SESSÃO DE 22 DE JULHO DE 1887 739
lhe o marinheiro 5-202, José Gomes, recebeu dois ferimentos, um em uma perna tambem e outro de pouca importancia no pescoço.»
O marinheiro em que aqui se falla não é o que perdeu um dos olhos no combate, e de quem se occupa o projecto de lei que está em discussão.
(Continua lendo.)
«Reconhecendo-se a impossibilidade de demolir a pallissada e passar alem, ordenou-se a retirada, que se fez com vivo fogo da retaguarda e dos lados, não vendo os nosso o inimigo. Foi ferido, perdendo um olho, o marinheiro 10—155, João Martins, que, apesar da gravidade do ferimento, continuou fazendo fogo até á praia. Da força do exercito tiveram um morto e quatro feridos, entre elles o ajudante das Terras Firmes.»
Lerei tambem mais tarde o relatorio do capitão mór das terras firmes, na parte em que falla dos actos de valor praticados por individuos do exercito de Africa que entraram igualmente, e com denodo louvavel na refrega.
Agora, porém, para que v. exas. possam desde já a liar quão importante foi o combate e qual a gravidade que assumiu, chamo a sua attenção para os seguintes factos:
«O guarda marinha ferido tambe me disse que algumas praças se tinham portado com bravura, não as podendo eu especificar porque, attendendo ao estado em que o guarda marinha se acha, não pôde exigir d’elle maiores explicações. As praças de marinhagem dispararam mais de tres mil tiros é a metralhadora quatrocentos.»
Os nossos, em defeza propria, dispararam, pois, para cima de tres mil tiros e á metralhadora quatrocentos, não atirando mais porque o official que estava a bordo, dirigindo as suas descargas, teve receio de ferir os nossos soldados que se retiravam, com os tiros da metralhadora.
E, no meio de todo o horror de tal combate, uma creança, como é o guarda marinha Ferreira, não perdia o animo, dirigia os marinheiros, apesar de já ferido gravemente e levado ás costas por alguns d’elles.
N’uma das vezes em que o combate tomou maior importancia, os que transportavam o guarda marinha tiveram que o encostar no chão para fazerem fogo e um dos marinheiros obstinou-se em estar ao pé d’elle, apesar de instado para se afastar.
«Não vou, respondeu elle ás instancias do guarda marinha Ferreira, porque se aquelles cães o matarem, matar-me-hao primeiro a mim! Morreremos ambos.»
Com tanta coragem e tamanha valentia operaram os nossos uma retirada em ordem e não uma debandada.
Todos os relatorios dos officiaes que tomaram parte n’este combate ou o presenceiaram são concordes em elogiar especialmente o soldado marinheiro Martins e o guarda marinha Ferreira, de que se occupa este projecto de lei que está sujeito á discussão da camara.
Aqui está, por exemplo, corroborando esta affirmação o relatorio do guarda marinha Macieira, o official que estava a bordo auxiliando ás operações de embarque e desembarque com a metralhadora.
Viu elle encaminharem-se os nossos para a praia, em ordem, e de todos os lados rompendo sobre elles o fogo do inimigo, disperso, e encoberto pelos margaes e pelo mato. De tudo se serviam os que nos combatiam para carregarem as espingardas. Eram-lhes projectos, pedras, vidros, etc., e tanto assim que o marinheiro Martins perdeu um dos olhos por causa de um tiro com um vidro que mais tarde lhe foi arrancado da ferida ainda sangrenta.
E esse marinheiro, como se vê pelo relatorio que acabo de resumir em parte, ferido como estava, escorrendo o sangue pelas faces, lançou-se á agua para chamar mais depressa o escaler que elle pedia em altos brados não para se transportar a si, mas sim para salvar o seu official já ferido, e alvo predilecto das pontarias dos pretos.
