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SESSÃO DE 8 DE SETEMBRO DE 1871
Presidencia do exmo. sr. Duque de Loulé
Secretarios -os dignos pares
Augusto Cesar Xavier da Silva
Antonio de Azevedo Coutinho Mello e Carvalho
Pelas duas horas e meia da tarde, tendo-se verificado a presença de 21 dignos pares, declarou o exmo. sr. presidente aberta a sessão.
Leu-se a acta antecedente, e não se lhe fez nenhuma reclamação.
Não houve correspondencia que mencionar.
O sr. Presidente: - Cumpre-me participar que a commissão encarregada de levar á presença de Sua Magestade os decretos approvados pelas côrtes geraes, foi recebida por Sua Magestade com a sua costumada benevolencia.
O sr. Conde de Castro: - Pedi a palavra para mandar para a mesa um parecer da commissão dos negocios externos auctorisando a creação de consules de l.ª classe nos pontos em que a utilidade publica os reclamar.
O sr. secretario leu o parecer.
O sr. Presidente: - Vae a imprimir.
O sr. Marquez de Vallada: - Eu proponho que se dispense a impressão d'este parecer para entrar já em discussão. O negocio é simples, não importa augmento de despeza, e portanto não vejo inconveniente nenhum em que possa ser dispensado o regimento, como se tem dispensado por varias vezes em negocios muito mais graves do que este. A camara não tem de que se occupar agora; e por todas estas rasões parece-me que não é inopportuna, ou impertinente esta proposta.
O sr. Marquez de Sabugosa: - Parece-me que o negocio é mais grave do que se afigura ao digno par. Alem da transferencia de que trata o artigo 1.°, dá-se no artigo 3.° uma auctorisação ao governo, generica, para estabelecer consules de l.ª classe onde lhe parecer, quer dizer, este artigo dispensaria o artigo 1.° Eu, que tenho a honra de pertencer á commissão dos negocios externos, não fui convidado para assistir á sessão em que se assignou este parecer, por isso o desejava conhecer o seu objecto por outro modo que me habilite mais do que póde faze-lo a rapida leitura que d'este parecer se fez na mesa. Eu não sei em que rasão a commissão se fundou para approvar o projecto; e portanto, pedia a v. exa. que se mantivesse a disposição do regimento, mandando-se imprimir o parecer para ser distribuido pelos membros da camara.
O sr. Marquez de Vallada: - Eu não posso deixar de respeitar o escrupulo do digno par, tanto mais quanto s. exa. se referiu á auctorisação concedida ao governo. Eu tenho sido muito parco em conceder auctorisações aos governos (entrou o sr. presidente do conselho), mas no caso presente parece-me que não ha inconveniente em lhe dar esta auctorisação, tendo em vista os interesses da nação. Pelo que póde deprehendei da leitura que se fez do parecer, parece-me que a despeza não se augmenta com a creação dos novos consulados. Está presente o sr. ministro dos negocios estrangeiros, e s. exa. explicará melhor do que eu o fim d'este projecto.
O sr. Presidente do Conselho de Ministros: - Peço a palavra.
O Orador: - Eu não sou ministerial e já se vê que não é por excesso de confiança da minha parte que faço este pedido. Parecia-me que o tempo se aproveitaria bem discutindo agora este projecto, tanto mais que a camara não tem actualmente negocio algum de que se occupar. O sr. presidente do conselho acaba de pedir a palavra, e poderá illustrar o assumpto. Por agora limito-me a dar esta resposta ao sr. marquez de Sabugosa sem por modo algum querer significar que nós não tenhamos o direito de nos esclarecer sobre os assumptos que são submettidos á nossa apreciação.
O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Marquez d'Avila e de Bolama): - Eu não posso fazer idéa exacta do estado em que está a discussão, mas pelo que ouvi ao sr. marquez de Vallada julga-se que esta auctorisação para a creação de consulados é muito vasta.
O sr. Presidente: - O negocio que está em discussão é apenas se ha de ser ou não impresso esse parecer. Digo isto para informar a v. exa.
O Orador: - Muito obrigado a v. exa.; e se v. exa. me dá licença direi duas palavras, porque desejo que não haja equivoco neste negocio.
Eu estou inteiramente de accordo com alguns dignos pares quando dizem que não sympathisam com as auctorisações concedidas ao governo; eu não sympathiso tambem com ellas, e se o governo vem pedir esta auctorisação, é em condições taes, que seguramente não ha perigo nenhum em se lhe fazer essa concessão.
V. exa. sabe que os.emolumentos dos consulados entram nos cofres do estado, e com a receita publica se pagam as despezas dos consulados. No orçamento de despezã figuram as despezas dos consulados, e no orçamento da receita figura a receita proveniente dos emolumentos dos mesmos consulados. Se o governo viesse pedir auctorisação para crear consulados de l.ª classe á custa dos emolumentos dos consulados de l.ª classe hoje existentes, emolumentos que formam receita do estado, isto equivaleria á creação de empregos á custa do thesouro; mas não é essa a intenção do governo.
Por este projecto os consulados que se crearem não trazem o menor onus para o thesouro, porque as despezas com elles sáem dos emolumentos dos mesmos consulados, e por consequencia, debaixo deste ponto de vista esta auctorisação é extremamente limitada. Não sei se esta explicação satisfaz os dignos pares.
Quanto á questão de se dispensar ou não o regimento é negocio puramente da camara a que o governo não póde deixar de ser completamente alheio.
O sr. Marquez de Sabugosa: - Pouco direi, sr. presidente, porque não está em discussão o projecto, mas parece me que a auctorisação que se pede tem maiores proporções do que se acaba de dizer. Não é só o augmento da despeza que devemos fiscalisar, é tambem o augmento da receita. Se não ha uma absoluta necessidade de crear consulados de l.ª classe, para que se hão de crear? Para que se ha de ir dar auctorisação ao governo para crear uma cousa, de que não ha urgencia? Eu por mim não vejo a necessidade do governo estar auctorisado a elevar á 1.ª classe os consulados da segunda quando se julgar isso necessaria. Seja porém como for, a materia do artigo 1.° não me parece bastante explicita; todavia por agora limito-me unicamente a dizer ao sr. presidente do conselho, que o projecto tem mais gravidade do que s. exa. lhe attribue. Não sei se s. exa. deu já algumas explicações no seio da commissão com respeito ao assumpto; eu pela minha parte declaro que tenho algumas duvidas, e que desejo ser esclarecido, não é outro o meu fim; e por isso insisto, sr. presidente, pedindo que se siga o regimento, se mande imprimir e distribuir o projecto para entrar convenientemente em discussão.
