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SESSÃO DE 12 DE AGOSTO DE 1869
Presidencia do exmo. sr. Conde de Lavradio
Secretarios - os dignos pares
Visconde de Soares Franco
Conde de Fonte Nova
Pelas duas horas e meia da tarde, tendo se verificado a presença de 23 dignos pares, declarou o exmo. sr. presidente aberta a sessão.
Leu-se a acta da antecedente contra a qual não houve reclamação.
O sr. secretario visconde de Soares Franco mencionou a seguinte
Correspondencia
Officio da presidencia do conselho de ministros, assigna-do pelo sr. marquez de Sá da Bandeira, communicando que Sua Magestade El-Rei houve por bem encarregar da formação do novo gabinete o digno par do reino duque de Loulé.
Officio da mesma presidencia do conselho, participando, para conhecimento da camara, que tendo Sua Magestade El-Rei, por decretos datados de 11 do corrente, concedido a exoneração que lhe pedíra o ministerio presidido pelo conselheiro d'estado effectivo, marquez de Sá da Bandeira, houve por bem, por decretos da mesma data, nomear para os cargos de presidente do conselho de ministros, e ministro e secretario d'estado dos negocios do reino, o par do reino duque de Loulé; para o ministerio dos negocios ecclesiasticos e de justiça, o deputado da nação portugueza, conselheiro José Luciano de Castro Pereira Côrte Real; para o ministerio dos negocios da fazenda, o conselheiro d'estado effectivo, Anselmo José Braamcamp; para o ministerio dos negocios estrangeiros, o conselheiro José da Silva Mendes Leal, ambos deputados da nação portugueza; para o ministerio dos negocios da marinha e ultramar, o par do reino Luiz Augusto Rebello da Silva; e para o ministerio dos negocios das obras publicas, commercio e industria, ficando interinamente encarregado da pasta dos negocios da guerra, o conselheiro Joaquim Thomás Lobo d'Avila, deputado da nação portuguesa.
Officio do ministerio dos negocios da fazenda, enviando um mappa da carne salgada e manteiga exportadas pela alfandega do Funchal, desde 1 de janeiro de 1865 até 20 de junho de 1869, para satisfazer ao requerimento do digno par Visconde de Fonte Arcada.
Officio do ministerio do reino, remettendo, para satisfação do requerimento do digno par Vicente Ferrer Neto de Paiva, uma copia do decreto de 13 de janeiro ultimo, pelo qual foram conferidas as honras de commendadeira do real mosteiro de Nossa Senhora da Encarnação da ordem de S. Bento d'Aviz, a D. Maria da Visitação do Vadre Castello Branco, encarregada provisoriamente da administração do mesmo real mosteiro.
O sr. Conde d'Avila: - Sr. presidente, pedi a palavra para mandar para a mesa uma representação que acabo de receber de alguns recebedores de comarca em Aveiro, Beja, Santarem, Portalegre, Faro e Coimbra, na qual pedem a revogação do artigo 28.° do decreto de 14 de abril ultimo.
Não entro agora na apreciação da justiça do pedido d'estes funccionarios, porque não julgo opportuna a occasião, e por consequencia limito-me a pedir a v. exa. que esta representação seja mandada á commissão competente, para a tomar na devida consideração, quando se apresente algum projecto analogo aos desejos dos requerentes, ou para propor as providencias que julgar mais convenientes.
A commissão de fazenda.
O sr. Jayme Larcher: - Sr. presidente, rogo a v. exa. que tenha a bondade de me dizer se já foram remettidos a esta camara, pelo ministerio das obras publicas, os esclarecimentos que por tantas vezes tenho pedido?
O sr. Presidente: - Na mesa não se receberam os esclarecimentos a que o digno par se refere; mas o requerimento mandou-se expedir com urgencia.
O sr. Jayme Larcher: - Agradeço muito a v. exa., mas peço licença para dizer mais algumas palavras, para que fique bem consignada a estranheza que me causa esta demora, diria quasi esta teima em não se querer que a camara tenha conhecimento destes documentos, que são de grande importancia, principalmente agora que se tem reunido á commissão de fazenda para tratar da prpposta do accordo com a companhia do caminho de ferro de sueste, a quem estes documentos dizem respeito.
Por isso peço de novo a v. exa. que tenha a bondade de renovar com urgencia o meu pedido para a remessa d'esses documentos.
O sr. Presidente: - Hontem mesmo foram requisitados com urgencia esses documentos, entretanto mandar-se-ha expedir nova requisição?...
O sr. Marquez de Sá: - Peço licença para mandar para a mesa um requerimento.
«Requeiro que se peça ao governo que envie a esta camara uma informação sobre a maneira como, em cada uma das provincias ultramarinas, foi executado o decreto de 22 de fevereiro de 1869, que aboliu o estado de escravidão; declarando se occorreu alguma difficuldade na sua execução, e se os trabalhos em que os escravos eram empregados, têem sido continuados pelos libertos.
«Sala das sessões, 12 de agosto de 1869. = Sá da Bandeira.»
Mandou-se expedir.
O sr. Presidente: - Os dignos pares ouviram as communicações que foram feitas a esta camara relativas á organisação do novo ministerio, e como é provavel, ou para melhor dizer, quasi certo, que ainda hoje venham a esta casa os novos ministros; e não ha sobre a mesa negocio nenhum a tratar, proponho que a camara suspenda a sessão até ás quatro horas, porque, provavelmente, a essa hora, já os srs. ministros poderão apresentar-se n'esta camara.
Os dignos pares que approvam a suspensão da sessão até ás quatro horas, queiram levantar-se.
Foi approvada.
Eram quasi tres horas da tarde.
Pouco depois das quatro horas abriu-se de novo a sessão, e pouco depois entraram os novos ministros, que foram occupar as cadeiras do ministerio.
O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Duque de Loulé): - Sr. presidente, eu e os meus collegas vimos cumprir o dever de nos apresentarmos a esta camara. V. exa. e a camara já devem ter conhecimento da participação que tive a honra de enviar, e por ella sabem qual é a organisação do novo gabinete, pelo que posso julgar-me dispensado de a relatar.
