O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

1483

nem adequadamente d'esses meios é porque não quer. Eu temo mais, sr. presidente, o indifferentismo publico e a abstenção completa, do que a agitação que revela interesse pela causa publica. Quando se diz ao paiz que vá escolher os seus representantes, muitas vezes temos visto exercer essa mesma garantia constitucional com o maior indifferentismo, resultando d'ahi um mal gravissimo, que é o elle não ser representado como talvez devia ser. Hoje que o paiz parece que toma vida, e que se interessa pela sua causa, eu tenho mais esperanças na salvação do estado, do que tinha quando via o desalento e abatimento completo em que o paiz se achava. Portanto eu aconselharei ao governo que não se incommode demasiadamente com essas reuniões, manifestações, e com essas associações mesmo, as quaes não têem nenhum caracter que dê cuidado e seja assustador para a ordem publica.

Não quero, sr. presidente, referir-me a actos do governo porque os não quero censurar, nem tenho rasões para isso, mas declaro francamente o meu modo de ver esta agitação do paiz, a qual me parece proficua e conveniente aos interesses do estado se se conservar nos limites do regimen constitucional. Porém, sr. presidente, o paiz agita-se agora quando lhe pedem sacrificios, e não se agitava, nem se agitou quando se augmentavam as despezas publicas, e que se via que essas despezas não eram augmentadas com os melhoramentos que fomentam a riqueza; era então que eu entendo que devia começar essa agitação, e que o paiz devia vir ao parlamento dizer «parae».

Mas, sr. presidente, mais vale tarde que nunca, e portanto repito que me comprazo em que se encontre vida no paiz, e que elle mostre que defende os seus interesses. Ha porém uma cousa que não posso deixar de notar, e é que todos os governos têem olhado com um desvelo extraordinario pelo bem-estar dos funccionarios publicos. E o actual sr. ministro da fazenda no seu substancioso relatorio diz que = o paiz está rico, e que só o thesouro esta pobre e os que d'elle recebem = De maneira que por esta fórma os que recebem os seus ordenados em réis estão pobres, tendo sido augmentados os seus vencimentos; e o paiz, que não recebe metal, é que esta rico!

Esta asserção, permitta-me s. ex.ª que lhe diga, é completamente gratuita e não tem o mais leve fundamento. Pois sr. presidente, não temos nós visto ha vinte annos a esta parte melhorarem se constantemente os vencimentos dos servidores do estado? Não temos nós visto augmentar os quadros e augmentar assim as despezas publicas? Ha vinte annos era ministro uma pessoa, cuja memoria é decerto cara ao nobre ministro da fazenda, era seu pae. D'esse ministerio de que elle fez parte não vejo que exista aqui senão o sr. Ferrão, porque todos os outros são já fallecidos.

N'essa epocha os ordenados dos funccionarios do estado eram pagos por quinzenas. Depois vieram os mezes de quarenta dias, como lhe chamava o sr. conde d'Avila; depois vieram as decimas impostas sobre os ordenados; depois successivamente furam diminuindo estas decimas uma a uma, até que vieram os funccionarios publicos a receberem os seus ordenados por inteiro.

Este progresso dos vencimentos dos funccionarios publicos, alem de muitos augmentos n'esses mesmos ordenados, temos nós presenciado, n'esta vintena de annos, melhorarem-se reformas, darem-se os terços, augmentar os vencimentos aos officiaes do exercito, não só aos officiaes de pequena pattente, d’esses que mal podiam ter para viver, mas até os que occupam os altos postos do generalato.

Por consequencia como é que se vem dizer, n'um documento d'esta ordem, que só são pobres os funccionarios publicos e que rico só esta o paiz. Riqueza no paiz, prouvera a Deus que assim fosse! D'onde é que provém essa riqueza publica? Provém da agricultura, provém da industria, provém da profusão dos capitaes? A agricultura é tal n'este paiz, sr. presidente, que basta ter o documento junto ao relatorio do sr. ministro da fazenda, em que elle funda principalmente esta asserção, que prova ser maior o movimento da importação e exportação.

Acontece porém que o mesmo documento ao lado d'este facto revela que a importação é superior á exportação; e isto bem longe de provar a conclusão, mostra pelo contrario que o paiz se acha n'um estado muito longe d'aquelle que de certo s. ex.ª deseja, e que na força dos seus desejos imaginou que já existe.