O sr. Marquez de Vallada: - Sr. presidente, segundo me quiz parecer, o sr. presidente do conselho julgou que eu impugnava o projecto; eu porem fallei exactamente em
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sentido contrario; sustentei as mesmas idéas que s. exa., com a differença que o sr. presidente do conselho, como ministro, estando mais ao facto do assumpto, deu lhes mais desenvolvimento.
Eu approvo o projecto, concordo perfeitamente com elle, e não possa deixar de observar ao sr. marquez de Sabugosa, que do artigo 1.° do projecto não póde resultar nenhum augmento de despeza, pois em virtude do que pelo projecto se estabelece, só podem ser elevados os consulados de 2.ª á l.ª classe, quando os seus emolumentos o possam permittir, e n'estas condições não me parecem bem cabidos os escrupulos do digno par. Eu sou escrupuloso na concessão de auctorisações que se vem pedir ao parlamento, todavia em face das declarações do sr. Presidente do conselho, creio que deverão ter desapparecido todos os escrupulos de s. exa. Os meus desappareceram; e eu, como disse, não sou dos menos escrupulosos, nem dos mais indulgentes com a entidade chamada poder central, mas apresentando-se-me uma medida nas condições d'esta, que reputo de verdadeiro interesse publico, não tenho difficuldade em a votar.
Nada mais tenho a dizer.
O sr. Presidente do Conselho de Ministros: - Sr. presidente, pelo que tenho ouvido aos dignos pares, comprehendo melhor agora o estado da questão. Trata-se de saber, se a camara ha de ou não dispensar o regimento; é isso um assumpto exclusivamente da competencia da camara, e sobre o qual nada direi. Quando a questão se tratar, tendo-se ou não dispensado o regimento, segundo a camara entender, darei explicações sobre o assumpto, respondendo ás duvidas do sr. marquez de Sabugosa.
O sr. Presidente: - Um digno par pede a dispensa do regimento e outro, que é membro da commissão, declara não ter sido convidado para assistir ás conferencias d'esta, e pede para que se mantenha o regimento, a fim de ter tempo de se habilitar para entrar na discussão do assumpto e saber determinar o seu voto. Vou portanto consultar a camara.
Consultada a camara decidiu que se dispensasse o regimento.
O sr. Marquez de Sabugosa: - Pedi a palavra para dar a minha demissão á camara de membro da commissão de negocios externos a que pertenço.
O sr. Visconde de Chancelleiros: - Apoiado. Sr. presidente, peço a v. exa. que queira mandar contar de novo os votos. Não tenho em vista, n'este meu pedido, lançar censura sobre a mesa pela maneira por que verificou a votação, nem insurgir-me contra a resolução da camara; mas parece me tão extraordinario o facto que se deu com relação ao sr. marquez de Sabugosa, que não posso deixar de fazer este pedido. E a primeira vez que n'esta casa um membro de commissão, tendo declarado que não foi convidado para dar parecer sobre um assumpto que foi examinado pela commissão a que pertence, e pedindo para isso que se não disdispensem as formulas regimentaes, a fim de estudar a questão, a camara recusa um tal pedido, e resolve que se discuta immediatamente.
Sr. presidente, isto é grave, e por isso peço que se verifique novamente a votação.
O ar. Presidente: - O digno par pede a contraprova. Os dignos pares que votaram contra a proposta do sr. marquez de Vallada, ficando sentados, tenham a bondade de se levantar.
Verificou a contraprova que tinha sido approvada a proposta do sr. marquez de Vallada.
O sr. Visconde de Chancelleiros: - Está portanto dispensado o regimento. Agora pedia a v. exa. que mandasse ler na mesa o parecer da commissão e o projecto de lei sobre que elle recáe, para que assim possamos ter melhor conhecimento de um e de outro.
O sr. secretario leu o
Parecer n.° 8
Senhores. - A commissão de negocios externos d'esta camara, a quem fôra remettido o projecto de lei n.° 6, vindo da camara dos senhores deputados, que tem por fim transferir o consulado geral de l.ª classe no Cabo da Boa Esperança para a cidade de Hamburgo, e regular as despezas do mesmo dentro dos limites das despezas consignadas no orçamento para os do consulado geral de l.ª classe do Cabo da Boa Esperança, e bem assim auctorisando o governo a estabelecer consulados de 1.º classe nos portos aonde os interesses do commercio de Portugal assim o reclamarem, e a fixar as despezas d'este consulado, de modo que em nenhum caso exceda a receita em emolumentos. A commissão, considerando que tanto a transferencia do consulado geral do Cabo da Boa Esperança para Hamburgo, como a creação dos outros consulados, de que trata o projecto, são subordinados ás conveniencias commerciaes de Portugal, é de parecer que o referido projecto de lei seja approvado por esta camara, e submettido á real sancção.
Sala da commissão, em 1 de setembro de 1871.=ConcZe de Castro =João de Andrade Corvo = Conde da Ponte.
Projecto de lei
Artigo 1.° É transferido o consulado geral de l.ª classe no Cabo da Boa Esperança para a cidade de Hamburgo.
Art. 2.° As despezas do consulado geral de l.ª classe em Hamburgo serão fixadas pelo governo dentro dos limites da receita cobrada no mesmo consulado e da receita actualmente applicada no orçamento ás despezas do consulado geral de 1.ª classe no Cabo da Boa Esperança, limites que em nenhum caso poderão exceder.
Art. 3.° É o governo auctorisado a estabelecer consulados de l.ª classe nos pontos aonde os interesses do commercio e dos subditos portuguezes o reclamarem com mais urgencia, e a fixar as despezas d'estes consulados de modo que em nenhum caso excedam a receita em emolumentos.
Art. 4.° Fica revogada toda a legislação em contrario.
Palacio das côrtes, em 1 de setembro de 1871. = Antonio Ayres de Gouveia, presidente = D. Miguel Pereira Coutinho, deputado secretario = Ricardo de Mello Gouveia, deputado secretario.
