SESSÃO DE 20 DE JULHO DE 1887 09
mesmo esclarecido e patriotico ministro marquez de Sé da Bandeira em principios no anno de 1869 nomeou uma commissão para formular um projecto de organisação da secretaria d'estado dos negocios estrangeiros e do corpo diplomatico, composta dos eminentes estadistas conde da Carreira, conde de Lavradio, conde d'Avila, Carlos Bento da Silva, e do secretario geral do ministerio dos nego dos estrangeiros, Emilio Achiles Monteverde.
Esta commissão occupou-se desde logo de tão importante incumbencia, e com tanto zêlo que em 13 de abri do mesmo anno de 1869 apresentou ao ministro, em ré sultado dos seus trabalhos, um projecto de organisação da secretaria d'estado dos negocios estrangeiros e do corpo diplomatico, e em 2 de junho do mesmo anno foi decreta da a lei organica da secretaria d'estado, reservando-se o mesmo ministro a publicar em seguida a que era relativa ao corpo diplomatico, o que não póde effectuar por ter saído do ministerio.
Finalmente em dezembro d'esse mesmo anno de 1869 exercendo as funcções de ministro dos negocios estrangeiros o sr. conselheiro Mendes Leal, este esclarecido ministro publicou, mediante previa auctorisação legislativa, o decreto com força de lei de 18 de dezembro de 1869 ainda hoje em vigor.
Geralmente proficuas é opportunas foram muitas das determinações d'este codigo diplomatico. O tempo e experiencia, mestra da vida, tem, porém, demonstrado a necessidade de se modificarem, ampliarem ou restringirem algumas das disposições da mencionada lei organica de 18 de dezembro de 1869. O seu proprio auctor e todos os ministros que desde então têem gerido a pasta dos negocios estrangeiros têem manifestado a convicção da urgente necessidade de modificar aquella lei organica, chegando até o eminente e esclarecido estadista o sr. Antonio de Serpa Pimentel, quando ministro dos negocios estrangeiros, a declarar no parlamento que julgava da maior necessidade essa reforma, porém, que a não propunha porque seria necessario augmentar muito a despeza.
Ora, é de toda a importancia notar que o orçamento do ministerio dos negocios estrangeiros era então mais de 50:000$000 réis inferior ao que foi apresentado ás côrtes para o anno de 1887-1888.
O projecto que tenho a honra de apresentar não comprehende a secretaria d'estado nem o corpo consular, porque demandariam muito estudo e conhecimentos praticos, que eu não possuo, e alem d'isso consta-me terem sido maduramente estudados nas competentes repartições e que ha trabalhos importantes concluidos no ministerio.
Convem igualmente mencionar o que a illustre commissão, a que já me referi, expõe no seu officio de remessa do projecto de organisação da secretaria d'estado e do corpo diplomatico:
"Cabe aqui ponderar, diz a commissão, que, se os funccionarios diplomaticos não forem habilitados a desempenhar condignamente os deveres dos seus cargos, melhor seria eliminar do orçamento do estado a verba correspondente do que expol-os a vexames e menos consideração com descredito do paiz que representam.
"Não é justo, portanto, exigir delles serviços que não dependam só da sua aptidão individual, mas tambem da extensão de relações, e do grau de estima e influencia, que se não podem grangear sem uma apropriada representação."
E pensamento constante da lei organica de 18 de dezembro de 1869, actualmente em vigor, não só que exista permanentemente uma corporação uniforme e classificada de funccionarios diplomaticos, mas que os cargos de chefes de missão sejam "como regra" (palavras textuaes da mesma lei) confiados a membros da carreira diplomatica, segundo o respectivo accesso gerarchico; e em abono d'este principio julgo importante transcrever aqui o que diz o erudito e laborioso sr. Duarte Grustavo Nogueira Soares, actualmente nosso dignissimo representante na côrte do Rio de Janeiro, no seu importante livro Considerações sobre o presente e futuro politico de Portugal, e cuja auctoridade n'estas materias ninguem ousará contestar, e que sobre esse mesmo assumpto escreve o seguinte:
"É minha inteira e profunda convicção, que para termos boa diplomacia é absolutamente indispensavel:
"1.° Que se torne effectiva a garantia promettida na carta constitucional de que no provimento assim dos empregos diplomaticos, como de todos os empregos publicos, não se attenderá a outra differença que não seja a do talento e virtudes dos candidatos (§ 13.° do artigo 145.°);
"2.° Que para apreciar o merito relativo em talento e virtudes se estabeleçam concursos documentaes e por provas praticas mais difficeis que as actuaes, e julgadas com menos benevolencia;
"3.° Que se exija dos candidatos, approvados no exame theorico, um tirocinio retribuido antes da admissão definitiva no quadro;
"4.° Que se alarguem um pouco os quadros demasiado apertados pela mais restricta economia;
"5.° Que o accesso seja regulado de modo que o favor immerecido não possa supplantar o merito provado;
"6.° Que a todos os empregados no serviço exterior sejam fixados vencimentos que forem absolutamente necessarios para que elles possam viver com a decencia e decoro que as suas funcções imperiosamente exigem;
"7.° Que, realisadas estas condições, os logares de chefes de missão sejam, como na Inglaterra, na Allemanha, e n'outros paizes que têem boa diplomacia, providos os empregados que na carreira mais se houvessem distinguido pelos seus talentos e virtudes (e serviços), excepto quando o bem do paiz exigir que seja nomeado de preferencia algum estadista eminente publica e notoriamente reconhecido como tal (e especialmente apto para desempenhar tal missão)."
Tanto a decidida opinião d'este eximio e consciencioso superior funccionario, como o parecer da commissão, de que formavam parte quatro antigos ministros dos negocios estrangeiros, justificam plenamente as disposições, que introduzi n'este projecto, e a que me não refiro mais de espaço para não tornar demasiado extenso este relatorio. Não posso, todavia, abster-me de especialisar uma disposição que rios outros projectos se não encontra, e que julgo da mais alta conveniencia.
O ministro dos negocios estrangeiros, pela especial posição que no governo occupa perante os representantes das potencias estrangeiras, deve, para manter o explendor e alta representação do seu elevado cargo, ser devidamente auxiliado pelos poderes publicos. Assim praticam, reconhecendo a importancia do facto, outros paizes, cuja administração póde ser-nos modelo.
Arbitrando a escassa verba de 3:000$000 réis annuaes para despezas de representação ao titular do ministerio dós negocios estrangeiros de Portugal, não se defraudariam os interesses do thesouro, porque outras verbas reduzidas no orçamento d'este ministerio a iriam supprir, realisando-se assim um progresso de vantagem internacional e de conveniencia publica.
Juntando a este projecto de lei um projecto de orçamento da despeza do corpo diplomatico, imitando o assim o que realisou a illustre commissão em 1869 julgo indispensavel dar algumas explicações sobra os augmentos e reducções, que n'elle se encontram.
Alem da verba de 3:000$000reis para as despezas de representação do ministro, a que já me referi, vae inserida uma verba de 4:000$000 réis para augmento das despezas de representação do embaixador, de Sua Magestade unto da Santa Sé. Todos sabem que desde que foi elevada á 1.ª classe a categoria d'aquelle alto funccionario tem-lhe sido abonado um augmento das despezas de represen