O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Página 635

N.º 56

SESSÃO DE 3 DE MAIO DE 1878

Presidencia do exmo. sr. Duque d’Avila e de Bolama

Secretarios – os dignos pares

Visconde de Soares Franco
Montufar Barreiros

(Assiste o sr. ministro da fazenda, e entrou depois o sr. ministro da guerra.)

Pela uma hora e meia da tarde, tendo-se verificado a presença de 29 dignos pares, declarou o exmo. sr. presidente aberta a sessão.

Leu-se a acta da antecedente, que se considerou approvada.

Mencionou-se a seguinte

Correspondencia

Tres officios da presidencia da camara dos senhores deputados remettendo as seguintes propostas, de lei:

1.° Auctorisando o governo a attender, pelos meios que julgar convenientes, á reclamação da nova companhia viação portuense, pelas perdas que soffreu como arrematante da portagem em varios pontos no anno de 1872.

Á commissão de fazenda.

2.° Auctorisando o governo a aposentar os actuaes officiaes da bibliotheca da universidade de Coimbra.

Ás commissões de instrucção publica e fazenda.

3.° Approvando o contrato de 24 de abril de 1871, celebrado entre o governo e a empreza do caminho de ferro americano, que liga o estabelecimento da mina do Braçal e a foz do rio Mau.

Á commissão de obras publicas.

ORDEM DO DIA

O sr. Presidente: — Vamos entrar na ordem do dia. Deviamos agora continuar a discussão do parecer n.° 331, mas, visto não estar presente o sr. ministro da guerra, passámos a discutir o parecer n.° 367.

Leu-se na mesa e é do teor seguinte,:

Parecer n.° 367

Senhores.—A vossa commissão especial sorteada, nos termos do artigo 6.° da lei de 11 de abril de 1845, para dar parecer sobre o requerimento do conde de Bretiandos, Gonçalo Pereira da Silva de Sousa de Menezes, em que pede ser admittido a tomar assento na camara dos dignos pares do reino, como successor de seu falleciclo paa, o digno par, conde de Bretiandos, Sebastião Correia de Sá Brandão, examinou os documentos com que o requerente instrue o seu pedido, para>pvovar, nos termos da mesma lei, o direito que tem de succeder no pariato.

Por esses documentos, que estão juntos, prova:

Ser filho legitimo e primogenito do fallecido digno par conde de Bretiandos, e ter mais de vinte e cinco annos de idade;

Que seu fallecido pae tomou assento na camara dos dignos pares do reino em 16 de março de 1865, tendo prestado juramento, e quefallecera em 5 de junho de 1874;

Que é bacharel formado em direito pela universidade de Coimbra, de que junta a respectiva carta; que está no pleno gosq dos seus direitos politicos, possuindo moralidade e boa conducta, o que tudo comprova nos termos legaes;

Junta documentos de que paga de contribuição predial, nos concelhos de Guimarães, Vianna do Castello e Peso

da Régua, 182$328 réis, o que consta dos conhecimentos respectivos, provando igualmente que todas as propriedades a que esses conhecimentos se referem lhe perten-;em.

Pelos.documentos que ficam expostos, a vossa commissão; de parecer que o requerente se acha nas condições legaes de succeder no pariato, como requer, tomando assento na camara, e prestando previamente o juramento legal.

Sala da commissão, em 30 de abril de 1878.=Rodrigo de Castro Menezes Pitta = Conde de Cavalleiros = Carlos Maria Eugenio de Almeida —D. Afonso de Serpa = D. Antonio José de Mello e Saldanha = João Baptista da Silva Ferrão de- Carvalho Martens.

O sr.^ Presidente:—Está em discussão.

Se nenhum digno par pede a palavra, vae proceder-se á votação por meio de espheras, na conformidade da lei de 11 de abril de 1845.

Emquanto se distribuem as espheras dou a palavra sobre a ordem ao sr. marquez de- Sabugosa.

O f r. Marquez de Sabugosa: — O sr. conde de Rio Maior encarregou-me do participar a v. exa. e á camara que por motivo justificado uào póde comparecer na sessão de hoje. ,

O sr. Presidente: — Tomar-se-ha nota da declaração do digno par.

Fez-se a chamada.

O sr. Presidente: —Peço aos dignos pares os srs. Fran-zini e Gonçalves Mamede que tenham a bondade de virem servir de escrutinadores.

Feitas as contagens, disse:

O sr. Presidente: —Entraram na uma vinte espheras brancas, por conseguinte foi approvado o parecer por unanimidade.

Como não está ainda presente o sr. ministro da guerra, entra em discussão o- parecer n.° 352.

Leu-se na mesa e é do teor seguinte:

Parecer n.° 352

Senhores.—A commissão de administração publica examinou com a attenção devida o projecto n.° 329, que a esta camara foi enviado pela camara dos senhores deputados, e considerando que o contrato celebrado entre a camara municipal de Ponta Delgada e o cidadão Francisco Freire de Andrade Salazar de Eça, de que i rata este projecto, não contraria nenhum principio de boa administração, mas ao contrario tende a beneficiar o publico com um importante melhoramento, qual é o da illuminação a gaz, entende que deve ser approvado para ser submettido á real sancção.

Sala da commissão, em 20 de abril de 1878.=JoSo Baptista da Silva Ferrão de Carvalho Martens = Marquez de Ficalho=Marquez de Vallada, relator.

Projecto de lei n.° 324

Artigo l.° E approvado, para poder tornar-se definitivo, .º contrato provisorio para a illuminação, por meio de gaz, da cidade de Ponta Delgada, celebrado entre a camara municipal da mesma cidade e Francisco Freire de Andrade-Salazar de Eça, por escriptura de 1 de outubro de 1877, exarada nas notas do tabellião Luiz Maria de Moraes.

56

Página 636

636 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

Palacio das côrtes, em 9 de abril de 1878. = Joaquim Gonçalves Mamede, presidente = Francisco Augusto Florido da Mouta e Vasconcellos, deputado secretario = Alfredo Filgueiras da Rocha Peixoto, deputado secretario.

O sr. Presidente: - Está em discussão na generalidade e especialidade por conter um só artigo. Se nenhum digno par pede a palavra, submetto-o á votação.

Os dignos pares que o approvam tenham a bondade de levantar-se.

Foi approvado.

(Entrou na sala o sr. presidente cio conselho e ministro da guerra.}

O sr. Presidente: - Já póde continuar a discussão do parecer n.° 331.

Ficou inscripto em primeiro logar o sr. marquez de Ficalho, mas consta-me que s. exa. não comparece hoje por estar gravemente doente um antigo creado da sua casa e seu amigo.

Tem a palavra o sr. Carlos Bento.

O sr. Carlos Bento: - Devo declarar á camara que por motivo de doença tenho faltado a algumas sessões, mas, apesar, porém, de incommodado julgo-me obrigado a dizer duas palavras em relação ao projecto que se discute.