O sr. Presidente: - Está em discussão na generalidade.
O sr. Marquez de Sabugosa: - Sr. presidente, peço licença para, antes de entrar na discussão, esperar por um documento que vou mandar buscar, e que é o discurso do sr. visconde de Valmor, pronunciado na outra camara ha tres ou quatro dias, quando declarou o seu voto; porque este negocio foi levado ali, como aqui hoje se trouxe...
O sr. Presidente: - Peço licença para observar que não é curial, nem o regimento o permitte, que se façam allusões ao que se passa na outra camara.
O Orador: - V. exa. diz que hão é permittido fazer n'esta camara allusões ao que se passa na outra. Não insistirei então no meu pedido. O que eu pretendia era mostrar que este negocio foi na outra camara levado assim, quasi de surpreza, como n'esta casa.
Perdôe-se-me a expressão com que acabo de qualificar a maneira por que este negocio correu; mas não posso deixar de me expressar d'esta sorte, quando considero que, sendo eu membro da commissão dos negocios externos, e estando aqui grande parte da manhã, não fui convidado para examinar o assumpto e ver o parecer da commissão; e que, pedindo que se mantivesse a disposição regimental, a fim de ter tempo de estudar a questão, nem isso me foi concedido.
O que eu devia fazer depois de taes factos se darem, já o fiz, pedindo á camara a minha demissão de membro da commissão dos negocios externos. Agora resta-me apreciar o projecto, e para isso peço a v. exa. que tenha a bondade de m'o confiar por alguns momentos para o ler (leu).
(Pausa.)
Começarei por pedir ao sr. ministro, dos negocios estrangeiros que queira expor os motivos por que convem a creação de um consulado geral em Hamburgo. Diz-se aqui que
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já não é necessario um consulado geral no Cabo da Boa Esperança, por ter acabado a commissão mixta; mas não se dizem os motivos que determinou a creação do consulado em Hamburgo, ou pelo menos não estão bem explicados. Isto é pelo que diz respeito ao artigo 1.°
Quanto ao artigo 2.º declaro desde já que voto contra elle (leu).
Sr. presidente, se este artigo 3.° fosse artigo unico do projecto, posto que eu não o approve, entendo todavia que ainda tinha rasão de ser, mas com os artigos 1.° e 2.° não me parece que possa existir, porque, se o governo pede pelo artigo 3.° uma auctorisação ampla para elevar á categoria de 1.º classe todos os consulados de 2.ª, quando assim o entenda, escusava de vir pedir com os artigos 1.° e 2.° uma auctorisação especial que já se acha consignada no artigo 3.°
Não sei, pois, como se possa explicar este enxerto dos outros artigos. Ora, contra todos elles voto eu, apesar de se não augmentar a despeza, e de se dizer que da receita proveniente dos emolumentos consulares é que são pagos os vencimentos dos respectivos empregados; e voto contra, porque entendo que a somma que se podia economisar com a extincção do consulado de l.ª classe do Cabo da Boa Esperança, e devia entrar no thesouro, vae ser, por este projecto, despendida com a creação do consulado de l.ª classe na cidade de Hamburgo.
O sr. Presidente do Conselho de Ministros: - Essa economia que o digno par quer, verifica-se com a approvação do projecto. Eu, logo, quando tomar a palavra, explicarei ao digno par.
O Orador: - Parecia-me muito mais regular que, em vez de se dar uma tão ampla auctorisação, o governo viesse ao parlamento, todas as vezes que julgasse conveniente e necessario extinguir ou crear qualquer consulado, e apresentasse uma proposta para esse fim. Teriamos então occasião de discutir a conveniencia ou inconveniencia dessa proposta e ficariam salvos os principios. Creio que estes negocios não são tão momentosos que devam ser resolvidos de um dia para o outro.
O que é verdade é que esta somma que se podia economisar, e que podia e devia entrar para os cofres do thesouro, vae ser gasta com um consulado que podia continuar a existir como tem estado até aqui.
Voto portanto contra todos os artigos do projecto e muito especialmente contra artigo 3.° Mas ainda assim, talvez possa modificar o meu voto (o que não me parece muito certo), com relação aos artigos 1.° e 2.°, depois de ouvir as explicações do governo a este respeito; explicações com que de certo ficaram esclarecidos os meus ex-collegas na commissão dos negocios externos, e das quaes não tive conhecimento, por isso que não se lembraram de me convidar, para a reunião que teve logar, quando se tratou d'esta questão.
O sr. Presidente do Conselho de Ministros: - Em primeiro logar tenho de pedir desculpa á camara se não poder por muito tempo assistir a este debate por isso que me acho inscripto na outra casa do parlamento, para fallar sobre uma questão que ali se ventila, e na qual ainda hoje desejava entrar.
Agora com relação ao assumpto de que se trata, peço licença para dizer ao digno par, o sr. marquez de Sabugosa, que não fazia bem em querer recorrer ás considerações que foram feitas na outra camara a respeito d'este projecto...
O sr. Marquez de Sabugosa: - Eu não recorri a essas considerações, apenas disse que precisava referir me a ellas; mas desde o momento em que o sr. presidente declarou que isso ia de encontro ás disposições regimentaes, mudei immediatamente de proposito. Agora, se o nobre ministro se vae referir a essas considerações, peço desde já a palavra para responder a s. exa.
O Orador: - Não, senhor. Vou-me referir unicamente ás palavras do digno par. Essas reflexões foram feitas na outra camara, depois do projecto estar approvado, e eu peço licença a s. exa. para dizer que repillo a asserção que avançou, de que este projecto fora votado por surpreza n'aquella casa do parlamento, e que outro tanto se pretendia fazer aqui. Se se quiz fazer surpreza, nessa camara, não o posso eu dizer, porque não estava presente, quando se começou a tratar d'este objecto; mas tenho a certeza de que não houve essa intenção, nem o governo tinha interesse algum em que essa surpreza se d'esse, e a prova está no modo como eu acabo de proceder, votando contra a proposta do digno par o sr. marquez de Vallada; porque não gosto de privar a camara de todos os esclarecimentos que a possam elucidar, sobretudo a respeito de propostas do governo. Eu interpretei a resolução da camara no sentido de que este projecto era muito simples e não carecia de mais exame, e pensando a camara assim estava no direito de dispensar o regimento para o projecto entrar desde logo em discussão. Na outra camara tambem não houve surpreza alguma.
