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N.° 54
SESSAÕ DE 20 DE JULHO DE 1887
Presidencia do exmo. sr. Antonio José de Sarros e Sá
Secretarios - os dignos pares
Frederico Ressano Garcia
Conde de Paraty
SUMMARIO
Leitura e approvação da acta. - Correspondencia. - Antes da ordem do dia usa da palavra o digno par o sr. Quaresma, ácerca dos processos nas dividas fiscaes e municipaes. Responde-lhe o sr. presidente do conselho de ministros. - O digno par o sr. Hintze Ribeiro manda para a mesa uma representação da associação com-mercial dos logistas e pede que seja publicada no Diario do governo. A camara assim resolve. - O digno par o sr. conde de Alte manda um projecto de lei no intuito de, em parte, reformar a lei de 18 de dezembro de 1869, referente ao corpo diplomatico, e requer que se publique no Diario do governo. Responde-lhe o sr. ministro dos negocios estrangeiros, e a camara annue á requerida publicação. - O digno par o sr. Francisco de Albuquerque faz varias considerações ácerca do que occorrêra na anterior sessão. Responde-lhe o sr. presidente. - O digno par o sr. V az Preto faz menção de um conflicto entre o governador civil substituto de Castello Branco e o respectivo provedor da misericordia, e envia para a mesa um requerimento. Responde-lhe o sr. presidente do conselho, e o requerimento é expedido. - O digno par o sr. Thomás Ribeiro justifica o ter faltado á sessão anterior, a cujo incidente se refere, e interroga o sr. ministro dos negocios estrangeiros sobre os votos do parlamento a proposito das christandades de Ceylão. Responde-lhe o referido sr. ministro. - O digno par o sr. Hintze Ribeiro reporta- se ao discurso do sr. Francisco de Albuquerque e pede-lhe explicações. Responde-lhe este digno par. - Trocam - se igualmente explicações entre os dignos pares Fernando Falha e Thomás Ribeiro. - Ordem do dia: discussão dos pareceres n.ºs 74, 75, 76, 77, 78, 79 e 80. - Sobre o segundo usa dá palavra d digno par Franzini, seu relator, ao qual se segue o sr. Pereira Dias. - O digno par o sr. Thomás Ribeiro allude á sessão da vespera e ao processo Marinho da Cruz. Respondem-lhe os srs. D. Luiz da Camara Leme e ministro da guerra. - Revesam-se ainda no uso da palavra o sr. Thomás Ribeiro e o mesmo sr. ministro, até que o digno par o sr. Costa Lobo propõe, e a camara resolve, que se de á materia por discutida. - Lê-se depois é parecer n.° 75 e é approvado. - Em seguida o n.° 80 e approva-se igualmente. - Posteriormente o n.° 74 que, após breves considerações entre o digno par Bandeira Coelho e o sr. ministro da guerra, teve igual approvação. - E, finalmente, os sob n.ºs 78 é 79 que tambem são approvados. - Levanta-se a sessão e- designasse a immediata e respectiva ordem do dia.
Ás tres horas da tarde, estando presentes 40 dignos pares, o sr. presidente declarou aberta a sessão.
Lida a acta da sessão precedente, julgou-se approvada na conformidade do regimento, por não haver reclamação em contrario.
Mencionou-se a seguinte:
Correspondencia
Um officio da presidencia da camara dos senhores deputados, remettendo a proposição de lei que tem por fim approvar, para ser ratificado pelo poder executivo, o accordo para a permutação de encommendas postaes sem valor declarado entre Portugal e a Gran-Bretanha.
A commissão de negocios externos.
(Estava presente o sr. ministro da guerra- e entraram durante a sessão os srs. presidente do conselho e ministro dos negocios estrangeiros.)
O sr. Presidente: - Está na mesa o diploma do digno par eleito o sr. Silvestre- Bernardo de Lima; vae ser remettido á commissão de verificação de poderes.
O sr. Quaresma de Vasconcellos: - Sr. presidente, tinha pedido a palavras para quando estivesse presente o sr. presidente do conselho e ministro do reino, para solicitar de s. exa. resposta positiva a uma pergunta que vou dirigir-lhe. O artigo 26.° da lei eleitoral de 21 de maio de 1884 determina que a cobrança das dividas tanto fiscaes como municipaes passe para o poder judicial.
Ficou esta disposição dependente de regulamentos, dos quaes só foi publicado até agora o que diz respeito á cobrança das dividas fiscaes, sendo para notar que no artigo 139.° e seu § unico do ultimo do codigo administrativo, se acha confirmada a mesma disposição, emquanto á cobrança das dividas municipaes.
Que o governo regenerador não publicasse os indicados regulamentos, comprehende-se bem porque recebeu forçado esta disposição que lhe foi, por assim dizer, imposta pelo partido progressista, tendo na sua frente o actual sr. presidente do conselho de ministros; mas que o governo progressista não publicasse, senão muito tarde o regulamento para a cobrança das dividas fiscaes, e não tenha até agora publicado o regulamento para a cobrança das dividas municipaes é difficil de conceber-se. Pergunto, pois, ao nobre presidente do conselho se faz tenção e mandar publicar o regulamento a que me tenho referido, e em que tempo, pouco mais ou menos, se dignará satisfazer a este preceito legal?
O sr. Presidente do Conselho de Ministros (José Luciano de Castro):-Responde que o regulamento relativo á lei que passou parado poder judiciai as execuções fiscaes, a fim de cobrar as dividas ao estado, se publicará já. Todavia não lhe, parece que n'essa lei se falle tambem em execuções fiscaes para pagamento de dividas, municipaes e districtaes.
Entretanto, examinal-a-ha com toda a attenção, e se effectivamente, ella o determinar assim, de prompto satisfará aos desejos do digno par.
O sr. Quaresma de Vasconcellos: - Agradeço ao sr. presidente do conselho as explicações que acaba de teu a bondade de dar-me, e confio em que s. exa. cumprirá pontualmente a promessa que acaba de fazer-me.
O sr. Hintze Ribeiro: - Sr. presidente, a associação commercial dos logistas de Lisboa encarregou-me de apresentar a esta camara, uma representação ácerca do projecto de lei que estabelece a creação de um entreposto entre Lisboa e Cascaes.
Agradecendo por esta fórma a prova de consideração que a associação dos logistas se dignou conferir-me, mando par a mesa a representação e peço a v.exa. que consulte a camara sobre se auctorisa que ella seja publicada no Diario do governo, a exemplo do que se fez com a representação mandada tambem a esta camara pela associação commercial de Lisboa.
O sr. Presidente: O digno par o sr. Hintze. Ribeiro mandou para a mesa uma representação da associação dos logistas, e pediu que essa representação seja publicada no Diario do governa.
Os dignos pares que approvam este pedido, tenham, a bondade de se levantar.
Foi approvado.
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O sr. Conde de Alte: - Sr. presidente, pedi a palavra para mandar para a mesa um projecto de reforma da lei de 18 de dezembro de 1869, na parte que se refere ao corpo diplomatico.
O projecto é longo, e por isso não o lerei á camara.
Folgo de ver presente o meu nobre amigo o sr. ministro dos negocios estrangeiros, pois que desejo n'esta occasião chamar a sua attenção para a grande disparidade que se dá entre os serviços consular e diplomatico.
O digno par o sr. Bocage, que sinto não ver presem e, quando ministro dós negocios estrangeiros, tencionava pró por uma reforma completa dos serviços que dizem respeito tanto á secretaria d'estado dos negocios estrangeiros, como aos corpos diplomatico e consular, mas, entendendo que era muito urgente apresentar de prompto algumas medidas com relação ao corpo consular, creou não só alguns consulados, mas tambem os logares de chancelleres, dispondo-se certamente para mais tarde apresentar a reforma que julgasse conveniente com relação á secretaria d'estado e ao corpo diplomatico.
A disparidade de vencimentos que actualmente se dá-se que nada póde justificar entre o corpo, consular e os empregados subalternos do corpo diplomatico é enorme.
Basta dizer que um secretario de legação em Berlim, era Vienna ou em Bruxellas recebe 500$000 réis de ordenado e outros 500$000 réis unicamente para despezas de representação, ao passo que um chanceller de consulado em Cadiz ou no Havre recebe 300$000 réis de ordenado e 900$000 réis para despezas de representação; despezas de representação a que eu daria o nome de alimentos, pois, como a cachara sabe, um chanceller de consulado não tem nenhuma representação.
Esta disparidade de vencimentos tem já produzido tristissimos resultados.
Pessoas de esmerada educação, alto nascimento e posição social, qualidades tão apreciaveis para o serviço diplomatico, têem já escolhido servir no corpo consular, e consta-me que algumas outras já habilitadas com excellente classificação nós concursos, têem declarado serem despachadas para o corpo consular.
Se isto continuar assim, qual será o futuro da nossa diplomacia?
A sessão está muitissimo adiantada, e por isso não tenho esperança de que o meu projecto possa ser approvado pelas duas camaras; mas algumas suggestões póde offerecer de modo que, em sé tratando da reforma geral de todos os serviços do ministerio dos negocios estrangeiros, possam ser tomadas em consideração.
Parecendo-me, porém, de grande urgencia melhoral a situação precaria dos funccionarios de que fallei, eu pediria á illustre commissão dos negocios externos que propuzesse alguma medida provisoria de melhoria de vencimentos para lhes accudir, como o parlamento está praticando, e com toda a justiça, em varios outros serviços seria uma despeza insignificante com que lucraria o paiz.
O sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros (Barros Cromes): - Declaro a v. exa. que tenho muita satisfação em que o digno par mandasse para a mesa esse projecto de lei de sua iniciativa.;
Sabe s. exa. que o governo não descura o problema da reforma dos serviços diplomaticos e consulares. Não a apresentou este anno ao parlamento, porque as duas camaras têem numerosos trabalhos de que se occupem, e a sessão vae muito adiantada.
Alem das valiosas propostas que têem sido feitas pelos ministerios do reino, da fazenda, da justiça e da guerra, e dás convenções diplomaticas, não é possivel exigir que seja trazida para o exame do parlamento a reforma do corpo consular. Mas não desisto do pensamento de apresentar opportunamente uma proposta n'este sentido, e de certo será um elemento muito importante para o meu estudo e apreciação o trabalho que o digno par acaba de remetter para a mesa, o qual receio que não possa ser discutido e votado no decorrer d'esta sessão.
(S. exa. não reviu as notas tachygraphicas.)
O sr. Conde de Alte: - Agradeço ao nobre ministro dos negocios estrangeiros as benevolas palavras que sé dignou pronunciar. Estou certo que s. exa. não descurará este negocio.
O meu projecto não foi apresentado de surpreza. Eu já tinha fallado n'elle ao nobre ministro, e s. exa. concordou em que o apresentasse. Agora peço a v. exa. consulte a camara sobre se consente que elle seja impresso no Diario do governo.
Foi approvado o requerimento do sr. conde de Alte, quanto á publicação do seu projecto no Diario do governo.
É do teor seguinte:
Senhores. - Depois que aos assombrosos impulsos do renascimento no seculo XVI as principaes nações da Europa se foram desenvolvendo nos diversos ramos da actividade humana; procuraram ellas, no intuito de estreitar e mais ampliar as reciprocas relações internacionaes, estabelecer entre si missões diplomaticas com caracter permanente, e sem cessar encarregavam a gerencia d'essas missões, não a quaesquer individuos filiados em parcialidades politicas, mas a cidadãos os, mais aptos pela especialidade dos seus conhecimentos, os mais conspicuos e abalisados pelo seu saber e virtudes civicas.
Se a execução dos principios da arte militar é, ainda agora, confiada tão sómente a guerreiros experimentados ha carreira das armas, se as grandes obras de utilidade publica póde só dirigil-as homem technico, se para manter os direitos individuaes e o cumprimento da justiça existe entre todos os povos civilisados um respeitavel corpo, que só de jurisconsultos scientificamente habilitados póde ser composto, com igual rasão, se não muito mais imperioso motivo (porque se trata de relações com potencias estrangeiras), deve existir um corpo diplomatico, uma corporação homogenea, formada em geral de homens profundamente versados nas sciencias de que sé compõe a difficil carreira do negociador, e exclusivamente votados a manter em face das nações estranhas os direitos, os interesses, a dignidade e a gloria da respectiva patria.
Assim o pensavam desde remotos tempos os governos que entre nós têem gerido os negocios publicos. Sem remontar a esses tempos em que nem sequer existia na lei a collocação de disponibilidade, porque o logar de chefe de missão era cargo, de que só o titular saia em adiantada velhice para vir então occupar no reino como honrosa e pingue jubilação um dos altos empregos nos tribunaes superiores do estado, o conselho da fazenda, o conselho ultramarino, etc., basta lembrar que, decorridos apenas dois annos depois de restaurado em Portugal o governo representativo, o venerando marquez de Sá da Bandeira, então ministro dos negocios estrangeiros, promulgou em dictadura o conhecido decreto com força de lei de 23 de novembro de 1836, no intuito de homologar com o novo systema constitucional as disposições legaes então decretadas para a manutenção e desenvolvimento das nossas relações exteriores.
O mesmo esclarecido1 ministro, extinctos em sua maxima parte os antigos tribunaes do reino, e desejando por isso garantir de alguma fórma o futuro dos ministros plenipotenciarios quando regressassem á patria, propoz ás côrtes nova lei- que a camara dos senhores deputados se apressou a approvar, arbitrando aos ministros plenipotenciarios em disponibilidade o vencimento de 800$000 réis annuaes, parca retribuição para aquelles altos funccionarios que passaram a vida, arruinaram a saude e talvez gastaram a sua fortuna particular em o serviço da patria no estrangeiro.
Outras prescripções de maior ou menor alcance foram ainda com o decorrer dos annos estabelecidas, até que o
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mesmo esclarecido e patriotico ministro marquez de Sé da Bandeira em principios no anno de 1869 nomeou uma commissão para formular um projecto de organisação da secretaria d'estado dos negocios estrangeiros e do corpo diplomatico, composta dos eminentes estadistas conde da Carreira, conde de Lavradio, conde d'Avila, Carlos Bento da Silva, e do secretario geral do ministerio dos nego dos estrangeiros, Emilio Achiles Monteverde.
Esta commissão occupou-se desde logo de tão importante incumbencia, e com tanto zêlo que em 13 de abri do mesmo anno de 1869 apresentou ao ministro, em ré sultado dos seus trabalhos, um projecto de organisação da secretaria d'estado dos negocios estrangeiros e do corpo diplomatico, e em 2 de junho do mesmo anno foi decreta da a lei organica da secretaria d'estado, reservando-se o mesmo ministro a publicar em seguida a que era relativa ao corpo diplomatico, o que não póde effectuar por ter saído do ministerio.
Finalmente em dezembro d'esse mesmo anno de 1869 exercendo as funcções de ministro dos negocios estrangeiros o sr. conselheiro Mendes Leal, este esclarecido ministro publicou, mediante previa auctorisação legislativa, o decreto com força de lei de 18 de dezembro de 1869 ainda hoje em vigor.
Geralmente proficuas é opportunas foram muitas das determinações d'este codigo diplomatico. O tempo e experiencia, mestra da vida, tem, porém, demonstrado a necessidade de se modificarem, ampliarem ou restringirem algumas das disposições da mencionada lei organica de 18 de dezembro de 1869. O seu proprio auctor e todos os ministros que desde então têem gerido a pasta dos negocios estrangeiros têem manifestado a convicção da urgente necessidade de modificar aquella lei organica, chegando até o eminente e esclarecido estadista o sr. Antonio de Serpa Pimentel, quando ministro dos negocios estrangeiros, a declarar no parlamento que julgava da maior necessidade essa reforma, porém, que a não propunha porque seria necessario augmentar muito a despeza.
