546 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO
causar estranheza que não foi nem mais liberal, nem mais cientifica, do que a de 1836.
Deixava, porém, n'alguns dos seus artigos faculdades sufficientes para que os governos podessem por meio de regulamentos aperfeiçoar o plano, de instrucção em que fôra concebida, creando de uma maneira definitiva e regular a inspeção superior, sem cujo auxilio será sempre letra morta o ensino official. Alem d'isto, e sob pretexto de maior facilidade de frequencia e liberdade de instrucção, permittiu nos estabelecimentos publicos a classe de voluntarios, classe que, na opinião de todos os pedagogistas, não póde ser mais funesta á disciplina das escolas e ao prestigio dos estudos. Entre outras é uma das causas principaes da decadencia do ensino.
Não logrou tambem esta reforma sasonar fructos valiosos. Como se trouxesse no seio o verme da sua origem irregular e deleteria, definhou logo á nascença e successivamente tem arrastado uma existencia miseravel.
Embora se lhe applicaram alguns remedios que pareciam efficazes: as panaceas não fizeram senão confirmar cada vez mais a convicção de que só por novissima reforma se podiam curar as queixas de tão mal agourado serviço publico.
Aconteceu, porém, que nenhuma reorgainsação pôde ser decretada constitucionalmente, vindo a final a carta de lei de 2 de setembro de 1869 vibrar o ultimo golpe na já cachetica e moribunda instituição, prohibindo expressamente o provimento das cadeiras de instrucção secundaria, assim nos lyceus como fóra d'elles. A providencia devia ser temporaria e puramente transitoria: era por assim dizer, uma intimação permanente, feita aos governos, para se apressarem na proposta de lei, que havia de pôr termo a tão irregular, extraordinaria, como anomala situação.
Doze annos são, todavia, passados, e só agora temos occasião de applaudir os esforços e solicitude do governo superior do estado para saír do cahos informe em que veiu lançar o ensino secundario aquella impensada e deploravel prescripção. O facto não carece de largos commentarios para produzir no espirito todos os effeitos de um ensinamento illustrativo.
É de justiça declarar que um ministro escriptor, a quem a instrucção publica deve mais da um serviço importante, procurou nos limites de uma estreita e apertada legalidade cortar pelos abusos mais impudentemente ousados, robustecer a disciplina relaxadamente desprezada, avigorar o ensino com um programma illustrado e scientifico, mettendo a foice na corrupção habitual dos exames, fortalecendo as boas praticas, e animando com regulamentos novos a frequencia dos lyceus e o desenvolvimento da instrucção.
Não era, todavia, bastante; e por isso cuidou activamente da reforma que o seu feliz successor teve a ventura de apresentar ao corpo legislativo. Nem a sua necessidade nem a sua opportunidade carecem de demonstração. É interesse commum de todos, e não só do momento actual, mas principalmente do futuro. Importa ás gerações que nos hão de succeder, e a quem devemos, por encargo de consciencia, a illustração necessaria para os rudes e acerbos combates da existencia.
Assistimos, os que vivemos, aos maiores acontecimentos que a historia tem de registar nos seus annaes; pois mais portentosos e mais extraordinarios terão de presenciar os que nos sucederem. Convem, por conseguinte, que se encontrem de animo aguerrido para tantas maravilhas. Onerosi summus mundo, exclamava com pasmo inexcedivel um antigo o que diria elle, se porventura vivesse em nossos dias e fosse presente á transformação profunda e radical de todas as cousas, assim no mundo inferior e material, como no mundo espiritual?!
Portanto cuidemos de armar bons cavalleiros para a conquista do futuro. A instrucção é a terra santa dos crentes jaó progresso. A reforma do ensino secundario que a vossa commissão examinou com a solicitude que merecia, será a pedra angular do novo edificio que outras reformas virão posteriormente engrandecer e aperfeiçoar.
II
Muitas são as causas a que se tem attribuido a decadencia da instrucção media em Portugal, e o mediocre aproveitamento dos institutos respectivos; mas nem todas as que descobriu a inquirição do governo merecem igual credito ou manifestam o mesmo valor, revelando todavia a preoccupação dos que mais directamente lidam no ensino, e se interessam pelo seu desenvolvimento e progresso. Algumas demandavam a intervenção da lei, para outras bastariam as faculdades ordinarias do executivo.
Entre as principaes, já a vossa commissão apontou a lei de 2 de setembro de 1869, prohibido a nomeação de novos professores, e commettendo a direcção intecllectual dos alumnos a quem não dera provas de legitima capacidade. Acrescia que, não podendo confiar na estabilidade da sua posição, e sujeitando- se a um estipendio menos que sufficiente, seria demasiado exigir de professores em similhantes condições, grande zêlo e solicitude n'um serviço tão penoso e molesto, quanto era mal retribuido.
A reforma acaba com esta deploravel interinidade, restabelecendo o concurso para o recrutamento do professorado, e estabelecendo novos vencimentos, mais em harmonia com as circumstancias economicas da actualidade, e com a independencia requerida nos que se dedicam a tão grave como austera magistratura.
N'estas condições poderia á lei prohibir aos professores dos lyceus o ensino particular, o maior e mais ruim cancro que infesta a instrucção secundaria. É este o aviso de muitos e dos mais abalisados espiritos consultados sobre a, materia.
Os escandalos dos exames insufficientes são principalmente o processo era que se fundam.
Subiram a grau tão excessivo os abusos o desconcertos, foram tão frequentes e imperiosas as queixas e reclamações, que houve mister o governo de lhes dar satisfação.
D'ahi nasceu a idéa das commissões de exames, remedio que não podia deixar de ser provisorio e temporario, e que, se no principio revelou uma efficacia decisiva, veiu logo a descaír e degenerar da sua primitiva força e energia.
Depois na propria composição d'esses jurys extraordinarios estava muitas vezes o mal que se pretendia combater.
Não basta a imparcialidade, que é uma boa e sã virtude para examinadores; ainda a precede e excede a competencia, que nem sempre era possivel encontrar n'uma corporação adventicia, composta, e não raro, debaixo de influencias estranhas aos interesses da instrucção publica. A nova lei repõe a competencia onde as habilitações a consagraram, e quanto á imparcialidade, confia que o prestigio da instituição, a dignidade da magistratura professoral, e o augmento dos vencimentos serão sufficientes para a garantir e assegurar.
D'este modo eximiu-se a prohibir o ensino particular aos professores officiaes, não porque julgasse que similhante limitação não fosse permittido aos poderes publicos decretal-a, ou entendesse que podia ser estimada um attentado á liberdade, mas porque ajuizou mais acertado revestir desde logo da mais alta consideração os professores da reforma, afastando como improprio todo o pensamento de desconfiança, e deixando-lhes o livre arbitrio de assistirem aos exames dos seus alumnos, ou de serem nomeados para os actos dos lyceus a que não pertencessem. D'esta maneira, sem desconhecer as exigencias da opinião, acautela as suspeitas meticulosas d'aquelles que veriam na prohibição do ensino particular uma, offensa á liberdade.