Este projecto foi apresentado pelo governo, na outra casa do parlamento e remettido á commissão de fazenda e á dos negocios diplomaticos, para sobre elle darem parecer. Ora, a primeira destas commissões, que é composta dos seguintes cavalheiros (leu), votou toda a favor d'este parecer, e o mesmo aconteceu a respeito da commissão dos negocios diplomaticos; e nem mesmo houve um voto contra, no seio d'esta ultima commissão, comprehendendo tanto uma como outra um grande numero de cavalheiros que não honram o governo com o seu apoio. Aqui tem o digno par quaes foram os cavalheiros que deram o seu voto favoravel ao projecto ..
O sr. Marquez de Sabugosa: - Isso é o que se passou, na outra camara.
O Orador: - Pois o digno par disse que este projecto fôra votado de surpreza na outra camara e eu estou provando que o não foi.
Pois eu estou provando que não foi levado de surpreza na outra casa do parlamento, nem tão pouco n'esta. Na outra camara approvou o projecto a commissão de fazenda, que é composta dos seguintes senhores (leu).
Nenhum d'estes cavalheiros assignou o parecer com declarações, pelo que se prova que na commissão não houve um só voto contra o projecto.
Disse o sr. marquez de Sabugosa (e isto prova que realmente s. exa. não applicou a sua intelligencia ao exame do projecto, talvez por falta de tempo) que o artigo 1.° é desnecessario em virtude do artigo 3.° Isto, porém, não é assim, porque o artigo 1.° diz (leu).
Quer dizer é supprimido o lugar de cônsul geral de l.ª classe no Cabo da Boa Esperança, e é creado um consulado de igual categoria na cidade de Hamburgo. Estas duas disposições estão contidas no artigo 1.°, isto é, a suppressão do consulado geral de l.ª classe do Cabo da Boa Esperança, e a elevação a consulado geral de 1.ª classe do consulado em Hamburgo.
O artigo 3.° diz o seguinte (leu).
Por consequencia, este artigo trata da creação de consulados de 1.º classe, onde as necessidades do commercio o exigirem, e o artigo 1.° trata simplesmente da suppressão de um consulado geral de l.ª classe, e da creação de outro. Ora, em vista d'isto, pergunto eu, se o artigo 1.° está porventura comprehendido no artigo 3.°?
E foi esta a base da argumentação feita na outra casa do parlamento, aliás fóra de tempo, porque o foi depois do projecto approvado, e eu então pedi a palavra para responder, mas o sr. presidente d'aquella camara entendeu, e muito bem, que o projecto já estava approvado, e que não era portanto occasião de o discutir.
Ficaram assim de pé os erros ali propalados, que serviram tambem agora para illudir é sr. marquez de Sabugosa.
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É preciso que a camara saiba (eu peço desculpa d'este modo de fallar, é um modo de fallar como qualquer outro), & camara sabe de certo, que ha consulados geraes de l.ª classe e consulados de 2.ª Os consulados geraes de l.ª classe, têem de ordenado 900$000 réis, os consulados de 1.º classe 500$000 réis, e os de 2.º classe não têem ordenado.
O artigo 3.° trata dos consulados de 1.º classe, e o artigo 1.° trata da suppressão de um consulado geral de 1.º classe e da creação de outro igualmente de l.ª classe. Eu insisto n'este ponto: o artigo 1.° não está, pois, comprehendido no artigo 3.°
O sr. marquez de Sabugosa fez tambem uma observação para chamar a attenção da camara, que é outro erro. Disse s. exa. que se fizesse entrar o excedente dos consulados de 2.º classe nos cofres. Qual excedente? Os emolumentos cobrados nos consulados de 2.ª classe pertencem todos aos respectivos cônsules, que não têem nenhum outro vencimento pago pelo thesouro. Logo não ha excedente. Os emolumentos que fazem parte da receita do thesouro são os emolumentos dos consulados geraes de 1.ª classe. Os emolumentos dos consulados de 2.ª classe pertencem todos aos consules d'essa classe. Logo não ha excedente algum para o thesouro; mas por este projecto é possivel que o haja.
Supponhamos que ha um consulado de 2.ª classe que rende de emolumentos 4:000$000 ou 5:000$000 réis. O governo diz: pois em logar de haver um consulado de 2.º classe, crie-se um de 1.º com o ordenado de 500$000 réis, e a verba para despezas de representação de 1:000$000 réis, por exemplo. O resto entra no thesouro.
De tudo isto se vê que este projecto preenche os desejos do sr. marquez de Sabugosa; agora o que não preenche os seus desejos é que o digno par quer.
Parece-me que s. exa. não póde deixar de reconhecer isto...
O sr. Marquez de Sabugosa: - Eu peço a v. exa. que não se esqueça de dizer os motivos por que o governo deseja esta auctorisação.
O Orador: - É porque não a tem.
O sr. Marquez de Sabugosa: - E porque não a vem pedir, quando deseje crear qualquer consulado?
O Orador: - Effectivamente o governo podia vir pedir ao parlamento auctorisação para crear um consulado em tal ou tal ponto, mas que vantagem havia n'isso?
O sr. Marquez de Sabugosa: - Havia a vantagem de se seguirem os bons principios.
O Orador: - V. exa. nunca deu auctorisação a nenhum governo?
O sr. Marquez de Sabugosa: - Só em caso de absoluta necessidade, e com certas restricções.
O Orador: - Pois esta é necessaria. E n'ella estão marcados os limites, e é que o governo só póde crear consulados de 1.ª classe, onde haja consulado de 2.ª, que tenham emolumentos suficientes que dêem para a despeza dos de 1.ª
É realmente querer coarctar muito a acção do governo! Hoje que todos os governos tratam de alargar as suas relações commerciaes ha vantagem em ter á testa dos consulados homens com certas habilitações, que são exigidas para os consules de 1.ª classe, e que o não são para os de 2.ª Os consules de 1.ª classe só podem ser nomeados por concurso, e com muitas habilitações, os consules de 2.ª classe são da livre escolha do governo, e não se lhe exigem habilitações algumas. E não será melhor coarctar essa faculdade do governo, obrigando-o a fazer as nomeações dos nossos agentes consulares entre pessoas habilitadas para bem desempenharem as funcções multiplicadas e importantissimas que têem a seu cargo, do que deixar-lhe a faculdade de aproveitar o primeiro homem que se lhe apresenta e que muitas vezes só póde ter a seu favor protecções pouco justificadas?