Ora, é de toda a importancia notar que o orçamento do ministerio dos negocios estrangeiros era então mais de 50:000$000 réis inferior ao que foi apresentado ás côrtes para o anno de 1887-1888.
O projecto que tenho a honra de apresentar não comprehende a secretaria d'estado nem o corpo consular, porque demandariam muito estudo e conhecimentos praticos, que eu não possuo, e alem d'isso consta-me terem sido maduramente estudados nas competentes repartições e que ha trabalhos importantes concluidos no ministerio.
Convem igualmente mencionar o que a illustre commissão, a que já me referi, expõe no seu officio de remessa do projecto de organisação da secretaria d'estado e do corpo diplomatico:
"Cabe aqui ponderar, diz a commissão, que, se os funccionarios diplomaticos não forem habilitados a desempenhar condignamente os deveres dos seus cargos, melhor seria eliminar do orçamento do estado a verba correspondente do que expol-os a vexames e menos consideração com descredito do paiz que representam.
"Não é justo, portanto, exigir delles serviços que não dependam só da sua aptidão individual, mas tambem da extensão de relações, e do grau de estima e influencia, que se não podem grangear sem uma apropriada representação."
E pensamento constante da lei organica de 18 de dezembro de 1869, actualmente em vigor, não só que exista permanentemente uma corporação uniforme e classificada de funccionarios diplomaticos, mas que os cargos de chefes de missão sejam "como regra" (palavras textuaes da mesma lei) confiados a membros da carreira diplomatica, segundo o respectivo accesso gerarchico; e em abono d'este principio julgo importante transcrever aqui o que diz o erudito e laborioso sr. Duarte Grustavo Nogueira Soares, actualmente nosso dignissimo representante na côrte do Rio de Janeiro, no seu importante livro Considerações sobre o presente e futuro politico de Portugal, e cuja auctoridade n'estas materias ninguem ousará contestar, e que sobre esse mesmo assumpto escreve o seguinte:
"É minha inteira e profunda convicção, que para termos boa diplomacia é absolutamente indispensavel:
"1.° Que se torne effectiva a garantia promettida na carta constitucional de que no provimento assim dos empregos diplomaticos, como de todos os empregos publicos, não se attenderá a outra differença que não seja a do talento e virtudes dos candidatos (§ 13.° do artigo 145.°);
"2.° Que para apreciar o merito relativo em talento e virtudes se estabeleçam concursos documentaes e por provas praticas mais difficeis que as actuaes, e julgadas com menos benevolencia;
"3.° Que se exija dos candidatos, approvados no exame theorico, um tirocinio retribuido antes da admissão definitiva no quadro;
"4.° Que se alarguem um pouco os quadros demasiado apertados pela mais restricta economia;
"5.° Que o accesso seja regulado de modo que o favor immerecido não possa supplantar o merito provado;
"6.° Que a todos os empregados no serviço exterior sejam fixados vencimentos que forem absolutamente necessarios para que elles possam viver com a decencia e decoro que as suas funcções imperiosamente exigem;
"7.° Que, realisadas estas condições, os logares de chefes de missão sejam, como na Inglaterra, na Allemanha, e n'outros paizes que têem boa diplomacia, providos os empregados que na carreira mais se houvessem distinguido pelos seus talentos e virtudes (e serviços), excepto quando o bem do paiz exigir que seja nomeado de preferencia algum estadista eminente publica e notoriamente reconhecido como tal (e especialmente apto para desempenhar tal missão)."
Tanto a decidida opinião d'este eximio e consciencioso superior funccionario, como o parecer da commissão, de que formavam parte quatro antigos ministros dos negocios estrangeiros, justificam plenamente as disposições, que introduzi n'este projecto, e a que me não refiro mais de espaço para não tornar demasiado extenso este relatorio. Não posso, todavia, abster-me de especialisar uma disposição que rios outros projectos se não encontra, e que julgo da mais alta conveniencia.
O ministro dos negocios estrangeiros, pela especial posição que no governo occupa perante os representantes das potencias estrangeiras, deve, para manter o explendor e alta representação do seu elevado cargo, ser devidamente auxiliado pelos poderes publicos. Assim praticam, reconhecendo a importancia do facto, outros paizes, cuja administração póde ser-nos modelo.
Arbitrando a escassa verba de 3:000$000 réis annuaes para despezas de representação ao titular do ministerio dós negocios estrangeiros de Portugal, não se defraudariam os interesses do thesouro, porque outras verbas reduzidas no orçamento d'este ministerio a iriam supprir, realisando-se assim um progresso de vantagem internacional e de conveniencia publica.
Juntando a este projecto de lei um projecto de orçamento da despeza do corpo diplomatico, imitando o assim o que realisou a illustre commissão em 1869 julgo indispensavel dar algumas explicações sobra os augmentos e reducções, que n'elle se encontram.
Alem da verba de 3:000$000reis para as despezas de representação do ministro, a que já me referi, vae inserida uma verba de 4:000$000 réis para augmento das despezas de representação do embaixador, de Sua Magestade unto da Santa Sé. Todos sabem que desde que foi elevada á 1.ª classe a categoria d'aquelle alto funccionario tem-lhe sido abonado um augmento das despezas de represen
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tacão, e nem podia deixar de ser porquanto aquella elevada hyerarchia exige maior fausto, e representação do que um enviado, extraordinario, e deve ter-se em vista que Portugal é uma das quatro primeiras potencias representadas junto da Santa Sé, e o que, porém, mais conveniente e legal me parece é, inserir claramente essa verba no orçamento, e não ir tomal-a-ao capitulo das despezas eventuaes.
Igualmente me parece que sem prejuizo do, serviço podem essas despezas ser algum tanto reduzidas, não só porque algumas d'ellas, eliminadas, ali, vem claramente exaradas n'este orçamento, mas tambem porque entendo que varias despezas, extraordinarias, que, realisadas, saem d'essas verbas, devem ser lançadas em orçamento supplementar como despeza extraordinaria.
Menciona-se uma despeza avultada que n'aquelle caso se deu ha algum annos, e que saiu do, capitulo das despezas eventuaes.
Sendo condemnado á morte nos Estados Unidos da America um subdito portuguez, o nosso governo, mui louvavelmente procurou por todos os modos a commutação da pena, que foi felizmente alcançada. Teve comtudo de despender Dalguns contos de réis para aquelle fim.
Qual seria o parlamento que negasse o seu voto para sanccionar tal despeza, comquanto avultada, empregada em salvar a vida de um compatriota, e a não votasse por acclamação, dirigindo os devidos louvores ao ministro?
Tal despeza não podia, ser prevista, e por isso mais opportunamente cabia em orçamento supplementar.
Ainda outro, exemplo. Teve logar o anno passado o casamento de Sua Alteza Real o Duque de Brangança. Vieram a Lisboa, muitos principes e altos personagens assistir a esse solemne acto. Como é costume foram-lhes, offerecidas condecorações portuguezas que importaram de certo em, alguns contos de réis que não deviam saír do capitulo das despezas eventuaes.
Como estes poderia citar mais exemplos.
O que levo dito justifica a meu ver a reducção, feita ao capitulo das despezas aventuaes.
Julguei tambem opportuno introduzir um pequeno augmento na verba para compra de livros, e eliminar inteiramente a que é destinada para, serviços extraordinarios no ministerio.
Ainda no capitulo das despezas. eventuaes reduzi a verba das ajudas de custo aos novos nomeados, de 15:000$000 réis a 10:000$000 réis, somma que julgo sufficiente para as necessidades do serviço, é a 8:000$000 réis a verba para despezas ordinarias e extraordinarias do ministerio, pois, alem de inserir no orçamento algumas d'essas despezas ficam outras, como as missões especiaes reservadas quando occorrerem, para o orçamento supplementar.
A verba de 14:000$000 réis parece-me tambem sufficiente para despezas extraordinarias das legações, que devem limitar-se ao strictamente indispensavel.
Senhores, restringindo-me a apresentar-vos tão sómente estas modificações á lei que actualmente rege, o corpo diplomatico, sigo o exemplo da esclarecida commissão a que tenho alludido, e ainda mais o, que praticou o illustre ministro marquez de Sá da Bandeira, que se limitou a publicar a reforma da secretaria d'estado, por julgal-a talvez, a mais, urgente.
É geralmente considerada urgentissima a reforma do nosso corpo diplomatico, e se o compararmos com a lei que actualmente rege o corpo consular, a qual nos ultimos annos tem sido muito alterada, encontraremos anomalias com relação aos vencimentos, com que é urgente acabar de prompto.
Se algumas nações ha, e poucas são ellas, que retribuam quasi tão parcamente, como-nos actualmente o fazemos, as classes inferiores dos empregados diplomaticos é isso devido a circumstancias especiaes que n'ellas se dão, circumstancias que entre nós não existem.
Ha n'esses paizes, em, virtude da desigual distribuição da riqueza, uma classe numerosa de individuos abastados, que pelos seus recursos pessoaes podem fazer face ás despezas que traz comsigo a vida diplomatica. Em Portugal é felizmente menos desigual a distribuição da riqueza; não pôde o legislador contar, na maioria dos casos, com os recursos pessoaes dos seus empregados para satisfazerem as exigencias da sua posição.
Senhores, o fim principal d'este projecto é, como bem se deprehende de todas as suas disposições, estabelecer um corpo regular de diplomacia, portugueza, garantir-lhe os cargos na carreira, assegurar o seu futuro, e evitar quanto possivel a entrada nos logares superiores de pessoas estranhas á carreira diplomatica.
Julgando que para cabalmente vos esclarecer não é necessario apresentar mais argumentos justificativos do exposto, tenho a honra de submetter á vossa consideração o seguinte projecto de lei.
Camara dos pares, 18 de julho, de 1887. = Conde de Alte, par do reino.
Projecto de lei n.° 43
Projecto de algumas modificações na lei organica de 18 de dezembro de 1869, na parte relativa ao corpo diplomatico
TITULO I
CAPITULO I
Do pessoal, sua classificação e vencimentos
Artigo 1.° O quadro do pessoal diplomatico compõe-se de:
1.° Enviados extraordinarios;
2.° Ministros residentes;
3.° Encarregados de negocios;
4.° Primeiros secretarios;
5.° Segundos secretarios;
6.° Addidos.
§ unico. O governo poderá, quando circumstancias especiaes o exigirem, elevar a primeira d'estas categorias á de embaixador, dando-lhe alem dos vencimentos marcados no orçamento a gratificação de 4:000$000 réis annualmente.
Art. 2.° O governo procurará sempre por via de regra mandar para as differentes, côrtes um chefe de missão de categoria igual aquella que tiverem os agentes diplomaticos d'essas côrtes acreditados em Lisboa.
Art. 3.° As missões de Londres, Madrid, París, Roma (Santa Sé), Italia, Rio de Janeiro e Berlim, terão um primeiro secretario designadamente nomeado para cada uma d'ellas.
§ unico. O governo poderá augmentar o numero dos primeiros secretarios, se o serviço absolutamente o exigir.
Art. 4.º° Haverá oito logares de segundos secretarios, que o ministro mandará fazer serviço nas differentes legações, conforme entender mais conveniente.
Art. 5.° Serão igualmente creados dez logares de addidos, que farão o serviço de amanuenses na secretaria de estado, e que podem, ser mandados servir nas legações quando o ministro o julgar necessario ou conveniente.
Art. 6.° Os vencimentos dos empregados do corpo diplomatico compõe-se:
1.° De ordenados fixos (tabella n.° 1);
2.° De uma verba para despezas de representação (tabella n.º 2)
§ unico. Alem d'estes vencimentos os chefes de missão receberão uma somma para renda de casa e para material e expediente.
Art. 7.°. O numero das missões é designado com os vencimentos e despezas na tabella n.º 3.
§ unico. Fica O governo auctorisado a supprimir qual-
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quer missão, quando seja, possivel, sem prejuizo dos interesses do estado.
Art. 8.º O ministro e secretario d'estado dos negocios estrangeiros determinará o tempo que o chefe de missão, acreditado em mais de uma côrte, deverá residir em cada uma d'ellas.
§ unico. Na ausencia do chefe de missão servirá de en carregado de negocios interino o secretario de legação, que nesse caso se corresponde directamente com o ministerio dos negocios estrangeiros.
CAPITULO II
Das attribuições e deveres dos chefes de missão, o dos secretarios de legação e addidos
Art. 9.° Aos chefes de missão pertence:
1.° Cumprir pontualmente todas as instrucções que, lhes forem dadas, e prestar todas as informações que lhes forem pedidas pelo ministro e secretario d'estado dos negocios estrangeiros, ou por ordem sua, em assumptos assim de interesse politico, como de interesse economico;
2.° Dirigir e regular o serviço dos secretarios e addidos na legação;
3.° Ter um .registo .exacto de todos os officios, notas, memoriaes, que tiver dirigido na sua qualidade official, e bem assim um indice e um inventario completo de todos os papeis pertencentes ao archivo, os quaes constituem propriedade inviolavel do estado;
4.° Não guardar as minutas, não tirar nem permittir que se tirem copias da correspondencia official, que tiver dirigido ou recebido, nem fazer uso d'ella para fins, particulares, sem expressa, auctorisação do governo;
5.° Não fazer entrega do archivo da missão a quem o substituir definitivamente ou interinamente, sem que se lavre um auto, que será assignado por ambos e remettido por copia authentica, com o respectivo inventario, ao ministro e secretario d'estado dos negocios estrangeiros;
6.° Fiscalisar e inspeccionar os consulados de Portugal no paiz onde residirem, e superintender toda a administração consular, resolvendo as duvidas e questões urgentes que lhe forem submettidas pelos consules;
7.° Suspender sob sua responsabilidade os secretarios e addidos, e os consules de qualquer classe ou categoria, quando assim o exigir o bem do serviço, dando immediatamente conta ao ministro dos negocios estrangeiros dos motivos que determinaram a suspensão;
8.° Conceder licença até ao maximo de dois mezes, em casos urgentes, aos secretarios, addidos e consules, communicando sem demora ao ministro os motivos que possam justificar a dita concessão.
Art. 10.° Aos secretarios de legação incumbe:
1.° Desempenhar pontualmente todos os trabalhos de redacção, copia ou traducção, e quaesquer diligencias de que, o chefe da missão os encarregue em> objectos de serviço da mesma missão ou do estado;
2.° Redigir os relatorios sobre assumptos politicos ou economicos, que o ministro lhes indicar, e no tempo que lhes for prescripto.
Art. 11.° Incumbe aos addidos executar as ordens que lhas forem dadas pelo ministro ou secretario em objectos de serviço da missão ou d'estado quando sirvam no estrangeiro, ou dos seus superiores quando se achem na secretaria d'estado.
Art. 12.° Regulamentos ou instrucções especiaes, desenvolverão e completarão as disposições d'este decreto.
TITULO II
CAPITULO I
Regras de admissão
Art. 13.° A admissão no corpo diplomatico terá logar no posto de addido.
