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CAMARA DOS DIGNOS PARES.

Conclue o extracto da Sessão de 23 de Novembro de 1844.

Discussão do parecer da Commissão especial, que

propunha a approvação dos Decretos legislativos

promulgados pelo Governo.

Tinha a palavra, e disse

O Sr. Serpa Saraiva: — Sr. Presidente, estando em discussão o parecer da Commissão, de que sou membro, mal posso escusar-me de fazer algumas breves reflexões, ou seja para sustentar o mesmo parecer, ou seja para responder a alguns argumentos adversos; sentindo comtudo o ter de fallar sobre materia tão debatida, e sobre a qual o maior merecimento do Orador consistirá mais na escolha de alguma novidade que esclareça, do que na repetição fastidiosa e inutil de logar communs, historias, e testemunhos livremente ditos, com o que mais se obscurece o desenvolvimento e applicação dos verdadeiros principios que eu procuro e desejo obter.

É pois o projecto de lei n.° 111, com as providencias a que se refere, e de cuja conveniencia é proprio, e mister que tractemos, a materia quo se acha em discussão. Evitámos discretamente no parecer a questão a que querem agora chamar-nos nossos adversarios, sobre a responsabilidade do Ministerio por haver promulgado aquellas providencias. Esta questão, que no seu principio é privativa da outra Casa, nos termos da Carta, já lá foi decidida competentemente, sem dar logar á accusação: portanto, nem póde repetir-se nesta Camara um objecto que lhe não pertence, nem póde seguir-se o julgamento sem a base da accusação. Muito menos póde isso ter logar na Sessão legislativa onde a Camara, que se não acha convertida em Tribunal, não guarda os essenciaes requesitos e fórma de processo que geralmente são estabelecidos por direito natural e das gentes, e especialmente determinados do Regimento interno do Tribunal; pois que sem accusação, sem defeza, sem producção e exame de provas, de uma e outra parte, sem sentença dada por Juizes certos e competentes, não ha legalidade nem julgamento. Estes são os principios e doutrina que a Carta seguiu, quando manda converter a Camara em Tribunal para conhecer da accusação, que se tenha decretado na outra Camara. Esta pois justificada a Commissão de haver evitado a questão, que não pertence a este logar; e os Dignos Pares, que zelosamente se mostram tão observantes da Carta, certamente serão os primeiros a reconhecer a verdade desta doutrina.

Eu não desceria finalmente, sobre este objecto ao campo das puerilidades, se um caracter distincto e tão improprio dellas, como nós, me não obrigasse a repellir a inexperada agressão, quando comparou a Commissão desta Camara ao menino que cubrindo os olhos, cuida que ninguem o vê. Eis o menino entre os doutores; forçoso era o disputar: e de que parte fica o triumpho decidirá a Camara á vista da argumentação dos contendores e do artigo 38 da Carta. Em todo o caso caberá á Commissão a innocencia; em quanto a opposição já n'uma idade provecta fecha os olhos offuscados pelo resplendor da verdade para evitar a força da luz que a debilidade de seus orgãos visuaes não póde supportar (apoiados).

Mas, por outro lado a opposição expõe com muito sentimento o ludibrio com que se tractam as Côrtes, quando se propozeram á sua cega approvação, as providencias que se tomaram durante o tempo em que se achavam fechadas; e que deste modo fica infringido artigo 13 da Carta. — Sr. Presidente, eu não o entendo assim; pois que, compelindo o Poder Legislativo ás Côrtes com sancção do Rei, nunca póde chamar-se ludibrio nem inconstitucionalidade o processo que procura verificar esta concorrencia, conforme o artigo citado.

Passando agora á conveniencia e utilidade das mesmas providencias, fallarei de algumas, olhando-as no seu verdadeiro espirito e pensamento dominante, deixando outras ao cuidado dos meus collegas que mais conhecimentos tiverem de materias em que são versados.

