros da fazenda e estrangeiros e o" dos negócios da marinha, que maior parto tiveram n'este negocio, pois andaram muito bem na resolução d'elle, conformando-se com a verdadeira doutrina, e livrando o governo de embaraços, debaixo do ponto diplomático, e mesmo de consequências sérias que. muito naturalmente appareceriam sob o ponto de vista religioso. Não tem portanto nada mais que acrescentar relativamente á confirmação do cx.mo arcebispo de Goa, e só pede ao sr. ministro da marinha, que é o ministro competente, a maior solicitude e todo o auxilio não só a esse venerando prelado, mas a todos os prelados do ultramar.

E já que falia n'ellas, sente no coração ve-las completamente esquecidas e abandonadas. Um paiz com as ricas e importantes colónias que nós temos, devia olhar por ellas, quando mais não fosse senão para mostrar e conservar o que fomos e a nossa antiga grandeza. Ainda podemos regenerar o nosso paiz, e nessa regeneração podem ainda ter e já deviam ter tido um quinhão importante as nossas províncias ultramarinas. O que foram essas províncias? Monumentos gloriosos das nossas proesas d'out'rora: e hoje? at-testam só a nossa incúria e desleixo com que d'ellas temos tratado. Comtudo podemos ainda dar-lhe vida, tanto na parte moral como na parte material, se esse desleixo se esse in-differentismo com que as temos abandonado, cessar por uma vez.

, Tratou-se da nomeação de um bispo para Angola, foi nomeado ; é já o terceiro, porque os dois, um dos quaes nem chegou a partir, ambos resignaram; o ultimo porque se des-attenderam todas as supplicas e se lhe negaram todos os meios de desempenhar as suas obrigações pastoraes. Mas que recursos se deram ao que vae partir? Serão elles sufficien-tes? O orador sabe que o sr. ministro da marinha tem mostrado da sua parte serio empenho de que não falte uma certa ordem de recursos ao venerando prelado que vae para Angola, mas é necessário não parar, é necessário que o ajude com efíicacia para que possa desempenhar bem a sua missão. Pois como quer o sr. ministro que um bispo laquei-las paragens possa cumpri-la se abandonar a educação do clero? Em França ha corporações religiosas que educam o clero para as missões da Africa, estabeleceu-se uma expressamente destinada á educação da gente de côr preta; e nós o que fazemos? continuamos n'uma deplorável incúria, da qual se faz acompanhar em certas occasiões um ardor frenético de tornar impossivel a nossa regeneração nacional. • O orador pede ao sr. ministro da marinha e do ultramar que não permitta por sua parte que se continue n'ella. Carece de recursos? venha um ministro... não diz que tenha coragem, (que é expressão imprópria) mas que tenha a decisão de vir pedir á camará esses recursos necessários, tanto

os moraes como os materiaes, mas aquelles com preferencia para acudir aos nossos irmãos,do ultramar; não faltam homens, nem companhias industriaes, que desejem também promover uns e outros interesses: muitos se tem aqui dirigido, mas infelizmente debalde, a ponto que já tem bem diminuta confiança nos nossos governos, os quaes alem de tudo, tão pouco tempo presistem no poder que mal se podem oceupar senão das eleições para se conservarem e con-servarem-se para fazer eleições: aqui está ao que se reduz n'esta terra a vida dos nossos governos.

Que carecemos de grandes reformas conhecem-no todos, assim como que este paiz não pôde continuar assim. Se este ministério quando sair do poder (pois, ainda que não seja já, é possivel que saia) não for substituído por outro que tenha a coragem de apresentar os seus principios e programma, não concebidos em palavras pouco claras que mal expressam as idéas governamentaes traduzidas em factos; se o governo do paiz não for em fim confiado a mãos fortes, que se decidam a traduzir o seu programma em grandes reformas, receia muito pela sorte da pátria. Doe-lhe muito ver a sua pátria a fallecer á força da febre, conhecer onde está o remédio, único efficaz de salva-la, e que se persiste em não lh'o administrar.

Emquanto se seguir a mesma vereda, emquanto os partidos não forem extremados e as bandeiras bem conhecidas, serão os principios revolucionários os que hão de triumphar; e as doutrinas salvadoras desprezadas, até que se alguma vez se quizer recorrer a ellas já não será tempo, servirão apenas para lançar esplendor e brilho sobre o seu transito como aconteceu á Polónia nos fins do passado século.

Este paiz carece de grandes reformas, não d'essas que por ahi se inculcam, e de que todas as ambições se têem aproveitado, e que nos trouxeram ao estado em que nos vemos, de certo contra vontade dos reformadores, mas porque não eram as verdadeiras, aquellas que o paiz reclama, e as facções não conhecem, como não conhecem o povo eui nome de quem faliam.