Art. 14.° Os logares de addidos serão providos em pessoas de reconhecida probidade e intelligencia, precedendo concurso publico por meio de provas praticas, a que sómente serão admittidos os candidatos que alem do conhecimento das linguas vivas, especialmente da franceza e ingleza, tiverem alguma das seguintes habilitações:
1.° Um curso superior de sciencias juridicas, politicas e administrativas, naturaes e economicas na universidade de Coimbra, ou em qualquer Descola superior nacional ou estrangeira;
2.° Cinco annos, pelo menos, de bom e effectivo serviço como addido em alguma -das missões no estrangeiro;
3.° Um decreto especial regulará as condições d'este concurso, e as materias sobre que devem versar as provas praticas, tendo em vista que os candidatos terão de passar novo e mais difficil exame quando forem, promovidos a segundos secretarios de legação.
Art. 15.° Poderão ser dispensados das provas praticas os individuos que já tiverem sido approvados em concursos para addidos, e os que, tiverem sido nomeados, por habilitações litterarias.
Art. 16.° Aos individuos que já tiverem sido approvados em concurso publico, por meio de provas praticas, para os logares de segundos secretarios de legação, é garantido o direito que adquiriram n'esses concursos.
§ unico. Os individuos a quem aproveitar esta disposição, só poderão ser mandados servir nas legações depois de terem completado um anno, pelo menos, de bom e effectivo serviço na secretaria d'estado, vencendo o competente ordenado.
CAPITULO II
Do accesso
Art. 17.° O accesso ser, regulado pela ordem de antiguidade dos empregados, excepto nos casos de reconhecida e provada incapacidade.
§ 1.° A antiguidade contar-se-ha pelo tempo de serviço effectivo. Não havendo serviço não se conta antiguidade.
§2.° Só. no caso de serviços, importantes e de natureza excepcional, poderá ser dispensada a antiguidade.
§3.° O empregado que se julgar lesado terá direitos representar, e o seu protesto e os documentos que serviram de base á nomeação fóra da antiguidade, serão enviados ao procurador geral da corôa e fazenda para este interpor o seu parecer.
Art. 18.° O accesso terá logar de addido a segundo secretario, de segundo secretario a primeiro secretario, de primeiro secretario a encarregado de negocios, de encarregado de negocios a ministro residente, e de ministro residente a enviado extraordinario.
Art. 19.° Os enviados extraordinarios serão em regra escolhidos entre, os ministros residentes; os ministros, residentes entre os encarregados de negocios ou quando faltem entre os primeiros secretarios; os encarregados de negocios entre os primeiros secretarios. Todavia o governo poderá em casos muito especiaes, e quando o bem do serviço absolutamente o exigir, nomear para chefe de missão, mas sómente d'aquellas que actualmente são consideradas de 1.ª classe, alguma pessoa deposição eminente e reconhecida capacidade e aptidão, a qual só depois de dez annos de bom e effectivo serviço será considerada como pertencente ao quadro do corpo diplomatico, para todos os effeitos.
§ unico. Quando, porém, haja chefes de missão em disponibilidade que estejam nas circumstancias de bem servir, serão sempre preferidos para preencher qualquer vagatura ha sua classe.
Art. 20.° As nomeações para os logares de segundos secretarios será feita precedendo concurso publico por provas praticas,, ao qual sómente serão, admittidos os addidos que tiverem dois annos, pelo menos, de bom e effectivo serviço.
§ unico. Um regulamento especial determinará as bases d'esse concurso.
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Art. 21.° Nas nomeações para o corpo diplomatico attender-se-ha á classificação obtida em concurso e em igualdade de circumstancias á boa conducta, ás maneiras distinctas e esmerada educação do candidato.
TITULO III
Da aposentação, disponibilidade e penas disciplinares:
CAPITULO I
Da aposentação
Art. 22.° Os empregados do corpo diplomatico podem ser aposentados quando se inhabilitarem para o bom desempenho das suas funcções, por incapacidade physica ou moral, com a categoria do ultimo logar que tiverem servido.
Art. 23.° O vencimento do empregado que for aposentado será:
1.° Ordenado por inteiro quando tiver trinta annos de serviço effectivo;
2.° Dois terços quando tiver Vinte annos;
3.° Metade quando tiver dez annos;
4.° Um terço quando tiver cinco annos de serviço.
§ 1.° Quando o empregado que for aposentado tiver menos de cinco annos de serviço na classe em que for aposentado, receberá o ordenado correspondente á classe anterior.
§ 2.° Só o tempo desserviço não dá direito á aposentação.
CAPITULO II
Da disponibilidade
Art. 24.° A disponibilidade dos empregados do corpo diplomatico poderá ser decretada:
1.° A requerimento dos mesmos empregados;
2.° Por terem recusado desempenhar logares correspondentes á sua categoria, ou qualquer serviço que lhes incumba, sem motivo justificado;
3.º Por conveniencia publica.
§1.° Nos primeiros dois casos, os empregados postos em disponibilidade não receberão, venci mento algum.
§ 2.° No terceiro caso terão direito:
1.° A dois terços do seu ordenado quando tiverem vinte e cinco annos de serviço effectivo;
2.° A metade do seu ordenado quando tiverem quinze annos de igual serviço;
3.° A um terço do seu ordenado quando tiverem dez annos de igual serviço ou cinco annos tendo entrado por concurso.
§3.° Não terão direito a vencimento algum quando contarem menos de cinco annos de effectivo serviço.
Art. 25.° O tempo que o empregado estiver na disponibilidade Mo será contado como serviço para effeito algum se for por falta commettida.
§ unico. Os ministros plenipotenciarios que tiverem dez annos de effectivo serviço n'essa categoria terão direito a contar todo o tempo que tiverem estado em disponibilidade desde a sua primeira nomeação sómente para a aposentação.
Art. 26.° Não sendo justo que um empregado que tenha servido com zelo e intelligencia seja posto em disponibilidade por mero arbitrio e sem uma causa grave, deverá essa causa ser expressamente declarada no respectivo decreto.
§ unico. Quando a disponibilidade tenha logar por motivo de suppressão de legação, alteração de categoria, ou outra qualquer circumstancia que não implique culpa para o funccionario, deverá ser abonado aos chefes de missão o competente ordenado em quanto não forem novamente collocados na primeira vagatura da sua classe, aos outros empregados se abonará igualmente o ordenado correspondente á sua categoria sendo obrigados a fazer serviço na secretaria d'estado enquanto não forem novamente collocados.
CAPITULO III
Das penas disciplinares
Art. 27.° Um decreto especial regulará as penas disciplinares para os empregados do corpo diplomatico.
TITULO IV
Das ajudas de custo, licenças e disposições diversas
CAPITULO I
Das ajudas de custo
Art. 28.° Os empregados diplomaticos, quando forem nomeados ou promovidos para qualquer logar nas missões, receberão uma ajuda de custo que não poderá ser inferior a um terço nem superior a metade da totalidade dos seus vencimentos annuaes, marcados no orçamento correspondentes ao cargo.
§ 1.° Aos empregados transferidos serão abonadas as despezas das respecivas viagens.
§ 2.° Logo que o empregado participar por escripto achar-se prompto a partir para o seu destino, indicando o dia em que tenciona sair do reino, receberá metade da ajuda de custo arbitrada e outra metade quando officialmente annunciar que entrou no exercicio das suas funcções.
Art. 29.° O empregado diplomatico que, tendo recebido a parte da ajuda de custo, de que trata o artigo antecedente, não chegar a partir para o seu destino por qualquer motivo que não seja por ordem expressa do governo, deverá restituil-a integralmente ao governo.
§ unico. Se esse empregado não chegar ao ponto do seu destino, ou se depois dali se achar não tomar posse do logar por motivos alheios ao serviço, será obrigado a restituir integralmente a quantia que houver recebido.
Art. 30.° Ao empregado diplomatico que for posto em disponibilidade, sem que tenha commettido erro ou falta, e ás familias dos empregados diplomaticos fallecidos em effectivo serviço, será abonada a quantia que for indispensavel para as despezas do regresso a Portugal.
Art. 31.° Fóra dos casos especificados nos artigos antecedentes nenhuma quantia será abonada aos empregados diplomaticos por motivo de nomeação, promoção, remoção ou transferencia.
Art. 32.° Nenhum adiantamento poderá ser feito aos empregados diplomaticos nem mesmo com a clausula de lhes ser descontado nos vencimentos.
Art. 33.° Os vencimentos dos empregados diplomaticos começam a contar-se do dia em que partirem para o seu destino.
Art. 34.° O empregado diplomatico que for posto em disponibilidade não terá direito a receber nova ajuda de custo quando volte á effectividade do serviço na mesma categoria; ser-lhe-hão sómente abonadas as despezas de viagem. Se, porém, tiver servido no ultimo posto cinco annos, terá direito a nova ajuda de custo.
CAPITULO II
Das licenças
Art. 35.° Na ausencia do chefe de missão farão as suas vezes, como encarregado de negocios, o respectivo secretario onde o haja.
§ unico. Os addidos só podem servir de encarregados de negocios com auctorisação previa do ministro. Todavia, em casos urgentes, o chefe da missão poderá acredital-o n'esta qualidade.
Art. 36.° Quando o chefe de missão se ausentar do seu logar com licença, ou por qualquer outro motivo, ainda que seja em commissão extraordinaria de serviço, deduzir-se-ha da correspondente verba para despezas, de representação um terço, que será abonado como gratificação
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extraordinaria ao secretario ou addido que ficar fazendo as suas vezes como encarregado de negocios.
§ unico. A verba arbitrada para material e expediente da legação será recebida mensalmente pelo secretario ou addido, que exercer as funcções de encarregado de negocios.
Art. 37.° Se a ausencia do chefe de missão durar mais de trinta dias, cessará de receber os restantes dois terços para despezas de representação.
§ unico. Se a ausencia for motivada por serviço publico no paiz, ordenado pelo governo, ser-lhe-ha abonada, sendo necessario, uma gratificação extraordinaria correspondente a esse serviço, mas, se esse serviço for alheio ao ministerio dos negocios estrangeiros, não receberá gratificação alguma por esse ministerio.
Art. 38.° As regras estabelecidas nos artigos 36.° e 37.° são applicaveis aos secretarios, quanto á verba para despezas de representação, revertendo, porém, para o thesouro, e não para quem fizer as suas vezes, o terço de que se trata no artigo 36.°
Art. 39.° Se o chefe de missão for mandado em missão diplomatica fóra do logar da sua residencia, terá direito, alem da conservação de todos os seus vencimentos, ao abono das despezas extraordinarias que fizer.
§ unico. O excesso do vencimento, que n'este caso competir ao secretario ou addido, como encarregado de negocios, na ausencia do seu chefe, será pago pela verba das despezas eventuaes.
Art. 40.° Os empregados do corpo diplomatico que estiverem ausentes dos seus postos, com licença por mais de tres mezes, receberão apenas metade do ordenado da sua categoria.
Se a licença exceder a seis mezes, não receberão vencimento algum.
Art. 41.° Aos empregados diplomaticos, que servirem durante tres annos consecutivos sem gosarem de licença alguma, poderá ser concedida uma licença de tres mezes, se elles residirem na Europa, e de seis mezes se elles residirem na America, sem deixarem por isso de receber o ordenado por inteiro e dois terços da verba para despezas de representação.
Art. 42.° Os empregados diplomaticos, que por doença grave, devidamente comprovada, se impossibitarem de exercer temporariamente as funcções do seu cargo, receberão ordenado por inteiro, e dois terços da verba para despezas de representação.
CAPITULO III
Disposições diversas
Art. 43.° A nenhum empregado do corpo diplomatico poderá ser concedida graduação superior á do logar que efectivamente exercer.
Art. 44.° A nenhum individuo póde ser concedida graduação diplomatica sem que tenha serviço effectivo.
Art. 45.° É incompativel o logar de par eleito ou deputado com o logar de chefe de missão, secretario ou addido em missão diplomatica permanente.
Art. 46.° Em quanto no corpo diplomatico houver empregados supranumerarios fora dos quadros, ou em disponibilidade, os logares que vagarem na sua classe não serão preenchidos por promoção de empregados da classe immediata, nem por individuos estranhos aos quadros.
Art. 47.° Os vencimentos dos empregados diplomaticos residentes por serviço em paiz estrangeiro serão pagos aos quarteis ou mensalmente, e em moeda corrente.
O pagamento, em regra, terá logar em Lisboa. Quando, porem, for feito em paiz estrangeiro, effectuar-se-ha na rasão de 4$500 réis por libra esterlina.
Art. 48.° Os vencimentos dos empregados actualmente em disponibilidade, emquanto se conservarem n'esta situação, e bem assim os dos aposentados, continuarão a ser liquidados e pagos segundo as leis e decretos que regularam a sua disponibilidade ou aposentação sem a differença cambial.
Art. 49.° As disposições d'este decreto não prejudicam os actuaes funccionarios e empregados que continuarão a ter os vencimentos e categorias que lhes competiam por lei.
Art. 50.° Não ficam por este decreto dispensados os addidos de legação existentes actualmente que tenham sido nomeados precedendo concurso, das habilitações litterarias ou tempo de serviço que pelas leis actuaes lhes são exigidos para serem admittidos a concurso para os logares de segundos secretarios.
Art. 51.° O governo fará os regulamentos que forem necessarios para a completa execução d'este decreto, alem dos já especificados.
Art. 52.° fica revogada toda a legislação em contrario.
Camara dos pares, 18 de julho de 1887. = Conde de Alte, par do reino.
Tabella n.° 1
rdenados dos chefes de missões, secretarios e addidos
Ministro plenipotenciario 1:500$000
Ministro residente 1:200$000
Encarregado de negocios 1:000$000
Primeiros secretarios 900$000
Segundos secretarios 500$000
Addidos 300$000
Camara dos pares, 18 de julho de 1887. = Conde de Alte, par do reino.
Tabella n.° 2
Corpo diplomatico
Londes
Ministro plenipotenciario:
Ordenado 1:500$000
Despezas de representação 8:500$000
Material e expediente 1:000$000
ara renda de casa 1:000$000 12:000$000
Primeiro secretario:
Ordenado 900$000
Despezas de representação 1:600$000 2:500$000
Madrid
Ministro plenipotenciario:
Ordenado 1:500$000
Despezas de representação 7:500$000
Material e expediente 1:000$000
Para renda de casa 1:000$000 11:000$000
Primeiro secretario:
Ordenado 900$000
Despezas de representação 1:300$000 2:200$000
París
Ministro plenipotenciario:
Ordenado 1:500$0000
Despezas de representação 7:500$000
Material e expediente 1:000$000
Para renda de casa 1:000$000 11:000$000
Primeiro secretario:
Ordenado 900$000
Despezas de representação 1:300$000 2:200$000
Roma (Santa sé)
Ministro plenipotenciario:
Ordenado 1:500$000
Despezas de representação 7:500$000
Material e expediente 1:000$000
Para renda de casa 1:000$000 11:000$000
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Primeiro secretario:
Ordenado 900$000
Despezas de representação 1:300$000 2:200$000
Italia
Ministro plenipotenciario:
Ordenado 1:500$000
Despezas de representação 7:500$000
Material e expediente 1:000$000
Para renda de casa 1:000$000
Primeiro secretario:
rdenado 900$000
Despezas de representação 11:000$000 2:200$000
Rio de Janeiro
Ministro plenipotenciario:
Ordenado 1:500$000
Despezas de representação 9:700$000
Material e expediente 2:000$000 13:200$000
Primeiro secretario:
Ordenado 900$000
Despezas de representação 2:000$000 2:900$000
Berlim
Ministro plenipotenciario:
Ordenado 1:500$000
Despezas de representação 7:500$000
Material e expediente 1:000$000
Para renda de casa 1:000$000 11:000$000
Primeiro secretario:
rdenado 900$000
Despezas de representação 1:300$000 2:200$000
Petersburgo
Ministro plenipotenciario:
Ordenado 1:500$000
Despezas de representação 3:200$000
Material e expediente 500$000
Para renda de casa 1:000$000 6:200$000
Washington Mexico
Ministro residente:
Ordenado 1:200$000
Despezas de representação 5:400$000
Material e expediente 500$000
Para renda de casa 1:000$000 8:100$000
Bruxellas
Ministro plenipotenciario:
Ordenado 1:500$000
Despezas de representação 3:200$000.