Com relação ás idéas do governo sobre a sua gerencia futura, é, como já tive tambem a honra de o dizer na outra camara, proseguir na politica inaugurada por todos os ministerios que se teem succedido n'estas cadeiras, não só pelo passado, mas tambem por todos os ministerios, e não menos por todo o paiz que reconhece a necessidade de regular quanto antes o nosso systema financeiro (apoiados).
Isto consegue-se por meio de uma estricta economia, das reducções convenientes, de recursos ao credito, e de providencias que necessariamente se devem tomar para o tirarem do abatimento em que se acha, e podermos recorrer a elle com vantagem.
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Quanto á politica, parece-me que a dos membros do gabinete é bem conhecida para que eu demore a camara fazendo a exposição da que tentâmos seguir.
E finalmente, pelo que respeita ás questões pendentes, é de toda a conveniencia que se resolvam quanto antes, por isso que a sessão acha-se bastante adiantada, e é necessario que, quanto antes, certas providencias se convertam em leis do estado, e sejam postas em execução.
O sr. Marquez de Sá: - Sr. presidente, é costume, quando um ministerio se retira, dizer o motivo que teve para isso. É o que passo a fazer em poucas palavras. O ministerio de que tive a honra de fazer parte, tinha apresentado uma proposta de lei na camara dos senhores deputados para se dar a quantia de 47:000 libras esterlinas á empreza dos caminhos de ferro de sueste, e por este meio acabar com todas as transacções com esta empreza. O governo, auctorisado por lei, tinha feito um contrato de emprestimo com a casa ingleza Stern, e esperava, em rasão d'este contrato de emprestimo, poder pagar no dia 17 do corrente uma letra de 574:000 libras esterlinas que se acha em poder da casa Goschen, contando para isso com algum adiantamento de dinheiro feito pela casa Stern; esta casa porem poz a condição sine qua non, de se terminarem os pagamentos á companhia do caminho de ferro de sueste, para fazer qualquer adiantamento e fornecer o dinheiro não só para o pagamento a Goschen, como de outras letras que se vencem até ao fim do corrente mez, n'um total de 900:000 libras, alem de outras letras que se vencem mais tarde.
Por consequencia é indispensavel habilitar se o governo até ao dia 17 com fundos para satisfazer a letra a Goschen; e se o não fizer, a letra protesta se, e em consequencia d'isso serão vendidas as inscripções, que são penhores da quantia representada n'aquella letra, o que estão em poder da casa Goschen. Esses penhores andam por 10.000:000$000 réis nominaes, porque parte das inscripções estão a 25 por cento, e outras a 20, quando em Londres o curso dos nossos fundos é de trinta e tres e tanto.
Protestada esta letra, e vendidos os penhores pelo preço por que estão hypothecados, seria a perda para o paiz de mais de 1.300:000$000 réis. Mas não é só isto o que haverá a receiar; haverá mais, haverá a bancarota completa, porque, proteatada a primeira letra, todos os outros portadores de letras sobre o thesouro de Portugal protestarão as que têem em sua mão, e d'ahi resultará a venda dos penhores que os garantem e que andam por 23.000:000$000 réis, e que entrando em praça produziriam a completa ruina do nosso credito, e impedirá que Portugal possa fazer qualquer transacção.
Ora, sr. presidente, na camara dos senhores deputados passou a proposta do governo a que me referi, para se darem 47:000 libras á empreza do caminho de ferro de sueste, e já se acha na commissão de fazenda d'esta camara. Mas passou com quatro votos, incluindo os de dois ministros, sendo por consequencia o resultado que o governo n'aquella votação teve apenas dois votos de maioria.
O governo, pelo que se tinha passado n'esta casa, não podia ter a certeza de que o projecto que veiu para esta camara fosse depois aqui approvado, e sem esta certeza achava-se nas circumstancias de poder esperar o não pagamento da letra em Londres, e por consequencia a banca rota geral.
(Pedem a palavra os dignos pares Vaz Preto e marquez de Vallada.)
Então o governo tomou a resolução de apresentar a corôa a sua exoneração, porque, em consequencia da pequena maioria que teve na outra capa do parlamento, não era occasião de poder recorrer ao poder moderador, a fim de modificar, se julgasse conveniente, a maioria d'esta casa, e effectivamente pediu o ser substituido antes mesmo de saber o resultado da votação do projecto n'esta camara, porque o que tinha em vista era segurar o pagamento dos creditos de Portugal, para nos evitar portanto a bancarota.
Apresentou-se pois ao chefe do estado, logo em seguida aos acontecimentos parlamentares, para dar tempo a que nos poucos dias que restam até ao fim da presente semana se podesse organisar uma nova administração, que se considerasse habilitada a salvar o credito da nação da ruina que estava imminente.
Foi um acto que me parece dever merecer a approvação da camara.
Agora perguntarei aos srs. ministros se se julgam habilitados a fazer o pagamento d'esta letra, no valor de 574:000 libras, para o dia 17 do corrente?
Ao mesmo tempo, tendo recebido uma communicação official para comparecer no conselho d'estado ámanhã ás dez horas, a fim de se tratar da prorogação das côrtes, devo perguntar a s. exas. se, não tendo logar a prorogação das côrtes, o governo se considera habilitado a continnar os pagamentos, e se, feita a prorogação, póde ser já votado o orçamento que o governo anterior se tinha compromettido a fazer passar?
Em todo o caso, terminado o direito de exigir certos tributos depois do dia 31 do mez passado, como entende o governo poder satisfazer aos encargos publicos, emquanto não for auctorisado a receber os tributos ainda não votados?
São estas as perguntas que tenho a fazer.
O sr. Presidente: - Tem a palavra o digno par, o sr. Vaz Preto, mas como tambem a pediu depois o sr. ministro da fazenda, na conformidade do regimento, preferem os membros do governo.
O sr. Ministro da Fazenda: - Eu pedia licença para fallar depois do digno par.
O sr. Presidente: - N'esse caso tem a palavra o digno par.