Sem possuir a competencia technica do sr. presidente do conselho, comprehendo perfeitamente a necessidade da instrucção de uma arma importante, como é a cavallaria.

Comquanto haja divergencias ácerca das rasões que abonam o projecto, cumpre fazer justiça ás intenções do governo que o apresentou.

Dá-se, porém, uma circumstancia que faz com que eu tome a palavra sobre este assumpto.

Ninguem ignora que a actual sessão legislativa é uma d'aquellas em que, animado sem duvida dos melhores desejos, o parlamento tem concorrido para a approvação de projectos que, tendo por fim a utilidade mais ou menos remota, exercem ao mesmo tempo mais proxima influencia sobre o augmento da despeza publica.

N'estas circumstancias, quando vemos que a situação das nossas finanças, longe de nos offerecer garantias de realisarmos o equilibrio entre a receita e a despeza, cada vez nos dá menos a presumpção de o conseguirmos, como era effectivamente o desejo do governo, do corpo legislativo e do paiz, parece-me que um augmento de despeza qualquer é um facto que deve determinar o parlamento a pedir aos srs. ministros, com a maior cordialidade possivel, que procurem promover o adiamento d'este projecto, cuja vantagem não póde ser de immediata execução e que, pelo contrario, póde produzir apenas inconvenientes nas condições excepcionaes em que actualmente se encontra a Europa.

Entendo tambem que o sr. presidente do conselho não comprometteria a importancia politica da sua posição, se por acaso concordasse n'esse adiamento.

Digo isto sem a menor sombra de hostilidade systematica, e devo declarar á camara que estou fallando n'este assumpto independentemente de quaesquer systemas politicos parlamentares.

Digo que, nas minhas circumstancias especiaes, uma dissidencia apresentada a respeito de um prejecto qualquer, não póde ser considerada como opposição, não lhe deve ser dada similhante interpretação.

Eu bem sei que o sr. presidente do conselho é um habil parlamentar para poder collocar as questões de uma maneira politica, mas, eu digo com sinceridade, que não considero este projecto senão debaixo do ponto de vista financeiro, porque sou o primeiro a reconhecer que s. exa. não tem descurado os interesses do exercito. Por consequencia, sendo eu o primeiro que reconheço que s. exa. tem desejo, no interesse do exercito, de que este projecto seja approvado como instituição util que é, não se póde reputar como acto de opposição, que eu, fundado nas circumstancias precarias, em que se acha o thesouro, peça o adiamento do projecto, não como menos justo ou inconveniente, mas como inopportuno.

Ainda ha mais, sr. presidente.

Para mim a auctoridade do primeiro ministro que tratou do estabelecimento de um deposito de cavallaria, preenchendo em parte as indicações do projecto actual, é que me servo de argumento para justificar a dissidencia em que estou, quanto á opportunidade da medida que discutimos.

Em 1868, quando o governo julgava que, pelas circumstancias particulares do paiz, era necessario recorrer ás medidas de economia severa, um cavalheiro, que era gloria d'este paiz, (Apoiados.) o sr. marquez de Sá da Bandeira, que era um militar que honrou o exercito, (Apoiados, e a quem o maior monumento que se lhe podia levantar, era de certo a saudade de todos que o conheceram, entendeu que devia crear um deposito de cavallaria para a instrucção conveniente d'esta arma; mas, sr. presidente, o que fez esse distinctissimo ministro na occasião em que adoptou essa medida?

Conhecendo a utilidade dó um estabelecimento d'esta natureza, quando apresentou o respectivo projecto, entendeu que devia dar uma satisfação ás necessidades financeiras do paiz, fazendo uma economia importante, qual a que resultava da suppressão de um regimento de cavallaria, sem que d'ahi resultasse inconveniente nenhum em relação á effectividade da força d'esta arma.

S. exa. estabeleceu o deposito supprimindo o setimo regimento de cavallaria, e fez passar as seis companhias deste regimento para os n.ºs 4, 5 e 6, augmentando a cada um d'elles mais um esquadrão, e assim conseguiu estabelecer o deposito sem augmento de despeza.

Esta proposta adoptada em 10 de dezembro de 1868, teve apenas um anno de duração, porque em 5 de outubro de 1869, um distincto official de cavallaria, o sr. Luiz Maldonado, supprimiu este deposito, e entre as rasões allegadas para esta suppressão, diz:

(Leu.)

Diz o sr. Maldonado que esta escola por outra parte não se podia conservar efficazmente sem fazer uma despeza para a qual não habilitava a receita proveniente da suppressão de um regimento, e não se podendo conciliar as duas cousas, isto é, a conservação da escola com a receita, que para ella havia, aboliu-se a escola e restabeleceu-se o regimento de cavallaria que havia sido supprimido. Este distincto official, n'um relatorio que precedeu a adopção d'aquella medida, para que estava auctorisado por uma lei de agosto do mesmo anno, disse entre outras cousas, primeiramente que era uma despeza inefficaz a que se fazia com a escola de cavallaria, e em segundo logar, que esse deposito tirava ao serviço effectivo um certo numero de praças que haviam de fazer falta. Ora, depois da declaração do sr. presidente do conselho n'esta camara, de que era necessario augmentar o effectivo das praças por causa da instrucção dos recrutas e outras praças, se por acaso tiver logar a retirada dos corpos da força necessaria para este deposito, mais prevalece a rasão de que é preciso augmentar o numero de individuos na effectividade do serviço para preencher as indicações d'esse mesmo serviço que prestavam as praças retiradas.

Por consequencia, entendo que o projecto de que se trata póde ser adiado sem inconveniente, e eu proporia que se adiasse até que se organisem convenientemente as escolas regimentaes de instrucção primaria nos differentes corpos do exercito, porque me parece mais urgente ainda a organisação d'estas escolas, que não importam em grande despeza, e na incerteza de qualquer despeza, esse dispendio seria preferivel ao que resultará do projecto actual se se converter em lei.

Direi, para tranquillisar a camara com relação á respeitavel memoria do sr. marquez de Sá, que nos devemos lembrar que não é esta a unica instituição relativa ao exercito,

Página 637

DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO 637

proposta por este illustre general, que deixou de ser levada a effeito, sem que o sr. marquez de Sá, que era um homem de grande iniciativa, se désse por offendido no seu amor proprio. Não foi só a escola de cavallaria que s. exa. viu acabar.

A escola dos filhos dos soldados, que foi outra medida que resultou da sua infatigavel iniciativa, tambem foi abolida, sem que tambem aquelle illustre general se escandalisasse com isso; mas é que elle tinha bastante patriotismo para reconhecer a necessidade de se não levarem por diante certas instituições que s. exa. tinha fundado, por isso que a experiencia tinha demonstrado que a sua permanencia não se tornava recommendada pelas circumstancias que depois se apresentaram.

