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APPENDICE Á SESSÃO DE 4 DE AGOSTO DE 1890 790-A

O sr. Vasconcellos Gusmão:- - Sr. presidente, v. exa. comprehende a difficuldade com que entro Da discussão d'este projecto por ser elle muito complexo, e ainda pela posição especial em que me encontro. Naturalmente os espiritos não estão geralmente dispostos a ver tratar uma questão, quando o individuo que vae fallar está até certo ponto ligado a ella, sem inquinar de suspeito o seu discurso.

Eu, como a camara sabe, sou membro do conselho fiscal da administração dos tabacos, e por isso é que eu pedi a palavra para defender o relatorio do mesmo conselho, na parte em que affirma que a administração dos tabacos tem sido zelosa e diligente em promover os interesses do thesouro e que o tem conseguido com notavel competencia.

Tambem entendo, sr. presidente, que, estabelecida a administração do fabrico dos tabacos por conta do estado, e quando decorridos apenas pouco mais de dois annos da sua installação, estão vencidas as maiores difficuldades de iniciação e aprendizagem, é bom erro e não pequeno, e enorme prejuizo para o estado, a mudança de regimen, substituindo-lhe o monopolio particular.

Eu sou o unico membro do conselho fiscal que se encontra n'esta camara, porque o sr. marquez de Sabugosa não póde comparecer aqui pelo seu estado de saude; mas no entanto sei que compartilha as minhas opiniões no que acabo de referir; eu assignei um relatorio que foi dirigido ao sr. ministro da fazenda; mas que s. exa. não mandou publicar por qualquer circumstancia.

O sr. Ministro da Fazenda (Franco Castello Branco): - O que era?

O Orador: - Um relatorio do conselho fiscal do anno de 1888-1889.

Isto não é uma censura; é simplesmente para prevenir da existencia da relatorio que eu assignei juntamente com os meus collegas, pessoas tão respeitaveis como os srs. marquez de Sabugosa, conselheiro Nazareth, Mazzioti e Alfredo Ribeiro, relatorio em que se apreciava a gerencia da administração de 1888 a 1889.

Dizendo o illustre relator que o estado da régie era confuso e anarchico, eu entendi que me corria o dever de sustentar aqui o mesmo que sustentei n'aquelle relatorio.

(Interrupção.)

N'este caso eu folgo com a declaração que acaba de fazer o digno par, o sr. relator da commissão, que não quiz censurar os corpos gerentes, mas unicamente o regimen e que considera aquelles illustrados, zelosos e competentes.

Eu por mim, que sou o mais insignificante membro do conselho fiscal, que assignei aquelle relatorio, tendo dado testemunho de que a administração tinha gerido com muito zelo e competencia, ouvindo dizer que o estado de uma administração que eu e os meus collegas no conselho fiscal haviamos sustentado que gerira com zêlo e intelligencia, era confuso e anarchieo, naturalmente a illação que devia tirar é que, na opinião de quem apresentava tal asserção, não tinha ella gerido bem, e por conseguinte tinha eu obrigação de sustentar o que disse no ultimo relatorio, o que sustento aqui, e em qualquer outra parte. Por felicidade de quem o ler, o relatorio não foi escripto por mini, mas pelo illustrado secretario e meu particular amigo, o sr. Alfredo Ribeiro. Foi, porem, largamente apreciado e discutido em conselho, e se a redacção e a concepção se deve aquelle illustrado espirito e fino e mimoso escriptor, as suas conclusões foram acceitas e approvadas por todo o conselho.

Outra circumstancia me obriga a tomar a palavra. Disse o illustre relator, que o partido progressista, combatendo o projecto, que está em discussão, estava em contradicção com as idéas que o mesmo partido tinha já sustentado, e Apresentou, para o provar, trechos de bons discursos do sr. Conde de Valbom, pronunciados em 1864 e 1865 e as propostas do sr. Marianno de Carvalho, illustrado e talentoso
ministro da fazenda, que antecedeu o sr. Augusto José da Cunha.