O sr. Vaz Preto: - Sr. presidente, com o mais subido pezar e profunda magua acabo de ouvir as declarações feitas pelo ex presidente do conselho de ministros, o digno par sr. marquez de Sá, e digo com subido pezar e profunda magua, porque s. exa., pela exposição que a camara ouviu, não fez mais do que condemnar a administração de que fazia parte, justificando ao mesmo tempo a opposição tenaz que lhe foi feita por esta camara. O digno par teria andado politicamente, teria acatado os verdadeiros principios constitucionaes, teria prestado homenagem ao systema representativo e á camara, de que tem sido e é um ornamento, se curvado diante da sua votação declarasse que, em virtude d'ella, tinha s. exa. com os seus colegas largado aquellas cadeiras, sem duvida teria procedido como lhe competia, e por certo teria feito muito melhor do que declarar que a sua saida do ministerio havia sido originada pelo estado deploravel em que se acham as nossas finanças, Sr. presidente, se alguem tivesse ainda alguns escrupulos por ter votado a moção de censura, a sua consciencia ficára immediatamente tranquilla depois de ouvir a singular e extraordinaria declaração do sr. marquez de Sá. Sinto do coração que s. exa. não desse o valor áquella moção, valor que ninguem melhor do que s. exa., pela sua elevada instrucção, lhe podia dar. N'este caso cumpre me fazer aqui uma breve exposição dos principios seguidos em direito publico.
Sr. presidente, a verdadeira doutrina, aquella que geralmente é seguida e defendida por todos os publicistas, é que nos paizes regidos pelo systema representativo, e onde existe por necessidade uma segunda camara para moderar os excessos da camara dos deputados, e conservar as liberdades patrias e instituições convenientes, para que a facção não produza os seus desentoados effeitos, e sem a madura circunspecção sejam votadas leis que não convem ao esta do de civilização e progresso do paiz, e note-se que fallando da segunda camara refiro-me não só á camara dos senadores, cuja eleiçào é popular, como á camara dos pares, cuja nomeação é regia; embora esta camara seja hereditaria, vitalicia ou nomeada por categorias n'um ou n'outro
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caso. Quer a nossa procedencia venha do povo ou do rei, quer a sua origem seja popular ou regia, esta camara é uma camara tão politica como é a camara dos deputados, e n'este ponto e sobre este objecto as attribuições são as mesmas, e mesmo o direito de emittir o seu voto n'uma questão de confiança, com tudo estes dois corpos colegislativos, que formam o poder legislativo, tem cada um suas attribuições privativas e suas prerogativas proprias que lhe estão marcadas no codigo fundamental. Quem ha ahi que desconheça ou ignore quaes as attribuições e prerogativas que a carta constitucional confere á camara dos senhores deputados e á camara dos dignos pares? Se isto assim é, se estes são os principios incontestados, a camara dos pares, avaliando a politica do governo e não se conformando com ella, tinha o direito de votar uma moção de censura, em que condemnasse essa politica; fez o que lhe competia, cumpriu o seu dever.
Esta camara é moderadora e conservadora, e para muita gente estas duas qualidades significam por uma falsa interpretação, que ella não é igualmente politica, como a outra casa do parlamento, e que é contraria ao progresso, civilisação e desenvolvimento moral e material do paiz; os que pensam porém assim, estão completamente enganados: a palavra moderadora significa n'ella o bom senso, circumspenção para impedir excessos, e desvario dos bons principios e sãs doutrinas; a palavra conservadora porém, quer dizer que a camara dos pares, procura conservar, com todo o cuidado, as instituições e as liberdades do paiz, e em vez de obstar ao desenvolvimento do progresso e da civilisação, pretende caminhar a par d'elles, porque conhece que o progresso é uma lei da natureza a que a humanidade está sujeita, verdade esta que um celebre escriptor exprime com as significativas palavras - le monde marche. Postos estes principios e reconhecida esta verdade, a camara dos pares não póde deixar de ser amante do progresso e da liberdade, e a palavra conservadora deve entender-se de fórma que a verdadeira doutrina fique intacta, e a palavra conservadora deve entender se conservadora do que é bom, e querendo o progresso rasoavel, severo e dentro de certos limites, de modo que a liberdade e instituições não possam padecer, mas sim alentar se.
A camara dos pares é uma camara moderadora e conservadora, porque, composta como deve ser, e como effectivamente é, de homens que se têem elevado pelo talento e pelos serviços feitos na carreira militar, ou na magistratura e nas letras, representando alem d'isso a grande propriedade, ella tem a maior independencia nas suas resoluções a respeito de qualquer assumpto, em vez de ceder ás influencias dos governos, ella deve ser sempre livre e conservadora.
A segunda camara, permitta-se-me a expressão, é composta da nata da nação, pois ali vêem-se representadas as classes elevadas, e devem se encontrar homens os mais imminentes em todas as carreiras, e remunerados os relevantes serviços feitos á patria. Assim suppõe-se que os officiaes superiores e mais distinctos no exercito e marinha lá têem um logar, a sciencia e as letras o seu tambem, a magistratura civil e judiciaria o que lhe compete, alem d'isso a igreja ali é representada pelos seus bispos, e a grande propriedade por aquelles que a possuem a par de outras condições. N'este presupposto a resolução d'esta assembla de notaveis deve ter circumspecta, sisuda e de grande auctoridade.
Quando pois se levanta um conflicto entre as duas camaras, desejando o poder moderador conservar o ministerio, e não querendo o governo pedir a sua demissão, o caminho a seguir é a dissolução da camara dos deputados, a fim de ser consultado o paiz, para decidir do pleito que se levantou entre as duas casas do parlamento, e se o paiz nomeia os mesmos representantes, ou outros que partilhem as mesmas idéas, n'esse caso a camara dos pares, para não crear difficuldades e respeitando a vontade soberana, cumpre-lhe ceder da sua parte, e por ser coherente com a outra camara; porém se ella é_ facciosa e ainda assim não quer ceder, o governo deve dissolver a oppppsição, fazendo aquillo a que vulgarmente se chama uma fornada.
Sr. presidente, a segunda camara tem sido sempre reconhecida como necessidade nos paizes onde existe o regimen representativo, e ella é o correctivo das demasias e precipitado progresso que a outra deseja e quer; portanto muito mal fazem os governos não só em desprestigiar esta instituição, mas em fazerem com que a sua imprensa espalhe e derrame no publico idéas falsas e opiniões absurdas e exageradas.
