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Já n'outro tempo, em eras remotas este paiz foi absorvido pelo governo de um paiz maior: foi annexação á Hespanha em eras de triste recordação para todo o homem em cujo peito bata o coração pela patria, e onde não esfriou o amor da sua independencia e nacionalidade! Não devia pois ser Portugal dos primeiros (no que não quer dizer que fossemos dos ultimos), a reconhecer o facto, porque o direito esse acabou-se de hoje por diante; o direito substituiu-se pelo culto desassisado do facto e da materia. Protesta igualmente contra esse culto; protesta contra essa homenagem, em que vê inimigos para a patria, que nunca se ha de arrepender de ter combatido e estar combatendo n'esta tribuna. Por esta occasião disse tambem que não era só a lastimar este facto; pois leu n'algumas publicações feitas em paizes estranhos, artigos de homens eminentes que, surprehendidos, lastimavam este reconhecimento dado com tamanha pressa, e com tão pouca circumspecção, lembrando aquillo que todos conhecem, e a elles não esqueceu, isto é, que Portugal, um paiz pequeno, dividido pelas discordias intestinas, um paiz presa das ambições e dos caprichos, poderia ser tambem presa das traições dos estranhos, pela incuria dos nacionaes; e, por assim dizer, pelo pouco senso politico em reconhecer a Italia, não nos lembrando que mais tarde podem os hespanhoes lançar mão do nosso paiz pelo memo direito de annexação que se procura fazer valer a todo o transe na Italia. Não tendo que fazer pergunta alguma ao sr. ministro sobre o reconhecimento do reino de Italia, tem comtudo algumas a fazer com relação ao reino de Hespanha, pois lhe parece que é esta a occasião mais opportuna de fazer essas perguntas, e acompanha-las de algumas observações.
Tratando do reconhecimento do reino de Italia, por incidente referiu se á Hespanha. O reconhecimento do reino de Italia é um facto consummado: lastima-o, protesta contra elle, e passa a diante. Mas emquanto a Portugal em suas relações com a Hespanha carece de ser esclarecido. Pede á camara que torne bem nota das suas palavras, e aos srs. tachygraphos que não só as transcrevam com attenção, mas igualmente as respostas que forem dadas pelos srs. ministros. E este um negocio importante, principalmente no estado em que se acha o nosso paiz, no estado de agitação dos espiritos, e em vista dos manejos de diversas ordens que se fazem para se conseguirem diversos fins. Trata da questão do iberismo.
Ha duas especies de ibéricos e duas especies de iberismo, ambas as quaes combate o orador, que não quer nenhuma; não prefere uma á outra. Combate-o, qualquer que seja a mascara que tome, e deseja faze-lo por quantas formas poder. Ha um iberismo moderno—esse pertence á historia contemporanea; e ha outro—-que é dos seculos que lá vão: um deseja a união de Portugal com a Hespanha, sendo o rei hespanhol, ou a rainha, quem impere na Peninsula. — este iberismo tende a absorver Portugal em proveito da Hespanha; e por isso crê que nenhum portuguez poderá aceitar similhante alvitre governamental. O segundo apresenta outra fórma, é menos franco, mas não é mais avisado; apresenta o reino da Ibéria tendo a sua capital em Lisboa, e sendo o rei da Peninsula o nosso augusto monarcha o Senhor D. Pedro V; e a par d'isto deixa suppor que os nossos homens politicos poderão, conjuntamente com os homens d'estado hespanhoes, governar o novo reino! Ora, sendo certo, como é na opinião dos iberistas, que os nossos homens politicos poderiam tomar parte na direcção suprema, segue se que sómente seria em linha secundaria, o que torna a insinuação uma cousa irrisoria.
Comtudo, infelizmente, ha quem especule com esta idéa, com estes meios indicados para faze-la vencer, porque os revolucionario hespanhoes, assim como os de toda a parte, e os de todas as epochas procuram uma bandeira, que lhos dê cumplices com quem poisam unir-se (porque a união faz a força) para triumpharem com o auxilio os seus planos nefastos, e destruir assim esta nação. E como se explica o empenho com que se tem procurado propalar esta idéa tambem na Hespanha; e dar-se a entender que em Portugal tem ella partidistas numerosos, e fortes ligações para poder com o correr dos tempos, e á medida que as circumstancias se forem tornando mais favoraveis, fazer triumphar a sua bandeira. E preciso pois que o governo do paiz se explique muito terminantemente, sobre um negocio tão importante, pois que a desconfiança invade os espiritos. E isto um facto a que a: nossas consciencias responderão affirmativamente.