Estou convencido, pois, que o sr. marquez de Sá teria applaudido a substituição da escola dos filhos de soldados por escolas para os paes desses filhos. (Riso.) Effectivamente aquelles precisam muito de instrucção, que é uma das melhores garantias que se póde dar ao exercito. N'este ponto seja-me permittido repetir uma phrase que se tem dito muitas vezes, mas que por isso não perde de valor, e é, que o professor de primeiras letras foi quem venceu em Konigsgräetz, como dizem os allemães, e em Sadowa, como dizem os francezes. Todos sabem que ha poucos annos o ministro da guerra em França disse que todos os analphabetos que entravam no exercito, saiam das fileiras sem ter instrucção primaria, e os individuos que entravam sabendo já instrucção primaria, não saiam das fileiras sem saberem instrucção secundaria.

Na Austria nomeou-se não ha muito uma commissão de officiaes distinctos, que disseram que a arma mais aperfeiçoada que se póde dar a um soldado é a cultura da sua intelligencia, e essa commissão de officiaes occupou-se seriamente da reforma, debaixo d'este ponto de vista.

Na Italia, paiz que nos deve ser grato por todos os motivos, tambem se tratou da instrucção primaria do soldado com todo o afinco; e não ha muito que um general publicou um relatorio, no qual dizia, que 50 por cento dos individuos que entravam para o exercito não tinham instrucção primaria, e que só 5 ou 6 saíam sem essa instrucção, e aos que se habilitavam com ella, era-lhes contado menos tempo de serviço.

Sr. presidente, se esta idéa, que me parece dever merecer a attenção do sr. ministro da guerra, mas a qual s. exa. entende que no momento actual não se póde effectuar, póde ser adiada para o futuro, tambem de certo este projecto póde ser igualmente adiado.

Eu já declarei que o projecto que se discute traz comsigo augmento de despeza, que é fixada em 6:000$000 réis quanto ao estabelecimento, mas se dermos importancia ao relatorio apresentado em 1869, pelo sr. Maldonado, vê se que só com despezas extraordinarias se poderá tirar algum resultado d'essa escola.

Ora, 6:000$000 réis para a installação é realmente uma despeza pequena, mas regularmente estes projectos recommendam-se quasi sempre pela modestia da sua apresentação, a fim de não ser regateada a despeza com serviço d'esta ordem.

Mas, sr. presidente, no fim de tudo, estou persuadido que o adiamento d'este projecto não prejudica os interessei do exercito, mesmo porque tenho ouvido a officiaes, muito distinctos, duvidarem das vantagens da sua adopção.

Eu não posso deixar de convergir a minha attenção par as necessidades financeiras da nossa epocha. As receitas que temos votado estão muito longe de corresponder ás despezas igualmente votadas, e mais longe ainda pela difficuldade de se poderem pôr em execução alguns dos projectos mais importantes que se têem approvado.

Eu devo declarar que o governo neste ponto, e é preciso que se diga isto francamente, procura o apoio nos emprestimos para fazer face ás grandes despezas quando não se apresentam receitas para ellas.

Ora, este recurso do emprestimo disfarça para muita gente o ónus do encargo da despeza, mas acho que a mais deploravel de todas as illusões é aquella que suppõe, que emprestimo ha de occorrer á salvação das nossas finanças.

E por esta occasião lembrarei ao sr. presidente do conselho que, sendo s. exa. ministro da fazenda, não ha muito tempo, n'uma administração em que era tambem ministro da guerra, prova isto que se póde ser ministro da fazenda economico sem prejudicar os interesses do ministerio da guerra, o sr. presidente do conselho foi o mais severo possivel nos seus relatorios, como ministro da fazenda, em stygmatisar a existencia do deficit.

S. exa. não poupou nenhuma phrase severa para nos não conciliar com a existencia do deficit, a quem chamou o peior de todos os impostos.

Infelizmente, porém, é com o peior de todos os impostos, servindo-me da phrase de s. exa., que se procura fazer face ás despezas publicas, aggravando-as todos os dias. Demais, sr. presidente, não se diga que esta questão se não liga com a questão de fazenda.

Todos sabem, sr. presidente, que em 1876 a commissão de fazenda d'esta camara, composta de homens que não podem ser suspeitos para o actual governo, commissão de que era presidente o sr. conde do Casal Ribeiro e relator o sr. conde de Valbom, declarou no relatorio, que precedia a sua proposta de orçamento, que, apesar do deficit ter diminuido a 1.000:000$000 réis, a situação era grave.

Ora, sr. presidente, se a situação em março de 1876 era grave, financeiramente fallando, com a presumpção de um deficit de 1.000:000$000 réis, será uma situação lisonjeira, financeiramente fallando, aquella em que, segundo um orçamento rectificativo apresentado aqui, não discutido mas votado, esse deficit passa a 4.000:000$000 réis?

O sr. conde de Valbom e a commissão de fazenda d'esta casa consideravam grave um deficit de 1.000:000$000 réis, e esse deficit ascende já hoje a 4.000:000$000 reis! Como devemos nós, pois, considerar a situação actual?

Ora, com um deficit de 4.000:000$000 réis, que não é de certo a ultima palavra em questão de deficit, não é de certo para estranhar, que olhemos com a maxima seriedade para os assumptos financeiros, que assoberbam todos os outros.

Como muito bem disse o illustre relator do projecto de resposta ao discurso da coroa, o sr. conde do Casal Ribeiro, a questão de fazenda domina muitas vezes todas as outras, e de facto nas nossas condições financeiras a questão de fazenda tem direito a ser ambiciosa.

Sr. presidente, as apprehensões do illustre relator da commissão, o sr. conde de Valbom, quando o déficit estava computado em 1.000:000$000 réis, vem muito a proposito citar-se, pois dava conselho prudente e muito para seguir-se.

Eu bem sei que se produzem muitos argumentos em defeza da nossa divida, mas por mais que se diga, o que se não póde nunca tirar é a importancia d'essa divida.

E note-se, que não foi só o illustre relator da commissão de fazenda que declarou a gravidade das nossas circumstancias, o proprio sr. ministro da fazenda, e meu amigo, o sr. Serpa, em um relatorio, creio que em 1873, mostrou a gravidade da nossa situação, dizendo que, mesmo depois de realisar o equilibrio entre a receita e a despeza do estado, era necessario todo o cuidado em que por um exagerado optimismo se não tratasse de augmentar consideravelmente a despeza.

Ora, se era muito importante, mesmo depois de realisar o equilibrio entre a receita e a despeza do estado, tratar de regular o augmento da despeza, não seria importante, antes de chegar a esse equilibrio, tomar providencias para que se obtenha o que effectivamente se deve ter em vista? Eu peço licença para ler as palavras que vem no relatorio

Página 638

638 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

do sr. ministro da fazenda de 7 de janeiro de 1872, porque me parece que essas palavras não podem ser indifferentes á opinião da camara.

(Leu.)

Note-se bem que o equilibrio entre a receita e a despeza, segundo as previsões do sr. ministro da fazenda, devia ficar realisado no anno de 1876.

Veja a camara ha quanto tempo devi amos estar na posse d'esse equilibrio.

(Leu.)