Desenganem se pois que hão de ter a segunda camara ou de uma ou de outra fórma, e que ella ha de ser sempre um corpo politico e como tal igual á da dos senhores deputados; d'esta fórma a segunda camara não teria valor, seria inutil, e não teria rasão de ser. Os governos pois deram sempre um passo muito sensato, sacrificando a sua existencia á votação contraria em qualquer das camaras; se porém entenderem que a sua conservação é necessaria a despeito d'essa votação, é necessario pois consultar o paiz e decidir n'esse pleito, e acatar a sua decisão. Se porém a camara dos pares persiste na sua opinião e não cede diante da sentença popular, n'esse caso cumpre ao governo dissolver-lhe a sua maioria por uma fornada de pares. E só n'este caso é que a fornada é admittida.
Se os governos attendessem mais aos principios, não estaria a camara dos pares tão desprestigiada pelas repetidas fornadas.
Estimo e estimo muito ter tido occasião de expor á camara as minhas opiniões e de sustentar as boas doutrinas, porque vejo que lá fóra ha quem, sem conhecimento d'estes principios, espalhe idéas que se não podem por fórma alguma admittir, nem sustentar-se, e por consequencia aproveito esta occasião para registar as minhas opiniões, e as deixar bem consignadas.
Sr. presidente, applaudo-me de ver sentados n'aquellas cadeiras os novos ministros da corôa, porque vejo que se satisfez ás indicações parlamentares por tanto tempo esquecidas e prostergadas, e eu desejo que sejam sempre respeitados os principios constitucionaes. Applaudo-me, sr. presidente, por ver que estes principios foram acatados, e applaudo-me muito mais por ver ao mesmo tempo que vieram occupar as cadeiras do ministerio cavalheiros conspicuos e importantes da opposição parlamentar das duas Casas do parlamento (apoiados), provados n'estas lides e muito conhecedores dos negocios publicos. Comtudo, por isso mesmo que vejo acatados os principios constitucionaes, e vejo ali sentados homens verdadeiramente importantes e de que ha muito a esperar pela sua experiencia, não posso deixar de lhes fazer algumas perguntas, e ao mesmo tempo tambem algumas recommendações.
Sr. presidente, a esperança, que eu tenho n'estes cavalheiros provém das idéas que elles professam e eu conheço pelos seus discursos pronunciados nas duas casas do parlamento. Por consequencia, sr. presidente, sendo a questão financeira a questão palpitante que hoje é necessario resolver promptamente e á custa dos maiores sacrificios,não posso deixar de perguntar ao sr. ministro da fazenda,apesar de ter já ouvido na outra camara as suas declarações sobre esta importante questão, se julga conveniente antes de se concluir esta sessão, empregar todos os seus esforços para completar a lei da desamortisação, porque desde que s. exa. tenha uma lei completa de desamortisação e tendo o governo de recorrer outra vez ao emprestimo, porque este emprestimo que vae contratar não é sufficiente, e então ha de obte lo em muito melhores condições do que o governo passado. Alem d'isso, eu reconheço e espero que o nobre ministro tambem reconhece a necessidade que ha de simplificar os serviços publicos, e de alterar o systema dos impoptos, porque não satisfaz pelo modo como se faz a repartição das contribuições, assim é desigual, onerosa e
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vexatoria; e por isso s. exa. deve concordar n'este ponto commigo, que todo o aggravamento que se fizer na contribuição predial é um aggravamento altamente desigual e summamente doloroso pelo estado de deficiencia em que se acham as matrizes. Apesar d'estes inconvenientes reconheço a necessidade em que o governo actual está collocado e ás difficeis circumstancias em que se acha, assoberbando-o difficuldades por toda a parte sem ter recursos par as vencer, n'esta situação precisa de impostos immediatamente votados, e fazer passar n'esta casa os impostos que foram votados na outra camara, e mais alguns, embora não possam ser-lhes corrigidas as injustiças e imperfeições em que elles vem envolvidos n'este momento; mas por isso mesmo que elles vem eivados d'este erro e vicio, é por essa mesma rasão que esta contribuição se deve considerar como extraordinaria, e como uma contribuição de guerra para a actualidade. Portanto o que agora a força das circumstancias póde obrigar a votar, não se póde consentir nem permittir na outra sessão, na qual o sr. ministro da fazenda ha de apresentar o resultado dos seus estudos, experiencias e observações, ou medidas que resolvam estas difficuldades e corrijam os defeitos e faltas que eu noto e que todos reconhecemos, e fazendo assim com que o imposto seja distribuido com igualdade, porque pela fórma como está estabelecida é altamente desigual de districto para districto, de concelho para concelho e de freguezia para fregue-zia. Mas estou bem convencido de que o sr. ministro da fazenda, como homem d'estado, não viria n'esta difficil conjunctura sentar-se n'aquellas cadeiras senão tivesse a consciencia de que podia fazer bons serviços ao seu paiz, e concorrer para resolver a grave questão que hoje nos occupa a todos (apoiados).
Por consequencia, sr. presidente, exprimirei para com s. exa. os meus desejos; igualdade no imposto, a melhor distribuição possivel, e os meios de o perceber pelo modo mais facil e menos despendioso: são estes os principios que espero ver seguidos por s. exa.
A maior de todas as calamidades por que o paiz tem passado n'estes ultimos tempos foi de certo a revolução de janeiro; foi ella que sem duvida adiou a resolução da crise financeira, aggravando o estado das nossas finanças, foi ella a culpada dos embaraços em que nos temos achado; porque se não tem havido similhante revolução, nós tinhamos hoje como lei o imposto de consumo, lei que ainda hoje eu sustento e desejo, porque por ella obtinha-se com menos gravame para o paiz um imposto de 3.000:000$000 réis; e note-se que a lei a que me refiro não era completa, tinha grandes lacunas e defeitos, que o proprio governo de então foi o primeiro a reconhecer. Esteja pois a camara segura de que mais tarde se ha de vir a reconhecer a necessidade d'esse imposto, que dá tão proficuos resultados.
Não venho aqui fazer uma prelecção de economia politica, se a viesse fazer tornar-se-me ia muito facil demonstrar as vantagens d'este imposto; mas citarei apenas um facto recente.
Em Hespanha existia o imposto de consumo, mas com a ultima revolução foi revogado; comtudo foram taes os inconvenientes que resultaram da sua substituição, que seis mil freguezias têem pedido de novo esse imposto, porque o reputam muito menos gravoso do que aquelle que o veiu substituir.