Material e expediente 500$000
Para renda de casa 1000$000 6:200$000
Vienna
Ministro plenipotenciario:
Ordenado 1:500$000
Despezas de representação 3:200$000
Material e expediente 500$000
Para renda de casa 1:000$000 6:200$000
Stockolmo
Ministro plenipotenciario:
Ordenado 1:200$000
Despezas de representação 3:000$000
Material e expediente 500$000
Para renda de casa 1:000$000 5:700$300
Haya
Encarregado de negocios:
Ordenado 1:000$000
Despezas de representação 3:000$000
Material e expediente 500$000
Para renda de casa 1:000$000 5:500$000
Buenos Ayres
Ministro plenipotenciario:
Ordenado 1:500$000
Despezas de representação 5:000$000
Material e expediente 1:500$000 8:000$000
Tanger
Ministro residente
Ordenado 1:200$000
Despezas de representação 1:100$000
Material e expediente 1:000$000 3:300$0000
Despezas de representação do ministro dos negocios estrangeiros 3:000$000
Augmento ao embaixador junto da Santa Sé 4:000$000
8 Segundos secretarios:
Ordenado 4:000$000
Despezas de representação 8:000$000
10 Addidos 3:000$000
Augmento ao segundo, secretario no Rio de Janeiro 500$000
Camara dos pares, 18 de julho de 1887. = Conde de Alte, par do reino.
Orçamento
Corpo diplomatico
Londres
Ministro 12:000$000
Primeiro secretario 2:500$000 14:500$000
Madrid
Ministro 11:000$000
Primeiro secretario 2:200$000 13:200$000
París
Ministro 11:000$000
Primeiro secretario 2:200$000 13:200$000
Roma (Santa Sé)
Ministro 11:000$000
Primeiro secretario 2:200$000 13:200$000
Italia
Ministro 11:000$000
Primeiro secretario 2:200$000 13:200$000
Rio de Janeiro
Ministro 13:200$000
Primeiro secretario 2:900$000 16:100$000
Berlim
Ministro 11:000$000
Primeiro secretario 2:200$000 13:200$000
Petersburgo, ministro 6:200$000
Washington e Mexico, ministro 8:100$000
Bruxellas, ministro 6:200$000
Vienna, ministro 6:200$000
Stackolmo, ministro 5:700$000
Haya, encarregado de negocios 5:500$000
Buenos Ayres, ministro 8:000$000
Tanger, ministro 3:300$000
Despezas de representação, do ministro 3:000$000
Augmento ao embaixador em Roma 4:000$000
8 Segundos secretarios, a 1:500$000 reis 12:000$000
10 Addidos, a 300$000 réis 3:000$000
Augmento do segundo secretario no Rio de Janeiro 500$000
Somma 168:300$000
Camara dos pares, 18 de julho de 1887. = Conde de Alte par do reino.
Despezas eventuaes
Pharol do cabo Spartel 270$000
Auxilio para naufragos desvalidos 3:000$0000
Ajudas de custo para os novos nomeados 10:000$000
Para despezas de viagem 5:000$000
Expediente da secretaria d'estado 600$000
Impressão de contas, relatorios, etc 4:500$000
Assignatura do Diario do governo 575$000
Compra de livros, encadernações, etc 2:000$000
Agencia Havas 240$000
Commissão de limites 1:595$000
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Despezas ordinarias e extraordinarias no ministerio 8:000$000
Despezas extraordinarias nas legações 14:000$000
Franquia de correspondencia 1:200$000
Telegrammas para o estrangeiro 2:000$000
Despezas reservadas 2:000$000
Renda da casa 4:420$000 59:400$000
Verba para condecorações 2:400$000
Empregados aposentados e em disponibilidade 16:875$316
Exercicios findos 600$000
19:875$316
Recopilação
Corpo diplomatico 168:300$000
Despezas eventuaes 59:400$000
Outras despezas 19:875$316
Somma total........... 247:575$316
Camara dos pares, 18 de julho de 1887. = Conde de Alte, par do reino.
Resolveu-se que este projecto fosse enviado á commissão de negocios externos.
O sr. Francisco de Albuquerque: - V. exa. não me deixou hontem concluir umas pequenas observações que eu estava fazendo a proposito do que tinha dito o sr. D. Luiz da Camara Leme.
Pedi a palavra porque, não estando habituado a occupar a attenção d'esta camara, e fugindo quanto possivel das suas discussões, achei estranho, e lamentei, que v. exa. procedesse para commigo por maneira que reputo illegal e injustificada.
Confesso a v. exa. que me magoou profundamente o seu procedimento.
V. exa. não tinha direito, estando eu no uso da palavra, de dar por terminado o incidente; o seu direito limitava-se simplesmente a fazer-me as advertencias ique indica o regimento ou mesmo a fazer-me sentir que, tendo acabado as explicações pessoaes, me convidava a reservar para outra occasião o mais que porventura houvesse a dizer, sobre o assumpto em discussão; porque eu da melhor vontade accederia ao convite de v. exa., pois que pelo estado em que estava a camara e pelo adiantado da hora não desejava prolongar o debate.
Como não estava presente quando fallou o sr. Camara Leme, entendi, segundo informações que me foram dadas, que s. exa. se equivocara; pretendi, portanto, restabelecer a verdade dos factos; mas como v. exa. me cortou a palavra tão abruptamente, fiquei collocado n'uma situação deploravel: por uma parte, o sr. Camara Leme poderia suppor que eu, no que disse, tinha, intenção de o maguar; por outra Aparte, quasi que nem a camara percebeu bem porque é que eu tinha pedido a palavra para explicações pessoaes.
Sem me querer demorar sobre este assumpto, devo dizer ao sr. Camara Leme que eu era incapaz de proferir palavra que melindrasse qualquer dos membros desta casa, e muito menos s. exa. a quem ha muitos annos dedico a mais particular amisade.
É certo que s. exa. estava equivocado e eu precisava, como disse, restabelecer a verdade dos factos, sobretudo, para desviar de sobre os signatarios de uma proposta que foi apresentada em tempo e que não quero discutir agora, desviar, repito, uma certa responsabilidade que, pela fórma por que foram narrados os factos, cabia aos auctores d'essa proposta.
Eu peço a v. exa. que não torne a cortar-me a palavra, estando eu no uso d'ella, porque desejando respeitar os preceitos da presidencia declaro a v. exa. que se o facto de hontem tivesse occorrido, antes da ordem do dia, mesmo na ordem do dia, ou emfim, em uma conjunctura diversa d'aquella em que nos encontravamos, eu não teria obedecido ás intimações de v. exa. e continuaria no uso da palavra.
Passando agora a rectificar o que foi dito pelo sr. D, Luiz da Camara Leme, notarei a que as expressões a que s. exa. se referiu não continham allusão pessoal a nenhum dos pares que hoje têem assento n'esta camara e que então faziam parte da outra casa do parlamento. A phrase por s. exa. citada, foi perfeitamente vaga, e apesar disso o sr. Marianno de Carvalho que então era deputado, tomou a palavra e disse.
(Leu.)
A phrase, pois, foi levantada pelo sr. Marianno de Carvalho, e trocadas as devidas explicações accentuou-se que não tinha havido o menor intuito de dirigir allusões pessoaes.
Sr. presidente, eu uso poucas vezes da palavra; não tenho pretensões a orador, porque o não sou; mas em todo o caso costumo dizer sempre aquillo que quero, quando quero e pela forma que julgo mais conveniente.
Quando me foi hontem cortada a palavra começava eu a dizer que me parecia que era um bom serviço que os partidos viessem a um accordo, sendo eu, aliás, contra todos os accordos que, no meu modo de ver, não fazem mais do que diminuir a força dos partidos. (Apoiados.) Dizia eu, repito, que era um bom serviço que todos os partidos accordassem na conveniencia que ha em se respeitarem reciprocamente todas as individualidades mais ou menos importantes da politica, e sobretudo aquellas que se sentam nos bancos do poder.
Não me refiro nem a um nem a outro grupo politico; refiro-me a todos que no parlamento e na imprensa, sem respeito algum pelas pessoas, e tambem pela verdade, se dirigem aos individuos que se sentam nos conselhos da coroa, da maneira mais inconveniente.
Elles são immoraes, elles são devassos, elles emfim, são classificados por fórma que eu me pejo de o reproduzir n'esta casa.
Nós podemos e devemos respeitar a dignidade dos ministros.
São homens que podem errar, não attribuamos por má intenção o que póde ser um erro, e muito mais quando não não podérmos provar aquillo que avançâmos.
Se elles, prevaricam, deixemos as reticencias e formulemos francamente a accusação em face dos documentos que a comprovem.
Eu sou tanto mais insuspeito n'esta minha opinião quanto é certo que, pelo meu temperamento, sou talvez um tanto violento, mas tendo feito muitos annos opposição ao partido regenerador fiz a alguns membros as mais graves accusações, requeri accusação criminal contra os ministros, mas precisei factos e não usei de insinuações nem reticencias.
Tanto aqui como lá fora se falla em syndicatos, sublinhando a phrase.
Sr. presidente, todos os individuos que foram ministros, que o são actualmente, e que o podem vir a ser, têem os seus amigos particulares; direi mais, teem necessidade de os ter e obrigação de satisfazer a um certo numero de pretensões d'elles.
Mas porque os têem, segue-se que tal amisade é superior aos interesses publicos que devem zelar no poder?
Sejamos justos, essas amisades a maior parte das vezes são contraproducentes e deixa da se lhes satisfazer as licitas e justas pretensões porque são amigos, fazendo-se com toda a facilidade aos que o não são.
Eu não quero malsinar nem estes ministros nem os que foram, porque uns e outros hão de ter amigos e tanto me importa que sejam amigos do sr. marquez da Foz como do sr. Burnay, podem ser amigos de quem quizerem, que a todos faço a justiça de que o bem e interesse publicos são superiores a qualquer consideração de amisade mas se o
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contrario acontecer, venham as accusações claras, francas e sem reticencias, por fórma que o publico as pese e avalie e os accusados possam defender-se.
Este systema de nos estarmos a desacreditar mutuamente pôde-nos prejudicar tanto dentro do paiz como fóra d'elle.
É minha convicção profunda que tanto os ministros actuaes como os que foram são honrados e não ha paiz algum em que os ministros sejam mais dignos e mais honra dos que os nossos. (Apoiados.)
Tenho dit.
O sr. Presidente (S. exa. não reviu): - Desejo consultar a camara sobre se permitte que eu use da palavra, não só para responder ao digno par o sr, Francisco de Albuquerque, como tambem para explicar o meu procedimento de hontem. N'este mesmo logar eu usarei da palavra se a camara mo permittir, de contrario abandonarei a presidencia. (Vozes: - Falle, falle.)
A respeito do procedimento de hontem, devo dizer que não tive nem podia ter motivo algum de aggravo que me levasse a proceder menos agradavel e cortezmente para com o sr. Francisco de Albuquerque, pelo contrario, tenho mantido sempre com o digno par as mais cordiaes relações de amisade, sendo até devedor a s. exa. de grandes favores. Já se vê, pois, que não podia ser intenção minha maguar o digno par.
Estou certo que com estas minhas poucas palavras s. exa. ficará satisfeito; mas tenho de ser mais largo em relação á interpretação que o digno par deu ao meu procedimento, isto é, que eu havia infringido a lei d'esta casa, encerrando a sessão.
A camara recorda-se que a sessão foi occupada exclusivamente pelos srs. camara Leme e ministro da guerra. Quando a discussão chegou a um certo ponto reconheceu-se que ella não podia terminar dentro da hora.
Vem á mesa um digno, par indicar a conveniencia da sessão se prorogar até se votar o projecto.
A mesa respondeu-lhe que só por meio de um requerimento apresentado antes da hora terminar e approvado pela camara é que se poderia prorogar a sessão. Era esta a praxe estabelecida. O digno par, satisfeito com esta resposta que lhe deu a mesa não insistiu mais. Mas, de repente lembrei-me eu e disse ao sr. secretario que. o digno par o sr. Francisco de Albuquerque, havia pedido a palavra para explicações, antes de se encerrar a sessão, e manifestei os escrupulos que tinha, em lh'a conceder, por isso que, em virtude da manifestação da camara, a sessão apenas estava prorogada até o sr. ministro da guerra terminar o seu discurso.
O sr. primeiro secretario respondeu que o digno par o sr. Francisco de Albuquerque apenas queria dar algumas explicações. Eu, ainda continuando com os meus escrupulos, mandei dizer por um .continuo ao digno par que se dignasse vir á mesa fallar commigo. S. exa. teve a extrema benevolencia de satisfazer o meu pedido. Manifestei-lhe os escrupulos que tinha em lhe conceder a palavra. S. exa. respondeu-me: que apenas diria duas palavras, pois eram breves as explicações que tinha a fazer, e com isto manifestou-me o grande desejo que tinha de fallar antes de encerrada a sessão.
N'estas circumstancias eu accedi ao pedido do digno par. O sr. ministro da guerra continuou o seu discurso.
Dada a hora o sr. visconde de S. Januario voltou-se para mim e pediu-me licença para proseguir nas considerações que estava fazendo até concluir o seu discurso, que apenas levaria poucos minutos.
Eu disse a s. exa. que não lhe podia dar essa permissão sem auctorisação da camara; consultada esta concedeu a licença e s. exa. continuou, terminando o seu discurso depois de alguns minutos. Eu então dei a palavra ao sr. Francisco de Albuquerque, que usou d'ella emquanto quiz: em seguida pediu a palavra o sr. Camara Leme, e, quando s. ex.a. estava, fallando, um outro digno par, o sr. Bandeira Coelho, intercallou nas explicações d'aquelle digno par algumas palavras, e, fazendo o mesmo o sr. Francisco de Albuquerque, aconteceu por fim que, ao mesmo tempo, estavam fallando tres dignos pares. N'esta occasião pediu tambem a palavra, como relator do parecer, o sr. Franzini, e em seguida, sem a pedir, nem lhe ser concedida, de novo começou a fazer uso d'ella o sr. Francisco de Albuquerque ...
O sr. Francisco de Albuquerque: - Eu ainda não tinha terminado e por isso continuava no uso da palavra que v. exa. previamente me concedêra.
O sr. Presidente: - A impressão que teve a mesa, eu e os srs. primeiro e segundo secretarios, foi de que v. exa. já tinha terminado as considerações para que havia pedido a palavra e de que estava então fallando sem ella lhe ter sido dada.
Pareceu-me portanto que, n'estes termos, a discussão estava irregular e o meu fim, dando o incidente por terminado e fechando a sessão, foi acabar com essa irregularidade.