Estou convencido que o sr. conde de Valbom, combatendo este projecto, não está em contradicção com o que sustentou na camara; e n'este ponto não preciso de dizer mais nada, porque s. exa., que é muito illustrado e competentissimo, póde dizer mais e melhor do que eu diria. Mas o partido progressista, combatendo este projecto, tendo defendido a auctorisação dada ao sr. Marianno de Carvalho, não está tambem em contradicção. Facilmente provarei esta minha asserção, embora tenha de contradizer as affirmativas do sr. ministro da fazenda e do sr. relator do parecer que se discute.

Vamos ao primeiro ponto.

O sr. relator entende que a administração da régie tem sido zelosa, illustrada e competente, mas affirma ao mesmo tempo que d'essa administração tem resultado confusão e anarchia nos serviços!

Ora eu não entendo bem que de uma administração bem organisada e regularmente dirigida possam resultar as confusões notadas.

E de facto não têem resultado, nem de certo as encontrará quem observar com criterio desapaixonado e com a sufficiente largueza e proficiencia.

Devo declarar á camara que pessoalmente estou completamente fóra da questão, porque, na minha qualidade de membro do conselho fiscal, cumpre fiscalisar, e não administrar, e é isto que fiz e o que faço.

Não venho, pois, defender os meus interesses, e unicamente a opinião que já sustentei, de que os homens que estão á frente da administração são competentes, dignos e geriram com zelo e capacidade, e os membros do conselho fiscal procuraram auxilial-os no que poderam e aprecial-os com justiça, embora com a boa vontade a que a estima, que lhes mereciam, os dispunha.

Levado por esta orientação e firmado nos factos que conheço, affirmo eu não ser exacto que a régie se encontre hoje n'um estado cahotico e confuso; pelo contrario a administração a que me refiro tem regularisado, tem methodificado, tem organisado os serviços de modo tal, que elles possam jogar o mais harmonicamente possivel uns com os outros.

Estes factos provara-se pelos documentos que podem observar-se na régie, e de que é um resumo e uma exposição lucida e clara, o illustrado relatorio da administração, que ainda nos paizes mais esclarecidos e adiantados, onde o trabalho fosse devidamente apreciado e justamente retribuido, seria considerado um trabalho de primeira ordem e o seu auctor um funccionario trabalhador e distinctissimo.

Quem se quizer dar ao incommodo de ler aquelle relatorio, verá que é um trabalho methodico, feito com perfeito conhecimento do assumpto, um trabalho no qual se vê que em todos os pontos se procurou regularisar tudo que é importante na régie e é claro, que o importante em todas as administrações é organisar convenientemente os serviços, subordinal-os racionalmente, dar-lhes uma certa unidade; tratar de comprar pelo menor preço os objectos que são a materia prima, que ha de constituir o producto final; emfim, dispor 03 serviços de modo tal que, com o menor dispendio, se comsiga tirar o melhor resultado possivel da exploração, alargando-a quanto possivel, não só no continente, mas ainda nas provincias ultramarinas.

Tudo isto procurou fazer a régie, e aqui me cabe responder ao sr. relator a quem interrompi na sessão passada com um certo calor, que poderia talvez ser mal interpretado, das que era filho da convicção que me animava.

Eu disse que uma palavra pronunciada pelo sr. relator era immerecida, era inexacta, e folgo do que s. exa. tivesse explicado o sentido da sua phrase.

Se não fôra essa palavra, eu não teria obrigado a camara a ouvir-me, preterindo assim cavalheiros trio illustrados como

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aquelles que pediram a palavra; mas eu entendi que era uma questão de lealdade da minha parte procurar desfazer a má impressão que por acaso tivesse produzido a asserção do sr. relator da commissão.

Como já disse, eu entendo que a questão de que se trata é muito complexa.

Se me movesse a vaidade de fazer um discurso, embora conscio da pequenez dos meus recursos, não me faltariam elementos para o apresentar, no entretanto julgo que não devo dizer o que cavalheiros muito competentes disseram na outra camara.

Fugirei de repetir aqui as palavras que foram pronunciadas na camara dos senhores deputados, embora tivesse direito a fazel-o, e digo isto muito sinceramente, e sem offensa do sr. ministro da fazenda, a cujo talento sou o primeiro a prestar homenagem, e direi mais, visto que muitas vezes se separa o talento do caracter; que respeito muito, não só o talento, como o caracter do illustre membro do governo, a quem me refiro, e até folgo em declarar que s. exa. me honra com umas certas cordialidades.