Fallarei por tanto do Decreto do 1.° de Agosto, que tão celebre se tem tornado nas mãos da opposição. Uns chamam-lhe reformador da Carta, como atacando a independencia do Poder Judicial; outros iniquo, porque ataca a propriedade e perpetuidade dos Juizes: quando elle não é se não uma lei de transferencias, doutrina já reconhecida, tanto na Carta como em leis regulamentares anteriores, principalmente, quando o exija o bem do serviço, principio a que não podem deixar de estar subordinados os Juizes de segunda instancia; ou seja pela propria lettra e intelligencia da Carta, ou seja porque em parte alguma della se concede a estes Juizes similhante isenção. — Nem se diga que o Governo exerce um livre e perigoso arbitrio nas transferencias: não, Sr. Presidente, porque o Governo não obra nas transferencias ordinarias se não no periodo, e conforme o determinado na lei; e nas extraordinarias por consulta ou deliberação do Conselho d'Estado, conforme a lei. Sr. Presidente, alli não se tracta de punir um Juiz, porque neste caso tem outro processo e Juizes competentes; mas da conveniencia publica e bem do Estado, onde só o Conselho d'Estado póde ler logar. Nem seria prudente, e menos seria constitucional, sujei tar o Governo á necessidade de correr uma demanda para verificar a conveniencia de um acto governativo. Se por um lado devemos sustentar a independencia judicial, tambem por outro não devemos tirar aquella que compete aos diversos Poderes. N'uma palavra, Sr. Presidente, se a transferencia dos Juizes de segunda instancia offendesse a sua perpetuidade e independencia, tambem a transferencia dos de primeira devia, por identidade de razão, offender a perpetuidade e independencia destes: mas não se duvidando, como nunca se duvidou, de que a transferencia a respeito delles é doutrina constitucional, nem lhes tira essa independencia, segue-se, e 6 coherente, que a mesma conclusão deve applicar-se aos Juizes de segunda instancia. Logo não é inconstitucional nem iniquo, na minha humilde opinião, o Decreto do 1.º de Agosto sobre transferencias.

Pelo que pertence á lei dos meios para cobrar e dispender as rendas do Estado, era ella reclamada por uma absoluta necessidade, que não permitte a ninguem o viver sem elles: não haveria governo possivel sem adoptar esta medida, tão justa como necessaria, principalmente em taes circumstancias.

Quanto ás leis de Fazenda, ellas são pela maior parte mais uns regulamentos e nomeação de Empregados que cabe ao Governo, do que outra especie da legislação privativa das Côrtes.

O Contracto do Tabaco foi arrematado em tempo competente, e com tanta vantagem, quanto o mostra claramente o augmento do credito publico dentro e fóra do Reino. E se algumas medidas ou condições foram accrescentadas para a melhor fiscalisação do contrabando, ellas não offendem, antes promovem, o interesse nacional; alliviando os encargos do povo laborioso, embora persigam os que querem viver á custa alheia. São finalmente um privilegio de causa, e não de pessoa, termos em que não podem excitar o ciúme de nações estrangeiras, que por isso não adquirem o mesmo direito na presença dos tractados, que se fundam na reciprocidade.

Resta-me fallar da lei da Instrucção Publica. No meu sentir foi esta uma das providencias mais adaptadas ás melindrosas circumstancias da Nação e do Estado, na occasião em que se reunia em Coimbra a mocidade academica, que tanto precisava de regulamentos policiaes, incluidos nesta lei; tio tempo em que, tanto Coimbra como Provincias do norte, tremião agitadas pelo receio de vêr suplantados seus interesses com o enfraquecimento do Corpo Universitario, e deslocação do Conselho Director, que receavam vêr distante, como um doente veria reunir-se uma junta de medicos, afastada de seu leito por muitas legoas.

Se outras pequenas providencias foram adoptadas, ellas eram mais um deferimento de requerimentos e negocios de partes, a cujo expediente cumpria dar prompto seguimento, do que verdadeiramente peças legislativas.

Um Digno Par, em logar de analyse de conveniencias, contou-nos historias, e para ellas não terei outra resposta senão historias!! (no sentido vulgar desta phrase.) Finalmente alguem nos trouxe dentro do sagrado recinto desta Camara um folheto anónimo, tão injurioso para a mesma, como impertinente para a questão que se ventila. Eu não me encarregaria de responder-lhe, se suas ignominiosas asserções não tivessem sido acceitas pelo mesmo Digno Par, que dividindo a Camara em varias secções ou ramos, relativos á origem e qualidade de seus membros, senão dirigisse a cada uma das ditas secções, ora empenhando-as, ora ameaçando-as sobre a sua futura vida politica, no caso de que se apartassem do seu voto e salutar admoestação, pois que então os proprios Prelados, Ministros da Igreja, em logar de mansos cordeiros, seriam lobos. Trouxe-nos por tanto este (aliás tão Digno) Orador, apezar da boa fé que lhe attribuo, geralmente fallando, no supracitado folheio, um cálix de amargura, que fizesse saliente a desigualdade no recinto da Camara, aonde tanto o nome, como a natureza de assembléa são homogeneos. Sr. Presidente, não me occuparei nunca na analyse das qualidades e origem dos dignos membros da Camara fóra della, bem persuadido de que aqui dentro todos somos iguaes, todos somas Pares (apoiados); e que sem medo nem odio votarei, como julgo todos o farão, conforme a minha consciencia.