São estas as explicações que eu tinha a dar á camara. De resto todos aqui têem a mesma lei e igual direito. Assim pois daqui por diante serei inexoravel em não dar a palavra à quem quer que seja, senão nos termos do regimento.
O sr. Vaz Preto: - Sr. presidente, mando para a mesa um requerimento pedindo alguns documentos pelo ministerio do reino, e, como o respectivo ministro está presente, peço a s. exa. que mande que me sejam remettidos com urgencia.
Aproveito igualmente a presença do sr. presidente do conselho para pedir a s. exa. que me diga se lhe consta que houvesse algum conflicto entre o governador civil substituto de Castello Branco e o provedor da misericordia d'aquella cidade.
O sr. Presidente do Conselho e Ministro do Reino: - Primeiramente direi ao digno par que diligenciarei effectuar o mais breve possivel a remessa dos documentos que s. exa. pediu.
E quanto ao conflicto, a que s. exa. acaba de referir-se não tenho noticia alguma.
Não sei se na secretaria do reino haverá alguma participação chegada de Castello Branco, mas immediatamente tratarei de me informar d'isso; se assim for, não deixarei de tomar quaesquer providencias que de mim dependam.
Leu-se na mesa o requerimento do digno par o sr. Vaz Preto que e do teor seguinte:
Requerimento
Requeiro que seja enviada com urgencia à esta camara a correspondencia trocada entre o governador civil de Castello Branco e o provedor da misericordia da mesma cidade a proposito do fornecimento ou arrematação de pão cozido para o hospital no corrente anno economico de 1887 e 1888. = Vaz Preto.
Mandou-se expedir com, urgencia.
O sr. Vaz Preto: - Não tenho senão que agradecer ao sr. presidente do conselho a resposta que me deu.
O sr. Thomás Ribeiro: - Sr. presidente, eu hontem não estava presente, por incommodo de saude, quando se discutiu o projecto de lei que respeita á força publica. Ao ler os jornaes de hoje senti não ter assistido porque teria entrado na discussão em que se levantou imprudente e iniquamente um incidente improprio d'esta casa e do parlamento. E peço a v. exa. que me diga, se terminou já a discussão do projecto que estava na ordem do dia, porque, e não terminou ainda, eu peço a v. exa. o favor de me inscrever.
Como tenha a fortuna de ver presente o sr. ministro dos negocios estrangeiros vou fazer a s. exa. uma pergunta.
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Ha tempo, estando presente apenas o sr. ministro da fazenda, eu perguntei a s. exa., pelo natural amor que todos temos e principalmente aquelles, (em cujo numero não entrei por falta de esperança no resultado e por desapprovação ao methodo que se escolheu), que assignaram uma petição ao Santo Padre a qual s. exa. prometteu enviar a Roma, petição que traduzia o nosso desejo de voltarem para o padroado portuguez as christandades de Ceylãò, qual foi é destino que s. exa. deu a essa petição que aliás as duas camaras assignaram, e qual a resposta que porventura tenha obtido da Santa Sé?
É possivel, provavel mesmo, que já haja alguma resposta; porque vi um dos homens mais devotados a esta questão, o meu nobre amigo, o sr. conde de Alte, fallar agora com s. exa. e não lhe perguntar cousa alguma a tal respeito. E tambem desejo saber como são tratadas pelo governo ou pela Santa Sé as petições do parlamento portuguez.
Desejo que s. exa. me responda. Desejo e espero.
Sr. presidente, visto que estou com a palavra, direi ainda alguma cousa a respeito das reflexões do meu patricio e amigo, o digno par, o sr. Francisco de Albuquerque.
Eu não sei aonde se dirigiram as reflexões de s. exa.
Tinha sido, creio eu, levantado um incidente entre o digno par, o sr. Camara Leme e s. exa. a proposito de uma moção antiga, dirigida directa ou indirectamente ao meu saudosissimo chefe, o sr. Fontes. Tudo se passara na sessão de hontem a que não assisti. Do que porém acaba de dizer vejo que tem o nobilissimo desejo de que haja o accordo ao menos tacito, entre os partidos, de não se injuriarem reciprocamente.
Folgo muito que este desejo se manifeste por parte de um partido que raras vezes deixou de aggredir o partido regenerador de uma maneira... quem sabe? violenta e amarga.
Eu tenho estado sempre n'esse accordo tacito, e appello para toda a minha vida politica que data de 1861. Diga-me alguem se eu alguma vez puz em duvida, ou nas discussões parlamentares ou na imprensa, onde tenho tido por vezes tambem alguma parte, a honra, a probidade a honestidade de qualquer dos meus adversarios politicos?
Não se usava esse systema entre nós, partido regenerador, a que tive sempre a honra de pertencer, e com saudade espero encontrar de novo, porque não sei agora aonde para.
Entre nós não havia o systema de aggredir a honra e a dignidade, o pundonor, o patriotismo dos nossos adversarios.
E não o faziamos por duas rasões: a primeira é porque não acreditavamos nas malversações, facilmente attribuiveis n'este paiz aos seus homens publicos, a segunda por se tornar mais nobre a victoria honrando os adversarios.
Alem de que é uma aberração politica tornar individual um ataque por sua natureza collectivo.
Portanto, n'esta parte estou perfeitamente de accordo com o digno par, e folgo muito de que partissem estes votos do lado da maioria.
Sr. presidente, como a referencia do digno par me tomou de improviso não posso dizer ao certo o que se passou, mas julgo recordar-me da phrase ou phrases do meu saudoso chefe e amigo o sr. Fontes Pereira de Mello; essas phrases eram perfeitamente anonymas, não tinham sobrescripto para ninguem, referiam-se, creio eu, apenas ás muitas injurias que diariamente choviam sobre elle e sobre os seus companheiros. Elle não tinha nunca intento de formular ou proferir uma offensa pessoal.
O sr. Francisco de Albuquerque: - Apoiado.
O Orador: - No entanto, se é preciso que alguem tome a responsabilidade de uma phrase de um digno chefe, apesar da minha situação hoje excepcional, por excentrica, em relação ao partido regenerador, mas que me honro muito com as tradições que elle lhe legou, não tenho duvida alguma em acceitar inteira essa responsabilidade. Porém, repito, o sr. Fontes Pereira de Mello não quiz, de certo, offender ninguem, e só quiz desviar de si, ou de nós, as insinuações que lhe eram dirigidas; mesmo porque elle tinha a serenidade dos justos e dos honrados, e deixou exemplos de muito perdão. Tenho dito.
O sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros (Barros Gomes): - Sr. presidente, é para dizer ao digno par que o governo se tinha desempenhado, como lhe cumpria, da promessa feita nas duas casas do parlamento, entregando ao nuncio de Sua Santidade n'esta côrte uma nota, na qual se communicava o voto de ambas as camarás, com relação ás christandades de Ceylão.
Todavia, o governo ainda não recebeu resposta alguma sobre haver tomado a Santa Sé qualquer resolução a este respeito, o que não é para admirar, porque é natural que Roma tivesse de consultar os seus delegados na India, e que, só depois de obter particularisadas informações, tome uma resolução sobre p assumpto. Com estas explicações creio ter satisfeito o digno par.
O sr. ThomáS Ribeiro: - É da praxe o agradecer sempre as respostas que dão os srs. ministros, porém eu desta vez não agradeço; apenas reforço o pedido dos meus collegas, signatarios da mensagem, rogando-lhe que se não esqueça deste empenho, a fim de ver se obtem qualquer resposta á nota que s. exa. entregou ao nuncio de Sua Santidade, emquanto as camaras legislativas estão reunidas. Eu não espero que ella seja favoravel aos desejos manifestados por esta camara e pela camara dos srs. deputados, previ e prevejo a sorte que nos está destinada, mas o que quero em. todo p caso é que fiquemos desenganados a respeito do que se póde obter de Sua Santidade; por isso eu peço ao sr. ministro que, por intermedio do nosso representante em Roma, apresse a solução d'este negocio, a fim de nos poder communicar o que houver de ser, antes de se fechar o parlamento.
O sr. Hintze Ribeiro: - Sr. presidente, as declarações vagas que acaba de fazer o digno par, o sr. Francisco de Albuquerque, de certo não me obrigariam a levantar, se porventura s. exa. não tivesse feito uma referencia que, de qualquer modo alguem póde suppor me diz respeito.
Convenho em que no parlamento é dever nosso, independentemente de accordo, o discutir todos os assumptos, sem offensa para ninguem. Não ha mister accordo para isso, repito, porque é dever de consciencia de todo o homem digno.
S. exa., porém, fez uma censura a discussões mais ou menos acerbas, que no parlamento se tinham levantado em tempo, e por essa occasião censurou mais directamente que houvesse aqui quem se referisse a syudicatos, na acepção odiosa da palavra, isto é, com referencia ao alcance que elles podessem ter em relação á politica.
Ora, como eu, por occasião de se discutir n'esta camara um projecto de lei, disse sobre syndicatos o que pensava, e o que sentia, sem offender ninguem, pergunto a s. exa. se era a mim que s. exa. se referia n'essa censura.
Se era a n'um que s. exa. se dirigia, eu preciso responder a s. exa.; se não era, nada tenho que acrescentar.
(S. exa. não reviu)
O sr. Francisco de Albuquerque: - Eu fallei genericamente. Não me referi a s. exa., nem individualmente a pessoa alguma.
Estabeleci o principio, e nada mais. Mas se s. exa. quer por força que se lhe refiram, tome como quizer.
Eu gosto d'estas discussões apaixonadas é vehementes, é uma diversão agradavel.
O sr. Hintze Ribeiro: - O digno par disse que não desejava reticencias em qualquer discussão.
Tambem eu não as desejo, e, porque não as desejo, é
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que pergunto a s.. exa. se se dirigia a mim nas palavras que proferiu.
O sr. Francisco de Albuquerque: - Eu disse já que não me tinha referido a s. exa., nem a determinada individualidade.
O sr. Hintze Ribeiro: - Sendo assim, nada tenho que responder. Direi só que não receio qualquer referencia que se me faça, porque tomo a responsabilidade de todos os meus actos.
O sr. Presidente: - Tem a palavra o sr. Fernando Palha, mas permitta-me s. exa. que lhe diga que são quasi quatro horas e ainda não se entrou na ordem do dia.
Pedia, pois, ao digno par que não demorasse este incidente.
O sr. Fernando Palha: - São apenas duas palavras.
Eu não fallaria n'esta occasião se não fosse uma phrase proferida pelo digno par sr. Thomás Ribeiro e o que o digno par e meu illustre amigo o sr. Hintze Ribeiro acaba de dizer. S. exa. é tanto mais injusto com o digno par sr. Francisco de Albuquerque, quanto é certo que a primeira vez que este anno alguem n'esta casa se referiu a syndicatos foi dirigindo-se a mim.
Ora, eu devo dizer que embora desde logo tencionasse levantar a phrase, não o fiz immediatamente porque, não a julgando injuriosa, não quiz, n'uma discussão que já tanto se tinha prolongado, concorrer para que ella se protrahisse ainda mais.
A phrase partiu do digno par o sr. Thomás Ribeiro.
S. exa. talvez não esteja lembrado, mas a mim lembra-me que, usando eu da palavra na resposta ao discurso da corôa e sobre o padroado, s. exa. fazendo-me a honra de responder a algumas das minhas observações, terminou o seu discurso pedindo-me que me lembrasse de que havia mais alguma cousa do que syndicatos.
As declarações que s. exa. acaba de fazer convencem-me de que não houve por parte de s. exa., como então julguei, intenção de me aggredir.
N'essa occasião julguei-o e achei o facto tanto mais notavel, quanto é certo que s. exa. não foi por motu proprio que fallou de syndicato, pois quando estava usando da palavra ouvi eu perfeitamente um aparte de um digno par que estava perto de s. exa., e no qual a palavra foi pronunciada, e confesso-lhe que, dada a elevação de espirito de s. exa., me espantou que fosse ali buscar, a phrase com que terminou o seu discurso,
Tinha feito já tenção, porque todo o tempo é tempo, (Apoiados.) de levantar essa phrase na primeira vez que me coubesse fallar n'esta casa, mas como hoje está sendo difficil n'esta camara usar da palavra a proposito sobre qualquer assumpto, por isso me tinha conservado silencioso a este respeito.
Eu desejava, por exemplo, entrar na questão de fazenda, porque entendo que ella é a primeira de que nos devemos occupar e porque concordo com a quasi totalidade das propostas apresentadas pelo sr. ministro da fazenda; mas na discussão d'estas propostas apenas faliam um ou dois oradores da opposição responde-lhes, como é natural, o ministro e os respectivos relatores, de forma que, a não se fallar contra, e não o podia eu fazer, visto que apoio como disse as medidas apresentadas, não é possivel entrar no debate e dizer o que se tem a dizer e que em parte ainda aqui se não disse.
Esperava, pois, occasião opportuna para levantar a phrase do digno par sr. Thomás Ribeiro.
Essa occasião chegou hoje, não a deixarei escapar.
S. exa. disse ainda ha pouco que nunca na sua já longa carreira politica combatêra qualquer adversario com insinuações ou reticencias pessoaes, e em vista d'esta declaração, eu que nunca fui adversario politico de s. exa., eu, que nunca lhe fui adverso em campo algum, creio que não foi a sua intenção atacar-me por aquella fórma, porém não deixa por isso de ser um facto que s. exa., respondendo-me, terminou o seu discurso com uma phrase que hoje é considerada como offensiva.
S. exa., mesmo então que eu suppunha que a sua intenção era magoar-me, não o conseguiu, pelo contrario o que fez foi lisonjear-me.
Não me magoou, porque não tendo até ao presente de ice envergonhar, ou de me arrepender de qualquer acto da minha vida publica ou, particular, não me offenderá nunca quem a elles se referir, e se de alguma cousa posso estar certo é de que sempre me succederá o mesmo, pois embora, tenha de commetter muitos erros (não seria homem se os não commettesse), seguro das minhas intenções, poderei sempre vir confessar os erros, mas nunca me envergonharão.
Lisonjeio-me porque, na verdade, fallando s. exa. em resposta ao primeiro discurso que tive a honra de proferir no parlamento, não pude deixar de dizer a mim mesmo e com espanto: "Pois tanto valho eu que já vale a pena dirigir-me uma insinuação?"
Para de antemão responder a quem alguma vez se lembre de novo que me póde ferir com qualquer referencia a syndicatos, repetirei que sei para onde vou, sei de onde venho e que não renego qualquer dos meus actos passados, nem d'elles tenho que me envergonhar.
Pertenci ao syndicato, ao da moda, áquelle que hoje logra servir de tela aos calumniadores, ao de 13 de setembro; posso d'elle até dizer quorum pars magna fui. Longe de o occultar, d'isso me vanglorio. Honro-me de me ter associado áquelles que, pela sua energia, pela sua tenacidade, pela sinceridade com que se houveram quando, de todos os lados eram atacados, souberam pôr em cheque e levar de vencida tudo quanto do mundo financeiro até então tinha dominado em Portugal. Não são entre nós tão vulgares estas provas de vitalidade que as tenha em pouco quem uma vez as deu.
A palavra syndicato, nova e moderna entre nós, longe de ser offensiva, devia ser honrosa, porque designa de entre ás associações, cuja base é o interesse, a que tem por sancção a honra dos associados; é formula que a lei não reconhece e, por consequencia, só a mutua confiança garante a execução das clausulas estipuladas. Quem pertence a um syndicato já tem por si ao menos a presumpção de que houve um grupo de homens que n'elle confiaram bastante para o tomarem por socio, sem as cautelas legaes que os codigos facultam.