Note-se ainda mais. O sr. ministro da fazenda fallou tambem no optimismo, de que eu tenho fallado muitas vezes, porque sou discipulo, em relação a esta idéa, do nobre ministro.

(Leu.)

Salvo se a camara entende ainda que o equilibrio não está realisado, e que não póde haver duvida em não evitar o perigo do optimismo, só se ha essa modificação em relação ás idéas que tão terminantemente o sr. ministro da fazenda tinha apresentado. E quando fallo em ministro da fazenda fallo do homem que infallivelmente nos ministerios não é de todos os ministros aquelle que está em melhor posição.

Os ministros da fazenda ordinariamente são um pouco sacrificados, esta é a verdade, com as melhores idéas possiveis, e é por isso que n'um paiz que me compraso sempre em citar, a Italia, a presidencia do conselho de ministros, que teve sempre um caracter preponderante, tem sido desempenhada cumulativamente com a pasta da fazenda.

O sr. Mingheti foi presidente do conselho e ministro da fazenda ao mesmo tempo, e o mesmo aconteceu a Depretis, que lhe succedeu.

Ultimamente houve ali uma nova transformação, e foi então que a presidencia se separou d'aquella pasta, passando comtudo para um ministro sem pasta, o que tira o perigo da despeza, e sabe v. exa. que n'aquelle paiz se crearam nada menos do que dois ministros da fazenda, porque se reconheceu que um era pouco, entendendo-se que o pobre ministro de fazenda está sujeito aos desejos do parlamento, que são incontestaveis, mas que teem um termo nos limites dos recursos do estado, e tanto que crearam um ministro para o thesouro e outro para as finanças.

Parece-me que esta resolução é um pouco desnecessaria nos paizes onde existe um equilibrio entre a receita e a despeza, mas o sr. Mingheti disse em Italia aquillo que precisamente tinha dito em Portugal o sr. Serpa, isto é, que, mesmo depois de estabelecido o equilibrio no orçamento, deve haver todo o cuidado em não o destruir.

Ora eu, sr. presidente, eu até podia citar o exemplo de uma distincta viajante que esteve ultimamente n'este paiz.

Aquella senhora n'uma reunião a que os jornaes deram toda a publicidade, fazendo justiça ás qualidades litterarias de muitos cavalheiros ali presentes, e dos sr. ministros que se achavam ao seu lado, mostrou que conhecia todas as nossas difficuldades financeiras, quando disse, ao terminar uma saude do sr. Serpa.

(Leu.)

Realmente, á vista da opinião de tão esclarecida senhora que, estando sentada entre o sr. ministro do reino e o sr. ministro da fazenda, apreciou os perigos que podem correr as nossas finanças, creio que a camara não deixará tambem de achar justificadas as apprehensões que tenho a este respeito.

Parece-me que me assiste o direito de sustentar a mesma, idéa ha pouco enunciada por um homem eminente do paiz vizinho, o sr. Canovas dei Castillo: Não é só o governo que resolve a questão de fazenda. Repetirei tambem o que noutra occasião elle dizia: A questão de fazenda é uma questão neutral.

Na minha modéstia, estou inteiramente de accordo com estas opiniões, que se revestem de um caracter de tanta auctoridade, como ninguem deixa de reconhecer no sr. Canovas.

Fundado nos principios que ficam expostos, digo eu que em presença de um deficit tão pertinaz e consideravel como o que nós temos, seria conveniente o adiamento d'este projecto de despeza, tanto mais depois de haverem sido approvados outros que concorrem para augmental-a.

Não tenho duvida de citar ao sr. ministro da fazenda as palavras de um distincto escriptor muito conhecido des. exa. e auctor de um tratado da sciencia das finanças.

Quer v. exa. e a camara saber o que se diz n'essa obra com referencia a um paiz, no qual, depois de circumstancias difficeis, se restabeleceu o equilibrio entre a receita e a despeza?

Tenham a bondade de ouvir.

(Leu.)

Citando as palavras de mr. Beaulieu, creio que não preciso recorrer a outra auctoridade, para dar força ás rasões que expendi.

Tenho dito.

O sr. Presidente: - Achando-se nos corredores da camara o sr. conde de Bretiandos, convido os dignos pares os srs. marquez de Monfalim e conde da Ribeira, para introduzirem na sala este nosso novo collega.

Introduzido na sala o sr. conde de Bretiandos, prestou juramento e tomou assento.

O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Fontes Pereira de Mello): - Devo dar algumas explicações á camara e ao digno par o sr. Carlos Bento sobre o assumpto que se discute, e por isso tomei a palavra para responder tão succintamente quanto comporta a importancia d'esse assumpto, que eu desejaria tratar com mais largo desenvolvimento, se acaso outras considerações não me impedissem de assim proceder.

Agradeço ao digno par o meu amigo o modo por que se occupou da questão, separando-a, do campo apaixonado e politico, propriamente dito, em que porventura algumas outras questões têem sido tratadas, e procurando convencer o governo e a camara, de que não era occasião opportuna de votar este projecto, e que convinha mais que elle fosse adiado para mais tarde.

Sr. presidente, quando citei aqui a opinião do nobre marquez de Sá da Bandeira, foi (a camara comprehende isso bem) no intuito de robustecer a minha propria opinião com a de um tão illustre general e homem d'estado, pois o digno par ha de permittir-me que lhe diga, que s. exa. não me excede no respeito e veneração que tenho pela memoria d'aquelle que foi meu amigo, como foi do digno par, como foi amigo de nós todos, (Apoiados.} e que honrou o exercito e o paiz.

Sr. presidente, eu reconheço que o digno par póde encarar o assumpto que se discute, debaixo de um eu outro aspecto, mas s. exa. tambem não deve deixar de reconhecei que, para ser bem avaliado, é necessario examinal-o sot differente pontos de vista.

Eu tinha ouvido combater o projecto pelo que elle vale pela perturbação que vae lançar em toda a cavallaria, pele mau effeito que vae produzir nos corpos, e em presença d'estas censuras, lembrei-me de citar uma auctoridade respeitavel, para mostrar que a organisação de uma escola de cavallaria e de um deposito de remonta, podia ser de grande vantagem. Esta auctoridade não foi combatida, nem podia ser.

Se o digno par que é estranho ao assumpto, mas em quem todos reconhecem uma grande illustração, quizer estudar o que se passa nos exercitos estrangeiros e ler os auctores competentes, reconhecerá que todos os paizes entendem que é necessario dar uma instrucção propria á arm de cavallaria, para que possa preencher os fins a que é destinada.

Na minha qualidade de ministro da guerra incumbe-m propor ao parlamento as medidas convenientes para dese

Página 639

DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO 639

volver e melhorar as condições do exercito, e n'esse intuito apresentei ás côrtes a proposta de lei que se discute.

Cumpri o meu dever, e todos me farão a justiça de acreditar que foi o meu unico fim servir bem o meu paiz.