Dizia eu, pois, que não quero offender o sr. ministro da fazenda, mas é certo que os argumentos apresentados na outra camara e os que por parte dos dignos pares e meus amigos, os srs. Augusto José da Cunha e Thomás Ribeiro foram produzidos aqui, ainda não estão respondidos. Eu podia, pois, usar d'elles que são muitos e valiosos, mas não quero, sr. presidente, dizer mal o que elles disseram bem e aprimoradamente. Usarei, pois, unicamente da minha pequena bagagem, e esta, julgo eu, bastará para mostrar a improcedencia e a inopportunidade do projecto em discussão, e digo sinceramente que não têem apresentado argumentos a favor do projecto, nem o sr. relator nem o sr. ministro da fazenda; nada se disse em resposta ao discurso magistral, proferido aqui pelo sr. Augusto José da Cunha, meu collega duas vezes, aqui e no professorado.

Tratando, pois, a questão nos termos restrictos a que a reduziu o sr. ministro da fazenda, como um simples expediente para obter mais recursos para o thesouro, embora por muitos outros lados possa ella ser considerada, creio ser facil a minha missão.

É realmente pena que um cavalheiro tão illustrado e tão intelligente tenha reduzido a sua administração a expedientes; expediente do monopolio e o expediente dos addicionaes.

Não entrei na discussão dos addicionaes, e limitei-me a votar contra o projecto em votação nominal. Os expedientes ultimamente adoptados n'esta camara e que francamente não approvo, de precipitar as discussões, levaram me a não usar da palavra. E no entretanto eu tinha alguma cousa a acrescentar ao muito que aqui se disse contra aquelle projecto. Tinha elle, sr. presidente alem de tantos defeitos apontados, o grande inconveniente de ir ferir a agricultura pela notavel incidencia d'aquelle imposto, que lançado igualmente sobre todos os agricultores sobrecarrega de facto os que exploram terras era condições mais difficeis Não quero alongar-me sobre este ponto, mas a camara é bastante illustrada e o sr. ministro da fazenda conhece bastante os principios da sciencia economica, para que eu não pretenda dar-lhes novidade, dizendo que aquelle imposto, ou obriga a desamparar a cultura de terras inferiores ou augmenta os preços regulando-os pelo custo da producção n'estas terras. A verdade é que produzira uns e outros d'estes prejuizos. N'este ponto não soffre contestação a celebre theoria de Ricord ácerca da renda da terra.

Deixemos, porém, este ponto, lamentando que o sr. ministro da fazenda apesar de seu apregoado talento e decidida boa vontade de melhorar as nossas finanças, não quizesse entregar o seu espirito ás precisas lucubrações para remodelar o nosso systema tributario, conforme os bons principios. Sentimos, sr. presidente, que demasiado impressionassem a s. exa. as difficuldades do thesouro, que poderia ter deixado de aggravar, e até certo ponto poderia ter modificado, para recorrer a expedientes injustos e violentos.

Voltemos ao encargo facil que me propuzera de responder aos argumentos com que o sr. relator defende o projecto em discussão.

Parece-me que a minha missão não é difficil e que não tomei um encargo superior ás minhas forças.

Sr. presidente, eu não entro na apreciação geral do projecto, porque isso seria vontade de mostrar á camara erudição que me falta, e fal-o-hão de certo melhor do que eu os oradores da opposição que me seguem no uso da palavra; mas vou responder aos pontos que apresentou o digno relator.

A confusão já está explicada.

O sr. ministro da fazenda declarou que a administração da régie tinha sido exercida com zêlo, com competencia e illustração.

A palavra do sr. relator foi apenas um equivoco de s. exa. como tão amavelmente acaba de explicar.

(Interrupção.)

A administração da régie desempenhou com muito zêlo a missão que lhe fora confiada.

Sobre este ponto não tenho mais nada que dizer.