Não haveria, pois, motivos para julgar offensa qualquer referencia a syndicato, se ha algum tempo para cá parte da imprensa não tivesse transformado a palavra n'um compendio de calumnias tão vis como infundadas; quem falia, pois, em syndicato, referindo-se a alguem, parece querer dirigir-lhe todas as accusações que a palavra subentende.
Pois apesar da suspeição em que querem pôr os que ao syndicato pertenceram, não nos offende essa palavra, porque estou convencido que ainda lhes hão de fazer justiça.
O syndicato de 13 de setembro formou-se para atacar, a verdade é esta, e substituir a administração da companhia real dos caminhos de ferro portuguezes que pelo seu systema de exploração ao passo que preparava a mina dos accionistas explorava em proveito de emprezas estrangeiras estranhas ao fim com que a companhia tinha sido organisado os lucros de uma empreza essencialmente portugueza com grave prejuizo dos seus interesses e dos do paiz. (Riso e apoiado do sr. Franzini.)
Não me de v. exa. o seu apoiado ironico, se julga que encontrou em contradicção o procedimento do presidente da camara municipal de Lisboa com o do administrador do caminho de ferro. Não encontrou n'um e n'outro caso combati não os exploradores de lucros legitimos mas os usurpadores da riqueza publica.
A companhia dos caminhos de ferro estava condemnada a uma morte fatal; estava definhada, com prejuizo para todos para o paiz e para o publico, porque a ruina de empre-
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zas d’esta ordem nunca póde deixar de ser causa de graves transtornos á economia de um paiz.
Organisou-se o syndicato para o fim que já disse, e o resultado immediato foi que os lucros legitimos que daquella empreza podem advir passaram para as mãos portuguezas. Julgo que ninguem ousará achar n’isso inconveniente, pelo contrario, a vantagem é manifesta.
Mas outro resultado se obteve, sr. presidente, muitissimo mais importante e que já hoje se está manifestando; até então a intervenção de capitães estrangeiros fazia-se entre nós do mesmo modo que no Egypto ou n’outros paizes orientaes: os portuguezes eram na finança europea considerados ao lado dos fellahs, ou pouco mais. Os financeiros cosmolitas não se associavam aos interesses portuguezes, exploravam-nos tão somente, e dos portuguezes só se serviam como auxiliares d’essa exploração. Vinham aqui buscar-se uns nomes para administradores de companhias e depois acobertados com elles as administrações estrangeiras faziam o que queriam e como queriam, e nem sempre em proveito da empreza que administravam, como n’este caso.
Hoje sabe-se lá fóra que quem quizer vir explorar-nos com os seus capitães, ha de contar com os homens que estão cá; sabe-se que em Portugal temos intelligencias, energias e actividades, e que com estes elementos podem contar e têem de attender.
Portugal deixou de ser a lauta boda em que comia não a Hespanha toda, mas o bando faminto dos especuladores cosmopolitas. Taes resultados obtiveram-se com aquelle syndicato. Por isso não é vergonha para ninguem dizer que pertenceu a elle.
Diversos foram os moveis que levaram os homens que para aquella empreza se juntaram. O mesmo não foi o interesse. E podia sel-o que ainda não teria motivo para me envergonhar.
Ha no mundo, sr. presidente, quatro grandes forças que movem o homem: a fé, tão enfraquecida hoje; o amor, que já não é para a minha idade; (Riso.) a ambição, a justa ambição de dominio e de gloria, e o interesse. Ora, o interesse nada tem de vergonhoso quando, sem hypocrisia se apresente franco, claro e leal. Devemos-lhe, com certeza, o estado actual da nossa civilisação, o desenvolvimento moral e material da humanidade; assim como da fé nasceram as grandes abnegações, do amor as loucuras heroicas, da ambição os actos de valor e civismo, que honram a humanidade.
Só é vergonhoso Aquando tem a fraqueza de se esconder quando tendo por fim o lucro, escolhe por lemma a fé, o amor ou a ambição.
Mas não foi o interesse o meu movel; foi pura e simplesmente o amor á lucta, que é uma das feições predominantes do meu caracter. Agradou-me a causa, porque me pareceu justa.
Fui para a lucta, e n’ella me mantive, emquanto foi necessario, porque nunca saío do posto, que me confiam, emquanto durou a hora do perigo: passou, saí.
E se alguma duvida ainda restar em alguem sobre as minhas intenções, poupem-me ao menos a inveja, sabendo quaes os resultados que d’ahi tirei.
Esta camara, a quem já foram submettidos dois pareceres, que me dizem respeito, se comparou as cifras com as datas, não póde ignorar que o resultado que consegui pessoalmente foi pôr em risco o patrimonio que de meus pães tinha herdado.
E não fui eu só que os colhi iguaes.
Todos quantos lá entraram, arriscaram tudo que tinham.
A lucta não foi de palavras; n’ella se empenhou a vida, a honra, tudo. Eu arrisquei quanto possuia, e ainda sinto as consequencias d’isso. Portanto, nem d’ella sai mais rico, pelo contrario; nem ficou de que me envergonhar.
Era isto o que eu tencionava dizer ao sr. Thomás Ribeiro, quando tivesse, como agora tive, occasião de fallar sobre este assumpto.
Tenho dito.
O sr. Thomás Ribeiro: — O digno par é injustissimo para commigo, e alem de injusto é ingrato.
O sr. Fernando Palha: — Nem injusto, nem ingrato.
O Orador: — Dou a minha palavra de honra a v. exa. que sei hoje, pela primeira vez, que s. exa. pertenceu a um syndicato: ignorava-o absolutamente.
A minha apreciação era impessoal.
Alem d’isso, não julgo que seja deshora entrar, em companhias ou syndicatos, como hoje se chama, d’onde se tire lucro.
O que eu senti, nem sequer lh’o censurei, foi que o digno par dissesse que acima de tudo, para nós governar a iodos, estava ainda aquelle bezerro de oiro que Moysés pretendeu deixar, escondido nas faldas do Sinay,
S. exa. ergueu-o como symbolo ou como bandeira.
Depois disso tratou, lembro-me agora, de Retinir o que sejam monumentos historicos, e excluindo d’esse. numero o padroado de Portugal no oriente, disse que, incontestavel monumento era, por exemplo, a Batalha.
Ora o homem que acima de tudo colloca o bezerro de oiro, devia acrescentar que lamentava o motivo da consagração d’esse monumento.
Sob o ponto de vista do bezerro de oiro a união de Portugal com a Hespanha não dava um bezerro dava uma manada. (Riso.)
Eu pedi a s. exa., que tem grandes dotes e muita illustração, não quizesse transformar n’uma sociedade anonyma este paiz.
Apenas uma vez, se não me engano, fallei em syndicatos; foi quando declarei que não queria uma constituição redigida de modo que, em vez de se dizer: «um rei reina e um governo governa», se dissesse: «um grande banco reina e um syndicato governa».
Foi simplesmente n’este sentido que eu fallei.
Disse que não queria que os syndicatos interferissem, nem superiormente, nem fatalmente, na administração do paiz, e isto repito hoje, e repetirei sempre, com toda a força da minha convicção.
Aqui tem o digno par o que eu disse, o que digo, e o que repetirei sempre.
Longe de mim a idéa de dirigir uma censura, a s. exa. mesmo porque eu hão tenho o direito de o censurar.
Manifestei simplesmente o sentimento que eu tinha de ver que um moço, muito na idade de ter amores... (Riso.) muito na idade dos amores... S. exa. não os tem porque respeita o seu estado, pelo que eu dou ã v. exa. e a todos os seus os meus sinceros parabens. (Riso.) Manifestei, dizia, o sentimento que tinha por ver que um individuo na idade das paixões generosas, dos sentimentos nobres, das aspirações de gloria nos trouxesse pomo symbolo do presente e esperança unica do futuro o celebre bezerro de oiro com que já Moysés não sympathisava...
O sr. Fernando Palha: — Mas foi isso exactamente o que eu não disse.
Digne-se ler o meu discurso, e s. exa. verá que labora perfeitamente n’um equivoco.
Na minha vida ha loucuras, não d’aquellas que visam a alcançar dinheiro, mas a gastal-o.
O Orador: — Muito bem. Creio que dei as explicações necessarias, e que não ficam duvidas sobre a intenção das minhas palavras. São quatro horas; eu callo-me, porque v. exa. está com muita vontade de que se entre na ordem do dia, e eu não tenho menos.
OEDEM DO DIA
O sr. Presidente: — Vae entrar-se na ordem do dia, que é a continuação da discussão do parecer n.° 75.
O sr. Franzini: - Tinha hontem pedido a palavra,
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unica e simplesmente para declarar que, tendo o sr. ministro da guerra respondido tão cabalmente ás observações e ás diversas considerações apresentadas pelo sr. D. Luiz da Camara Leme, eu, na qualidade de relator, nada mais podia acrescentar, e tinha tambem tenção de pedir a v. exa. que consultasse a camara sobre se consentia que a sessão fosse prorogada até se votar o projecto, visto que estava extincta a inscripção. V. exa. não me concedeu a palavra, e o meu intento deixou de realisar-se.
Hoje estão varios dignos pares inscriptos. Aguardo as considerações de s. exas., e pedirei de novo a palavra se entender que ellas carecem de resposta.
(S. exa. não reviu.)
O sr. Pereira Dias: - Acha que tarde se entra na ordem do dia, se bem não julgue perdido o tempo que a precedeu, visto que durante elle á discussão se tornara muito amena, até o ponto de se ter versado n'ella o sentimento do amor, sentimento a que aliás se não dá ainda pôr completamente estranho, a despeito de ser mais velho que o digno par que primeiro se referiu a tão caprichoso affecto. (Riso.)
Que tambem ali se haviam adduzido protestos ou indicações para que entre nós sé corrija a maneira como se faz a critica politica. Todavia, n'este ponto, com a auctoridade da sua experiencia, é que dá por completamente perdido o tempo.
Quanto a syndicatos, attento o que ouvira, desde logo começara a sentir uma invencivel prurigem de sympathia por elles, e se jamais conseguíra metter-se em nenhum, o seu appetite agora era metter-se em todos. (Riso.)
Reconhece, porém, que aos homens em vida mais accusados, resulta-lhes, com a liquidação que traz a morte, o ficarem completamente illibados.
E que sobre isto nem mais uma palavra!
Em seguida transfere-se a outro assumpto, isto é, ao discurso do sr. D. Luiz da Camara Leme, a cujo intento pedira a palavra.
Começa por affirmar que toda a camara presta homenagem ao respeitavel caracter d'aquelle digno par e ao talento pertinaz com que tão louvavelmente advoga sempre a causa e as immunidades da classe militar.
Reputa-o por isso uma como que sentinella constantemente vigilante, mas talvez perdida, ponderado que nem com os seus proprios amigos conseguira nunca o triumpho das suas idéas.
Relativamente ao processo Marinho da Cruz, ao qual s. exa. se reportara, não approva nem reprova os relatorios dós seus illustres collegas. E este um assumpto sobremodo complexo e tanto que, embora desde a véspera tivesse á mão todos es respectivos documentos ainda hoje se não dera por habilitado, a fim de o tratar devidamente. Alem d'isto, quando tal lhe fosse possivel, não o faria n'aquelle momento e logar, onde iria provocar discussões inconvenientes, sendo conseguintemente defezo a qualquer digno par intervir ein tão melindrosa questão. (Apoiados do sr. Thomás Ribeiro.)
Em absoluto não contesta que o medico possa errar, visto que póde errar qualquer homem de sciencia, visto que tambem erra o proprio jurisconsulto. A medicina é uma sciencia difficilima; não tem, como a jurisprudencia, leis escriptas, definidas e que precisamente se ajustem a qualquer accidente ou caso fortuito. Muito ao revez, suecede que na medicina o que em these é preceituado como acerto, póde na hypothese converter-se n'um gravissimo erro. Convem, pois, em que se discutam as opiniões do medico, mas não admitte que se ridiculisem.
Recorda que, levantando o sr. D. Luiz da Camara Leme este incidente, collocava o sr. ministro da guerra na obrigação de lhe responder, procedendo que da resposta interpretaram mal as suas palavras.
Assevera que s. exa. declarára positivamente que não podia, nem devia interferir n'essa questão, porque respeitava a lei e a independencia do poder judicial.
O sr. Hintze Ribeiro: - Hontem o sr. ministro da guerra não dizia aqui que confiava em que a decisão do tribunal de primeira instancia não seria confirmada pelo tribunal superior?
O sr. Ministro da Guerra (Visconde de S. Januario): - Supponho não ter proferido a palavra confiava.
Não me lembro de ter dito similhante palavra, e corrigil-a-ía, se os srs; tachygraphos a houvessem escripto, porque teria sido effectivamente um lapso.
Eu disse que era possivel que fosse confirmada a sentença pelo tribunal superior de guerra, mas não disse que confiava.
O Orador: - Porfia em que o sr. ministro dá guerra não dissera o que se lhe quer agora attribuir, e commenta os sorrisos do sr. Hintze Ribeiro como uma manifestação de mal cabido jubilo.
O sr. Hintze Ribeiro: - Eu não podia regosijar-me por ter ouvido dizer ao sr. ministro da guerra qual era a sua opinião sobre uma causa que ainda está pendente, e estimo bem que s. exa. previsse a má impressão que podia causar a sua palavra, e que nem sequer ousasse pronunciar a sua opinião a tal respeito.
O Orador: - Mais que nunca, insiste agora em averbar de inconvenientissima a discussão d'este assumpto, ainda que incidentemente, cumprindo antes á camara o dever de guardar sobre elle o mais absoluto e completo silencio.
Secundando por sua parte esta affirmativa, passa logo a ventilar o projecto que está na tela do debate.
Então controverte a ultima reforma do exercito, ponderando, entre outras reflexões, que ella não sómente creára regimentos sem soldados, como já ali se dissera, senão que tambem regimentos sem quarteis, segundo era opinião sua.
A este proposito, lembra que, na qualidade de governador civil de Castello Branco, visitara o chamado quartel d'esta cidade, o qual realmente não é mais do que um enorme casarão, sem condições nenhumas para o fim a que o destinaram.
Ali, tudo está esburacado, não ha solho nos pavimentos, não ha forro nos tectos, os soldados dormem sem luz e no centro d'esse vastissimo pardieiro avulta certo ponto, que devera estar mais escuso, e cujas mephiticas emanações, assaltando-lhe o olfacto, ainda hoje lhe causam na memoria uma bem desagradavel recordação.
Julga, todavia, que as paredes d'este edificio estão solidas, e que, em rasão do seu amplo espaço, vale talvez a pena de gastar com elle algum dinheiro, para sequer o tornar habitavel e menos insalubre.
Faz ainda sobre isto outras considerações, juntando que no mesmo caso, e urgindo de remedio prompto, se acha tambem o quartel de Penamacor.
Chama sobre este facto a attenção do sr. ministro da guerra e declara que vota o projecto.
(Publicar-se ha este discurso na integra, quando s. exa. haja revisto as notas tachygraphicas.)
O sr. Presidente: - Vou dar a palavra ao digno par o sr. Thomás Ribeiro, mas eu pedia a s. exa. que nas suas observações se limitasse a apreciar a materia de que trata o projecto que está em discussão.
O sr. Tnomás Ribeiro: - Sr. presidente, o que me parece é que bem tarde chegou a v. exa. o escrupulo que manifesta!