O parlamento, porém, apreciará como deve a importancia da instituição que pretendo crear e resolverá como for justo..

O digno par citou os decretos de 1868 e de 1869, um que creou e o outro que extinguiu a escola de cavallaria estabelecida em Torres Novas, e citou especialmente o ultimo d'estes decretos, para mostrar que o nobre marquez de Sá da Bandeira, auctor do decreto que organisou a escola, tinha tido, segundo me parece que se deve deduzir da citação feita por s. exa., não o fim de estabelecer uma escola, mas de fazer uma economia.

O digno par perrnittirá que lhe diga que não foi essa de certo a intenção do benemerito general.

O illustre marquez de Sá, levado pelo desejo de dar instrucção ao exercito, e possuido ao mesmo tempo da idéa que dominava o ministerio a que pertencia, que era a de fazer economias a todo o custo em todos os ramos do serviço publico, procurou harmonisar este pensamento com a organisação da escola que elle julgava indispensavel, e por isso supprimiu um regimento para obter um melhoramento no exercito sem augmento de despezas, e assim determinou que os contingentes dos diversos regimentos fossem áquella escola para se poderem habilitar no manejo das armas e receberem a instrucção precisa.

Vê-se, portanto, que o nobre marquez de Sá, reconhecendo como reconheceu, mas dentro d'estes limites, a vantagem da escola debaixo do ponto de vista technico, e ao mesmo tempo obrigado pela força das circumstancias a fazer uma acanhada despeza, não póde estabelecer áquella instituição de fórma a satisfazer os seus fins. O que sendo reconhecido pelo sr. Maldonado, quando em 1869 foi ministro da guerra, levou este illustre cavalheiro a derogar por um acto do poder executivo, mas auctorisado pelo parlamento, a providencia adoptada pelo sr. marquez de Sá, dando como rasão para isso o não ter sido a escola dotada convenientemente, e por consequencia não poder corresponder ao fim para que havia sido instituida.

Ora, eu indo procurar estas auctoridades não fiz mais que robustecer-me com ellas para justificar os motivos que tive na apresentação da minha proposta de lei, e pedir ao parlamento a sua approvação.

Em primeiro logar mostrei que o sr. marquez de Sá tinha reputado de alta conveniencia para o exercito a creação da escola de cavallaria, e por outro lado mostrei tambem que o sr. general Maldonado vendo que essa escola não tinha produzido os resultados que se pretenderam obter d'ella, porque não tinha sido dotada convenientemente, decretou a sua abolição.

Desta organisação que eu propuz, e que é muito diversa d'aquella outra decretada pelo sr. marquez de Sá, resulta effectivamente, um encargo para o thesouro que não resultava da escola estabelecida em 1868; mas que me importa a mim que da instituirão da escola, de que acabo de; fallar, não resultasse encargo algum, se ella se tornou inutil; se o pensamento do seu auctor foi completamente prejudicado pela estreiteza dos meios com que elle a dotou, cedendo ao desejo, aliás muito louvavel, de fazer economias, desejo que então dominava absolutamente? E quando digo, dominava absolutamente, constato um facto simplesmente, porque eu entendo que se a economia, como disse ha pouco o sr. Carlos Bento, é condição indispensavel a que devem attender todos os governos na organisação dos serviços e no desenvolvimento dos seus meios de administração; todavia não póde ser o objecto que unicamente elles hajam de ter em vista na gerencia dos negocios publicos, porque seria isso uma cousa absurda.

Ora, o digno par a quem estou respondendo, abandonando o campo em que eu tinha collocado a questão foi collocal-a no campo financeiro e pediu á camara que não desse o seu voto a este projecto até que se organisasse a fazenda publica; e creio que tambem disse até que se organisassem as escolas regimentaes. Pelo menos pareceu-me que foi assim que s. exa. formulou a sua proposta de adiamento.

Se não me engano vem aqui a ponto dizer que estou certo que o digno par não ficaria satisfeito com relação ao deficit se se votasse o adiamento que s. exa. propõe; porque, se se organisarem as escolas regimentaes antes de se extinguir o deficit, como é provavel que assim aconteça, não poderá ter logar o adiamento com relação á escola de cavallaria, conforme o pensamento do digno par, quando pretende que esta escola não se estabeleça em quanto houver deficit; pois que por outro lado s. exa. quer tambem que a mesma escola de cavallaria seja adiada até que se organisem as escolas regimentaes.

Assim não sei como póde o digno par combinar as duas proposições, que afinal o que revelam é a hesitação do seu espirito, que, se por um lado julga util, technicamente fallando, o projecto em discussão, por outro lado recua ante as considerações que se derivam da existencia do desequilibrio entre a receita e a despeza do estado.

Sou o primeiro a reconhecer, como digo, nos documentos a que o digno par se referiu, que têem a minha assignatura e a minha responsabilidade, que o deficit é o peior de todos os impostos. Não ha duvida nenhuma n'isso. Não está porém nas minhas mãos, nem nas do digno par, acabar com elle, porque, se estivesse, não só eu o teria feito, mas tambem s. exa., que por varias vezes tem sido ministro da fazenda, e por consequencia, se isso tivesse sido possivel, não prescindiria da honra de fazel-o. E assim mesmo se teriam apressado a fazel-o todos os ministerios que se têem succedido no poder.

Desgraçadamente, porém, o deficit é o nosso companheiro fatal ha muito tempo, e se o devemos combater e procurar extinguir, nem por isso deveremos ficar inertes e estacar diante d'elle durante uns poucos de annos, sem progredir nem melhorar as condições dos nossos serviços, sómente com o fim de obedecer a esse companheiro de todas as administrações.

O argumento a querer provar alguma cousa, permitta-me s. exa. que lhe diga que provava de mais, porque, se nós não podemos resolver este assumpto por haver deficit, não poderiamos resolver igualmente nenhumas outras questões tambem importantes que teem chamado a attenção de todos os ministerios e que têem trazido comsigo augmento de despeza.

O deficit tem existido sempre em maior ou menor escala.

Sem pôr de parte as observações a que se referiu o digno par, tomo tambem em consideração que não devo parar diante d'esta circumstancia, desde que julgo conveniente a adopção de uma medida de interesse publico.

Eu desejava acompanhar s. exa. nas suas ponderosas reflexões, como ellas, merecem, mas outras considerações não menos importantes me inhibem de as seguir, e deixo por esse motivo á sabedoria da camara resolver o que for mais acertado.

(O sr. ministro não reviu os seus discursos.}

O sr. Conde de Cavalleiros: - É tal o respeito e consideração, e mesmo direi amisade, que consagro ao sr. ministro da guerra, que não posso deixar de me rebellar contra a idéa de que só ao governo cabe a responsabilidade de todo e qualquer projecto que por elle seja apresentado.

Não posso crer que o animo de s. exa. não se impressionasse com a idéa do conjuncto de medidas com que se pretende levar a effeito o deposito de cavallaria. Parece-me que vejo aqui um pouco o espirito de classe, e talvez uma certa vaidade, porque nós somos propensos a gostar de tudo que faz barulho.