Não sei se convenci a camara com as considerações, que acabo de lhe submetter. Se for necessario, tomarei a palavra outra vez, porque o negocio, emquanto a mim, é extremamente simples (apoiados},
O sr. Presidente: - Tem o sr. marquez de Vallada a palavra.
O sr. Marquez de Vallada: - Peço a v. exa. que me reserve a palavra para dar uma explicação depois de votado este projecto. .
O sr. Presidente: - Então tem a palavra o sr. visconde de Chancelleiros.
O sr. Visconde de Chancelleiros: - Eu creio que o sr. marquez de Sabugosa em vez de pedir explicações ao sr. presidente do conselho de ministros, deveria te-las pedido ao sr. marquez de Vallada, que propoz a dispensa do regimento, e aos dignos pares que approvam este projecto.
O sr. marquez de Sabugosa declarou que não estava habilitado para esta discussão; apesar d'isso a camara resolveu que fosse dispensado o regimento. E já que assim se fez, creio, sr. presidente, que todas as explicações que o sr. presidente do conselho acabou de dar, deviam ser categoricas e derivadas do parecer da commissão.
Eu quero crer que essas considerações poderão ser modeladas por todas as rasões de direito e de conveniencia publica, mas o que eu tambem declaro a v. exa. ingenuamente, é que não conheço a questão, e por que a não conhecia é que votei contra a dispensa do regimento, não podendo ainda n'este momento achar-me determinado a dar com segurança o meu voto de approvação ou rejeição da materia, apesar das explicações que foram n'este momento dadas pelo sr. presidente do conselho. Á lei de 23 de abril de 1867 não a tenho presente: sei que ahi se trata da divisão de consulados de 1.ª e 2.ª classe, mas não é isso bastante para entrar no amago do negocio...
O sr. Marquez de Vallada: - Peço a palavra.
O Orador: - Julgo que é importante, e porque o é, vem aqui este pedido de auctorisação, o que sempre importa um voto de confiança que se dá á entidade governo; e eu ainda não conheço, como disse, a questão, a ponto de poder dar um voto como se deve dar, isto é com verdadeiro conhecimento de causa. Se tivesse conhecimento do objecto seria muito possivel estar de accordo, como estão os meus dignos collegas que querem se vote desde já o projecto. Pedi os papeis que foram mandados para a mesa pelo illustre apresentante do parecer, e passando-os rapidamente pelos olhos não me foi possivel ficar logo comprehendendo, depois de uma leitura simples e imperfeita. Diz o relatorio (leu).
Estes principios a que a lei se refere foram applicados aos consulados do Brazil (leu).
Os resultados lá foram (leu).
Muito bem, mas isto tudo é com referencia aos consulados geraes do imperio do Brazil.
No resto, por exemplo, eu vejo consulado geral de 1.ª classe para o Cabo da Boa Esperança (leu).
É o que se pretende supprimir para que passe para Hamburgo. O que se póde concluir d'isto é que os emolumentos passam para Hamburgo, mas não é isto simplesmente o que diz o parecer que se quer votar immediatamente á sua apresentação (leu).
Por consequencia passa com o mesmo vencimento, ha de ser o consulado em Hamburgo o mesmo que era no Cabo da Boa Esperança exactamente o mesmo vencimento.
O sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros (Marquez d'Avila e de Bolama): - O que isto quer dizer é que o consulado geral de Hamburgo não póde em caso algum custar mais ao thesouro do que custa o consulado geral do Cabo da Boa Esperança. É uma condição precisa, e que não póde ser sophismada.
O Orador: - Eu pergunto se os emolumentos constituem receita do estado?
O sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros: - Os emolumentos dos consulados de 2.ª classe não constituem receita do estado, pertencem na sua totalidade aos consoles.
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O Orador: - Ha de por consequencia perceber os emolumentos que forem e o ordenado que está fixado, portanto não se póde dizer exactamente a cifra que é; pelo menos, eu não estou habilitado a julgar, e eis-ahi como se vê que eu ainda não posso comprehender bem a questão, e muito menos ainda esta pressa de decidir um negocio que não se prova ser de maxima urgencia, principalmente quando ha quem diga que não se julga habilitado para votar, e fazendo-se esta declaração por parte de um dos membros da commissão respectiva. Eu por mim declaro que estou ancioso por ouvir as explicações do digno par, o sr. marquez de Vallada, que pediu a dispensa do regimento para se discutir apenas fosse lido na mesa!
Esta suppressão do consulado no Cabo da Boa Esperança, parece que é hypothetica, e porque é que se supprime? É resultado da convenção postal recentemente concluida entre Portugal e a Gran-Bretanha? É porque a execução de uma convenção está dependente da approvação d'este negocio no parlamento? Pois tudo isto não carece de algum tempo de estudo?
Em segundo logar: póde ser licito suppor que o governo do imperio germanico ha de abolir os direitos differenciaes? Oxalá que os venha a abolir; e eu faço, como portuguez, sinceros votos para que tal succeda, porque é um facto que interessa a todo o paiz; mas ha só suspeita, ha só desejo, embora muito vehemente, de que esse facto se realise; não está realisado ainda; por consequencia, por que rasão se não póde dispor de mais vinte e quatro horas para se estudar a questão, quando ha pares que confessam que a não conhecem, e que a precisam estudar, como é obrigação sua, para determinarem o seu voto? De mais a mais, ha um membro da commissão que deu parecer sobre esse projecto, e esse declara não ter sido ouvido sobre o assumpto, tendo aliás obrigação de o estudar para si e para os outros; pediu que se cumprissem as disposições do regimento, a fim de poder habilitar-se a dar o seu voto n'esta questão.