Sr. presidente, se eu não partilho as idéas da revolução de janeiro pelos seus maus resultados e effeitos, o que partilhei sempre como principio de moralidade, e sobretudo para os governos, é a idéa das reducções e economias, porque as reducções e economias são sempre necessarias a todo o paiz, e principalmente a um paiz como o nosso, em que as circumstancias são tão pouco lisonjeiras; o que sinto porém que, sendo nobres as aspirações do povo, elevado e grande o seu desejo, justa e santa a sua bandeira, fosse calcada pelos governos que a deviam sustentar intacta, e não satisfeitas as suas aspirações, illudidos seus desejos.
Esta lição custou-lhe bem cara, e grande responsabilidade cabe áquelles que, podendo fazer muito, nada fizeram e deixaram assim perder uma occasião tão proficua e conveniente. Sr. presidente, deixemos a revolução de janeiro, tratemos da questão financeira.
Uma das causas mais necessarias na presente occasião é a realisação do emprestimo immediatamente, e acabar se com a questão relativa ao caminho de ferro, dando-lhe uma solução rasoavel e definitiva; e se para a boa administração se tornam necessarias as reducções e economias, como o aconselham a moralidade e as circumstancias do paiz, tambem não são menos necessarias a boa e equitativa distribuição do imposto, e bem assim a sua facil percepção, para o que contribue muito uma boa lei de administração publica segundo o principio da descentralisação, a qual deverá ser feita em harmonia com a reforma judicial, que o sr. ministro da justiça tambem deve effectuar. Estas reformas, que entre si devem ter intima relação, concorrem tambem muito efficazmente para facilitar a precepção do imposto. Chamo para este importante assumpto a attenção do sr. ministro do reino, assim como para a reforma da instrucção publica que é urgente e necessaria; espero pois que s. exa. não largue de mão estas medidas que as necessidades publicas reclamam, e que os desvarios do governo transacto tornou urgentissimas.
O governo deve ter unidade de pensamento d'onde provem a unidade de acção, e harmonia e accordo em todos os seus actos.
Por consequencia, as reformas que o governo deve apresentar, não podem deixar de estar intimamente ligadas em todos os ramos, para satisfazerem um pensamento commum embora unicamente da parte d'este ou d'aquelle outro ministerio. Ao sr. ministro da justiça lembro a necessidade de uma lei que dote o clero, e que aperfeiçoe a divisão ecclesiastica e classifique as freguezias, e, se se podesse vir a um accordo com Roma, seria muito conveniente ali introduzir a transferencia dos parochos, como se effectuou para com os juizes de direito.
Espero que o sr. ministro da justiça esteja na resolução de fazer algumas economias que são necessarias. Parece me que se póde prescindir de alguns bispados, de que deve resultar uma economia importante; assim como se póde prescindir da relação dos Açores, que não tem rasão de ser, porque se passa tempo immenso sem haver ali trabalhos para os juizes que compõem aquelle tribunal. Ao sr. ministro dos estrangeiros a reforma do corpo diplomatico, demasiado grande para um paiz tão pequeno, e demasiado despendioso para as necessidades de Portugal. Alem das quatro legações, Paris, Londres, Madrid e Rio de Janeiro, todas as outras são dispensaveis e o serviço póde se fazer por consules.
O sr. ministro da marinha tambem póde na sua repartição fazer numerosas economias e reformar convenientemente o arsenal, e olhar seria e maduramente para as nossas colonias para que sejam o que podem e devem ser. Se assim proceder o actual gabinete com cautela e circumspecção, os seus actos merecerão a approvação do paiz que exige e reclama que se façam todas as reformas necessarias, que não affectem nem desorganisem os serviços, porque não sendo assim, em logar de serem economias são desperdicios.
Emquanto ao sr. ministro da guerra lembrar-lhe-hei que na sua repartição se podem fazer immensas reducções e economias necessarias, acabando com certas sinecuras, e que lhe convem attender ás reclamações justas que têem sido feitas contra as ultimas reformas, e ás quaes o governo não deve deixar de attender, porque na realidade são justificadas.
No ministerio da guerra póde-se fazer muito, e deve-se fazer; com o orçamento d'aquelle ministerio póde se retribuir bem a quem trabalha, e tem o exercito effectivo mais crescido e apto para occorrer a algum caso fortuito e in-
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esperado. Deve seguir a Belgica e a Suissa por serem tão pequenas como nós, com pouco despendio têem em pé de guerra um grande exercito.
Sr. presidente, difficil e ardua é a elevada missão dos nobres ministros, cuja responsabilidade é immensa e enorme, e immensos e enormes hão de ser as difficuldades a esperar, os desgostos que não os abandonarão jamais e os espinhos que todos os dias se encontram n'aquelles logares; por isso mesmo tanto maior é a gloria se elles chegarem a bem merecer do paiz. Lembrem se s. exas. que todas as vistas estão voltadas para os seus actos, e que todos esperam muito da sua intelligencia e saber, experiencia e elevados recursos, e portanto que precisam fazer muito para que possam corresponder ao muito que de s. exas. se espera.
Não julgo a occasião opportuna para circumstanciar muitas cousas no systema de fazenda e administração, e por isso limitar me-hei a fazer este incompleto esboço das necessidades mais urgentes, e pedir aos novos ministros que tenham na devida consideração os pedidos e recommendações.
O sr. Ministro da Fazenda (Braamcamp): - Sr. presidente, começarei agradecendo ao digno par, e meu amigo, as expressões benevolas que se dignou dirigir-me. Eu não me illudo. Conheço que as minhas forças talvez não estejam a par do logar que occupo. Conheço que n'esta grande transformação, n'este grande trabalho por que estamos passando, procurando vencer as difficuldades da nossa situação financeira, um e muitos ministros da fazenda hão de succumbir n'essa tarefa tão ardua. Eu, comtudo, aceitei a missão, e hei de procurar cumpri-la, pondo á disposição do meu paiz todas as minhas forças, a minha pouca intelligencia e os meus bons e sinceros desejos (apoiados).
Sr. presidente, referindo-me ás perguntas que me fez o meu illustre amigo, o nobre marquez de Sá, cuja amisade nunca interrompida, é para mim da maior valia, devo dizer que, emquanto ao pagamento da letra que se deve vencer no meado d'este mez, entrando eu ainda hoje, pela primeira vez, no ministerio da fazenda, e não tendo podido lá voltar, não me é possivel declarar a s. exa. se já tenho, ou não, arranjado uma negociação com esse fim. Comtudo, o que assevero a s. exa. é que hei de empregar todos os meios para isso, e que me persuado, que assim como o governo a que o digno par presidiu esperava satisfazer ao pagamento d'essa letra, nós tambem não deixaremos de a pagar: não vejo difficuldade alguma.