Página 640

640 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

O deposito de cavallaria não é o que aqui está. Faz-se um deposito e cria-se um regimento, augmentando-se per consequencia a despeza nos quadros do exercito com a creação d'esse deposito.

Eu vou, com a phrase chã que tenho, demonstrar as difficuldades que acho na execução d'este projecto. Tudo quanto se ensinar no deposito ha de ser mais ou menos impugnado pelos commandantes dos corpos, porque estes hão de rebellar-se sempre contra a instrucção dada nos depositos.

O commandante do deposito fica com um generalato superior aos dos regimentos, e a disciplina ha de resentir-se d'isso.

Ora, se não houver disciplina, saem do deposito todos os soldados perdidos, e os officiaes sem instrucção ou viciados; e quando chegarem aos corpos acham resistencia nos seus camaradas e superiores.

Sr. presidente, será preciso para instruir soldados para a fileira, que se crie esta escola, hoje que ha uma escola superior de militares? A instrucção é mais para o official, que ha de mandar, do que para os soldados, que hão de obedecer.

Depois, sr. presidente, note v. exa. a difficuldade: creado o corpo, ha de quem o commandar ter sempre em vista escolher para elle os melhores soldados e os melhores cavallos, deixando o refugo para o resto do exercito.

Mas ha mais ainda.

(Pausa.)

Eu fallo com o sr. ministro e ainda que não mereça uma resposta de s. exa., desejo manifestar a minha opinião, para que saiba qual a impressão que este negocio faz em algumas pessoas que o não podem acompanhar.

Diz o sr. ministro, que a despeza da installação é de réis 6:000$000.

Ora, note-se, nós não temos quarteis nem em Lisboa, quanto mais nas outras terras do reino; hão de portanto arranjar-se quarteis, cavallariças e palheiros, manter soldados e cavallos, e tudo isto com 6:000$000 réis!

Não póde ser, e não póde ser por que todos sabemos que os calculos das pessoas, ainda as mais competentes, são sempre quatro vezes menores do que a realidade: assim succedeu com a penitenciaria; em logar de 300:OOO$OOO réis gastou-a 1.200:000$000 réis, o isto dá-se em todas as obras publicas, taes como caminhos de ferro, estradas, construcções, e todas as outras obras que só projectam.

Se se orça em 100, gasta se pelo menos 200 ou 400. É o que ha de succeder com esta escola. Não são 6:000$000, hão de ser 80 ou 100.

Os recrutas vem de todo o reino, vem do Algarve, vem de Traz os Montes, vem do Minho, vem da Beira, etc., e hão de vir pelo caminho de ferro.

Só esta despeza por quanto ha de sair ao odiado? E o transporte dos cavallos em ida e volta? Da remonta para os corpos?

é uma despeza immensa, e a esta succedem diversas outras; citarei entre ellas a do fardamento, que ha de ainda sobrecarregar os corpos.

Isto não póde ser! Mas ha mais ainda. Sabe v. ex. quanto ha de custar cada cavallo depois de instruido, se os comprarem serris ou novos de mais, e sem lição alguma.

Cada poldro sairá por 500$000 réis!

Será absurdo o que estou dizendo?

Não é. Cada cavallo custa approximadiimente 30 a 40 libras; a despeza do sustento anda por 60 libras, em dois annos de ensino e espera; acrescente-se-lhe o que se ha de despender com o impedido para tratar do cavallo, com o fardamento d'esse impedido, e todas as outras despezas, que é desnecessario enumerar, o veja-se se será exagerado o meu calculo?

Fazem-se todas estas despezas para que, perguntarei eu?

Por que se não hão de comprar os cavallos ensinados?

Não se argumente com o absurdo de que é preciso ensino especial para os cavallos entrarem em forma. Os cavallos desbastados depressa aprendem a entrar na fileira.

Ora, custando cada cavallo ao estado approximadamente 500$000 réis, tendo de se gastar com diversos preparativos para a installação da escola, como se poderá fazer isto com uma verba tão limitada?

Mais ainda, o regimento de apparato, o regimento de veleidade, o regimento não sei de que, estará sempre completo, e os menos aproveitaveis serão distribuidos pelos diversos corpos, ficando alem d'isso todos os corpos dependentes do novo generalato!

Sr. presidente, eu não quero occupar muito tempo á camara, com as minhas reflexões, mas são ellas reflexões praticas, e eu desafio qualquer official de cavallaria a que negue o que estou dizendo.

Acho comtudo inutil, porque a maioria ha de votar este parecer.

Nós não temos publicidade alguma; as sessões d'esta camara só depois de um mez é que são publicadas, e estamos reduzidos unicamente a sermos ouvidos pelos espectadores das galerias; é como se discutissemos ás portas fechadas.

Para isto chamo eu a attenção do governo, a quem não deve ser indifferente um estado de cousas que quasi torna inuteis as discussões d'esta camara. Póde dizer-se que as n'essas palavras leva-as o vento, porque só d'aqui a muitas semanas é que se poderão ler impressas, e entretanto as medidas do governo passam, sem que o publico tenha em tempo opportuno conhecimento do que aqui se diz e se vota.

Isto desacredita o systema constitucional e parlamentar, que não existe sem publicidade.

Sr. presidente, 6:000$000 réis é o que o governo nos diz que se vae gastar com a insiallação d'esta escola, e réis 68:000$000 annuaes para a sustentação da escola e regimento! Illusão! Faz-me isto lembrar quando s. exas. apresentaram uma proposta para as ambulancias do correio, já ha muitos annos, nas quaes se devia tambem gastar muito pouco; mas o resultado foi mandar-se acabar com as taes ambulancias, porque causavam um prejuizo enorme. S de passagem direi, a proposito de ambulancias, que com o seu restabelecimento metteram-se no correio mais trinta e tantos empregados, mandaram-se fazer carruagens, pela tracção das quaes se paga uma grande quantia ás companhias dos caminhos de ferro; e finalmente augmentou-se a despeza com o correio em 40:0OO$OO0 ou 50:000$000 réis a mais, para virem aqui meia duzia de cartas a mais, que o empregado trás na algibera, como muitas vezes eu tenho visto, porque me tem mostrado o correio que as traz de Badajoz!

Quasi o mesmo se póde dizer com o segundo comboio do Porto!

Sinto, quando digo alguma cousa que não seja agradavel aos srs. ministros; o meu fim, porém, não é atormental-os. Teria muito gosto em poder acompanhar a s. exas. em todas as suas medidas, mas isso é o que eu não posso fazer conscienciosamente, porque nem com todas me conformo. Não tenho intenção nenhuma particular para vir aqui de proposito combater s. exas., nem ligação alguma partidaria me podia levar a isso, porque estou completamente livre de todo o compromisso politico.

Approvo tudo quanto me parece util e rasoavel, e rejeito o que entendo ser inconveniente para os interesses publicos. Defendo os principios, sem me prender com os homens.