Disse que ha muitos annos que ouve fallar, mais ou menos, em iberismo; temo-nos pronunciado por diversas vezes, mas de passagem, contra esta idéa; mas nunca ella subiu tão alto como agora, e por isso é necessario que nós nos pronunciemos mais claramente e com a fraqueza que o caso merece.
Tambem ouviu dizer, e leu nos jornaes, que se projecta fazer uma manifestação n'esta cidade, e suppõe, mas não o diz de certo, que se pretende estende-la ás provincias; sendo o seu fim protestar solemnemente contra o iberismo.
Quem é que não partilha d'essa grandiosa idéa de nacionalidade? Qual será o portuguez degenerado que a não defenda? Os brios nacionaes estão muito arraigados no coração de todos os portuguezes; e se porventura ha algumas excepções serão ellas rarissimas. E possivel que as haja, porque, como bem disse o principe dos poetas portuguezes:
«... entre portuguezes «Alguns traidores houve algumas vezes.»
Mas, repete, serão rarissimos. Tenta-se pois fazer essa projectada manifestação: mas não se fazendo ella pelo governo, e sim pelo povo, é claro que ha de haver uma rasão que a explique, e uma excitação que a promova. E consente-a o governo? Se o governo a consente, é evidente que nem é uma simples manifestação, nem fica restricta á mera opinião de um jornal, ou de muitos: mas o governo, consentindo-a, toma a responsabilidade d'ella? Outra pergunta: em que consiste essa manifestação? Consistirá sómente em dar graças a Deus por nos ter livrado, em epocha remota, do jugo estrangeiro, e pedir-lhe que continue a ajudar-nos n'este empenho? Será um acto qualquer de caridade que se pertenda fazer para commemorar assim esse grandioso feito da nossa historia? Se é isto, ninguem por certo o censurará. Mas parece-lhe que ha mais alguma cousa. E se é assim, então diz, a respeito d'isso, o mesmo que disse dos meetings. E não se lembra o governo de que no meio d'essa manifestação para a qual pendem as nossas affeições, e a que o nosso coração não póde resistir, é possivel que alguns especuladores aproveitem essa occasião e a façam servir para fins sinistros? Não póde mesmo dirigir alguem, qualquer insulto a cidadãos da nação visinha, e trazer isso consequencias serias? Ainda um d'estes dias proximos viu n'um jornal, para o qual escrevem varias pessoas, e até alguns amigos do governo, a noticia de que se tinha entrado em casa de um subdito hespanhol, a fim de prender-se um refractario, ou assim chamado, e que o dono da casa mostrára a bandeira da sua nação, para impedir que se levasse por diante essa tentativa. Repete, pois: não poderá aproveitar-se a occasião d'essa manifestação para transtornar a ordem publica, porque sempre ha especuladores que desejam pescar nas aguas turvas, como se diz, para com isso ganharem? (Apoiados.) O governo deve informar a camara do que ha a este respeito.
Tambem ouviu dizer que o sr. Soveral, ministro de Portugal em Madrid, que não sabe se ainda se acha em Lisboa gosando da licença que lhe foi dada, ou o secretario da legação servindo por elle, dirigira uma nota ao governo hespanhol sobre isto; e que este proceder tivera por fundamento o que se tem escripto em certos jornaes d'aquelle paiz que têem tratado da união das duas nações. O orador pediu á camara que notasse que em Hespanha ha uma fiscalisação muito mais severa sobre a imprensa do que ha entre nós. O facto porém é, que esses artigos agitaram os espiritos no paiz visinho, e agitaram-nos ainda mais em Portugal.
Observou que em varios parlamentos estrangeiros, nos quaes muito podem os portuguezes aprender, especialmente do parlamento inglez, que n'esses parlamentos se tratam esses assumptos pelo modo como elle, orador, está tratando este, e não se considera isso uma materia leve á qual se escuse o governo de responder: e assim, tambem espera que o governo lhe responderá. Tambem perguntou aos srs. ministros se sabiam de alguns manejos que tenham com isto relação? Seja como for, a verdade e, que a manifestação é um negocio importantissimo, e por isso deseja saber do governo quaes são as relações era que estão as sociedades revolucionarias estrangeiras, com iguaes associações que aqui ha, como é geralmente sabido, mas contra as quaes se não executa a lei e insiste em desejar saber se a nota de que fallou, foi ou não expedida, como por ahi correu, acrescentando-se que nenhuma resposta se tinha dado a ella.