Disse s. exa. que o partido progressista era contradictorio, votando agora contra este projecto, porque n'uma outra epocha o sr. conde de Valbom dissera que a régie era o peior regimen, e que o sr. Marianno de Carvalho pretendia estabelecer o monopolio.

Ora eu devo dizer a s. exa. que nas questões sociaes o tempo traz modificações importantes.

As idéas economicas não são hoje as mesmas que eram ha trinta annos. Essas idéas hoje tocam em interesses muitissimo importantes, a que é preciso attender.

A questão da producção é grave. É interessante a questão da alimentação publica, são importantes as commodidades materiaes de que póde gosar uma sociedade, e, ampliando as idéas economicas, são tambem importantes as commodidades moraes.

É certo, porém, que a questão da producção não é hoje um assumpto que apresente as mais serias difficuldades. Em relação aos pontos mais interessantes que se debatem n'esta parte da sciencia estão de accordo quasi todos os economistas,

Hoje ha apenas pequenas divergencias n'um ou n'outro ponto.

A questão mais discutida é a questão da distribuição. N'essa questão ha muito a considerar se certas emprezas devem ser tomadas por conta do estado ou por conta de particulares.

O sr. Marianno de Carvalho, como toda a gente sabe, é um caracter respeitabilissimo e de um talento excepcional, e ainda um dos principaes ornamentos d'este paiz, não podia pois deixar de ver com a sua conhecida perspicacia a importancia d'esta questão.

Eu não tive occasião de ler agora o relatorio do sr. Marianno de Carvalho, não o tive á mão.

Mas, sr. presidente, a idéa do sr. Marianno de Carvalho foi de certo substituir o monopolio de facto pelo monopolio legal. O monopolio existia de facto, mas estava distribuindo as suas vantagens simplesmente por alguns capitalistas que encontravam ensejo de entrar com superior vantagem n'esta concorrencia que a liberdade lhes permittia.

Por consequencia, as vantagens não recaiam sobre o paia, não as aproveitava o thesouro, mas os particulares que dispunham de maiores capitaes e de mais largo credito.

De facto a liberdade não existia; o que existia era monopolio; em consequencia de serem os pequenos capitaes completamente esmagados por aquelles que tinha mais força, e organisar emprezas em ponto grande, [...]

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Pró[...] e vender em melhores condições. Succedia, portanto, que um ramo de trabalho que podia dar maior rendimento, estava monopolisado na mão de poucos.

Era necessario fazer com que esse rendimento viesse em grande parte para o thesouro, deixando de aproveitar sómente a alguns particulares.

Podia conseguir-se isto, ou por meio dos gremios que o sr. Marianno de Carvalho tentou e não chegou a realisar, ou por meio do monopolio, ou pela régie,

O fim que o sr. Marianno de Carvalho queria attingir, conseguia-se por qualquer d'estes tres meios. Não quero entrar agora na apreciação das circumstancias que fizeram com que s. exa. preferisse a régie, apenas direi que na epocha que atravessâmos, com a importancia que se dá ás questões sociaes e nos limites que a sciencia e as conveniencias publicas permittem que se dê auxilio á classe operaria, eu entendo que a régie era preferivel ao monopolio e que o sr. Marianno de Carvalho não podia deixar de ver a questão por esse lado.

Eu não adopto, não acceito a idéa do socialismo, porque julgo que elle é pernicioso nas suas consequencias, vem destruir completamente as bases essenciaes da ordem e do progresso e ao par as da justiça, a propriedade individual e a liberdade.

A propria denominação de socialismo é perigosa, porque adoptado em principio, hão de tirar-se-lhe todas as consequencias, que podem ser desastrosas, em todo o caso injustas.

Entendo que o governo tem obrigação de attender ao movimento social e de tratar de o dirigir, por fórma que se sinta o menos possivel o resultado que provem do desequilibro que mesmo a liberdade produz entre as forças poderosas do capital e as forças, por circumstancias, mais diminutas e fracas dos operarios.

Talvez fosse esta mesma a rasão que levou o sr. Marianno de Carvalho a preferir a régie ao monopolio. Ainda mesmo que não existissem quaesquer outras considerações, que não trato agora de apreciar, em todo o caso bastava só esta para eu justificar o procedimento do talentoso estadista.