Concluo, pois, dizendo que julgo desnecessario o deposito que se vae crear, tanto em tempo de guerra como em tempo de paz, porque na primeira hypothese os regimentos não têem permanencia no mesmo sitio, e por consequencia não podem os soldados ir instruir-se á escola, porque muitas vezes virão a faltar nos corpos que melhor se proveriam de homens por uma companhia disciplinar. Em tempo de paz acho essa instituição uma inutilidade, porque entendo que são sufficientes, e talvez até mais proveitosos, os

Página 641

DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO 641

inspectores das armas que no meu entender podem fazer um serviço muito mais vantajoso que não fará a escola, e contribuir mais eficazmente para a instrucção do soldado e manutenção da disciplina; em quanto que o official que dirigir a escola póde fazel-o de um modo inconveniente e ter defeitos, que necessariamente se transmittirão a toda a população da escola, provindo d'ahi um principio de indisciplina, que se propagará mais tarde nos corpos.

O deposito creará rivalidades nos commandantes dos regimentos, que nunca se conformarão com a disciplina e praxes do deposito, o qual servirá só de ostentação e privilegio á vaidade e veleidade de algum general que assim se queira distinguir e lisonjear, embora não corresponda o resultado ao que esperam de quem se impozer.

O sr. D. Affonso de Serpa: - Mando para a mesa um parecer da commissão das obras publicas, e peço a maxima urgencia para a impressão d'este parecer.

Foi lido na mesa e mandado imprimir.

O sr. Visconde de Chancelleiros (sobre a ordem.):- Quando entrei na sala já se estava na ordem do dia, e por isso não pude em occasião propria dar cumprimento á promessa que fiz n'esta casa n'uma das sessões passadas.

Seja-me pois permittido perguntar agora a v. exa. se já está sobre a mesa algum trabalho das commissões encarregadas de dar parecer sobre a questão dos herdeiros do sr. conde do Farrobo?

O sr. Presidente: - Não ha nada na mesa a esse respeito.

O sr. Visconde de Chancelleiros - Sente que tenha havido tanta demora na apresentação do parecer, a qual por ahi se attribue a má vontade, o que todavia não póde crer; e por isso ha de empregar todos os meios parlamentares para fazer com que o parecer appareça com tempo, e possa discutir-se.

O sr. Conde do Casal Ribeiro: - Expõe as rasões que teem obstado a que as commissões se reunam para dar o parecer; e exclue toda e qualquer idéa de má vontade.

O sr. Visconde de Chancelleiros: - Não lhe parecem bastante fortes os motivos indicados, porque se ha nas commissões divergentes que não podem conciliar-se, fazem-se dois pareceres, e a camara decide.

O que se não póde admittir é que as commissões se sobreponham á camara, e tolham o exercicio dos direitos da mesma.

(Entraram os srs. ministros do reino e das obras publicas.)

O sr. Conde do Casal Ribeiro: - Não ha interesse nenhum nas commissões que examinam esta questão em protelal-a; e pela sua parte não póde permittir que se lhes imponha o preceito de um praso fixo para darem o seu parecer. O exame d'este negocio continua, e ha de concluir-se brevemente com a apresentação do parecer.

O sr. Presidente: - Vae ler-se um officio da presidencia do conselho, que acaba de chegar á mesa.

O sr. Secretario: - Leu.

É do teor seguinte:

Um officio da presidencia do conselho de ministros participando que Sua Magestade El-Rei houve por bem decretar que a sessão de encerramento das côrtes geraes ordinarias se effectue ámanhã sabbado, 4 do corrente, pelas 5 horas da tarde, e que por circumstancias occorrentes, que impedem Sua Magestade de assistir a esta solemnidade, assistam por commissão os ministros e secretarios d'estado.

O sr. Presidente: - Os dignos pares ficam prevenidos de que a sessão de encerramento das côrtes é amanha ás cinco horas da tarde.

Ficou a camara inteirada.

O sr. Vaz Preto: - Começarei por dizer ainda algumas palavras ácerca do incidente que teve logar n'esta casa na ultima sessão, e depois entrarei no assumpto que está em discussão.

Sr. presidente, o sr. Fontes, pretendendo responder ás observações do sr. marquez de Vallada ácerca do que dissera o sr. conde de Linhares, affirmou que n'esta casa não havia camaristas de El-Rei, mas simplesmente pares do reino.

O modo e o entono, com que fez a affirmação, pareceram-me uma censura e correcção dada á minha pessoa, por ter pronunciado a phrase - camarista de
El-Rei. - Devolvo-lhe, pois, a censura e não acceito a correcção porque as cousas são o que são, e não o que o sr. Fontes quer que sejam.

Desde o momento que não ha uma lei de incompatibilidades, podem estar n'esta casa pares que exerçam outras funcções alem das de membros d'esta camara.

Por exemplo, o sr. presidente do conselho, que é general do exercito, nem por isso deixa de ser par, e estão no mesmo caso outros funccionarios publicos e empregados da casa real, camaristas de El-Rei e do sr. D. Fernando, e nem por isso perdem os seus empregos.

O sr. Fontes sabe perfeitamente que a maior parte dos cavalheiros que têem aqui assento são funccionarios publicos ou empregados no paço, e nem por isso perdem essa qualidade, nem a sua natureza.

São o que são, são tudo isto, e são pares do reino, como eu sou proprietario.

Se o parlamento não podesse considerar o par ou deputado segundo o que é, e o emprego que elle exerce, não viriam todos os governos pedir á camara permissão para os empregados de secretaria accumularem o exercicio das suas funcções com as de membros do poder legislativo, e não succederia a s. exa. o que lhe aconteceu na outra casa do parlamento, que, sendo director da companhia do caminho de ferro do norte e leste, foi obrigado, por uma moção de ordem apresentada pela opposição, a largar aquelle logar. Parece-me que o sr. Fontes estará bem lembrado d'este acontecimento.

Portanto os cavalheiros, que têem aqui uma cadeira não perdem por isso os logares, que exercem fora d'esta casa.

São estas as poucas observações, que tinha a fazer a respeito da asserção, feita pelo sr. presidente do conselho, com tanta intimativa.

Depois da admoestação, com que o sr. Fontes pretendeu fazer-me expiar a ousadia de ter pronunciado aqui a phrase - camarista de El-Rei - acrescentou que o correctivo da imprensa era a propria imprensa, e que El-Rei estava tão alto que os tiros dos jornaes não lhe chegavam.

A proposito d'isto vou ler á camara alguns trechos das leis que regulam a liberdade de imprensa:

"Lei de 22 de dezembro de 1832:

"Artigo 14.° § 4.° O auctor, editor, ou publicador de estampas, ou de qualquer escripto lithographado, ou impresso por qualquer maneira que seja, em que se ataque a ordem de succeder no throno, estabelecida na carta constitucional, a auctoridade legitima do rei, regente, ou regencia; a inviolabilidade de sua pessoa, ou a legitima auctoridade da camara dos pares, ou dos deputados da nação, ou se incite o odio ou desprezo contra o systema constitucional, fundado na carta, incorrerá na pena de 1$000 a 100$000 réis no primeiro grau, de l5O$000 a 250$000 réis e de quarenta dias a tres mezes de prisão, no segundo; e de 300$000 a 4QO$000 réis, e quatro a oito mezes de prisão, no terceiro."