Parece-me, pois, que houve equivoco da parte da camara, que julgou que era facil resolver o assumpto, e que todos estavam habilitados, quando assim não é. Por isso requeiro que seja adiada esta discussão por tres ou quatro dias, para ser o parecer impresso e distribuido pelos membros da camara. Isto não prejudica a questão, e tanto que o proprio sr. presidente do conselho votou que não se dispensasse o regimento.
O sr. Vaz Preto: - Eu comprehendo que o sr. visconde de Chancelleiros proponha o adiamento desta questão; o que não posso comprehender é que venha censurar a camara pela resolução que tomou. Eu pela minha parte rejeito formalmente a censura. Não é a primeira vez que se dispensa o regimento. A camara vota como entende, e nenhum par tem direito de censurar as suas resoluções, nem as intenções com que cada um vota.
O digno par votou como entendeu, póde agora propor o adiamento da questão; póde pedir esclarecimentos; póde até pedir que o parecer volte á commissão, mas não póde irrogar censura á camara por ella ter dispensado o regimento. Eu, repito, pela minha parte rejeito a censura.
Sr. presidente, o projecto parece simplicissimo pela doutrina do relatorio e pelo modo por que está concebido. A doutrina do primeiro artigo envolve duas partes: a transferencia do consulado geral do Cabo da Boa Esperança para Hamburgo, e a suppressão do consulado geral do Cabo da Boa Esperança, creando-se em Hamburgo um consulado geral.
A rasão d'esta disposição é clara: as relações commerciaes com o Cabo da Boa Esperança não podem ter hoje o alcance, que pelo contrario vão ter de certo as relações commerciaes que vamos seguir com a Allemanha, as quaes são já de tal ordem que exigem a creação de um consulado geral n'um dos portos d'aquelle imperio. D'aqui não vem augmento algum de despeza, e não póde provir senão vantagem ao estado. É este um ponto que se póde resolver facilmente, e não julgo que a camara não esteja habilitada para o fazer.
Agora quanto á questão da auctorisação, não lhe vejo a importancia que se lhe quer dar, por isso mesmo que o governo o que pede é uma auctorisação para crear consulados de 1.ª classe. Como a camara sabe, para estes logares exigem-se habilitações, para os de 2.ª classe não se exigem nenhumas, sendo os consules nomeados á vontade dos ministros. Alem d'isso os consules de 2.ª classe são pagos pelos emolumentos, quer sejam grandes quer pequenos, emquanto que os consules de 1.ª classe têem um ordenado certo, e os emolumentos d'essa classe de consulados excedendo certa verba, tornam-se receita do estado no excedente. De mais os logares de consules de 1.ª classe só podem ser concedidos a pessoas habilitadas, precedendo concurso. Já vê a camara que o projecto é simples em todas as suas partes e não traz augmento de despeza, mas tem vantagens muito apreciaveis. Agora com relação á urgencia da auctorisação, é preciso attender a que as camaras não estão sempre reunidas, e que o governo não ha de estar, quando tenha necessidade de crear um consulado de 1.ª classe, por assim o exigir urgentes necessidades commerciaes e do estado, á espera que as camaras estejam abertas para o fazer. Isto póde trazer demoras, que produzam graves inconvenientes. Por consequencia o projecto é de uma extrema simplicidade, e a camara podia occupar-se desde já d'elle, como está fazendo, sem necessidade de lhe serem enviados novos documentos. Todavia, entendendo algum digno par que não estava suficientemente habilitado para entrar na materia, podia pedir os documentos que julgasse necessarios, podia requerer o adiamento da questão, mas nunca censurar, a camara por se reputar habilitada para votar o projecto. Nós devemos sempre respeitar os escrupulos de todos, mas torna-se indispensavel que as nossas opiniões sejam respeitadas tambem.
O sr. Visconde de Chancelleiros: - Sr. Presidente, vou formular o meu requerimento, mas antes devo declarar, que com as minhas palavras não quiz fazer censura alguma á camara; e não admira que eu me não reputasse habilitado para entrar desde já na questão, porque nem todos dispõe de intelligencia como o digno par que me precedeu. Eu estou tão fóra d'estas questões, que não admira que não possa emittir a minha opinião sem primeiro estudar o assumpto. Ouvi as observações que foram feitas pelo sr. marquez de Sabugosa, fizeram-me impressão as suas duvidas, e da mesma fórma que s. exa., não me julgo habilitado a dar o meu voto.
Os homens que tem assento n'esta camara não devem nunca resolver de leve estas questões, não o fiz nunca, e cada vez me convenço mais, de que tal se não deve praticar; insisto portanto no meu requerimento, declarando que não voto sobre a questão, porque me não reputo sufficientemente habilitado para poder votar.
(O orador não reviu as suas notas.)
O sr. Marquez de Niza: - Sr. presidente, eu creio que os dignos pares, que têem seguido a discussão d'este projecto na outra casa do parlamento, se consideram sufficientemente habilitados para d'elle se poderem occupar;
A questão não me parece grave, nem se precisa para entrar n'ella de um largo estado. Pela discussão que houve na camara dos srs. deputados parece-me que ficou bastante elucidada a questão; ainda assim entendo que todos poderão pedir tempo á camara para estudar o assumpto, menos um digno par, membro da commissão que examinou o projecto e o approva. Se o sr. marquez de Sabugosa desejava pedir alguns esclarecimentos, parece me que o deveria ter feito no seio da commissão.
O sr. Marquez de Sabugosa: - Segundo me parece, s. exa. não ouviu bem a declaração que eu fiz. A commissão não só não teve a delicadeza de me convidar para a sua reunião, mas nem mesmo me apresentou o parecer para eu o assignar.
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O Orador: - Eu peço desculpa ao digno par, mas não tinha ouvido a sua declaração, e abstenho-me de qualificar O facto, porque me parece que é uma cousa a liquidar entre s. exa. e os demais membros da commissão; espero portanto que não tome as minhas palavras como censura. Com relação ao assumpto, insisto em que não é grave, mas o mal parece-me que está em não ter sido bem enunciado.
Não tem nada a extincção do consulado do Cabo da Boa Esperança com a creação do de Hamburgo; não se trata de substituir um pelo outro; feita esta rectificação de redacção, emquanto á primeira parte não vejo inconveniente; e emquanto á segunda tambem o não vejo, pois o governo não póde augmentar a despeza, nem passar consulados de 2.ª para 1.º classe, sem que lh'o permittam a existencia dos emolumentos.