Pois, sr. presidente, quando nós nem ao menos temos pão para comer, que todos os annos estamos a abrir os nossos portos para entrarem os cereaes de toda a parte, para virem fazer concorrencia com os nossos, evitando assim os horrores da fome, póde dizer-se que a agricultura esta em estado florescente? Creio que não. Olhe-se para este documento, e ahi se verá que em quasi todos os artigos de importação e exportação nós estamos sempre em deficit, em quasi todos elles, porque exportámos muito menos valores do que importámos. E isto não revela por fórma alguma riqueza publica; pelo contrario, é uma prova evidente de que a nossa agricultura não esta no estado que s. ex.ª diz no seu relatorio que se acha. Ha porém artigos em que effectivamente existe um grande saldo em favor d'este paiz, mas são aquelles a respeito dos quaes nós sabemos que ha muito tempo existe saldo; são principalmente as bebidas espirituosas.

Ha muito tempo que nós já sabiamos que o unico ramo da nossa agricultura que nos deixa saldo é o vinho, de que fazemos uma grande exportação.

Uma voz: — Do Porto.

O Orador: — O vinho do Porto é aquelle que é mais apreciado e exportado, e é conhecido na Europa, o que não acontece ainda aos vinhos das outras procedencias que não têem esse nome nem essa posição.

(Interrupção que se não ouviu.)

Sr. presidente, fallam do privilegio de exportação pela barra do Porto, o privilegio acabou, e mesmo antes d'elle existir e acabar, sempre estiveram abertas para exportação dos vinhos de outras procedencias todas as barras, estava a de Lisboa, Setubal, Vianna, etc. Por consequencia não se queira dizer que se o vinho do Porto tem maior extracção do que os das outras procedencias é isso devido ao privilegio que teve. Estou certo de que a exportação dos nossos vinhos póde vir a dar um grande resultado, o podemos já ver pelo saldo importante que apparece, porém é preciso que o governo promova a abertura de mercados.

Mas, sr. presidente, não são só estes symptomas de pouca prosperidade que observo no paiz. Ignora porventura o sr. ministro e meu amigo, posso dizer meu amigo (O sr. Ministro da Fazenda: — Apoiado.), porque prezo sinceramente a s. ex.ª ha muitos annos, mas ignora, repito, o sr. ministro o estado em que se acha a agricultura do nosso paiz? Pois não sabe que existem as epiphitias e epizootias nos productos agricolas e nos gados, molestias que assolam e empobrecem o paiz? Não sabe s. ex.ª que de ha muitos annos uma molestia tem atacado a nossa principal agricultura que é a das vinhas, e que para lhe resistir é necessario recorrer a despezas extraordinarias, o que tem elevado extraordinariamente o preço do genero? Ignora s. ex.ª que esta mesma molestia ou outra que produz um parasita assolador, cujo nome não importa (isto porém é questão para os physiologistas botânicos), tem atacado certas arvores, como os pomares, os castanheiros e até os cereaes, e que se receia que essa molestia se propague, e que por consequencia torne difficilima a situação do agricultor? No entanto o paiz esta rico! E como elle esta rico dá margem para todos os tributos e impostos, quaesquer que sejam.

Será a industria que esteja florescente? Parece me que ninguem dirá que sim; a industria do nosso paiz póde avaliar-se pelos productos que exhibe, e pelo preço por que os fabrica, e examinando estes factos não se dirá senão que o seu estado é deploravel.

Sr. presidente, para apreciarmos qual é o estado desgraçado do nosso paiz com relação á sua riqueza, basta ver que desde que se estabeleceu a companhia do credito predial quasi não ha ninguem que não queira ir ali empenhar as suas propriedades.

Digo eu que as difficuldades se tornam cada vez maiores, porque vejo hypothecadas a maior parte das propriedades d'este paiz, e não se julgue que estes emprestimos são feitos para melhoramentos; pelo contrario, são feitos para saldar divida* contrahidas (apoiados), para se livrarem das usuras (apoiados), que tê"m arruinado e hão de continuar a arruinar a nossa industria e agricultura.

Sr. presidente, é preciso que saibamos que não é só o governo que se acha gemendo debaixo da usura; é o paiz inteiro. E digo que o governo se acha gemendo debaixo da usura, porque os documentos que se acham no relatorio vem provar esta verdade.