Emquanto s. exas. se referiu á lei de meios, não pude na realidade comprehender bem o que s. exa. pretendia indicar. Creio que a pergunta de s. exa. se reduzia a pedir uma resposta quanto á maneira por que o governo se julgava auctorisado a fazer os pagamentos depois de encerrado o parlamento, ainda mesmo continuando a prorogação.
O sr. Marquez de Sá: - Digo que o governo, não tendo uma lei de meios para se julgar habilitado a proseguir com os pagamentos, importa muito saber como julga dever prevenir-se, segundo as idéas que tenha sobre o modo de se fazer a prorogação das côrtes.
O sr. Ministro da Fazenda: - Direi ao digno par que s. exa. mesmo acabou ha pouco de dizer, que o conselho d'estado está avisado para se reunir ámanhã, a fim de se tratar da prorogação; por consequencia o que n'este momento se entende, sem precisar mais explicações, é que continuada a prorogação continua a auctorisação (apoiados).
O sr. Marquez de Sá: - Emquanto se não tiver votado o orçamento está auctorisado, mas, não se votando o orçamento, como é que se póde julgar auctorisado?
O sr. Ministro da Fazenda: - Emquanto as camaras estiverem funccionando está o governo auctorisado, a sessão já se sabe que continua, por consequencia não entendo o que n'este momento possa justificar as duvidas apresentadas pelo digno par, visto que a auctorisação que o governo já tem dura emquanto a sessão legislativa estiver aberta.
O sr. Marquez de Sá: - No ministerio que se acaba de formar vejo dois membros da commissão de fazenda da outra camara, por consequencia sabem perfeitamente as condições em que o governo foi auctorisado - emquanto as côrtes estejam abertas, diz a lei; mas fechando-se ou interrompendo-se a sessão?
O sr. Presidente: - Eu não posso deixar de observar que julgo mais conveniente não fazer dialogo, e mesmo evitar as interrupções.
O sr. Ministro da Fazenda: - Eu julgo que tenho respondido ás duas perguntas que s. exa. me dirigiu.
Emquanto ás que me foram endereçadas pelo digno par, o sr. Vaz Preto, responderei sobre a lei de desamortisação o mesmo que ainda ha pouco disse na camara electiva, isto é, que considero ser essa uma medida que deve ser discutida e votada n'esta sessão (apoiados); entendo que é essa uma medida de muito alcance e necessaria, não só como providencia economica, mas até como conveniente para dar força ao governo para facilitar qualquer operação financeira e levantar o nosso credito nas praças estrangeiras.
Notei que s. exa. disse, se bem me parece, que se afastava do meu modo de pensar a respeito do aggravamento da contribuição predial; devo pois dizer a s. exa. que ha equivoco da sua parte, porque effectivamente estamos de perfeito accordo, eu tenho a tal respeito as mesmas idéas. A administração transacta tinha proposto um augmento de 50 por cento na contribuição predial, a commissão de fazenda porém entendeu, e segundo a minha propria opinião entendeu muito bem, com muita rasão, querendo reconhecidas as desigualdades que existem na contribuição predial, não era possivel sustentar um similhante augmento, pois que assim se iriam aggravar sobremaneira as differenças já muito fortes que existem de contribuinte para contribuinte, e de localidade para localidade (apoiados). Nas circumstancias em que as cousas estão a tal respeito mal reguladas, é claro que quanto maior for o augmento que se fizer, mais aggravantes se tornam essas desigualdades (apoiados).
N'esse sentido é que a commissão de fazenda votou que se reduzisse aquelle augmento a 20 por cento. Eu pela minha parte entendi n'essa occasião, e ainda hoje o entendo, que esse augmento não se póde considerar senão como uma especie de contribuição de guerra lançada como um meio extraordinario e em attenção ao nosso mau estado da fazenda publica e ás muitas difficuldades com que lutâmos. Este estado porém é impossivel continuar, e é de esperar que melhore, posto que não tão breve como seria para desejar. O paiz tem recursos, e a nossa receita ha de augmentar, quando haja uma rigorosa igualdade na distribuição do imposto. Não basta dizer-se que se augmente a receita publica para assim se fazer face á despeza, o que é primeiramente preciso saber é como o imposto deve ser lançado, e não se ir sem estudo nem exame aggravar ainda mais essa desigualdade que geralmente se nota no pagamento do imposto. Com a igualdade que, repito, é preciso estabelecer a receita, ha de necessariamente augmentar, e o thesouro ha de auferir grandes sommas que até hoje não recebia.
Parece-me que foram estes os dois pontos sobre que s. exa. chamou a minha attenção; consinta porém s. exa. que eu o não acampanhe nas outras considerações que expoz, e que são no meu entender mais politicas do que financeiras.
Não devo porém deixar de dizer em poucas palavras o meu modo de pensar n'este assumpto. Nos acontecimentos de janeiro, a que alludiu o digno par, tenho para mim que não devemos confundir a idéa, o pensamento inicial denominada revolução de janeiro com quaesquer factos que porventura então se deram e que foram sem duvida menos convenientes e menos legaes. O pensamento, o principio que proclamava esse movimento ou manifestação era o da economia, e da moralidade na gerencia dos negocios publicos,
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n'este ponto parece-me que todos estamos de accordo, porque o pensamento da moralidade nem é necessario hastea-lo, e o pensamento da economia de ha muito tempo que já estava no animo de todos, como mostram os factos ainda anteriores áquella manifestação. A idéa da economia intelligente e pensada entrou sempre no programma do partido politico que eu seguia e que continuarei a seguir. Principio este a que dou a maior importancia, e folgarei poder mostrar pelos meus actos que a minha convicção se traduz em realidades e não só em promessas vás e inuteis para o paiz.
O sr. Presidente: - Agora segue-se a palavra ao sr. marquez de Vallada; observo porém que o sr. ministro da marinha tambem a havia pedido...
O sr. Ministro da Marinha: - Cedo agora da palavra e fallarei depois do sr. marquez de Vallada.
