562 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO
escolas florestaes, para as de artes e officios, para as de minas, etc.
Com este curso são dispensados os alumnos que se destinam á carreira militar, do exame que devem fazer de aspirantes.
Tudo isto é differente entre nós.
Note-se ainda que estes institutos constam de oito classes, de um anno de estudo cada uma, quer dizer, que o ensino integral leva oito annos a completar-se; ha, porém, diversos diplomas, uns para os alumnos que seguem unicamente até o quarto anno, outros para o que seguem até o sexto, e, finalmente, diplomas para os que seguem até o oitavo; servindo estas differentes habilitações para diversos misteres ou empregos. Assim como sem o complemento de todos os estudos dos lyceus ou gymnasios na Allemanha, e sem o exame de saída, que corresponde ao bacharelato na França e na Belgica, se não póde ser inscripto ou matriculado nas universidades, da mesma sorte este ultimo grau, este oitavo anno dos institutos de que fallo, serve de preparatorio para as escolas de applicação, e de entrada para os logares superiores; emquanto os outros certificados (não são já diplomas) de exame de passagem dão entrada em diversas administrações do estado, para diversos empregos de differentes categorias.
No projecto de lei que discutimos actualmente, quiz-se occorrer ás necessidades que fizeram crear na Allemanha aquellas duas especies de institutos.
A quem ler superficialmente a lei, não se apresentarão á primeira vista as disposições referentes aquellas necessidades. Lá estão todavia!
Assim, por exemplo, nas escolas municipaes, ensina-se o portuguez, o francez, a arithmetica, geometira, escripturação e desenho, e logo em seguida se diz:
«Nas escolas municipaes secundarias poderá o governo estabelecer uma ou mais cadeiras de ensino profissional, em harmonia com as necessidades locaes.»
O governo não podia, nem devia estabelecer desde já estas cadeiras, não sabendo ainda, e nem tendo havido até agora um inquerito, para saber quaes são essas necessidades locaes.
Eu não acredito que se queira dizer, por exemplo, que nas Caldas deve haver uma cadeira de ceramica, e que a mesma cadeira, deve existir em Aveiro, porque ali ha fabricas notaveis de louça; que a chimica applicada ás artes devia ser objecto de um curso profissional na Covilhã, ou em outra qualquer povoação, onde existisse a mesma industria que ali se exerce.
E assim por diante, não é de certo isto que se quer nem tão pouco o que o nosso collega deseja.
A sciencia hoje é toda pratica, a sciencia das escolas deve aprender-se praticamente; a technica porém pertence aos institutos especiaes; que é preciso estabelecer nas localidades onde os póde haver. Para isso temos na lei faculdades sufficiente.
Da mesma sorte que nas escolas municipaes, diz a reforma que nos lyceus centraes, como nos districtaes se podem crear as cadeiras de ensino profissional que o governo entender, ou que sejam reclamadas pelas industrias locaes. N'estes institutos profissionaes ensinar-se-hão as sciencias com maior intensidade que nos propriamente classicos, e relativamente a esses seja-me licito não acceitar as idéas expostas pelo meu illustre collega, ácerca da influencia das linguas antigas na educação das novas gerações. O latim e o grego são duas linguas que não podem deixar de existir e serem ensinadas nos institutos secundarios, e eu escuso de dizer a rasão, porque fallo diante de uma assembléa tão esclarecida, que certamente me dispensa os argumentos que eu poderia adduzir em favor de tão clara these.
Entretanto sempre quero dizer á camara onde começou esta viva guerra aquellas duas linguas da antiguidade. Em 1850; Bastiat n'um pamphleto notavel pediu a suppressão do bacharelado. A antiguidade classica era uma má escola para a mocidade; dizia elle, o povo latino é um povo de salteadores. Os estudos classicos, acrescentava, não fazem senão pedantes, rhetorios, e espiritos turbulentos e facciosos.
Bastiat era um economista de primeira plana, mas não consta que adquirisse um grande nome como homem de letras. Como auctoridade na materia não tem nenhum valor. Não é com duas regras engraçadas e espirituosas que se abala o edificio tradicional de instrucção secundaria.
Da contestação levantada por Bastiat apenas se sentem hoje os echos longiquos, e já por assim dizer extinctos e apagados.
Entretanto fez tal impressão nos animos, que alguns homens de letras notabilissimos saíram a combate em defeza da antiguidade.
Victor de Laprade, por exemplo, o academico distincto, e preclarissimo poeta, diz cheio de indignação: «Não ha educação liberal sem grego e sem latim: é mister, antes de tudo, deixar intactos os estudos gregos e latinos; embora para os salvar, tenhamos de lançar ás ondas todo o resto do ensino».
Tal é o amor d'este homem de letras por a civilisação antiga de que nós todos procedemos, e aonde vamos encontrar os maiores exemplos de todas as virtudes civicas e domesticas.
Ha tempo, na Belgica, notou-se que havia uma certa disparidade entre a illustração dos alumnos que aprendiam nos lyceus do paiz, e aquelles que vinham da Allemanha. Sabia-se mais latim na Allemanha do que na Belgica. Qual era a rasão d'isto?... Mandaram-se expressamente dois commissarios á Allemanha para estudarem a organisação dos lyceus, e muito principalmente a organisação do ensino da lingua latina, e vieram annos a dizer que a inferioridade da Belgica procedia de que na Allemanha havia oito annos de latim e na Belgica sómente sete, e que; portanto, era necessario equiparar o ensino.
Já se vê que, pedindo nós o latim para as sciencias o para as letras, o nosso parco latim de quatro ou cinco annos, ficâmos ainda muito atrazados relativamente áquillo que se sabe d'esta lingua em todos os lyceus estrangeiros.
Julio Simon diz no seu nobilissimo livro sobre o ensino secundario: «É mister educar os nossos filhos para o nosso tempo e para o nosso paiz».
Parecia que estava exactamente a exprimir o pensamento do nosso collega.
N'estas palavras está resumido todo o seu discurso. Mas elle acrescenta: «É todavia mister igualmente não separar o nosso tempo e o nosso paiz da tradição humana. Torna-se tanto mais necessario conservar o grego e o latim no bacharelado, quanto é talvez o unico meio de os conservar nos lyceus. Poucas pessoas aprenderiam latim sem o bacharelado ».
Este é que é o complemento.
A mim custa-me ouvir dizer mal d'esta lingua, e creio que não sou o unico que tem similhante susceptibilidade, (Apoiados.) porque, como foi já dito, a lingua latina parece representar ainda a magestade do grande povo que a fallou.
É a lingua dos conquistadores e dos missionarios; dos conquistadores da terra e dos conquistadores; do céu. As medalhas, as moedas, os epitaphios, as inscripções, as leis, os canones e os annaes todos fallam latim. Foi tambem o latim da alta sciencia. Copernico, Kepler e Newton e muitos outros escreveram em latim.
Respondendo ao áparte do meu illustrado collega, concordo em que certamente os sabios de hoje prefeririam escrever em francez; não duvido d'isso: isto, porém, não impede que seja uma verdade o que digo. O latim era o francez d'aquella epocha. Porque não havemos pois de estudar estas linguas, não para as fallar, não para as escrever,