V. exa. permittiu que durante a sessão de hontem, em que tambem este projecto esteve em discussão, largamente fallasse o sr. Camara Leme, que provocou este incidente deploravel, inconveniente, iniquo; incidente sobre que fallou tambem o sr. ministro da guerra, pronunciando a sua opinião.
V. exa. não lhes retirou a palavra, nem lhes advertiu que
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tal discussão não tinha cabimento aqui. São para mim só os seus extemporaneos escrupulos? Pois engana-se.
Agora, tenha paciencia, sr. presidente, ha de ouvir-me ha de permittir que eu falle tambem, visto que a questão do processo Marinho da Cruz está levantada; e não fui eu que a levantei; visto que foi aqui apreciada e discutida e eu quero e posso discutir tambem.
Eu pensava que vivia n’um paiz civilisado; mas vejo com tristeza, que vivo num paiz pouco menos que selvagem, onde não ha garantias individuaes, nem poderes in dependentes, nem possibilidade de justiça.
V. exa. permittiu que se commettesse hontem aqui uma violação flagrante da carta; mais um attentado constitucional como se não bastassem os do governo.
V. exa. deixou que a camara dos pares avocasse um processo que está ainda dependente da resolução do tribunal superior de guerra e marinha, e deixou-o discutir e sentenciar. É inaudito!
Eu não queria dizer o que vou dizer, sr. presidente; mas na realidade, todos estes factos concorrem para caracterisar ainda a anarchia que ahi reina desde que este governo dictador está governando este paiz, por nossa desgraça.
Têem-se visto cousas nunca vistas durante a gerencia d’este governo! Inventar e sanccionar as mais extravagantes fórmas de contrafacção á lei fundamental.
Sem me referir senão ao ministerio dos negocios efstrangeiros encontrâmos moldes para tudo. O parlamento já ousou approvar ou antes consentir uma concordata que o governo fez approvou, e ratificou, sem ao menos pedir absolvição do seu attentado.
Ahi era aniquilada. por inteiro a prerogativa do poder legislativo.
Tambem o parlamento approvou um tratado, com a Allemanha, creio eu, em que o governo assignara um artigo addicional onde se estatue que o tratado entrará immediatamente em execução desde que for approvado pelas côrtes. Onde está aqui a ratificação do poder executivo? Percindiu-se d’essa condição constitucional. Desta vez foi o executivo que desapparece.
Tambem o parlamento approvou e consentiu que n’um futuro tratado com a China o poder legislativo nada tenha que approvar, o executivo nada tenha que ratificar, contanto que de Kong-Kong a Inglaterra regule os negocios de Macau.
E uma abdicação de todos os poderes!
Depois de tudo isto, faltava ver avocar a camara dos pares um processo ainda sujeito aos tribunaes e pronunciar sobre elle a sua opinião um ministro da corôa, de quem eu aliás sou muitissimo amigo. É a força adquirida do desvairamento! Assim o quizeram, assim o tenham. Em vista da organisação d’este monstruoso tribunal revolucionario, avocado como está contra a expressa determinação da carta um processo crime pendente do poder judicial, aqui venho e discutamos.
Forçado a entrar n’este debate, acceito a declinatoria, e declaro que é preciso que eu e o sr. ministro da guerra o discutamos.
O sr. camara Leme: — Eu não me referi ao processo senão incidentemente.
Até disse n’essa occasião que não me parecia conveniente emittir opinião ácerca desse processo. Appello para o testemunho de toda a camara.
O Orador: — Se v. exa. me dá licença, vamos então a proceder por ordem.
O extracto da sessão de hontem, publicado n’alguns jornaes, diz o seguinte: (Leu.)
O sr. Camara Leme: — Isso não disse eu. Apenas me referi ao facto chamando para elle a attenção do sr. ministro da que.
O Orador: - Mas s. exa. fallando n’esse facto, fazia a critica d’elle. Qual é a sua opinião a este respeito? Diga-a! Peço a s. exa. o obséquio de o dizer sem hesitações, para acabarmos com estas interrupções. (Pausa.)
Isto chama-se forçar a mão a um tribunal, o que vae decidir; e consultar aquelle que sentenciou, exautorando os officiaes e magistrados que fizeram parte do conselho de guerra.
Sr. presidente, eu honro-me de apertar a mão aos membros d’aquelle tribunal que teve a coragem de reagir contra as pressões de uma opinião ignorante e cruel.
Honrar-me-ia com a amisade d’aquelles briosos, justos e indepedentes officiaes, tanto dos que votaram a absolvição como dos que assignaram vencidos, porque uns outros e cumpriram nobremente o seu dever, (Apoiados.) apreciando livremente documentos e depoimentos do processo, que aliás a camara dos pares não conhece; porque todos elles decidiram e votaram conforme lh’o indicou a1 sua cons ciencia. (Apoiados.)
O sr. D. Luiz da camara Leme: — Apoiado.
O Orador: — Apoiado! Então para que traz aqui esta questão? Em nome de que principio? Em nome de que lei? Em nome de que necessidade ou conveniencia?
Não basta ao exercito dar á patria o seu repouso, o seu sangue, a sua vida, ha de tambem estar sujeito a imperiosidades e veleidades de mandões e não ás leis do seu paiz!,
Pois é assim que se sustenta a dignidade do exercito? E assim que se pretende manter a disciplina? Pois não está no respeito sagrado á lei a maxima disciplina?
Sr. presidente, eu não sou militar, mas não posso deixar ultrajar officiaes do exercito que vestem a sua farda com tanta dignidade como o digno par e amigo o sr. Camara Leme, e com tanta dignidade tambem como o sr. ministro da guerra. (Apoiados.)
Para que é que vem aqui dizer-se que esses officiaes faltaram aos seus deveres?
Nós é que faltamos aos nossos, avocando este processo. (Apoiados.)
Sei o que se pretende, sei; comprehende-o tambem o tribunal. Caminhâmos, imprudentes, para a anarchia judiciaria. Avocarmos um processo pendente!
Prohibe-o a lei e prohibe-o o senso commum, prohibe-o o proprio decoro.
É preciso que cada um dos poderes do estado respeite o outro, aliás ámanhã nem v. exa. nem eu temos segura a nossa propriedade, a nossa vida, a nossa honra. Posterguemos a justiça ou forcemos a mão do julgador e veremos o que nos fica. (Apoiados.) Ousado arrojo!
O digno par sabe alguma cousa do processo? Se sabe diga-o. Diga-o já.
Sabe tambem alguma cousa d’esse processo o sr. ministro da guerra, de modo que possa fundamentar o seu parecer?
Diga o que sabe e discutamos. Affirmo que nada sabem. E ousam accusar e setenciar!. ..
O sr. Ministro da Guerra: — Eu não emitti a minha opinião ácerca do processo.
O Orador: — Peço perdão, s. exa. julgou iniqua a sentença do tribunal, e eu lhe digo como.
O sr. Ministro da Guerra: — Eu não podia intervir no julgamento, assim como, repito, não emitti a minha opinião sobre o processo.
O Orador: — Eu acceito a sua rectificação. As palavras modificam-se, mas a intenção permaneceu e a ameaça içou, o que tende a produzir um mal irreparavel.
O sr. Ministro da Guerra: — Quaes são essas palavras?
O Orador: — S. exa. disse que, emquanto for ministro da guerra, não consentirá que o alferes Marinho da Cruz
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volte ás fileiras do exercito, enodoar os seus camaradas.
O sr. Ministro da Guerra: — Disse essas palavras, é facto, porque isso está nas minhas attribuições.
O Orador: — Supponha s. exa. que aliás não sabe nada do que está no processo, que não examinou o réu, nem é alienista, supponha que o réu foi com justiça absolvido.
Que quer dizer essa promessa antecipada, que equivale a julgar iniqua a sentença do tribunal militar? Se não sabe de que lado está a justiça; se não sabe se o réu é ou não é criminoso, como ousa proferir que o seu contacto enodoaria os seus camaradas?
Porque não se limitou a dizer que respeitará, como lhe cumpre, a decisão da justiça?
S. exa. exorbitou dos seus deveres e do seu direito; sinto muito, porque é um homem liberal, um homem de bem. Deixou-se arrastar na onda da turba anonyma. Fez mal.
O preso está hoje ou devia, estar sob a protecção das leis, mas foi aqui desacatado e injuriado.
Não é acção nobre nem generosa.
Um preso!
Sabe o nobre ministro da guerra alguma cousa do que se passou no tribunal? Tem alguma rasão com que fundamente a sua insinuação? Póde fundamentar alguma opinião sobre a sentença do tribunal? Insisto na pergunta.
Declaro terminantemente que não tem nenhum fundamento que possa adduzir ante a camara e que torne sequer desculpavel o seu procedimento, e menos ainda a sua allusão.
Declaro o mesmo, e com a mesma convicção e insistencia, ao sr. Camara Leme. Estou prompto à discutir, e desafio-os a que é façam.
Ainda bem que se praticou este attentado de avocar o processo.
Acceito o tribunal.
Já sei qual é o destino que, se prepara ao réu. Querem que o tribunal trepide diante d’esta quasi unanimidade de uma nação. Não digo, bem dos que fingem representai-a. Comprehendo e toda a gente comprehende. Faltava na balança a espada do ministro da guerra; veiu tambem. Não falta nada.
O sr. Ministro da Guerra: — Isso é, que é duvidar da independencia do tribunal, que ha de fazer, o julgamento.
O Orador: — Quereis que o tribunal se torne, em pretorio. Ide lá! eu hei de ir tambem; ide ver até onde chegam as condescendencias de Pilatos. Ou estamos n’uma degeneração violenta, ou vós estaes enganados. Apesar dos vossos esforços, eu acredito mais na probidade dos juizes deste paiz do que acredito no vosso poder e na vossa auctoridade. E bem sei que não é impunemente que um ministro da guerra antecipa na camara dos dignos pares o juizo dos tribunaes, tornando-se o seu accessor officioso. (Apoiados.) Protesto calorosamente contra este procedimento, inversão de todos os principios de justiça, postergação de todas as leis.
O sr. Mexia Salema: — Esta questão não deve continuar.
(Simultaneamente pedem a palavra alguns dignos pares.)
O sr. Presidente: — Eu pedia ao digno par que não proseguisse nesse assumpto, porque realmente.
O Orador: — Eu estou fazendo o que v. exa. devia fazer ou ter feito. V. exa. pertence ao supremo tribunal de guerra e marinha, a que está affecta a sentença de outro honrado tribunal militar, que v. exa. deixou insultar e injuriar; e não teve uma palavra com que obrigasse o digno par que levantou a questão e o ministro, que a acceitou e aggravou, a respeitarem o que é forçoso respeitar: uma sentença que não passou ainda em julgado e officiaes do exercito que não estão aqui para se desaggravarem. É assim que se mantem a disciplina do exercito e da armada? Estranha formula.
O sr. Presidente: — Aqui não sou presidente do tribunal, superior de guerra e marinha, sou, presidente d’esta camara.
O sr. Conde de Castro: — Ninguem insultou o tribunal.
O sr. Presidente: — As palavras que o digno par attribue ao sr. Camara Leme não foram ouvidas na mesa; aliás, eu não consentiria que o orador as proferisse. Alem d’isso os extractos dos jornaes a que s. exa. acaba de alludir, não são exactos. Pedia, portanto, ao digno par que mudasse de assumpto.
O Orador: — Vou terminar, porque não quero apurar mais esta triste questão.
Aguardemos confiantes ou resignados a decisão do tribunal; mas declaro a v. exa. que não ha justiça possivel, quando outro poder se insurge contra o poder judicial e quer forçar o braço ao julgador. Não teve outro intuito esta questão aqui. Ouso asseveral-o.
O sr. Ministro da Guerra: — Peço a palavra.
O Orador: — Podem dizer o que quizerem; mas a verdade é esta. Pela minha parte, protesto contra este procedimento e estranho-o.
Aquelles que manifestaram a sua opinião a respeito do facto, condemnando, clara ou implicitamente, a sentença do tribunal, não sabem nada do processo, não conhecem o parecer dos peritos, nem podem avaliar as rasões que determinaram a sentença; e não são capazes de sustentar discussão sobre o assumpto.
Fica lançada esta provocação, que mantenho. Pela primeira vez na minha vida deixo de parte a minha justa modestia em favor da rasão, do direito, da justiça. Acceito o tribunal e discutamos.
Eu conheço este paiz e sei o que é de impressionavel. Talvez n’este, momento não haja vinte pessoas em Portugal que tenham a coragem de reagir contra esta corrente revolta da opinião, tanto mais clamorosa quanto mais ignorante, que se desencadeou contra um homem que está preso e sujeito aos tribunaes.
Grande gloria!
O sr. Sá Carneiro: — Peço a v. exa. que me inscreva; tanto na sessão de hontem como na de hoje tenho ouvido cousas que me levam a pedir a palavra.
O sr. Thomás Ribeiro: — Digne-se v. exa. conceder a palavra ao nobre general que a pediu, desejo buvil-o; e peço a v. exa. que me inscreva de novo apoz s. exa.
O sr. Presidente: —Vou dar a, palavra ao digno par o sr. Costa Lobo, que a pediu para apresentar um requerimento.
O sr. Costa Lobo: — Requeiro a v. exa. que consulte a camara sobre se julga a materia suficientemente discutida.
Consultada a camara resolveu afirmativamente.
O sr. Presidente: — Em vista da resolução da camara, vou pôr o projecto á votação.
Posto á votação foi approvado.
Em seguida foi approvado sem discussão o parecer n.° 80 que é do teor seguinte:
PARECER N.° 80
Senhores. — A vossa commissão de guerra examinou o projecto de lei vindo da camara dos senhores deputados, que tem por fim reorganisar, sem augmento de despeza, os quadros do pessoal que vence feria, tanto no deposito geral do material de guerra, como nos estabelecimentos fabris do commando geral de artilheria, modificar as tabellas dos respectivos vencimentos, e conceder direito a reforma aos operarios que, á data do decreto de 17 de julho de 1886, ainda o não tinham sendo-lhe regulado nos termos do mesmo decreto.
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A vossa commissão, considerando as rasões expostas no relatorio que precede a proposta do governo, e as adduzidas no parecer da commissão de guerra da camara dos senhores deputados, com as quaes concorda plenamente;
Considerando que os estabelecimentos destinados á fabricação do material de guerra carecem de transformações successivas, por terem de acompanhar os incessantes progressos feitos na sciencia e arte da guerra, principalmente os que são do dominio da chimica applicada ás artes militares; quedas exigencias actuaes d’estas sciencias são de tal ordem que requerem a maxima perfeição nos artefactos de guerra, sem a qual, não só deixarão de corresponder ao fim para que são destinados, mas nem mesmo poderão ser empregados com segurança;
Considerando ainda que algumas disposições consignadas nas nossas leis, tendentes a conciliar a bem entendida economia do thesouro com os justos interesses do pessoal fabril, designadamente as que se encontram no artigo 51.° e seus paragraphos do decreto de 13 de dezembro de 1869, no § unico do artigo 62.° do mesmo decreto, na disposição 2.ª do artigo 3.° da carta de lei de 8 de junho de 1883, á qual foi dada execução pelo decreto de 8 de agosto do mesmo anno, não têem correspondido completamente ao seu fim:
Por estas rasões é a vossa commissão de parecer que o referido projecto deve sei approvado, para subir á real sancção.
