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564 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS DO REINO

servir para auxiliar o conhecimento e o estudo, da grammatica portugueza. Na realidade, esse ensino dos rudimentos do latim só servirá para satisfazer a necessidade de transitar dos lyceus districtaes para os centraes, e d'ahi para a universidade.

Mas, como esta lei tem dois fins, e elles estão bem expressos n'ella; para os tornar realisaveis, e para estar de accordo com o pensamento da lei, é que eu fiz este reparo.

A instrucção secundaria deve servir para diffundir os conhecimentos geraes, e para preparar, para os estudos superiores.

Por consequencia, vendo que a primeira clausula da lei é diffundir os conhecimentos geraes indispensaveis para todas as carreiras, não me parece que o illustre relator da commissão, cuja sciencia todos conhecem, e cujas habilitações especiaes nos estudos classicos e litterarios são geralmente reconhecidas, me possa dizer, que seja uma necessidade da instrucção geral, destinada a diffundir os conhecimentos indispensaveis para todas as carreiras, o saber latim.

Nós somos todos cidadãos portuguezes, mas o numero dos que sabem latim é pequeno, e comtudo todos vivem e são uteis á patria.

Por consequencia, a meu ver, não se póde justificar o latim nos lyceus districtaes.

Todos sabemos que para ser homem de letras é preciso saber latim; mas o paiz não precisa ser composto de litteratos, precisa ser composto de trabalhadores, que se occupem nos misteres industriaes. Mas, o que vejo é que o periodo da vida em que o homem aprende é limitado e nem todos podem gastar uma parte d'esse tempo dedicando-se ao estudo das letras.

Dado esse limite, é preciso calcular exactamente o que se lhe póde ensinar de mais proprio para satisfazer ás necessidades da vida social e ter conhecimentos geraes, que são uteis a todos.

Digo, pois, que olhando á questão por este aspecto, o demasiado ensino de latim nos lyceus districtaes tem graves inconvenientes.

O illustre relator e meu velho amigo (perdão, de lhe chamar velho), pareceu accusar-me de que eu detestava o latim; mas pelo que tenho exposto demonstra-se que não o detesto nem combato.

Sustenta, s. exa. que o estudo do latim é um meio de poder elevar as faculdades intellectuaes pelos grandes, pelos esplendidos exemplos da civilisação romana. Permitta-me, comtudo, observar-lhe: é incontestavel que à litteratura latina, e não só ella mas tambem a litteratura grega nos ministra modelos quasi inimitaveis de perfeição no dizer; mas passar d'ahi a querer demonstrar que a maneira de fazer bons cidadãos para a vida da sociedade moderna é ensinar-lhes como procediam os cidadãos romanos - não me parece rasoavel.

Eu não comprehendo que se vá buscar para modelo de cidadãos um povo que, embora muito illustrado, era dos mais barbaros nos actos da vida publica. Uma organisação social como era a dos romanos, baseada na escravidão e na conquista, repugna á civilisação moderna. Portanto, d'ahi as unicas lições que se podem adquirir são para os litteratos modernos, para os litteratos de todas as epochas. Não confundamos o homem de letras com o cidadão.

O homem de letras deve ser bom cidadão; mas o bom cidadão póde muito bem não ser homem de letras.

É, pois, assim, que eu entendo que os lyceus, quando ensinam latim como preparatorio para as carreiras litterarias, dão insufficientes conhecimentos da litteratura romana.

Mas, deixando isto, direi em referencia á comparação feita pelo illustre relator, que effectivamente a lei actual comparada com a de 1836 apresenta uma differença notavel. Aquella lei tinha muitas disposições inexequiveis, mas era inspirada por um grande sentimento - fazer d'esta nação de frades uma nação de trabalhadores; ensinar o povo a empenhar os seus esforços para colher o maximo proveito do seu trabalho.

A lei de 1844 tem um caracter diverso; tem uma feição mais classica, mais litteraria, mas muito menos scientifica.

A respeito de sciencias naturaes quasi que não diz uma palavra. Temos aqui muita cousa excellente para fazer negociantes e para fazer cidadãos que se entreguem a outros misteres, porém para fazer industriaes e lavradores não creio que sirva.

Ensina-se n'estas escolas, é certo, o desenho. O desenho é a escripta da fórma, e toda a gente precisa saber desenhar, mais ou menos; para este conhecimento vulgar do desenho, bastaria o que se ensina nas escolas de que estou fallando; mas esse não é o sufficiente, quando se trate de ensino profissional.

A lei que discutimos tambem se occupa do ensino do desenho. Mas nas escolas municipaes este ensino é muito incompleto; e alem d'isso será difficil crear cursos profissionaes propriamente ditos.

Nas povoações que não são muito abundantes de meios em Portugal, onde se crearam escolas municipaes, a creação de uma cadeira de ensino profissional, cuja despeza fica só n'uma terça parte a cargo do governo, trará um encargo com que os municipios não hão de poder, e por consequencia esse ensino profissional nunca virá a ser uma realidade; porque a sua sustentação traz grandes despezas, não só com o pessoal, mas ainda com os apparelhos precisos para as demonstrações physicas e de historia natural. A lei de 1886 creava as escolas profissionaes, ficando a cargo do estado; pelo projecto que se discute ficam a cargo das localidades, e portanto ha de ser difficil que se estabeleçam. N'esta parte, este projecto é restricto de mais, e creio que não chegará a dar nenhum resultado pratico.

Mas, sr. presidente, quando eu pedi a palavra não foi senão para agradecer ao illustre relator da commissão a benevolencia, que não mereço, com que se referiu a mim, e que é toda filha da bondade de s. exa. Comtudo, não me sentarei sem dizer á camara que julgo faltar na lei uma cousa que reputo essencialissima. É minha opinião, a qual já exprimi no seio da commissão que elaborou o projecto, e exprimo agora aqui de novo, que é indispensavel crear escolas normaes de ensino secundario, porque sem ellas o aperfeiçoamento d'esse ensino torna-se problematico.

E não é preciso para isso que o estado faça grande despezas, porque tem meio de o fazer economicamente. Bem sei que vou levantar contra mim opposição do professorado com o que estou dizendo e vou dizer; eu, porém, não quero ter popularidade em parte alguma, e só pretendo dizer a verdade toda ao paiz. Entendo que o curso superior de letras devia constituir tambem um curso normal secundario, o que seria verdadeiramente util - que util é o curto de letras como alta instituição de ensino superior. Os professores do curso superior de letras são homens muito illustrados, e por conseguinte o acrescentamento de duas cadeiras n'aquelle curso, sem alterar o pensamento que presidiu á sua creação, podia dar o pessoal necessario para constituir simultaneamente uma escola normal de ensino secundario, a fim de crear professores que saibam ensinar, que tenham pratica do ensino, porque o maior defeito da nossa instrucção em geral é a falta de conhecimentos pedagogicos dos professores. A maior parte d'elles são homens muito esclarecidos, mas não sabem como se ensina, por não terem todos os estudos especiaes precisos para se dirigirem no seu mister, de maneira que busquem no conhecimento e no exame das disposições intellectuaes dos alumnos a quem têem de ministrar o ensino o modo de lhes incutir com facilidade e segurança as idéas que tem de lhes fazer entrar no espirito. É preciso pois que os professores aprendam a ensinar, e para isso é indispensavel que hajam as escolas normaes a que me referi. De outra fórma