Assusta-me deveras este estado de cousas. Eu vejo que a despeito da pontualidade e regularidade com que ha muitos annos o estado satisfaz os seus compromissos; a despeito de todas as manifestações de grandeza e riqueza; apesar mesmo d'essas propostas amplíssimas que parecem ir melhorar a fazenda publica, a confiança não se estabelece. Os fundos publicos baixam constantemente, e nós para obtermos qualquer emprestimo, por mais pequeno que seja, temos de mendigar nas praças estrangeiras, por preço elevadissimo, pagando commissões e corretagens exorbitantes, como nunca vi em tempo algum. Quando me poderia eu lembrar de ver pagar commissões a 2 por cento e corretagens a l/2? Os corretores costumam levar unicamente 1/8, e o governo vê se nas circumstancias de pagar 1 1/2. O resultado é, que continuando as cousas por esta fórma, pódem-se lançar impostos, duplica-los, triplica-los e até quadruplica-los, que assim mesmo não chegarão para nada: isto é absolutamente impossivel. Deixamos porém este desagradavel assumpto. Ha aqui duas questões. Temos a questão do adiamento, e a materia principal que é o projecto.

A proposta de adiamento apresentada pelo digno par, o sr. Costa Lobo, era fundada em que, tendo o governo respondido a uma interpellação feita pelo digno par, o sr. duque de Loulé, ácerca do estado da fazenda publica, e tendo-se tambem compromettido a nomear uma commissão extra parlamentar ou externa, segundo a phrase de s. ex.ª, entendeu o illustre auctor da proposta, assim como o entenderam outros membros da camara, e não eu, porque não estava presente n'essa occasião, que essa commissão se nomeava para estudar a questão de fazenda no estado em que ella actualmente se acha; porém o illustre ministro da fazenda fez declarações, das quaes se deprehende que os trabalhos d'essa commissão se limitam a outra ordem de idéas, e não áquellas que já haviam sido lançadas na téla dos debates; e que portanto esta questão dos impostos, assim como diversas outras medidas apresentadas por s. ex.ª, não se retiravam da discussão, nem ficavam dependentes dos estudos da commissão.

Por consequencia, sendo assim, o que o nobre ministro disse, como de certo é, porque s. ex.ª é incapaz de asseverar uma inexactidão, este projecto não se retira da discussão, e portanto é forçoso confessar que o adiamento, baseado n'uma interpretação que não é exacta, fica necessariamente prejudicado, sem que comtudo o considere prejudicial, porque o estado da questão é sempre de grande utilidade. O Sr. ministro contentou-se com os seus proprios estudos, que se traduzem nos seus relatorios e nas suas propostas, de que parte está já votada por esta camara, esta pendente, e outras ainda hão de vir, para se discutirem. Temos pois agora a tratar d'este projecto, que é a questão principal, questão difficil e complexa, e em cuja discussão eu procurarei restringir-me o mais que for possivel, limitando-me quasi a pedir sómente explicações ao sr. ministro, para que se digne dar-m'as quando tiver a palavra; porque no seu pequeno discurso, pronunciado no principio do debate, fez uma distincção, que eu aliás não vejo n'este projecto, entre o imposto de consumo octroi e o imposto de venda. Disse s. ex.ª que =o imposto de venda era para a generalidade do paiz», (e é esta effectivamente a these que se acha no artigo 2.°); e que o imposto de consumo era para as duas cidades de Lisboa e Porto. = N'este projecto não vejo porém cousa alguma que me elucide a este respeito. Talvez esta distincção existisse na mente do illustre ministro; mas não chegou a escreve-la, o que me prova que este projecto, apesar de tão meditado como de certo foi, pois levou, pelo menos, um anno de estudo, ainda assim se acha muito longe de traduzir o pensamento do seu auctor.

Eu, sr. presidente, entendi as cousas de outra maneira, assim como toda a gente que lêsse o projecto entenderia. E digo mais, no Porto todos entenderam, e a sua imprensa tambem entendeu que o imposto era unica e exclusivamente lançado sobre a venda, e que não haveria impostos de octrois. O que se julgou foi que havia tres tabellas; uma para regular o imposto sobre a generalidade do paiz, outra para regular o imposto sobre a cidade do Porto, e outra emfim para regular o imposto sobre a cidade de Lisboa. Da letra, do espirito, de todos os considerandos da lei, de tudo se concluia que a alfandega municipal de Lisboa tinha acabado, e que no Porto, onde não havia octrois, nem alfandega municipal, não se haviam de estabelecer. As declarações porém apresentadas pelo sr. ministro mostram que eu estava em erro. Pedia pois que se esclarecesse este negocio, de modo a dissipar todas as duvidas. E verdade que eu lendo este projecto ou o relatorio que o precede, e vendo que o resultado liquido d'este imposto era apenas de 1.273:000$000 réis, fiquei um pouco admirado e disse = pois rendendo a alfandega municipal de Lisboa, só ella, 1.100:000$000 réis, o resto do paiz dará só a differença que vae d'esta áquella somma 1.273:000$000 réis. Pareceu-me um absurdo.