O sr. Presidente: - Então tem a palavra o sr. marquez de Vallada.
O sr. Marquez de Vallada: - Sr. presidente, os annaes da humanidade registam em suas paginas certos factos que presistem na historia para gloria dos estados ou para ignominia dos povos, mais frequentes vezes para lição dos governos.
Se abro a historia não muito antiga encontro na França do seculo passado o desleixo na gerencia das finanças, ao mesmo tempo que uma guerra encapotada entre os partidos, estabelecendo invenciveis barreiras entre os homens que podiam prestar, pelo seu muito estudo e sciencia, grandes serviços ao paiz; porém, repito, essas barreiras invenciveis que os distanciavam, a par, direi tambem, do desleixo das finanças, conduziram a França á desorganisação completa dos laços sociaes, que se converteu pouco depois na tremenda revolução do seculo passado.
Sr. presidente, para que havemos de querer estabelecer barreiras invenciveis entre os homens de diversos matizes politicos? Para que renovar odios antigos? Para que ir buscar ao tumulo inimisades que devem estar para sempre ali sepultadas? Primeiro que tudo devemos attender ao estado do paiz, que é grave e muito grave, principalmente hoje, que, por assim dizer, os partidos parece terem esquecido a sua divisa, e o moto das suas bandeiras. Eu entendo, sr. presidente, que hoje todos os homens importantes dos differentes partidos devem saír a terreno, porque é necessario e urgente que o interesse do paiz se ponha acima de tudo. Portanto, sr. presidente, não vejo motivo para que se evoquem do passado as sombras que n'elle desappareceram? Para que renovar odios extinctos? Nós queremos, nós exigimos, e comnosco exige-o o paiz, o triumpho dos principios que fundam, protegem e presidem, mas na o dos que causam preconceitos e duvidas que destruem, abalam e passam. Seguramente sou eu um d'aquelles que tenho insistido ha muito tempo pela manutenção dos principios da solidariedade ministerial, e esta começa hoje para os srs. ministros; mas se ha a solidariedade ministerial, tambem ha a solidariedade politica entre os homens que se congregam para a defeza dos mesmos principios, e essa solidariedade existe entre mim e dois dos nobres ministros da corôa.
Existe uma especie de solidariedade politica entre mim e os srs. Rebello da Silva e Lobo d'Avila. Nós tambem somos solidarios, porque ha muito tempo que caminhâmos a par, a fim de chegarmos unidos ao mesmo ponto.
Não será portanto hoje, e seria até deslocado, impertinente e improprio de mim, que vendo entrar no ministerio dois cavalheiros com quem tenho estado de perfeito accordo politico ha muito tempo, e principalmente ainda mais depois de certa epocha, fosse eu agora fazer lhes perguntas que denunciassem desconfiança. S. exas. sabem que não devem esperar de mim este procedimento, porque sou leal.
Sr. presidente, a confiança não se exige, conquista se; e s. exas., pelos seus actos, pelas suas palavras e pelas relações que temos tido, já conquistaram de mim uma certa confiança.
Os outros cavalheiros, quaesquer que sejam as minhas relações anteriores com s. exas., não creio que, apesar de qualquer divergencia que porventura tenha havido entre nós, eu deva hoje relembra lo.
Vejo ali sentado um cavalheiro que me faz a honra de ser meu amigo, não direi amigo politico, mas amigo particular, ao qual retribuo com igual amisade, porque s. exa., apesar de ser um dos primeiros homens d'estado e de letras d'este paiz, é tambem um grande coração, e por isso não posso deixar de lhe tributar a maior consideração e a maior sympathia.
Em resumo. Vejo nos bancos do governo homens que pela sua experiencia dos negocios, pelos seus talentos e pela sua honradez, devem inspirar bastante confiança; e quaes quer que fossem em outro tempo as divergencias que houve com o sr. presidente do conselho, meu amigo e meu parente, creio que s. exa. não se julga obrigado a evocar essas divergencias politicas, que nunca comportaram em mim uma palavra contra a dignidade de s. exa. e até porque a missão dos ministros não é avivar antigos odios, mas promover os grandes melhoramentos de que o paiz carece, e a que tem direito.
Por consequencia, posta de parte qualquer idéa do passado, creio que no presente nós podemos congregar-nos de bom grado no campo da patria, em volta do estandarte das grandes reformas de que precisâmos, e sem as quaes poderemos perder a nossa independencia e a nossa autonomia. Eu creio que é permittido esperar isto da parte dos srs. ministros, porque confio na sua experiencia e nos seus talentos para poderem realisar grandes commettimentos.
Já s. exas. em outra parte deram explicações cabaes em resposta a certas perguntas que lhe foram feitas sobre pontos determinados, e até foram mais alem d'essas perguntas, principalmente o sr. ministro da justiça, que declarou a sua resolução de fazer grandes reformas no seu ministerio, e em pontos bastante importantes.
Não é agora occasião de tratar de tudo. Tempo haverá de tratar de cada cousa; do que nos devemos occupar primeiramente, antes de tudo, é da questão de fazenda (apoiados).
Estou certo que os srs. ministros, como homens verdadeiramente patriotas, como amigos do bem publico, hão de tomar aquellas medidas que são necessarias para saírmos da má situação em que estamos.
Sr. presidente, é necessario dizer a verdade toda, e não se perde por isso. Ouvi n'outra parte dizer ao sr. Mendes Leal que a franqueza era a sua divisa. Faz bem. Entendo que nada se perde com a verdadeira franqueza, quer seja na vida politica, quer na particular. Exponha se francamente o estado do paiz, e trate se de o remediar. Estou persuadido que os srs. ministros hão de ter estudado o remedio que devem empregar-se para sararmos os males que nos afflijem.
O sr. ministro da fazenda expoz com toda a clareza as suas idéas, e eu espero muito de s. exa. pela proficiencia com que tem estudado estas questões, e por ve-lo acompanhado de homens que têem estudado profundamente a questão financeira, como o sr. José Luciano de Castro, actual ministro da justiça, a cujo talento todos prestam homenagem; o sr. Joaquim Thomás Lobo d'Avila, homem de uma energia a toda a prova e de uma grande tenacidade, e cujo talento tambem todos reconhecem, e o sr. Rebello da Silva, que ainda ultimamente em longos e brilhantes discursos mostrou que se occupava não só da questão financeira, mas de todas as questões politicas que foram trazidas n'estas ultimas sessões á téla da discussão.