Visitei ha pouco esse marinheiro no hospital da marinha, onde está em tratamento; fallei com elle, e, francamente, horrorisou-me o verificar o estado de profunda anemia em que caiu e que me fez pensar maduramente no inconveniente gravissimo, que eu, assim como todos os ministros da marinha, temos deixado de pé, conservando em Africa as guarnições dos navios de guerra muito alem do tempo designado para as estações. (Muitos apoiados.)
Mas a força das circumstancias é que tem obrigado todos os ministros da marinha a proceder d’esta fórma, e não é facil encontrar no estado das nossas forças navaes o remedio para este mal.
Este homem, que apenas tem vinte e tres annos está anemico, macilento, sem um vislumbre de sangue a purpurear-lhe a face. E não foi o episodio do combate de Matibane, foi o clima deleterio de Africa, supportado por um praso demasiadamente largo, que assim inutilisou esse valente e á par d’elle tantos outros que honram as tradições da marinha portugueza.
Eu já li ou resumi a parte dos documentos aqui presentes que se referem ao guarda marinha Ferreira e ao marinheiro Martins, e os factos narrados são bastante eloquentes de per si para fallarem ao coração, e provarem que um e outro possuem a audacia dos valentes.
Vou agora ler á camara o relatorio do proprio guarda marinha Ferreira, e esse documento, que eu tive a satisfação e a honra de ler ao chefe do estado, que mais do que ninguem aprecia os actos de bravura e patriotismo, provará bem o que é e o que vale official que n’este momento se trata de galardoar:
«Cerca de vinte minutos depois, proximamente a 150 metros de distancia para o lado da frente, vi um obstaculo que interceptava a estrada, facto este que communiquei ao capitão mór que marchava a meu lado, reconhecendo pouco depois ser uma palissada tão bem construida que nunca julguei podesse ser trabalho de pretos; Não tivemos tempo de nos approximarmos da palissada, porque immediatamente foram rompidas descargas irregulares dos dois flancos e do lado da palissada, chegando o marinheiro de 2.ª classe 1/165 Francisco Antonio a suppor que ouvira tambem um tiro de peça ao longe. N’este momento caí ferido por uma bala que me atravessou a coxa esquerda, não perdendo, comtudo, os sentidos e continuando a mandar a força. A nossa gente respondeu perfeitamente ao fogo do inimigo, sustentando-se o tiroteio muito vivo de parte a parte durante dez minutos e sem interrupção. Este facto faz-me suppor ser muito numeroso o inimigo, visto que com as armas de carregar pela bôca que me dizem ser as do seu uso, não creio que houvesse manejo por mais rapido que fosse que com pouca gente sustentasse um fogo tão vivo como o das armas de carregar pela culatra de que ía munida a nossa força. Por fim cessou o fogo do inimigo e com elle o ruido das suas descargas, unica indicação que tinhamos da sua posição, visto não o vermos, cessando então o nosso fogo. N’esta occasião havia já um morto e cerca de cinco feridos na força de caçadores e eu e mais duas praças de marinhagem, feridas. Apenas fiquei ferido, este facto influiu muito na força de marinhagem que ficou desde logo em perturbação, apesar de não me mostrar desanimado, e procurar incutir lhes serenidade. Não obstante os meus esforços, o desejo de todos bem como á sua attenção, viraram-se para a minha salvação levantando-me do chão e cuidando de mim.»
Continúa o guarda marinha assignalando aquelles dos marinheiros que mais se distinguiram, acrescenta que os outros se portaram bem e por fina faz ver que apenas um d’elles constituíra excepção e procedera de um modo menos decoroso.
Do marinheiro Martins diz o seguinte:
«Em primeiro logar chamo a attenção de v. exa. sobre o marinheiro de 2.ª classe n.° 155/2768 da 10.ª companhia do corpo de marinheiros, o qual já com um olho fóra por effeito de uma bala, nunca deixou a sua arma nem deixou de fazer fogo, ajudando n’esse estado e por bas