Sala da commissão, em 12 de julho de 1887. = José Paulino de Sá Carneiro João Leandro Valladas Antonio Florencio de Sousa Pinto = Sarros e Sá Marino João Franzini = Domingos Pinheiro Borges = Camara Leme = José Bandeira Coelho = Candido de Moraes = Conde do Bomfim = Visconde de Silva Carvalho = José Joaquim de Castro, relator.
Projecto de lei n.° 31
Artigo 1.° É o governo auctorisado a organisar os quadros do pessoal que vence feria, em serviço no deposito geral de material de guerra e estabelecimentos fabris do commando geral de artilheria, e bem assim a modificar as tabellas dos vencimentos do mesmo pessoal, sem que haja augmento de despeza, ou seja reduzido o vencimento dos actuaes operarios e mais empregados.
Art. 2.° Os operarios que á data do decreto de 17.de julho de 1886 não tinham ainda direito á reforma, ser-lhes-ha esta regulada nos termos do referido decreto.
Art. 3.° Fica revogada a legislação em contrario.
Palacio das côrtes, em 6 de julho de. 1887.= José Maria Rodrigues de Carvalho, presidente = Francisco José de Medeiros, deputado secretario = José Maria de Alpoim de Cerqueira Borges Cabral, deputado secretario.
Foi depois posto a votação o parecer n.° 74, que e do teor seguinte:
PARECER N.° 74
Senhores. — A vossa commissão de guerra examinou com attenção o projecto de lei n.° 14, vindo da camara dos senhores deputados, concedendo definitivamente á camara municipal de Chaves ás muralhas e fossos da praça, já provisoriamente concedidos por carta de lei de 23 de junho de 1879, e por oito annos.
É certo que o resto das fortificações que circumdam a villa de Chaves são antiquissimas e de systema completamente inefficaz em face dos modernos aperfeiçoamentos da arte da guerra, e do alcance da artilheria hoje empregada.
Modernamente, alem do recinto proximo, é necessario, para a defeza efficaz de uma praça de guerra, occupar com obras avançadas as posições dominantes, para annullar os effeitos da artilheria do sitiante contrabatendo-o, que de outro modo em breve reduz a um montão de ruinas insustentavel a praça atacada.
Não tendo, portanto, a praça de Chaves importancia militar ião reconhecida, que obrigue a sacrificar ás condições de defeza o commodo dos seus moradores, apertados no recinto das muralhas, e impossibilitada assim a camara municipal de melhorar as condições hygienicas da villa, dando logar a que a população possa desaccumular-se, entende a commissão de guerra que o referido projecto de lei n.º 14 merece, de accordo com o governo, ser approvado para subir á sancção regia.
Sala da commissão, em 11 de julho de 1887. = José Paulino de Sá Carneiro = Antonio Florencio de Sousa Pinto = Francisco Maria da Cunha = José Joaquim, de Castro = José Maria Lobo d’Avila = Barros e Sá = Conde do Bomfim = Marino João Franzini.
Projecto de lei n.° 14
Artigo 1.° É o governo auctorisado a tornar definitiva á camara municipal de Chaves a cedencia temporaria das muralhas e fossos que circumdam esta villa, cedencia que lhe foi feita por carta de lei de 23 de junho de 1879, com à condição, porém, que o ministerio da guerra poderá reservar para si todo o terreno e material que julgar indispensavel para quaesquer edificações militares, assim como os terrenos necessarios para aquartelamentos ou campos de exercicio.
Art. 2.° A camara municipal de Chaves poderá aproveitar os fossos e ordenar a demolição das muralhas, conforme as necessidades da população, as exigencias do embellezamento é as condições de salubridade publica.
Art. 3.° Fica revogada a legislação em contrario. Palacio das côrtes, em 27 de junho de 1887. = José Maria Rodrigues de Carvalho, presidente = Francisco José de Medeiros, deputado secretario = José Maria de Alpoim de Cerqueira Borges Cabral, deputado secretario.
O sr. Bandeira Coelho: — Eu não combato este projecto, approvo, mas approvo-o excepcionalmente, porque excepcional considero a concessão que nelle se faz. Em-quanto pertenci á outra casa do parlamento, oppuz-me sempre a concessões d’esta natureza, e agora, se me não opponho a esta, é porque militam em seu favor rasões especiaes, quaes são a de ter ella já sido feita, embora pelo praso de oito annos em termos de não poder ficar nada para o estado, e agora estabelerem-se restricções importantes apesar da concessão ser definitiva.
Pela carta de lei de 23 de junho de 1879 foi o, governo auctorisado a entregar á camara municipal de Chaves as muralhas e fossos que circumdam a villa para serem aquellas demolidas e estes aproveitados, conforme as exigencias do população e as condições de salubridade publica, e esta cessão foi limitada ao periodo de oito annos, findos os quaes as muralhas e fossos deveriam voltar ao dominio e posse da fazenda publica. É claro que n’estas condições a camara municipal de Chaves poderia n’estes oito annos demolir todas as muralhas e aproveitar todos os fossos, e nada por consequencia poderia voltar para o dominio e posse da fazenda; se o não fez, sujeitando-se a não lhe ser feita nova concessão, é porque de certo o valor dos terrenos e pedra das muralhas não era considerado na localidade de tal importancia que merecesse a pena o seu aproveitamento immediato. Por isso, é porque na concessão definitiva que hoje se faz, se estabelece a condição de que o ministerio da guerra poderá reservar para. si todo o terreno e material que julgar indispensavel para quaesquer edificações militares, assim como os terrenos necessarios para aquartelamentos ou campos de exercicio, é que eu não tenho duvida em dar a minha approvação ao projecto, mas, como já disse, excepcionalmente.
É porém occasião de chamar a attenção do sr. ministro da guerra sobre um assumpto que prende com este, e com aquelle a que ha pouco se referiu o digno par e meu amigo o sr. Pereira Dias, fallando dos quarteis no districto de Castello Branco.
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O governo fica auctorisado todos os annos a vender em basta publica os terrenos e edificios, em posse do ministerio da guerra, e que não Fervem para usos militares, applicando o producto d’essa venda á reparação e construcção de quarteis.
O sr. ministro da guerra tem pendente de discussão as outra casa do parlamento uma proposta pedindo auctorisação para contrahir um emprestimo de 2.700:000$000 réis, applicaveis a estas despezas.
Creio que essa proposta não poderá ser convertida em lei na presente sessão, e por isto eu lembrava a s. exa. que, aproveitando-se da disposição, que é permanente em todos os orçamentos ou em todas as leis de meios, podia desde já, no actual anno economico, conseguir verbas importantes para ir applicando ás reparações, reconstrucções e novas idificações de quarteis.
Mande s. exa. pôr em praça todos os terrenos que não sirvam para usos militares, e realisando com essa venda uma somma importantissima, poderá applical-a a essas construcções, evitando-se assim, não só a demora nas obras mais urgentes dos mesmos quarteis, mas a continuação das pretenções á alienação gratuita d’esses terrenos ou edificios. Concorram á licitação as corporações locaes ou os particulares que os pretenderem.
Era sobre este ponto que eu queria especialmente chamar a attenção de s. exa. o sr. ministro da guerra.
O sr. Ministro da Guerra: — Declara que o projecto em discussão não é da sua, senão de iniciativa particular.
Que apenas fôra consultado sobre se porventura concordava com elle.
Que effectivamente o acceitava, não como principio geral, porem, muito excepcionalmente, visto ser um facto já consummado a concessão á, camara municipal de Chaves, das muralhas e fossos da praça, a que se refere o projecto, e igualmente assistir sempre ao ministerio da guerra, o direito de ficar com os terrenos necessarios á construcção de quarteis ou a qualquer outro mister.
Assegura depois que devidamente se estudara esta questão e se apreciara e computara a, necessaria verba, para a construcção de novos quarteis e reparação dos existentes, sendo que a n’esse intento, apresentara mais tarde uma proposta ao parlamento, pedindo um emprestimo de réis 2.700:000$000.
Que todavia esse emprestimo não é mais do que uma antecipação durante um certo periodo, a fim de rapidamente, se proceder ao que tanto urge.
Que para fazer face a quaesquer despezas conta com aquella somma, e ainda com, o producto da venda de alguns terrenos pertencentes ao ministerio da guerra.
Tem por indispensavel, não sómente a reparação de muitos quarteis, como tambem a construcção de outros novos, por bem notorio que a maior parte d’elles eram conventos, e como taes, destinados a fins diversos, que não ao aquartelamento de tropas, embora se haja gasto muito dinheiro para a sua ainda imperfeitissima transformação.
(O discurso de s. exa. será publicado na integra, quando haja visto as notas tachygraphicas.)
O sr. Presidente: — Vae ler-se o projecto.
Leu-se na mesa e foi approvado na generalidade e especialidade.
O sr. Presidente: — O digno par, o. sr. Silva Amado, pediu a palavra para sessões de se encerrar a sessão.
Eu devo dizer a s. exa. que pouco tempo falta para terminarem hoje os nossos trabalhos e que a sessão não foi prorogada; mas se o tempo que nos resta, chega para s. exa. tratar de algum assumpto, eu dou a palavra ao digno par.
O sr. Silva Amado como a hora está adiantada, eu desisto da palavra.
O sr. Presidente: — Agora vae ler-se o parecer n.° 78.
Leu-se na mesa e é do teor seguinte:
PARECER N.° 78
Senhores. — As vossas commissões reunidas de fazenda e de administração publica examinaram attentamente o projecto de lei n.° 26, vindo da camara dos senhores deputados, pelo qual é concedido á sociedade das casas de asylo de infancia desvalida de Lisboa o edificio em, que de ha muito está estabelecido o asylo da Santa Quiteria, e para o fim de continuar a manter-se nelle o mesmo asylo, e as vossas commissões:
Considerando quanto é justa, conveniente -e benéfica esta concessão, e que no artigo 2.° do projecto está acautelada a reversão para o estado, sem pagamento de quaesquer bem feitorias, quando cesse a applicação a que o mencionado edificio é destinado:
São de parecer que este projecto de lei deve ser approvado para subir á real sancção.
Sala da commissão, em 11 de julho de 1887. = A. de Serpa = Thomás Ribeiro = Thomás de Carvalho = Mexia Salema = Manuel Antonio de Seixas = Pereira de Miranda = Frederico Ressano Garcia = Augusto José da Cunha = Mendonça Côrtez = Henrique de Macedo = Hintze Ribeiro = Telles de Vasconcellos = Barros e Sá = Sequeira Pinto = Conde de Castro, relator = Tem voto dos srs: Conde de Restello = Francisco de Almeida Cardoso de Albuquerque.
Projecto de lei n.° 26
Artigo 1.° É concedida á sociedade das casas de asylo de infancia desvalida, de Lisboa o edificio, em que se acha estabelecido o asylo denominado de Santa Quiteria, é que pertenceu ao, seminario dos orphãos, instituido pelo padre Egydio José da Costa, na travessa de Santa Quiteria, freguezia de Santa Izabel, cidade de Lisboa, para o exclusivo fim de ali continuar a manter o dito asylo.
Art. 2.° Esta concessão ficará de nenhum effeito, e o edificio reverte livre para o estado, sem dependencia de pagamento de quaesquer bem feitorias, desde que cesse a applicação par a que é concedido o mesmo edificio.
Art. 3.° Fica revogada a legislação contraria a esta.
Palacio das côrtes, em, 4 de julho de 1887. = José Maria Rodrigues de Carvalho, presidente = Francisco José de Medeiros, deputado secretario = José Maria de Alpoim de Cerqueira Borges Cabral, deputado secretario.
Foi approvado sem discussão.
O sr. Presidente: — Vae ler-se o parecer n.° 79.
Leu-se na mesa e e do teor seguinte:
PARECER N.° 79
Senhores. — A vossa commissão de administração publica publica examinou attentamente o projecto de lei n.° 28 vindo da camara dos senhores deputados, que tem por fim auctorisar a camara municipal de Villa do Conde a applicar ás despezas geraes do municipio as sobras do rendimento da ponte sobre o rio Ave, e bem, assim o saldo existente, tudo pela fórma por que n’elle se contém; e Considerando que é de vantagem publica que a camara municipal de Villa do Conde regularise o seu estado financeiro pela fórma mais adequada aos interesses de seus municipes, applicando convenientemente os seus creditos e legalisando a sua gerencia;
Considerando que, pela applicação ás despezas geraes do municipio do rendimento da ponte sobre o rio Ave, pela fórma por que se pede no projecto e bem assim do saldo existente não deixam de ser respeitadas em toda a sua plenitude as disposições da provisão de 9 de junho de 1821, que creou aquelle imposto:
É a vossa commissão de parecer que está no caso de ser approvado o referido projecto de lei.
Sala das sessões, 9 de julho de 1881. = Mexia Salema = Marquez de Rio Maior = Thomás de Carvalho = Thomás
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SESSÃO DE 20 DE JULHO DE 1887 725
Ribeiro = A. Telles de Vasconcellos = Francisco de Albuquerque, relator.
Proposta de lei n.° 28
Artigo 1.° É auctorisada a camara municipal de Villa do Conde a applicar ás despezas geraes do municipio as sobras do rendimento da ponte sobre o rio Ave, depois de deduzidas todas as despezas, com os reparos e conservação da ponte de madeira, que hoje existe sobre esse rio, e bem assim o saldo existente, proveniente dos annos anteriores.
Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.
Palacio das côrtes, em 4 de julho de 1887. = José Maria Rodrigues de Carvalho, presidente = Francisco José de Medeiros, deputado secretario = José Maria de Alpoim Borges Cerqueira de Cabral, deputado secretario.
Foi approvado sem discussão.
O sr. Presidente: — A proxima sessão terá logar na sexta feira, 22 do corrente, e a ordem do dia, na primeira parte, é a eleição de dois membros para a junta do credito publico, um proprietario e outro substituto; na segunda é a discussão dos pareceres n ºs 76, 77, 81, 83 e 84.
Está encerrada a sessão.
Eram cinco horas da tarde.
Dignos pares presentes na sessão de 20 de julho de 1887
Exmos. srs. Antonio José de Barros e Sá; Condes, de Alte, do Bomfim, de Campo Bello, de Castro, da Folgosa, de Magalhães, de Paraty; Viscondes, de Alemquer, de Benalcanfor, de Borges de Castro, de Carnide, de S. Januario, da Silva Carvalho Barão do Salgueiro; Agostinho Lourenço, Braamcamp Freire, Aguiar, Pereira de Miranda, Quaresma, Sousa Pinto, Antunes Guerreiro, Henriques Secco, Senna, Pequito de Seixas, Costa Lobo, Carlos Bento, Hintze Ribeiro, Fernando Palha, Cardoso de Albuquerque, Costa e Silva, Van Zeller, Ressano Garcia, Barros Gomes, Henrique de Macedo, Valladas, Vasco Leão, Coelho de Carvalho, Gusmão, Bandeira Coelho, Baptista de Andrade, Ayres de Gouveia, Castro, Fernandes Vaz, Silva Amado, José Luciano de Castro, Lobo d’Avila, Ponte Horta, Mello Gouveia, Sá Carneiro, José Pereira, Mexia Salema, Sampaio e Mello, Camara Leme, Pereira Dias, Vaz Preto, Franzini, D. Miguel Coutinho, Gonçalves de Freitas, Thomás Ribeiro, Pinheiro Borges, Adriano Machado.
Redactor = Ulpio Veiga.