Comtudo a lei aqui está, e n'ella não vi nada que me dissesse que continuava a subsistir o estado actual em relação á cobrança do imposto n'esta capital, e muito menos me explica o imposto novo de octroi na cidade do Porto.

O que vejo é uma tabella de impostos de consumo de vendagem para Lisboa, e outra para o Porto, tambem pelo mesmo systema.

Parece me por consequencia que Lisboa melhoraria, e portanto não me admira nada que me digam que este projecto é geralmente bem visto na capital, porque ella não é de fórma alguma lesada com este novo imposto. Porém permitta-se-me que diga mais alguma cousa. Com relação á capital, é possivel que o sr. ministro reconsidere e venha restabelecer as cousas como provavelmente elle imagina que devem ser; mas com relação ao Porto a questão é muto mais grave, porque ali não existe o direito de octroi. No Porto ha um imposto municipal sobre a carne, que é de 22 réis por kilogramma para o municipio, fóra os 4 réis para o real de agua. Não existe imposto sobre o azeite, não existe imposto de consummo sobre o arroz, ha o imposto geral sobre o vinho, Que actualmente paga 1$130 réis por cada pipa; porém se porventura o sr. ministro fizer inserir n'este projecto alguma disposição, pela qual se estabeleça o direito de octroi no Porto, n'esse caso varia o estado actual, porque viriamos a ter no Porto o imposto de barreira, que altera completamente as disposições que se acham consignadas no projecto com relação á generalidade do paiz.

É necessario que isto se esclareça, porque não posso admittir por fórma alguma que depois de passar esta lei, se porventura passar, venham os regulamentos legislar por sua conta e risco.

E costume ha muito tempo no nosso paiz as lacunas das leis, e muitas vezes a alteração profunda das suas disposiçoes, serem decretadas por meio de regulamentos. Portanto para que não haja esta exorbitancia legislativa da parte do poder executivo convem que esta camara, approvando o projecto, se porventura o approvar, o modifique de maneira que se saiba o que é na realidade. E tanto assim senão entende que os especuladores e negociantes do Porto têem deixado de mandar vir vinho do alto Douro, por isso que receiam vir a pagar dois impostos, isto é, o imposto actual de 1$130 réis, e o novo imposto que se quer crear por esta lei que sobe á bagatella de 16$554 réis.

Em verdade é ousadia elevar um imposto de salto a 1:500 por cento acima do que elle é agora!

Como disse, aquelles que negoceiam em vinho do Porto, têem-se abstido de fazer as remessas, ou por outra têem armazenado fóra, para evitarem a accumulação dos impostos; mas vingando a idéa do sr. ministro, o caso muda de figura, porque então o verdadeiro é mandar vir quanto houver e mette-lo para dentro das barreiras, a fim de se evitar o novo imposto, porque sendo este de octroi, e não sobre a venda, o que esta dentro fica fóra do alcance da imposição!

Sr. presidente, como quer o sr. ministro ir estabelecer o direito de octroi sobre os vinhos na cidade do Porto? Quer s. ex.ª restabelecer o systema que destruiu ha um anno?

Eu desejava saber quaes eram as idéas assentes de s. ex.ª Se s. ex.ª estava no verdadeiro caminho, quando ha um anno aboliu por uma lei previdente, as differenças que havia nos impostos dos vinhos, segundo a sua qualidade, e alem d'isso alliviava aquelle imposto em uma parte em 700 por cento, e por outra em 300, ou hoje que o eleva geralmente a 1:500 por cento?

Em dezembro de 1865, s. ex.ª, mais o digno par conde de Castro vinham a esta camara com uma medida para acabar com as chamadas restricções que regulavam o commercio do vinho do Douro; vinham assim em nome dos prin-