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SESSÃO DE 2 DE AGOSTO DE 1890 771

portação de trigo até 3 L de março, mediante o pagamento do direito de 16 réis por kilogramma.

Agora as colheitas estão concluidas, a escassez de hontem transformou-se agora em abundancia, e, portanto, hoje deixam de imperar as rasões que cutão levaram o governo a modificar a lei protectora da lavoura nacional.

O decreto de. 13 de março ultimo, parece-me (se me não falha a memoria), que modificou em grande parte a lei de 15 de julho de 1889, permittindo a entrada de cereaes estrangeiros, sem os certificados que provassem terem os negociantes importado o dobro de trigo nacional, e baixando o direito, sem lixar a quantidade rigorosamente determinada do trigo que poderiam importar até 31 do proximo mez de agosto.

A lei de 15 de julho de 1889 era uma lei protectora da agricultura, mas tambem determinava as circumstancias em que se poderia permittir a entrada de cereaes estrangeiros, para evitar a carestia do pão.

Se ella teve em vista proteger o agricultor, não é menos certo que não esqueceu os interesses do consumidor e o bem estar das classes pobres.

Teve em vista proteger a agricultura, porque se entendeu que era necessario e indispensavel haver um preço remunerador para o trigo; mas, ao mesmo tempo, permittia ao governo o poder obstar a que esse preço do trigo se elevasse.

Em fevereiro d’este anno verificou-se officialmente que não bastavam os cereaes para as necessidades do nosso mercado; mas o que ninguem provou, nem mesmo o relatorio da syndicancia feita ás fabricas de moagem, é que o trigo portuguez tinha attingido o preço medio de 600 réis, que havia sido considerado como o limite, alem do qual seria permittido importar cereaes estrangeiros para evitar a carestia do trigo.

Isto não se provou; mas o que se provou e verificou, não obstante as allegações em contrario dos negociantes de cereaes, e o que se póde ler nos documentos officiaes, foi que o preço do alqueire de trigo não só não excedera os 600 réis, como tambem na maior parte das fabricas não chegaram a pagal-o a mais de 580 reis!

Portanto, sr. presidente, já vê v. exa. e a camara que não se podia invocar como principio, para modificar a lei de 15 de julho, a carestia dos trigos nos mercados nacionaes.

Havia num dado periodo falta de cereaes até ás colheitas, e bastaria que a importação se fizesse em harmonia com as necessidades do consumo, determinado pela somma das medias mensaes da importação nos ultimos cinco annos.

A importancia da cultura cerealifera, sr. presidente, considero-a tão grande que, sem ella, desappareceria toda a riqueza publica!

É ella a base, o nucleo de todos os systemas de exploração agricola bem organisados; e nos paizes meridionaes como o nosso, é esta cultura insubstituivel.

Dizem que o paiz não produz cereaes sufficientes para o consumo? É verdade; mas não é menos verdadeiro tambem que já produziu quanto trigo precisavamos e até um excesso que exportavamos, e para mim é convicção profunda que o paiz póde e deve produzir os cereaes necessarios para o seu consumo.

Em justificação d’esta these reportemo-nos aos tempos remotos do passado. Segundo diz a historia, nos primeiros tempos da monarchia até aos fins do seculo XIII nós produzimos os cereaes necessarios e bastantes para o consumo da nossa população. Houve, é verdade, um ou outro anno anormal em que se fez sentir a fome, dizimando o paiz; porem, eram calamidades que igualmente se fizeram sentir em toda a Europa, como aconteceu nos annos de 1202 e 1333.

A partir dos fins do seculo XIII os cereaes começaram a escasseiar, e d’ahi as medidas violentas para compellirem os agricultores a semeiarem maior quantidade de cereaes, ou restricções violentas e improficuas que difficultavam as faceis transacções de cereaes no paiz, sem poderem evitar efficazmente que saíssem do paiz quando o lucro commercial convidasse o lavrador de uma certa localidade a exportar trigo. A falta de estradas e a difficuldade dos transportes faziam com que fosse mais conveniente abastecer Lisboa e os grandes centros, importando trigo do estrangeiro; e neste sentido a legislação d’aquellas epochas favorecia o commercio.

No fim do seculo XVI Lisboa, como a antiga Roma, vivia do trigo estrangeiro, que mandava trocar com o oiro da India aos mercados de Flandres e da Barberia.

N’aquellas epochas em que não sendo faceis os transportes e até, muitas vezes, eram impossiveis entre algumas povoações, no inverno acontecia que se morria de fome no norte do paiz, por exemplo, embora houvesse abundancia de tudo no sul.

Então era mais facil acudir á miseria com os trigos estrangeiros que entravam pelos diversos portos do paiz. De balde as leis pretenderam dominar no mundo economico para melhorar a sorte da agricultura e o marquez de Pombal com toda a sua energia, com toda a sua vasta intelligencia e com tantos conhecimentos especiaes sobre a agricultura pretendeu acabar com o nosso deficit de producção cerealifera mandando arrancar as vinhas nos terrenos apropriados para produzirem trigo.

Apesar do seu poder sem limites nada conseguiu, pois que effectivamente as medidas restrictivas para nada servem e para nada prestam, quando não são acompanhadas por grandes transformações economicas.

O grande mal da nossa agricultura cada vez se exagerava mais com as excessivas importações de cereaes que se faziam todos os annos.

Desde os fins do seculo passado até 1820 houve um periodo em que a importação foi exagerada; durante este periodo calculou-se a importação dos paizes estrangeiros em quatro mil e tantos coutos. Esta situação era a mina da agricultura. Então os lavradores reuniram; dirigiram-se aos notaveis homens publicos que então governavam o paiz, e foram attendidos por esses grandes patriotas que entenderam, e muito bem, não poder subsistir a prosperidade publica quando a agricultura agonisasse. Não receiaram a confirmação das prophecias dos negociantes economistas de então que pintavam o espectro da fome pairando com as mais negras cores sobre o paiz, e, como homens a quem a lucta ou qualquer receio nunca os acobardara, tiveram a coragem de decretar o aviso de 18 de março de 1820. O que ha de mais extraordinario, sr. presidente, é que então não havia estradas, não havia o mercado agricola, não havia telegrapho, não se podia mandar de um momento para outro um aviso.

Desde 1837 até hoje, n’esse periodo em vez da escassez e da fome, póde a influencia benefica d’esta lei, libertar-nos do onus pesadissimo de mais de 4.000:000$000 réis que dispendiamos; até então, importando cereaes, e revigorando a nossa agricultura, inspirando-lhe inteira confiança no governo, permittiu que os capitães a fecundassem, que se rasgassem novos campos com a charrua e que o solo produzisse trigo em quantidade tal que excedia as necessidades do consumo.

Se a minha memoria me não falha, durante o periodo que vae de 1820 a 1836 não houve falta de cereaes, bem que deixassemos do importar 6.000:000 de alqueires ao preço medio de 800 réis, valendo 4.800:000$000 réis.

Em 1837 começou a nossa exportação de trigo que durou dezoito annos, sendo relativamente importante a exportação de 1849 que excedeu 309:000 hectolitros.

Bem vê v. exa., sr. presidente, que o proteccionismo não foi a lei da fome, e bem pelo contrario, se lhe póde chamar a lei da abundancia, porque veiu promover a trans-