A vantagem de substituir o monopolio de facto pelo monopolio legal e fazer com que os proventos que se tiram de uma industria não sejam desfructados unicamente por alguns particulares, esses resultados estão já conseguidos pela régie.

Por consequencia, digo eu que não ha rasão hoje para mudar de systema, quando se attenda ás exigencias que predominaram principalmente para levarem o sr. Marianno de Carvalho a acceitar a régie.

Mas ainda outras circumstancias o podiam determinar; todos sabem que, quando se trata de um assumpto d'esta natureza, é necessario primeiro saber-se em que condições se encontra o mercado, e se seriam as condições do paiz n'aquella epocha as mesmas de hoje.

N'aquella epocha podia-se escolher o monopolio, porque os capitaes se encontravam por um preço muito diminuto, fossem quaes fossem as causas a que o sr. ministro da fazenda attribua essa abundancia de dinheiros, mas o que é facto, o que ninguem póde negar, é que no tempo do ministerio progressista obtinham-se capitaes com muito mais facilidade e em muito melhores condições, do que hoje se poderão obter.

Portanto, parece-me que é justificada a causa por que hoje condemno o monopolio e o defendi quando o sr. Marianno de Carvalho apresentou ao parlamento a proposta de lei para que se organisasse o gremio das fabricas e ia sua falta o monopolio ou a régie.

Sr. presidente, ainda ha uma outra rasão importantissima, que é a da régie achar-se já estabelecida e os poderes publicos terem empenhado todos os seus esforços para que esta industria se estabelecesse por conta do estado, quando já temos uma administração instalada, quando temos todos os preparativos para o fabrico e os encargos que se crearam pelas expropriações das fabricas de tabacos, e este foi o principal ponto a que o sr. relator da commissão alludiu e para mim incontestavelmente o mais forte para a régie continuar.

Fizeram-se grandes despezas na verdade, resolveram-se a maior parte das difficuldades, filhas da inexperiencia, e se a expropriação das fabricas se fez com uma certa largueza, o que tinha rasão de ser, foi porque não havia só a avaliar ao que ellas continham, mas aos lucros que as emprezas auferiam da sua industria, que o estado ia chamar a si, e por conseguinte a um prejuizo que resultava d'esta mudança.

D'ahi proveiu o valor a que se referiu, tanto o Br. ministro da fazenda como o sr. relator da commissão, que excedeu a quantia votada.

De modo algum as auctoridades que fizeram essa avaliação podem ser taxadas de suspeitas, e ninguem me parece, se poderá lembrar de o fazer.

Isto quer dizer que se semeou; que se lançou á terra a materia prima que mais tarde, n'um futuro, &c converteria em resultado pratico.

E por consequencia, destruimos, depois de dois annos, aquillo que muito custou a conseguir, fazendo, alem disso com que de futuro não venham para o thesouro os seus fructos; mas sim para o particular ou particulares a que for feita a concessão.

Eu estou, pois, convencido de que o sr. ministro da fazenda, apesar do interesse que toma pelos negocios publicos, se illudiu, se enganou a meu ver grandemente, indo destruir uma cousa que já estava fundada, organisada, e e cujos bons resultados em breve se manifestariam, o que, na verdade não me parece ser o procedimento mais harmonico e compativel com uma administração esclarecida e zelosa.

Realmente, a régie não póde ser ainda condemnada; não se póde dizer que não deu resultado favoravel.

O que o sr. Augusto José da Cunha aqui disse não foi destruido, e os cálculos do sr. Ressano Garcia, apresentados na outra camara e que ahi correm impressos, são rigorosos. Uns e outros são feitos com todos os elementos de que dispõem mathematicos distinctos como s. exas.

Por elles se vê que a régie continuando, e nas actuaes condições do consumo, sempre susceptivel de augmento, viria a dar um resultado muito superior ao monopolio, devendo esse resultado apresentar uma progressão constante.

Ora, sem entrar n'esses cálculos, porque não desejo repetir mal o que se disse bem na camara dos senhores deputados segui essa discussão e li os discursos ali proferidos, vou simplesmente analysar o que disse o sr. relator da commissão a este respeito.

