DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO 559
que não satisfazem a necessidade absolutamente nenhuma da sciencia, onde mesmo se repetem muitas cousas que está demonstrado serem verdadeiros erros.
Temos cadeiras de historia para ensinar erros ás novas gerações, o que é um grande perigo. Com todas essas idéas falsas, no estudo da historia, os alumnos em logar de desenvolverem o seu estado intellectual, têem a luctar com os erros que estudam, para aprenderem alguma cousa.
Parecia-me que n'estes lyceus nacionaes ou districtaes, como eu lhes chamaria, se devia ensinar bem o portuguez, bem a historia, em fim, tudo o que é necessario para se poder organisar convenientemente este machinismo complexo que se chama ensino geral secundario.
O uso das linguas vivas, sobretudo aquellas que são communs em toda a Europa, pela fórma que se ensinam nos nossos estabelecimentos de instrucção, de nada servem. O latim do primeiro anno que ali se ensina, não é latim; e quem acaba o curso, aprende apenas grammatica, o que poderia aprender tambem estudando a grammatica portugueza; mas não sabe latim. Não póde conhecer as bellezas litterarias d'esta lingua, nem os seus auctores. Não fica sendo homem de letras, nem latinista. Perde a melhor parte dos primeiros annos da vida, um tempo precioso, sem nenhuma vantagem. Mas o defeito, é maior ainda nas escolas municipaes. Essas então é que deviam ser puramente de sciencias applicadas, de sciencias praticas para fazer conhecer a toda a gente quaes as relações do homem com a natureza, e saber quaes os resultados que devem tirar-se do conhecimento da natureza para os usos da vida.
Lembra-me agora um facto recente.
Nós votámos hontem uma lei que deve ser o aperfeiçoamento da instrucção primaria, lei que reputo mais necessaria que a da instrucção secundaria, comquanto repute esta tambem necessaria; mas n'essa lei vemos nós na instrucção primaria elementar uma cadeira que faz parte do curso, e que se intitula - Estudo dos direitos e deveres do cidadão. Isto diz-se ás creanças de sete annos.
Mas vamos ás escolas primarias do segundo grau, e já se não diz uma palavra a este respeito. Vamos ás escolas municipaes, nem palavra. Vamos aos lyceus, nem uma syllaba.
Nos lyceus ensina-se historia romana, mas os direitos do cidadão, na idade em que podem ser comprehendidos e apreciados, não se ensinam.
Ensinam-se os direitos do cidadão aos sete annos, quando se não comprehende o que é ser cidadão. Parece que não se julga necessario este ensino.
Esta organisação da instrucção secundaria devia ter condições para desenvolver a intelligencia dos alumnos, mas não as tem no grau em que as devia ter.
Este ensino tem exactamente um caracter contrario. Cuida de sobrecarregar a memoria dos alumnos, e não de lhe abrir as faculdades intellectuaes á apreciação scientifica da natureza e da sociedade.
É muito pouco, é insufficientemente scientifico.
Sr. presidente, n'este projecto falla-se por mais de uma vez na creação junto aos lyceus de cadeiras de ensino profissional.
Não creio muito na escola profissional aggregada ao lyceu, que tem uma outra indole e outra ordem de conhecimentos a ministrar.
Parece-me indispensavel crear institutos profissionaes de preferencia ao estabelecimento de cadeiras para este ensino junto dos lyceus.
O fim a que estes se dedicam é inteiramente differente do fim a que é destinado o ensino profissional, cuja natureza e modo por que deve ser dirigido o torna muito distincto do ensino que aos lyceus compete diffundir.
A proposito d'isto acrescentarei que pessoas que têem estudado, mais a fundo a escola profissional estão convencidos que ella deve occupar-se mais do ensino das noções, praticas das sciencias, do que do ensino propriamente de officina, porque este deve ser na propria officina que se receba.
O ensino, pois, dos conhecimentos scientificos na sua applicação ás industrias e artes é o que deve proporcionar-se mais na escola profissional.
Se é n'este sentido que se entendem estas escolas profissionaes aggregadas aos lyceus ou aos estabelecimentos de ensino locaes, n'esse caso não faço objecção. Por grande que seja a consideração que eu tenha á aristocracia das localidades, comtudo creio que era muito mais conveniente que todas estas escolas municipaes se convertessem em escolas profissionaes com applicação ás industrias que em especial dominassem nas diversas localidades do paiz. Assim poderiamos chegar mais rapidamente a ter o ensino profissional; se, porém, o que se quer é que essas escolas e estabelecimentos de ensino locaes sirvam para habilitar os alumnos a frequentarem os cursos superiores no intuito de preparar doutores, não teremos nunca escolas profissionaes. E Deus queira que este meu vaticinio se não realise.
A lei que se discute tem cousas boas, muito boas. A primeira cousa util que se encontra n'ella é a inspecção. É incontestavel a necessidade de crear a inspecção. É dar vida ao pensamento da lei, e por consequencia á instrucção secundaria - é uma das suas condições de progresso. Portanto dou o meu pleno assentimento a esta disposição da lei, e acrescentarei que me parece será de grandissima utilidade uma modificação que no projecto foi introduzida pela commissão d'esta camara.
Fallo na creação dos substitutos. Quareria que mais claramente se dissesse na lei quaes as obrigações extra-escolares d'esta entidade, e tanto mais que parece ter sido essa a idéa da commissão a que me referi, quando as menciona no seu excellente relatorio. O substituto, como muito bem diz a commissão, não deve servir unicamente para substituir na sua cadeira o lente proprietario; mas ser ao mesmo tempo um educador, um explicador que acompanhe e dirija os alumnos nas salas do estudo, explicando as lições, auxiliando-os e dando-lhes a disciplina moral.
Era bom que a lei impozesse explicitamente estas condições aos substitutos.
Direi mais, quereria que nos districtos onde elles não existissem, a lei recommendasse alguma cousa que tendesse ao mesmo fim para que os substitutos são creados; por exemplo, que os professores que estivessem em melhores condições para exercer as, funcções que competirão aquelles, fossem encarregados de dar explicações aos alumnos, nas horas em que não dão aula; e de dirigil-os, dando-lhes educação moral, exercendo n'uma palavra essa especie de protectorado de que falla a commissão com relação aos substitutos.
Diz o relatorio que precede o projecto de que nos occupâmos, que uma das rasões por que o ensino particular é preferido pelos chefes de familia é a disciplina moral que, mais ou menos, encontram os alumnos nos collegios particulares; infelizmente, porém, no ensino publico não temos essa lacuna preenchida.
O facto é que os alumnos, sendo acompanhados por quem possa explicar-lhes as lições, é muito melhor, muito mais conveniente.
Tambem a commissão propõe que haja professores substitutos nos lyceus centraes, com o fim de servirem nas aulas na falta dos professores proprietarios; mas tambem me parece que nos outros lyceus podiam os proprios professores dar-se ao trabalho de auxiliar os alumnos durante as horas de estudo, mediante um pequeno acrescimo de ordenado.
Um outro ponto essencial e importante da lei é substituir este estado desordenado em que se acha o provimento das cadeiras de instrucção secundaria, por um estado regular, em que os professores sejam nomeados mediante concurso feito perante os concelhos dos lyceus.