O orador pede a Deus que illumine ó nosso monarcha para que acerte com homens que saibam que os reis reinam pela justiça, e procedem com justiça, e tenham a virtude necessária para regular a sua conducta por este dicta-me. O despotismo apresenta-se em todos os campos, assim no campo dos reis de direito divino, como no campo dos revolucionários do facto e conveniência.

O orador protesta contra todos os despotismos: quer que os reis reinem e governem pela justiça, e só pela justiça; e por isso, espera e faz votos para que o governo constitucional, melhorado e accomodado á nossa indole e tradições nacionaes seculares, continue a reger este paiz; faz votos para que a carta constitucional pão continue a ser sophis-mada nem seja destruída, mas também por isso mesmo os faz para que ella seja reformada á portugueza e não á ingleza nem á franceza; faz votos para que as doutrinas religiosas e politicas que está agora defendendo, sejam mantidas, sustentadas e desenvolvidas por um governo com esclarecida, patriótica e forte iniciativa, pois só esse deve e pôde governar, porque só esse, auxiliado e bemdito por Deus, pôde salvar-nos. Assim na sua opinião, o maior crime politico, a maior falta, a mais funesta d'este ministério, é o ter-se deixado despojar dos foros que lhe competem, entregando os sêllos da governação do estado á multidão desvairada, ouvindo conselhos detestáveis ou loucos, e procedendo conforme lhe são dados, ou por effeito de ameaças e ordens intimadas pelos jornaes revolucionários, procedendo, não segundo a justiça, mas conforme as paixões partidárias; como fez quando demittiu o sr. conde de Thomar, não por elle ter já pedido a demissão, mas quando 'o Portuguez a exigiu, como fez ao sr. José Maria de Abreu, não para render homenagem aos verdadeiros principios, a que elle orador presta homenagem, mas para satisfazer certos caprichos, t como hontem mostrou na resenha da politica do governo. É necessário que tenha um termo e quanto antes este estado anormal e violento, que os homens que governam o paiz accordem do lethargo em que jazem, e não lhes succeda como ao piloto que adormecera em noite de estio sobre o convez do seu barco, e só acordou aos primeiros roncos da tempestade que olha em torno de si, vê o perigo que cresce com a borrasca, reprehende-se da sua incúria passada, escapa-lhe das mãos o leme, o terror cerra-lhe os olhos, e a tripulação aífiicta e espavorida vê a morte que lhe trazem as vagas encapelladas... e então as iras patenteiam-se, as rivalidades apparecem, e surgem más paixões... De que valem os esforços? Baldados são elles! A sciencia é já impotente para salva-los, e aos uivos da tempestade que brama, fora, soffrega de victimas, reunem-se os desesperados gritos da tripulação e passageiros, que todos procuram salvar-se e todos perecem com a embarcação.

Oh! que não seja assim. O orador vê em frente de si duas cidades, donde saem dois exércitos que se combatem, se de uma parte vê o espirito do mal presidindo a todo o empenho, vê da outra parte, o espirito do bem presidindo a todos os propósitos, se vê de um lado a bandeira branca da caridade, e do outro lado a bandeira negra do exter-minio, presagia-lhe o coração que é a branca, a da religião e da caridade a que, a final, ha de triumphar; e for-tifica-o a esperança de que este paiz ainda é o mesmo paiz de heroes, em cujos gloriosos annaes se contam por milhares os heroismos de virtude religiosa e patriotismo. Sabe que a epocha que atravessámos é um tempo de provação e transição ;ve espera e confia que depois d'ellas virá a regeneração de Portugal pela igreja; embora alguém diga— que esse astro da esperança, em que tem os olhos fitos e que o anima, não é mais que o brilhar fulgurante de um astro que ao declinar no horisonte illumina com seus últimos raios a campa de um sepulchro... Não o crê, confia na providencia Divina, confia nas pro-

messas de Ourique, e depois também no amor da independência e da nacionalidade, no amor ao rei que tanto illus-tram os corações portuguezes. Confia sobretudo no amor que elles têem á sua religião, á qual devemos tudo o que somos, e deveremos tudo o que podemos vir a ser. Estes preconceitos anti-religiosos são obra do momento, são o resultado de influencias mephiticas, e hão de passar, como passam os contágios e as epidemias. " Espera que justiça ha de ser feita ás boas doutrinas, e depois, a experiência amestrando os povos, instruirá todas as classes, raostrando-lhes que só pela religião e com ella, podem' viver saudando a bandeira da pátria, da justiça e da liberdade.

O sr. Presidente: — Estão. inscriptos o sr. visconde de Balsemão e o sr. ministro da justiça, que não se acham presentes; tem portanto agora a palavra o sr. ministro da marinha.