Pediu mais aos srs. ministros que o informassem, se é exacto o que por ahi se diz, de que o gabinete hespanhol tinha dirigido uma nota ao nosso governo, excitanda o seu zêlo, e pedindo se lhe unisse para juntos accordarem no melhor meio de proteger efficazmente a auctoridade temporal do summo pontifice, e de fazer com que seja respeitada? Que resposta deu a essa nota o governo? Se poder sem inconveniente dize-lo, como está persuadido que póde fazer, muito estimaria ser informado, ou para melhor dizer, estimaria que a camara fosse informada, depois d'esta sua provocação, se com effeito da parte do nosso governo houve alguma cousa a este respeito?
O sr. Ministro da Marinha: — Peço a palavra.
O Orador: — Será verdade, e não se surprehenda o governo do que lhe vae ouvir, porque n'um governo de publicidade como é o nosso, tudo se diz um pouco mais cedo, ou pouco mais tarde, sem que seja portanto necessario alludir a um jornal nem a confidencias particulares (porque a isso nunca se allude); será verdade, como ouviu dizer, mas sem poder affirmar se é assim, que a resposta do nosso ministro ao de Hespanha, o sr. Pastor Dias produziu no animo d'este cavalheiro uma impressão tão desfavoravel que chegou a queixar-se do modo como era tratado? A nossa conveniencia politica exige que mantenhamos as melhores relações amigaveis com todas as potencias da Europa; e este não póde deixar de ser tambem a opinião de todos os homens politicos de bom conceito; e tudo isto o faz inclinar a crer que ha inexactidão no que por ahi se conta. O assumpto merece por isso mesmo que o esclareça quem póde.
O governo ouviu as perguntas que elle, orador, lhe dirigiu e as reflexões de que as acompanhou; espera pois que bem compenetrado da gravidade da materia, dará explicações categoricas. É necessario que fique bem claro que nós não queremos nenhuma especie de iberismo; e que o governo portuguez de maneira nenhuma favorece aquelle mesmo que parece lisongear sem o conseguir, o nosso amor proprio, porque nós bem sabemos que nuijca havemos de governar a Hespanha, ainda quando as noções da justiça e do dever se não sentissem de o tentarmos. Se essa idéa nefasta se realisasse, nós haviamos de ser vasallos dos hespanhoes, e elle orador não o quer ser.
Disse que poderia concluir aqui pelo que respeita á Hespanha, pois já fez a sua declaração de voto, e lançou uma solemne reprovação sobre o que se passa na Italia; mas falta-lhe ainda tocar um ponto, que muito connexo é com este, e vem a ser: qual é a carta que a Inglaterra joga n'esta questão. Não estranhem o sr. presidente do conselho, e o sr. ministro dos negocios estrangeiros, esta pergunta: lembrem-se da que foi dirigida a lord John Russell no parlamento inglez, sobre os negocios da Polonia, porque estas perguntas com relação a uns e outros paizes fazem-se em todos os parlamentos; e ss. ex.ªs, que sabem qual foi a resposta da Inglaterra a essa pergunta sobre a Polonia; que o nobre lord manifestou a sua sympathia por aquelle paiz, que ha muitos annos é escravo, e sobre a emancipação do qual...
Vendo que o sr. ministro da marinha estava tomando notas n'esta occasião, observou que s. ex.ª o fazia porque talvez queira dizer-lhe que o maravilhava a sympathia que estava manifestando pela Polonia, affigurando-se-lhe que elle orador era contradictorio, porque tendo manifestado o seu sentimento contra o reino de Italia, agora o viesse manifestar favoravel á Polonia; mas que se não se engana n'esta conjectura, responderia desde já ao sr. ministro dizendo-lhe que as duas situações não se parecem senão em quanto a auctorisarem mais as suas sympathias pela Polonia, e as suas repugnancias pela Italia. Com effeito vê Napoles victima de uma absorpção, como vê a Polonia victima de outra; e se se entrar um pouco mais no fundo das cousas, talvez se ache que pretendem escravisar-se pelos mesmos meios, e póde bem ser que ainda se achassem outras feições mui similhantes. Assim, é coherente n'aquillo mesmo em que se cuidaria ver contradicção.