O Sr. V. de Laborim, tractando do direito de censura, conveiu que, em regra, elle pertencia áquella Camara, mas que essa regra tinha excepção; e sustentou que em similhantes circumstancias o exercicio desse direito importava um choque, e ataque feito directamente á deliberação (ou antes julgado) de Juiz competente, que era a Camara dos Sr.s Deputados: além disto que se os Sr.s Ministros da Corôa haviam sido considerados innocentes pela mesma Camara, ganharam todo o direito a serem reputados como taes. Parecia-lhe por consequencia que a censura neste caso podia ser causa de se quebrar esse laço que ata a harmonia das Camaras, e que tão necessaria é para a feitura das leis, e para as conveniencias politicas: pedia por tanto licença para dizer aos Dignos Pares, que mostraram sobre aquelle negocio uma especie de instancia, que nelle se tinha desenvolvido um principio mais de teimosidade do que de justiça.

Disse, que sendo muitas as leis que se offereciam áquella discussão, á excepção da que dizia respeito ao Contracto do Tabaco (em que fallara o seu amigo o Sr. Silva Carvalho) entendia que se não tinha passado de generalidades, ou que se não tinha descido ao exame dos seus artigos, tractando do merecimento particular década uma das suas disposições. Que a unica lei que tinha servido de cavallo de batalha era o Decreto do 1.º de Agosto de 1842, e por isso fallaria sobre elle, não obstante haver-lhe já recahido o peso da analyse por parte da Commissão.

Disse, que um dos principios dos procuradores, ou representantes da Nação, consistia em abstrahir da sua propria posição politica na Sociedade, dos seus interesses, das suas relações particulares, em fim de todas as paixões, tendo por unico fim das suas fadigas, por unico alvo das suas intenções, o bem dos seus constituintes: que este dever sempre espinhoso, circumstancias havia em que se tornava um verdadeiro sacrificio, e que taes eram aquellas em que elle (Orador) se achava rodeado na importante questão do citado Decreto, que tinha por fim reprimir as demazias de alguns membros do Poder Judiciario, do Exercito, da Armada, e das Guardas Municipaes de Lisboa e do Porto. Disseque, apesar do seu demérito, (o Orador) se achava collocado no maior grau da Magistratura Portugueza: reconhecia que o Poder Judiciario tirava a sua força da harmonia dos seus membros; que era amigo de muitos magistrados, e respeitador de todos: observou que tambem já havia sido soldado, no principio da guerra da Peninsula, e que ahi, bem como no cerco do Porto, fôra testemunha de immensas gentilezas praticadas pelo valente e disciplinado Exercito portuguez, reconhecendo que a elle devia a Nação a sua independencia e liberdade: quanto aos Professores, confessava que mereciam elogios, por serem a verdadeira luz que nos tira das trevas da ignorancia, e quem nos pule o espirito. Que acompanhado, pois, de tão justos sentimentos, se via comtudo na triste posição de censurar alguns membros destas benemeritas classes, e de adoptar, para reprimir os seus excessos, toda e qualquer medida que podesse ler esse fim. Bem sabia (o Orador) que sobre elle haviam de chover mil injurias; todavia, em posição tão afflictiva, valia-lhe a esperança de que alguns conheciam que tivera o valor de trocar pelas obrigações e relações o cumprimento sagrado dos seus deveres.

Disse que o Decreto do 1.° de Agosto continha especialmente tres provisões (porque as outras eram de natureza regulamentar) que cumpria examinar: que na primeira se determinava que os Juizes das Relações possam ser transferidos de umas para outras por voto deliberativo do Conselho d'Estado; que os Juizes de Direito de Primeira Instancia o possam igualmente ser por voto consultivo do mesmo Conselho, e que aquelles que não forem para esses logares, possam ser demittidos sem sentença: que na segunda provisão se determinava que os Officiaes do Exercito, da Armada, e das Guardas Municipaes de Lisboa e Porto possam ser aggregados com meio soldo e privação de antiguidade, precedendo todavia informação do Commandante respectivo, materia mais esclarecida na Ordem do Exercito n.º 33, de 16 de Agosto; e que na terceira provisão se determinava que os Professores de Instrucção superior podessem ser distituidos do magisterio por voto deliberativo do referido Conselho, e os de Instrucção Primaria e Secundaria ouvidos os Conselhos geraes Directores: accrescentou que tambem no mesmo Decreto se determinava que estas tres medidas não podessem ser levadas á execução scuâo quando o bem geral da nação o exigisse. Que era por tanto sua tarefa mostrar que essas medidas foram reclamadas pela necessidade, tendo o caracter de não serem oppostas á lei fundamental do Estado.

E principiando pelo Poder Judiciario, disse que convinha que a Camara soubesse que não era seu animo dirigir-se, nem directa nem indirectamente, a membro algum, em particular, e menos ainda a qualquer Tribunal; que haviam de fallar os factos: que ninguem melhor que elle (Orador) conhecia que o Poder Judicial nunca em Portugal esteve constituido de uma maneira tão brilhante, tão honrosa para a nação, e tão digna para os seus interesses; mas oxalá que esta regra não tivesse tantas excepções, que induziam á ne-