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558 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

Começou isto por tornar difficil o ensino, porque o suspendeu a nomeação de novos professores.

Em um parecer em separado, que deu o sr. conde do Casal Ribeiro, presidente de uma commissão nomeada pelo governo transacto para propor a reforma da instrucção secundaria, mostra-se, á vista dos documentos officiaes, que havia cincoenta e nove cadeiras providas provisoriamente; que o ensino se fazia com uma ligeireza extraordinaria; e que eram immensos os inconvenientes que resultavam do ensino particular, que os professores, com rarissimas excepções, se julgavam auctorisados a exercer em differentes collegios.

Eu não faço accusações a ninguem. Estes defeitos eram a consequencia do modo por que estava organizada, a instrucção, e o principal d'elles era o professor não ter os meios necessarios para viver, nem uma nomeação definitiva; o que fazia com que se aproveitassem do seu saber para adquirirem os meios que lhes faltavam.

N'estas circumstancias, sr. presidente, e fóra de duvida que a reforma da instrucção secundaria é uma necessidade.

Vou agora dar a rasão porque acceitei com gosto a palavra, que v. exa. me concedeu sem eu a pedir, apresentando breves considerações ácerca do projecto.

Tambem fiz parte da commissão encarregada de formular um projecto de reforma da instrucção secundaria, e apresentei opiniões que não estão aqui consignadas, assim como não estão as que apresentou o sr. conde do Casal Ribeiro no seu parecer em separado.

Sr. presidente, a instrucção secundaria, como ha pouco disse, é destinada, a dar a um certo numero de individuos uma instrucção geral que possa servir aos usos da vida. Alem d'isso, é destinada tambem a habilitar individuos para entrarem nos estudos superiores.

Pelo que se refere á habilitação para os estudos superiores, este projecto satisfaz-me em parte; pelo que respeita aos estudos geraes, não me satisfaz cabalmente.

Vamos a examinar estes dois pontos. Tratando da habilitação, vejo que o projecto cria uma instrucção secundaria, que se divido em duas ramificações na sua parte complementar; ramificações que preparam para alcançar titulos de bacharel em letras ou de bacharel em sciencias.

Quando ainda ha pouco se discutia lá fóra o bacharelato em letras e em sciencias, vimos nós apresentar argumentos de grande peso, que deviam ser tomados em conta, e nos deviam levar a não crear um titulo que muitos homens competentes reprovam e que felizmente não temos tido até agora.

Parece-me que o bacharelato tem grandes inconvenientes.

Mas, seja como for, temos duas ramificações complementares, uma de letras e outra de sciencias.

Mas seja como hoje está dirigido em toda a parte o impulso intellectual da humanidade, parece-me que todo o homem, mesmo aquelle que se dedica á carreira literaria, precisa ter conhecimento das sciencias naturaes e mathematicas.

Eu poderia citar alguns exemplos, em que por vezes, homens illustrados e mesmo professores distinctos nas sciencias do direito, sentem deficiencia dos conhecimentos das sciencias naturaes.

Todos sabem que a theologia procura a cada instante o fundamento de muitas das suas doutrinas no estudo e conhecimento das sciencias naturaes.

Por conseguinte, os individuos que se dedicar á theologia, ganham muito em ter este curso complementar, que no programma que vem descripto no projecto, constitue o bacharelato em sciencias.

Eu acho vantagem em que seja obrigatorio, e não vejo conveniencia em que seja dispensado este estudo individuos que se dedicam á instrucção superior, de qualquer natureza que seja.

Aqui a apparente symetria, a apparente concordancia de estudos e um erro, é uma desharmonia.

Não estou de accordo com a lei n'este ponto. A lei estabelece, na ordem de institutos de instrucção secundaria, os lyceus nacionaes centraes, os lyceus chamados puramente nacionaes, e as escolas municipaes, que se hão de organisar em populações importantes, que não sejam cabeça do districto.

Todos elles são nacionaes. Porque se hão de chamar assim os que existem nas cabeças de districto? Pois não era melhor chamar-lhes lyceus districtaes?

Mas, emfim, o nome não importa; o que importa e a natureza do ensino.

Todos sabem que no paiz ha tendencia para a aristocracia local, aristocracia mal entendida. Todos os districtos querem ter lyceus centraes. E porque? Porque julgam que, não os tendo, perdem importancia.

Mas este sentimento nasce de um preconceito; e a lei não se deve dobrar a preconceitos, deve cuidar desveladamente do bem de todos e das conveniencias geraes do estado.

O que é necessario é que a instrucção secundaria satisfaça ao maximo numero de individuos, que se dedicam não a serem doutores, mas a serem homens uteis á industria e á agricultura, homens de trabalho.

Debaixo d'esse ponto de vista não me parece bem estabelecida a organisação que se propõe; porque se os lyceus centraes têem desenvolvimento consideravel na parte de sciencias naturaes e physicas, os lyceus de segunda ordem não vem a constituir senão uma preparação para entrar n'esses lyceus centraes.

Não têem uma vida propria, uma organisação que lhes seja peculiar, e os caracterise como organisações distinctas.

E não me parecia que devesse ser isto. Este ensino... Eu naturalmente hei de commetter n'esta discussão algumas faltas por causa da infidelidade da minha memoria. O projecto é para se estudar a fundo; mas eu estudei largamente estas questões quando estava na commissão a que me referi ha pouco, e depois d'isso nunca mais demorei sobre ellas a minha attenção. Portanto, é provavel ter esquecido algumas particularidades, sobretudo de nomenclatura, mas as idéas geraes com relação ao assumpto ainda as conservo, e bem firmes.

Ia eu dizendo: os alumnos d'estes lyceus nacionaes estudam ahi os quatro annos necessarios para poderem continuar os seus cursos nos lyceus centraes; mas ao completarem n'elles os seus estudos, ficam com instrucção incompletissima, uma instrucção truncada em todos os seus ramos.

Todos sabem que o estudo profundo do latim entrou largamente na educação da Europa, no periodo que precedeu a Renascença, mas este attrahiu aos estudos classicos todas as intelligencias de élite na Europa. O conhecimento dos auctores antigos tornou-se familiar nas escolas; e esses auctores absorveram, por assim dizer, todas as potencias da intelligencia humana.

Na Italia, onde primeiro teve a sua evolução a Renascença, influiu ella nas idéas politicas, na litteratura, na arte, em tudo. Os seus effeitos politicos não foram, porém, de louvar; e mais de uma catastrophe foi provocada, mais de um crime perpetrado em memoria dos heroes celebrados pelos historiadores romanos. Ainda no nosso seculo essa influencia nefasta se tem feito sentir, e tem desviado do seu caminho natural a liberdade moderna, que tanto se deferencia, e tanto acima se eleva da liberdade dos antigos romanos.

O que a maior parte dos cidadãos portuguezes precisam, sr. presidente, é conhecer a fundo a natureza, e conhecer a historia, mas não a que se ensina nos lyceus, que é a historia mechanisada pela rotina; exposição do certo numero de factos sem ligação uns com outros, ensinada por livros