Concluido este parenthesis, que lhe pareceu necessario para prevenir uma objecção; voltou a dizer que perguntas iguaes ás suas ha pouco se fizeram em Inglaterra, e o governo d'este paiz respondeu pelo seu orgão, lord Russell, que a Inglaterra sympathisava com a causa d'aquelle paiz, mas que não queria ou não podia, correr hoje o risco de uma guerra em proveito d'elle. A pergunta a que aquelle governo respondeu pela fórma que deixa dita, animou-o a fazer essa pergunta, que lhe pareceu necessaria por causa da agitação geral que todos voem, como o orador a vê. Repete portanto essa pergunta.
O governo já deu algumas ordens ou expediu algumas informações ao seu ministro em Londres, o sr. conde de Lavradio, para saber quaes as intenções do governo inglez a nosso respeito? Aquella embaixada está preenchida por um dos homens mais respeitaveis d'este paiz, conhecedor dos negocios. da Europa, ligado com os primeiros homens de Inglaterra e amigo de um dos principaes homens de estado de muitas côrtes europeas; se porventura algum receio ha bem fundado, é natural que o sr. conde de Lavradio, leal no seu proceder, tenha informado já o governo; é natural que o governo tambem se tenha informado por via do mesmo sr. conde do quaes são as intenções da Inglaterra em relação a este assumpto de tamanha importancia. O paiz necessita sabe-lo; carecemos de prevenir todos os transtornos.
E mister que não se repita o caso do Charles et George, e perdoe lhe o sr. presidente do conselho ter"de recordar-lhe um facto deploravel da sua administração, em que a Inglaterra devia tambem ser consultada e não o foi. Não toma sobre si o encargo de apreciar a conducta d'aquelle paiz no facto a que acaba de alludir; unicamente allude ao que se passou.
Parece ao orador que o sr. presidente do conselho não julgará que é menos cabida esta curiosidade, porque d'ella poderá resultar algum bem para o paiz no caminho que vão seguindo os negocios publicos em toda a Europa, e quando se trata de um assumpto de tão vital importancia como este.
Lamentou que o sr. Avila não podesse estar presente, mas espera em todo o caso obter algumas explicações do governo, tanto sobre a parte que a Inglaterra tomou ou tomará n'este negocio, como sobre a que o governo tomou n'elle em relação á Inglaterra.
Tem te occupado portanto das nossas relações com estes tres paizes da Europa; a Inglaterra, a Hespanha e a Italia, porque são estes paizes aquelles que hoje têem tido relações mais importantes com o nosso, e a respeito dos quaes entendeu que devia provocar explicações da parte do ministerio. Aguarda essas explicações e muito ha de folgar de que o governo, satisfazendo o, possa tambem satisfazer o paiz, acalmando a agitação que todos nós lamentamos e desejâmos que finde de uma vez para sempre.
Antes de passar avante, e do occupar-se com os actos dos srs. ministros e da sua politica, permittirá a camara que renove o seu protesto ou promessa, de responder a algumas observações que fez o seu amigo o sr. Joaquim Antonio de Aguiar, ao qual procurará dizer na melhor paz, e como convem a amigos, ambos os quaes sentam nos bancos da opposição, o que pensa na questão suscitada por s. ex.ª, e para isso começa por occupar-se das doutrinas que invocou para arguir o sr. ministro da marinha, Carlos Bento da Silva, porque n'esse ponto está o orador de accordo com o sr. ministro e com o sr. Antonio José d'Avila; refere-se á não confirmação do sr. arcebispo nomeado para Goa, e que hoje e senta n'esta camara, confirmado bispo de Beja. Se por ventura na exposição do que se passou disser alguma cousa menos exactamente, ou confundir qualquer circumstancia do discurso do sr. Aguiar, ou alterar algumas proposições, s. ex.ª como o mais competente para rectifica la, espera elle, orador, que não duvidará fazer-lhe essa fineza; e da mesma sorte se porventura, na resposta que deseja dar, confundir a ordem (los factos, ou o que é tambem facilimo, porque a materia é importante, se errar na exposição da doutrina ou apresentar alguma proposição que não seja a mais genuina o illustre e nobre prelado, que lhe faz a honra da sua amisade, será de certo o primeiro, não só a corrigi-lo mas tambem a auxilia-lo com as suas benevolas advertencias, porque não deseja senão defender o que julga ser justo e o que sabe ser a verdade. Ponderou que o sr. Joaquim Antonio de Aguiar tinha