Portanto espero os actos do novo gabinete, não direi n'uma expectativa benevola, porque esta phrase considero a como uma ameaça de opposição, é uma especie de espada de Damocles que pende sobre a cabeça dos ministros, mas n'uma posição de confiança, não n'um ou n'outro dos srs. ministros, mas em todos.
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Faço justiça a s. exas. de que são bastante leaes as suas intenções para caminharem direitos ao fim que se propozeram, que é a regeneração, não prompta e immediata, mas gradual e segura das nossas finanças, o que é indispensavel. Eu não posso expor de modo algum o caminho que os nobres ministros devem seguir para chegar ao fim desejado; estou certo que hão de caminhar firmes, decididos e com persistencia, e por isso me abstenho de pedir quaes quer explicações. Pelo correr do tempo farei todavia uso de alguns estudos sobre certos e determinados pontos, como por exemplo, a questão do cadastro, de que prometti já occupar me largamente.
Eu entendo que uma das nossas primeiras necessidades a satisfazer, é proceder á formação do cadastro. Não ha obstaculo insuperavel que impeça á sua formação. Muitos homens notaveis, são d'esta opinião, e entre elles mr. Le brun, que, quando em França se quiz fazer o cadastro, mostrou que não havia impossibilidade em o fazer, e fez-se. E não foi só em França que elle se fez, em Roma e nos estados da Allemanha acha-se tambem realisada esta utilissima instituição.
É necessario fazer o cadastro para que as contribuições sejam distribuidas, com justiça e igualdade, e não pague cada um senão o que estrictamente deve pagar.
Não é portanto hoje a occasião de expor senão, para assim dizer, em curto summario, em curto esboço, quaes sejam as necessidades mais urgentes da situação a que cumpre attender.
Eu entendo que não são só os interesses materiaes que devem occupar a attenção dos srs. ministros; mas os interesses moraes. É por meio da inspiração das crenças que se realisa o bem do povo; o povo são todas as classes, os ministros não são ministros para classes, são ministros para o paiz.
Repetirei agora o que disse um illustre orador nas côrtes hespanholas, respondendo ao sr. Cortina. Fallo do sr. marquez de Valdegamas. Perguntava-lhe aquelle por que razão apoiava um ministerio que não era da sua côr politica, respondeu-lhe elle: «Não se trata hoje de côr politica, trata-se de salvar o paiz, e perguntarei ao sr. Cortina se as minhas idéas a que se refere estão na téla da discussão. Do que se trata é de um ponto á respeito ao qual estou de ac-cordo. Entendo que o governo tem uma nobre e generosa missão a cumprir, e devo auxilia lo».
Com aquelle illustre orador, e como elle, eu entendo que devo apoiar o governo, mantendo intactas as minhas crenças.
O homem politico, embora as conserve intactas e nutra no seu peito desejos de realisar grandes commettimentos; não póde, como homem politico, deixar de ver quando é prudente e opportuno levá-los á execução, porque a opportunidade é tudo em politica.
Nós podemos guardar ás nossas esperanças, mas não podemos exigir de prompto, e mesmo nunca, que se faça o que não houver possibilidade de realisar.
Assim é que deve pensar o homem politico. A prudencia deve presidir a todos os seus empenhos. Sem prudencia não se póde governar, e esta adquire se com o estudo da historia do passado e com a observação do presente; a historia do passado ensina o homem a conhecer o que têem sido os estados, o que n'elles tem occorrido, para poder assim aprender no futuro, e a observação do presente ensina o modo de o preparar.
Taes são, sr. presidente, os sentimentos que nutro em relação ao actual gabinete; taes são os votos que formo em relação á felicidade do meu paiz. Desejo sinceramente que o governo os possa realisar.
Pela minha parte concorrerei quanto em mim caiba para ajuda lo n'esse empenho, porque, ajudando o governo, possuido d'estas idéas, como estou persuadido e intimamente convencido que está, entendo que presto um serviço publico, concorrendo para isso com o obolo da minha acanhada e tenue intelligencia; porque se ella é o que confesso, a minha boa vontade é grande, e não cedo a ninguem em patriotismo.
Por consequencia aguardo os actos dos srs. ministros, e espero que elles corresponderão á grande confiança que eu e muita gente deposita em s. exas.
Estou persuadido que estas esperanças não hão de ser convertidas em desenganos; e se o resultado for como espero, os srs. ministros podem contar com o meu apoio, todo abnegação, todo patriotismo.
(O orador não reviu e seu discurso.)
O sr. Presidente: - Tem a palavra o sr. ministro da marinha; mas devo observar á camara que já deu a hora, e é muito natural que os srs. ministros estejam fatigados em extremo; por terem já sustentado larga discussão na camara dos senhores deputados.
Por conseguinte, a camara resolverá se quer prorogar a sessão, ou se quer que ella continue ámanhã.
Consultada a camara, resolveu que se não prorogasse a sessão.
O sr. Visconde de Fonte Arcada: - Sr. presidente, eu desejava que v. exa. me dissesse se porventura á sessão se proroga ou se continua ámanhã.
O sr. Presidente: - A camara já resolveu que se não prorogasse a sessão. Por consequencia a seguinte sessão verificar se-ha ámanhã, e a ordem do dia será a continuação da conversação que hoje teve começo.
Está fechada á sessão.
Eram cinco horas e meia da tarde.
Relação dos dignos pares que estiveram presentes na sessão de 12 de agosto de 1869
Os exmos. srs.: Condes, de Lavradio, de Castro, Duque de Loulé, Marquezes, de Ficalho, de Fronteira, de Sá da Bandeira, de Vallada, Condes, d'Avila, de Avillez, de Fonte Nova, de Fornos, de Linhares, de Peniche, da Praia da Victoria, de Rio Maior, de Samodães, Viscondes, de Aligés, de Fonte Arcada, de Soares Franco, Mello e Carvalho, D. Antonio José de Mello, Rebello de Carvalho, Pereira de Magalhães, Silva Ferrão, Larcher, Moraes Pessanha, Reis e Vasconcellos, Rebello da Silva, Preto Geraldes, Menezes Pitta, Fernandes Thomás, Ferrer.