Disse s. exa.: que com relação ao exercicio de 1889- 1889 acceitava, como devendo ter influido desfavoravelmente no rendimento, os encargos com que fôra onerada á administração do estado na passagem da liberdade para a régie. Muitos tabacos tiveram de ser refabricados. Estes encargos foram avaliados no relatorio da administração em 500 contos. Ora não se oppozeram nem o sr. ministro da fazenda nem o sr. relator, a este calculo e ambos acceitaram tambem como exacta a avaliação do rendimento do referido exercicio em 3:700 e tantos contos; digamos para arredondar, 3:800 contos de réis. Juntando os 500 contos de réis era que a despeza foi approvada, ternos como rendimento do primeiro exercicio 3:800 + 500 contos de réis, ou 4:300 contos de réis.

Este calculo condiz com o que affirma o relatorio da régie.

Temos, pois, que no primeiro exercicio já a régie rendeu mais do que vae dar o monopolio.

Com relação ao segundo exercicio, o de 1889-1890, fez o sr. relator varias deducções, fundadas em experiencias feitas para introduzir tabaco nas nossas colonias, deduc-

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ções de direitos, provenientes d'esta causa, commissões, os 400 e tantos contos de réis pagos de juro e amortisação pelo dinheiro levantado para a installação e exploração da empreza, etc.

Ponhâmos de parte todas as considerações que poderiam attenuar as ponderações sobre este ponto feitas pelo seu relator. Lembremos apenas que as experiencias feitas para augmentar as vendas do tabaco foram sem duvida um acto de boa administração. E possivel que no primeiro anno não dessem resultados, mas equivalia a semear para colher mais tarde.

A obrigação da régie era desenvolver as vendas, empregando todos os meios ao seu alcance para o mesmo fim. Se acaso a diminuição influia no rendimento da régie, notemos que as experiencias custam sempre caras.

Entretanto, suppunhâmos que a régie rendeu, como diz o sr. relator 3:500 contos de réis; é conceder o mais que é possivel. Pois bem; ainda assim eu vou provar que a régie no segundo exercicio rendeu mais do que vae render o monopolio, conforme os termos do contrato para que se pede auctorisação.

Conforme uns documentos que tenho presentes e que são fornecidos pela régie, a producção no exercicio de 1889 e 1890 foi de 7:061 contos, e as despezas 1:605 contos. O valor, pois, da producção liquido foi de 5:405 contos. Condiz este resultado com o que por outro lado se deduz, se considerarmos que o stock de tabacos fabricados, que ficou no fim deste exercicio, que foi tambem, segundo documentos officiaes, de 451:301 kilogrammas, no valor de 1:883 contos. Tiremos, para compensar qualquer verba menos favoravel que se encontre no passivo e fazer face a todas as deducções desfavoraveis, 900 contos, e ainda juntando o que fica como activo, os outros 900 contos, chegaremos ao mesmo resultado de 4:300 contos de réis.

Vê a camara que não sou sóbrio em deducções a favor da argumentação dos que defendem o projecto.

Ainda assim chego a resultado muito maior do que póde dar o monopolio, e nestas condições a que fica reduzida a argumentação do digno par?

Temos por consequencia que a régie n'estes dois annos 1888 a 1889 e 1889 a 1890 produziu já, por contas tiradas de documentos que não podem merecer a mais pequena duvida, e que foram fornecidos pela régie, 4:300 contos.

Deu mais do que póde dar o monopolio; mas o que acho singular é que se compare a régie com o monopolio, dando-se a este vantagens que se não querem conceder áquella, como, por exemplo, a faculdade do augmento de preço até 20 por cento, a faculdade de dispor da fiscalisação, e tantas outras que me dispenso de apresentar á camara, mas que, se o quizesse fazer, bastava-me ler um jornal onde ellas vem mencionadas e que foram citadas na outra camara pelos srs. Emygdio Navarro, Carlos Lobo d'Avila e Ressano Garcia.

Ora, estas vantagens são enormes, e para se poder fazer a comparação é necessario que sejam tambem concedidas á régie, para ficar em igualdade de circumstancias.