Se as cousas corressem regularmente, haveria tres mezes no anno em que o parlamento estaria reunido, e nove em que estaria encerrado. Ora, se durante este periodo houvesse necessidade de se elevar á 1.ª classe um consulado, estaria o governo inhibido de o fazer, tendo de recorrer ao milagre, que popularmente se attribue a Santo Antonio, que dizem suspendeu no ar um homem prestes a caír, emquanto ia pedir ao guarda licença para fazer o milagre.
O governo não ha de estar á espera que o parlamento se abra para pedir auctorisação para crear os consulados de que haja necessidade; portanto não tenho difficuldade em votar esta auctorisação, tanto mais que a promptidão com que hoje mudam de face as nações, essa necessidade póde apresentar-se a cada momento.
Agora, com o que eu me não posso conformar é com a theoria que se quer estabelecer, e em virtude da qual não se póde aqui abrir boca sobre qualquer resolução da camara, que não se diga logo que se querem censurar os actos da camara.
Pois eu confesso que emquanto aqui estiver hei de reclamar, sempre que entender, contra qualquer acto da camara que me pareça injusto, preferindo que o sr. presidente me chame á ordem, a prescindir do que eu julgo um direito.
O sr. visconde de Chancelleiros, fazendo as observações que julgou a proposito sobre a resolução tomada pela camara, exerceu um direito que tem como par, e parece-me que usando d'elle não atacou os da camara, nem quiz manifestar menos consideração pelos seus actos.
Repito, eu não posso aceitar a theoria que se quer estabelecer, theoria terrivel, que ataca o que eu julgo um direito dos membros d'esta casa.
O sr. Presidente: - Vae ler-se o requerimento do sr. visconde de Chancelleiros.
O sr. secretario leu.
"Proponho que seja adiada a discussão d'este projecto até ser impresso e distribuido.
" Camara dos pares, 8 de setembro de 1871. = Visconde de Chancelleiros."
O sr. Presidente: - Os dignos pares que approvam este requerimento tenham a bondade de se levantar.
Não foi approvado.
O sr. Marquez de Sabugosa: - Sr. presidente, permitta-me v. exa. e a camara que diga mais duas palavras sobre o assumpto, porque ainda não me pude convencer de que elle seja tão pouco importante como dizem. Pelo menos para mim torna-se importante pela sua significação.
Em resposta ás explicações que o sr. ministro dos negocios estrangeiros teve a bondade de dar, direi que não me satisfizeram completamente.
Disse s. exa. que por eu não ter tido tempo de applicar a minha intelligencia ao estudo d'este projecto, é que não vi que o artigo 1.° era completamente distincto do artigo 3.°
Ora, a minha intelligencia é limitada, e póde ser que por muito tempo que eu tivesse para estudar o negocio, não o chegasse a conhecer bem. O que é certo é que eu não fiquei satisfeito com as explicações do sr. ministro dos negocios estrangeiros. Confesso que ha uma differença entre o artigo 1.° e o artigo 3.°, porque n'aquelle, ao passo que se dá baixa a um consulado de 1.ª classe, se auctorisa o governo para crear outro, n'outro logar, emquanto que no artigo 3.° se não falla senão em auctorisar o governo a crear consulados. É esta a unica differença entre os dois artigos.
Quanto á creação do consulado em Hamburgo, não vejo que se apresentem rasões que a justifiquem. Era necessario, por exemplo, apontar o movimento commercial que entretemos com aquelle porto, o numero de navios nossos que ali vão, n'uma palavra, fornecer os esclarecimentos e dados estatisticos precisos para podermos determinar bem o nosso voto.
Sr. presidente, nada mais direi sobre esta questão, e concluirei respondendo algumas palavras ao que disse o sr. Vaz Preto. Concordo com s. exa. quando assevera que se não podem censurar os actos da camara; mas no que não estou de accordo com s. exa., é em que se tenham dado casos identicos ao que hoje se deu n'esta casa. Tem-se, é verdade, muitas vezes approvado requerimentos para se dispensar o regimento; mas é a primeira vez que, declarando um membro de uma commissão que não foi convidado para dar o seu parecer sobre um negocio affecto a essa commissão e pedindo que se lhe proporcione tempo para se habilitar a entrar na discussão do assumpto, se lhe nega, approvando-se uma proposta para entrar immediatamente o negocio em discussão. Insisto n'este ponto, porque desejo que um facto tão extraordinario fique bem claramente registado nos annaes das nossas sessões.
(O orador não reviu as suas notas.)
O sr. Vaz Preto: - Começarei respondendo ao digna par o sr. marquez de Sabugosa.
S. exa. enganou-se de certo quando se referiu ás minhas palavras. Eu disse que não era a primeira vez que a camara dispensava o regimento para entrar desde logo em: discussão um projecto de lei.
O sr. Marquez de Sabugosa: - Mas não nas circumstancias especiaes em que este se acha.
O Orador: - A camara estava no seu direito dispensando o regimento como entendesse, e os dignos pares que não eram d'essa opinião tinham obrigação de respeitar a resolução tomada; e, n'esta parte, estou respondendo tambem ao digno par o sr. marquez de Niza.
Cada um tem o direito de manifestar as suas opiniões, mas tem igualmente a obrigação de respeitar as dos outros. Assim, a resolução da camara deve ser acatada; e não procurando ella saber quaes foram as rasões que determinaram os dignos pares a votar contra a dispensa do regimento, tambem elles não têem direito de perguntar por que motivos se approvou essa dispensa.
Fallou se tambem aqui em surprezas. Que surpreza houve n'este negocio? Poderá haver surpreza, tendo-se pedido a contraprova, a respeito da votação que resolvera a dispensa do regimento?! Alguns dignos pares que n'essa votação haviam ficado sentados, continuaram a conservar-se do mesmo modo por occasião de se proceder á contraprova, parecendo assim quererem demonstrar que reprovavam o procedimento do sr. visconde de Chancelleiros, pretendendo censurar a camara pela sua votação.