O sr. Ministro da Marinha (Carlos Bento):—Observou que o digno par tinha feito reparo na ausência de alguns dos membros do gabinete, mas s. ex.* logo depois reconheceu que não era fundado, por isso que entretanto chegava o sr: presidente do conselho, já aqui se achava antes o sr. ministro da guerra, e tinha apparecido o sr. ministro da fazenda e negócios estrangeiros, que por motivos muito imperiosos de serviço disse particularmente ao digno par que não podia aqui ficar para assistir á sessão e ao mesmo tempo se fazia saber ao digno par quê o sr. ministro das justiças sentia muito não poder vir hoje á camará dos dignos pares, por isso que na outra camará se está tratando da discussão do orçamento do seu ministério; e com quanto seja certo que a sessão aqui acaba mais tarde do que na outra camará, não o é menos que seria inútil um exforço para ainda vir a esta casa, estando já feitas as observações, a que s. ex.* porventura teria de responder no caso de as ter ouvido.

Na verdade que o digno par dirigiu bastantes aceusações ao governo, que tem a infelicidade de lhe não merecer favor nem indulgência, mas s. ex.* permittirá se lhe diga, que as suas aceusações nascem do systema do digno par, não achar nada bom n'esta administração.

O sr. Marquez de Vallada: — Eu prestei homenagem a alguns actos do ministério.

O Orador:—Disse que tencionava fazer menção d'essa circumstancia, mas a verdade é que o digno par está n'uma posição tão firme e systematica (no bom sentido) que não ha remédio senão resignar-se o gabinete, sentindo muito ter de passar sem o seu apoio, que aliás seria tão estimado. Mas em fim, quando a* opposição é systematica, nada se pôde vencer. O que é certo porém, é que a maior força dos governos não depende .tanto das suas qualidades pessoaes como do concurso do maior numero de vontades; e occasiões ha cm que é um serviço ao paiz a conciliação das opiniões. É só com essa condição que pôde haver governo forte; e por isso o apoio dos membros das camarás legislativas nunca é cousa indifferente.

O governo actual deseja viver cortí elle e conserva-lo.

Observou que o procedimento da actual administração era avaliado pelos seus censores, umaé vezes por uma maneira, outras vezes por outra, como acaba dc ver-se em relação ao reconhecimento do facto da constituição do novo reino de Itália. Aqui n'esta casa acaba de ser aceusado o governo de ter tido pressa e precipitação no reconhecimento d'esse facto politico que se deu; e quem ignora que o governo n'outro logar foi aceusado precisamente pelo contrario ? É-impossivel que o governo esteja criminoso por ter praticado um acto, que é considerado crime de duas espécies oppos-tas! Aqui parece-lhe haver injustiça. O digno par que suppõe que o governo quer compraser sempre com as opiniões exageradas, não pôde desconhecer que o facto é que essas a que s. éx.a chama opiniões exageradas, queixam-se do mesmo modo, mas em desaccordo com a opinião do digno par que aceusa o ministério pelo que suppoz feito com precipitação, emquanto outros o arguem por ter feito isso mesmo com multa lentidão!

O digno par achou perigo no facto diplomático do reconhecimento do reino de Itália! Se o governo julgasse que os motores que determinaram esse acto, não se podiam considerar senão debaixo do ponto de vista que o digno par indica, tinha s. ex.* rasão. Se o reconhecimento significasse o da conveniência ou direito do principio absoluto das an-nexações, tinha s. ex.a rasão; mas não se trata d'isso: o digno par sabe muito bem que-as modificações que tem havido na Europa nem sempre têem tido logar por impulso das paixões revolucionarias; o digno par que conhece a historia contemporânea, sabe muitíssimo bem, que a geographia da Europa actual não é a de 1815, sem comtudo poderem aceu-sar-se as paixões revolucionarias de terem sempre promovido essas alterações. Sabe-se como é que nasceu o reino da Grécia, o reino da Bélgica, e ainda muito recentemente o que succedeu com as províncias danubianas, alterando-se a sua situação com relação ao império ottomano, o que constitue hoje um novo direito europeu, e outra ordem de relações diplomáticas. Pois quem entenderá que a nacionalidade dos differentes povos deva ser desconsiderada? Pelo contrario vê o sr. ministro que mais que nunca se falia hoje n'esses principios de nacionalidade, que está convencido que nenhum paiz aprecia mais, nem talvez tanto como Portugal (muitos e prolongados apoiados).

Assim, precisa o sr. ministro declarar ão digno par, que reclama contra a redacção do que s. ex.a disse que era uma manifestação; o digno par não queria de certo dizer o que disse, e ha de ser o primeiro a rectificar as suas palavras, emquanto nos apresentou como opinião sua, que suppoz haver duas espécies de iberismo! O sr. ministro diz que felizmente conhece a historia do seu paiz, e não sabe que haja entre nós qualquer espécie de iberismo; (muitos e repeti-