Mas pondo de parte cálculos que todos levam ao mesmo resultado, supponhamos que a experiencia ainda não está feita, o que é um facto, pergunto eu, será proprio de uma administração zelosa e intelligente largar mão de uma receita que é importantissima, só pelo facto de não ter dado logo no começo o que se esperava que desse?

Não me parece. Quaesquer que sejam os calculos que se apresentem, qualquer que seja a correcção de que sejam susceptiveis esses cálculos, o que é facto é que a experiencia não está feita.

Não se devia, pois, ter lançado mão d'este expediente para pôr de parte a régie, cujos resultados na minha opinião são mais vantajosos, ou pelo menos não estão ainda convenientemente averiguados.

Creio que tenho respondido a todas as considerações aqui apresentadas na ultima sessão pelo sr. relator da commissão.

(Interrupção do digno par sr. Pinto de Magalhães que não se ouviu.)

O sr. relator pergunta-me se eu vou terminar.

Eu tinha muita vontade de terminar aqui as minhas considerações, não só porque desejo ouvir os oradores que se me hão de seguir, e que de certo a camara ouvirá com mais prazer do que a mim, mas porque não quero abusar da paciencia da camara.

Entretanto, eu farei ainda algumas considerações, embora muito em resumo, para responder a uma parte importante do discurso do digno par.

Sr. presidente, o sr. relator da commissão disse aqui que a régie não é um regimen que as differentes nações adoptem de preferencia ao monopolio, e creio que o sr. ministro da fazenda disse tambem que não havia auctor nenhum que defendesse a régie.

O sr. Ministro da Fazenda (Franco Castello Branco): - O digno par attribue-me cousas que eu não disse, e até mesmo no meu relatorio eu digo o contrario.

O Orador: - Parecia-me que s. exa. no seu ultimo discurso tinha dito que não havia auctor nenhum que defendesse a régie.

O sr. Ministro da Fazenda (Franco Castello Branco): - Eu não disse isso, sei mesmo que esse regimen está adoptado na França e na Italia.

O Orador: - Como s. exa. não disse isso, eu não insisto n'este ponto, e desculpe-me s. exa. se interpretei mal as suas palavras.

Sr. presidente, no estado a que chegaram as questões sociaes, a adopção da régie é muitas vezes um acto politico importante.

As forças poderosas de que depende a organisação de uma industria tão importante como a dos tabacos, que tem empregado no seu trafico milhares de operarios, que, é por isso causa de tantas questões entre o trabalho e o capital, convem mais que estas estejam até certo ponto subordinadas e sujeitas a uma administração do estado do que a uma administração particular. Especialmente quando os regulamentos, que n'este ponto não é facil alterar, impõem já á empreza tantos encargos em favor dos operarios ahi empregados. Se essas condições forem rigorosamente cumpridas, convem que os favores feitos se agradeçam ao governo, que deve aproveitar todos os meios legitimos de ser bemquisto das classes menos favorecidas da fortuna e em geral de todas as classes sociaes.

Se não forem cumpridas pelo concessionario será este facto origem de perturbações e mau estar na ordem publica, o que convem por todos os meios evitar. (Apoiados.}

Sr. presidente, eu quereria terminar aqui, mas não posso deixar de fazer ainda algumas considerações relativamente ao que n'uma das ultimas sessões disse o sr. ministro da fazenda em resposta ao sr. Thomás Ribeiro.

S. exa., respondendo a este digno par disse que a sua argumentação era uma pura phantasia, ou então o resultado de ter feito este digno par uma leitura precipitada tanto do relatorio como do projecto em discussão.

Eu reconheço que o sr. ministro da fazenda foi lucidissimo na sua exposição, e comprehendi perfeitamente o que s, exa. quiz dizer; mas, apesar de ter comprehendido perfeitamente o que disse o sr. ministro, não fiquei convencido de que fosse uma brincadeira o que disse o sr. Thomás Ribeiro.

Trata-se de uma compra, mas tambem se trata de um emprestimo com juro e amortisação.

Eu bem sei que este pagamento ha de ser feito pelos lucros liquidos da empreza, mas a divida persiste e é um encargo que vem reduzir os lucros em que o estado tem metade.