Agora, pelo que diz respeito á modestia com que o digno par, o sr. visconde de Chancelleiros se apresenta, declarando que a sua intelligencia é bastante limitada para poder, sem um demorado estudo, apreciar e conhecer esta questão, devo dizer a s. exa., sem querer n'este momento fazer apreciações ácerca da sua illustração, que todos os homens que estão collocados na posição em que o digno par se acha, e que tem, como s. exa., occupado importantes cargos, têem obrigação de conhecer e de ter estudado certos documentos, e entre elles a reforma do corpo consular publicada pelo sr. conselheiro Mendes Leal. N'essa reforma encontram-se marcadas as differentes categorias de cousu-
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lados e as habilitações exigidas, e por ella se vê que para os consulados de 1.ª classe se exigem certas habilitações que se não pedem para os de 2.ª.
Ora, desde o momento em que se pede a elevação de um consulado de 2.ª classe e categoria de 1.ª, o que se póde concluir d'ahi, é que as relações commerciaes com o paiz em que se quer fazer essa elevação, têem tido um prodigioso augmento, e é preciso por isso termos ali um representante que possua as habilitações necessarias para bem poder desempenharias funcções de que se acha encarregado, sendo essas funcções tanto mais difficeis, quanto mais tiverem crescido as relações commerciaes.
Por consequencia, a auctorisação que o governo pede é innocentissima, está dentro dos limites fixos e determinados, e não envolve alem d'isso augmento algum de despeza.
Não sei se a camara, pela simplicidade do relatorio que precede o projecto, terá necessidade, ou quererá que lhe sejam ministrados mais alguns documentos para se elucidar dar a respeito d'esta questão; mas creio que não precisará d'isso, porque se o relatorio é simples, mais simples ainda é o projecto. No entanto, se algum digno par entende que deve pedir quaesquer esclarecimentos, ou se julga necessario que o projecto volte á commissão, tem direito de o requerer. No que não posso porém concordar é na opinião que se pretende impor, da parte dos dignos pares adversarios do projecto de que, pelo simples facto de s. exas. não quererem discutir agora esta questão, não deve a camara tambem estar habilitada para a resolver.
(O orador não reviu as suas notas.)
O sr. Presidente: - Como ninguem mais se acha inscripto, vae-se votar sobre a generalidade do projecto.
O sr. Visconde de Chancelleiros: - Peço licença para não votar, e para me retirar da sala, por isso que não tenho conhecimento algum do assumpto, a respeito do qual a camara vae resolver.
O sr. Presidente: - Os dignos pares que approvam este parecer, na generalidade, tenham a bondade de o manifestar.
Foi approvado na generalidade.
Entrou em discussão na especialidade.
O sr. Secretario: - Leu os artigos 1.°, 2.°, 3.° e 4.°, que foram approvados.
O sr. Marquez de Vallada: - Sr. presidente, quando se trata de actos que importam de firmar uma franquia liberal não posso ficar silencioso. Quando o sr. marquez de Sabugosa alludiu ha pouco ao discurso proferido, na outra casa do parlamento, pelo amigo, o sr. visconde de Valmor, v. exa. fez lhe a observação de que não se podia alludir ao que n'aquella casa se passára.
Durante a minha carreira parlamentar, que já é longa, pois excede a vinte annos, tenho estudado a carta constitucional e o seu acto addicional, bem como o regimento d'esta camara, e não vejo lá nenhum artigo que faça taes prohibições; e já por varias vezes tenho visto alludir a discussões n'esta e na outra casa do parlamento.
Quanto a não nos podermos referir ás decisões da outra camara, de accordo, mas quanto á liberdade de nos referirmos aos discursos ali pronunciados, para nos servirem de argumento que reforce a nossa opinião, não ha artigo nenhum, nem na carta, que ainda hoje é lei do estado, nem no acto addional, que estabeleça tal prohibição....
O sr. Presidente: - O digno par dá licença?
O Orador: - Pois não!
O sr. Presidente: - Eu fiz a observação fundada no artigo 46.° do nosso regimento, que é muito expresso a tal respeito.
Diz o seguinte (leu).
O Orador: - Muito bem; não nos podemos portanto referir a discursos pronunciados na outra camará? Pois, sr. presidente, quanto a esse artigo, hei de propor a sua revogação, porque hei de combater sempre todas as peias que se pretendam pôr á liberdade de discussão. Como homem liberal, quero que haja liberdade de discussão, e quero que essa liberdade exista, seja uma verdade. Se no artigo se dissesse que não era permittida a injuria, nem a censura com relação ás decisões da outra casa do parlamento, muito bem. Mas emquanto aos discursos, essa disposição que existe, e que v. exa. leu, é velha, é obsoleta em vista das leis do progresso da humanidade e da necessidade que temos de firmar as nossas crenças de liberdade, e de procedermos de accordo com ella, que nunca é contraria á justiça. Desejo por todos os modos ao meu alcance, e emquanto em mim caiba, fazer com que a liberdade seja uma verdade, e protestar contra todas as tendencias reaccionarias, venham d'onde vierem.
O sr. Marquez de Niza: - Apoiado.
O Orador: - E quando nos fecharem as portas da legalidade, havemos de recorrer ao que costumam recorrer os povos, que é abrir os da insurreição. Quando nos quizerem fazer suffocar a voz que nos sáe do coração em defeza da liberdade, que deve ser sempre permittida no campo da legalidade, havemos de passar a outro campo, seja qual for, procurando sempre conseguir o triumpho da mesma liberdade.
O sr. Marquez de Niza: - Apoiado.
O Orador: - Tenho dito.
(O orador não reviu as notas tachygraphicas.)
O sr. Presidente: - A primeira sessão será na quarta feira, 13 do corrente, e a ordem do dia apresentação de pareceres.
Está levantada a sessão.
Eram quatro horas e um quarto da tarde.
Relação dos dignos pares que estiveram presentes na sessão de 8 de setembro de 1871
Exmos. srs.: duque de Loulé; marquezes, de Alvito, de Ficalho, d'Avila e de Bolama, de Niza, de Sabugosa, de Vallada, de Angeja, de Sousa; condes, de Castro, das Alcaçovas, de Fornos, de Linhares, da Louzã, de Rio Maior; viscondes, de Chancelleiros, de Algés, de Benagazil; Mello e Carvalho, Fontes Pereira de Mello, Xavier da Silva, Larcher, Braamcamp, Pestana, Reis e Vasconcellos, Preto Geraldes.