Custou-me ver o sr. Thomás Ribeiro, uma intelligencia

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esclarecida e um caracter serio, accusado de estar brincando ou de não ter lido o projecto e o relatorio.

O facto é que a parte do dividendo que cabe ao estado é cerceado, ou antes, é absolutamente impossivel realisar-se, emquanto não forem pagos os 7:200 contos. A operação é n'esta parte um emprestimo e por outro lado é uma compra, porque o estado dá o material e o privilegio por aquella importancia.

Mas ainda parte d'aquelle dinheiro que o estado recebe, os 2:700 contos são considerados para o concessionario como a maior parte do seu capital e sobre elles e mais 800 contos, tem a receber um dividendo de 10 por cento.

Ainda no fim o estado tem obrigação de tomar o material que agora cede ao concessionario pelo que valer então, caso se volte á régie.

De modo que temos um deposito, com reversão obrigada para o estado, temos uma compra, porque effectivamente o sr. ministro da fazenda vende todo o material e o privilegio por 7:200 contos. Mas uma compra extingue completamente as obrigações que ficam em relação a cada um, e neste ponto é que eu devo dizer, sem por fórma alguma querer offender o sr. ministro da fazenda, que ha pelo menos uma certa confusão na maneira de expor os factos. Por qualquer modo que se expliquem, elles significam sempre um gravame para o estado e uma vantagem para o concessionario. Este é que é o ponto essencial e verdadeiro.

Mas ainda mais. Depois do emprestimo ser satisfeito, e depois de haver um dividendo de 10 por cento para os 3:500 contos constituidos na sua maxima parte pelos 2:700 contos que são parte essencial da venda por que se obtiveram os 7:200 contos, ainda o estado é obrigado a comprar pelo preço de venda 1:500 toneladas de tabaco, com 15 por cento de abatimento, quando as vendeu com o abatimento de 68 por cento.

Ora isto é um bónus enorme. Desde o momento em que se prova que a régie já nos primeiros dois annos deu tanto como o monopolio; e em todo o caso que a experiencia não está ainda feita, como vae dar-se por quantia inferior ou pelo menos quasi igual o privilegio de um fabrico tão importante, susceptivel de progressivo augmento, como o provam os factos succedidos em toda a parte, enfeudando-se esta industria por dezeseis annos?! É realmente extraordinario, para não empregar outro qualificativo.

Nem se evitam, como parecem acreditar os que defendem o projecto, os encargos que a transição para a régie trouxe, antes vão aggravar-se com os encargos que o estado toma para quando acabar o monopolio e outros que naturalmente derivam de todos os contratos entre o estado e as emprezas particulares.

Quaes são estes encargos já de antemão prevenidos dil-o claramente o projecto, já em parte me referi a alies e foram largamente expostos na outra camara e já nesta. Não quero mencional-os mais uma vez. Simplesmente lembrarei mais uma vez a obrigação que o estado contrahe de comprar 1.500:000 kilogrammas de tabaco pelo preço da venda apenas com 15 por cento de abatimento, e de comprar pelo preço que se liquidar todo o material da empreza concessionaria.

Estes direitos do concessionario bem explorados e contando com a natural bonhomia dos governos, significa desde já um encargo de milhares de contos e póde ainda ser muito acrescido, como os factos passados já deviam bem ter ensinado.

Ora, sr. presidente, reduzido o projecto a um expediente financeiro, a um meio á falta de outro, para alcançar recursos para o thesouro, eu digo sinceramente aos srs. ministros que o seu modo de regular as despezas publicas, pedindo auctorisações para gastar de uma maneira larga os dinheiros da nação, não justifica o seu direito de exigir novos sacrificios ao contribuinte.

O digno par, o sr. Augusto José da Cunha, quando se referiu á musica da guarda municipal, não quiz de modo algum apreciar a parte artistica da providencia governamental, quiz referir-se sim ao ponto essencial, arguir uma despeza que lhe parecia inutil.

Parece-me que numa epocha em que se apresentam taes difficuldades financeiras, devia o governo ser mais correcto no modo de ordenar as despezas publicas.

Tenho dito.

(O orador foi comprimentado por muitos dignos pares.)

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