"Lei de 10 de novembro de 1837.

"Artigo 24.° Os empregados do ministerio publico, que forem negligentes em querellar contra os abusos da liberdade de imprensa, incorrerão na pena de tres a seis mezes de suspensão do emprego, e qualquer pessoa do povo os poderá accusar por essa negligencia, na conformidade, etc."

"Decreto de 18 de julho de 1855:

"Artigo 17.° A instrucção e julgamento dos processos crimes em toda a comarca ficam sendo da competencia exclusiva do juiz de direito, nos seguintes delictos:

Página 642

642 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

"1.° Offensas contra a religião do reino nos casos dos artigos 130.° e 131.° do codigo penal;

"2.° Attentado, e offensa contra o rei e sua familia, e contra o regente e regentes do reino; etc.

"Art. 9.° De todo e qualquer corpo do delicto, logo depois de distribuido, se continuará vista ao respectivo agente do ministerio publico, o qual dará a sua querella dentro em oito dias a contar daquelle em que lhe for continuada a este vista do corpo de delicio, excepto se o réu já estiver preso, por que n'este caso a querella será impreterivelmente dada dentro de quarenta e oito horas da vista mencionada."

A reforma judiciaria no artigo 855.°, diz:

"Os crimes publicos são perseguidos pelo ministerio publico."

"Codigo penal, artigo 169.° A offensa da injuria commettida publicamente de viva voz, ou por escripto publicado, ou por qualquer meio de publicação, contra o Rei ou Rainha reinante, cujo objecto seja excitar o odio ou desprezo de sua pessoa ou da sua auctoridade, será punida com prisão correccional de um a tres annos, e multa de tres mezes até tres annos."

V. exa. e a camara acabara de ouvir a doutrina e disposições d'estes artigos da legislação vigente.

Não sei se tem havido ou não abuso de liberdade de imprensa; mas o que sei é que se teem pedido explicações a respeito ao sr. Fontes, e s. exa. apenas se limitou a dizer que para os abusos da imprensa é correctivo a propria imprensa, sem declarar que tenha havido abusos.

Sei tambem que ao governo compete suspender os agentes do ministerio publico, que, havendo abusos, não procedam dentro em oito dias, e não me consta que tenha havido procedimento algum a este respeito; por consequencia, espero que o sr. Fontes, para ser coherente com as suas declarações, na futura sessão venha apresentar a esta camara um projecto de lei, declarando que o correctivo da imprensa é a propria imprensa, e que as leis, que a regulam fiquem completamente revogadas, e que não ha crimes de liberdade de imprensa.

Sobre este assumpto nada mais tenho a dizer.

Agora passarei á questão que se debate, que e a escola de cavallaria, e, antes de entrar na discussão d'este projecto, seja-me permittido perguntar quem é o relator d'este parecer, porque entre os dignos pares, que assignaram o parecer, nião encontro um com a designação de relator.

O sr. Palmeirim: - Sou eu.

O sr. Vaz Preto: - Lá fóra e aqui nesta camara espalhou-se que este projecto não tinha achado quem se quizesse incumbir de ser seu relator, por isso estimo que o digno par se declarasse como tal para dar as precisas explicações á camara, visto as dadas polo sr. presidente do conselho sarem tão embrulhadas, que d'ellas mal se podem colher positivamente os esclarecimentos, que nos deviam elucidar na questão sujeita.

As explicações dadas pelo sr. presidente do conselho são confusas como o projecto, e por isso ainda não pude chegar ao conhecimento de qual é positivamente a somma que se ha de gastar na escola de cavallaria; portanto estimei saber que o relator d'este projecto é o digno par, o sr. general Palmeirim.

S. exa. passa por um militar distincto, a sua intelligencia e os seus conhecimentos militares são reconhecidos, e por isso não deixará de entrar n'este debate de uma fórma que nos esclareça e instrua.

Sr. presidente, na sessão passada demonstrei que a despeza que se ia fazer com esta escola era muito avultada, que era inopportuna, e que podiamos mesmo prescindir de a fazer. Combateu o sr. Fontes as minhas asserções, e apresentou contra o meu orçamento um outro, que asseverava ser o verdadeiro.

Começo, pois, por declarar que esta escola custa ao estado 100:000$000 réis, pelo menos, fóra as despezas de installação.

O sr. ministro declarou, que o orçamento de 68:000$OOO réis feito no ministerio da guerra era exacto.

Eu vou demonstrar á camara que a minha asserção é a verdadeira, havendo talvez equivoco no ministerio da guerra quando se fez aquelle orçamento.

Sr. presidente, no orçamento que fiz ácerca d'este projecto, calculei as despezas marcadas na tabella A, e deram-me approximadamente 96:000$000 réis, pois a tabella A marca a parte permanente da escola, e é esta parte permanente que traz as despezas principaes da escola; depois juntei a estas despezas as que se hão de fazer com o movimento de recrutas para o deposito, e do deposito para os differentes corpos, e bem assim a do movimento dos cavallos de remonta para o deposito e d'ali para os regimentos, cuja despeza foi calculada em 5:000$000 réis, muito por baixo.

Todas estas despezas ascendem a 100:000$000 réis, não fallando em muitas outras que indicou o digno par, o sr. conde de Cavalleiros.

Estes facilimos cálculos dão o resultado do meu orçamento sommando todas estas despezas, que são indispensaveis logo que a escola de cavallaria seja creada.

Compare, pois, acamara, á face da tabella A e do projecto a somma de 100:000$000 réis, em que eu orcei a despeza com a calculada pelo sr. Fontes no valor de 68:000$000 réis, e facilmente reconhecerá qual deve ser a verdadeira.

Notem v. exas. e a camara que este projecto de lei, creando a escola de cavallaria, vae crear, por assim dizer, mais um corpo, e esse corpo não custará menos do que os outros, antes custará mais pela sua natureza especial. Não obstante, o sr. Fontes declara que a força do exercito ficará a mesma, que foi já votada por lei, e para ficar consignado o pensamento do governo introduziu-se no projecto um artigo na camara dos senhores deputados, que e o artigo 14.°, que diz: "A força do exercito em praças de pret fixada no orçamento, e nas leis geraes d'este serviço, não é alterada pelas disposições d'esta lei".

N'este presupposto pergunto eu - ficando o exercito com a mesma força, segundo o orçamento, e paga tambem segundo o orçamento, onde vae o sr. Fontes buscar o pessoal para a escola, d'onde tira as praças de pret, e como quer satisfazer toda a despeza só com 678:OOO$OOOO réis?

O pessoal mencionado na tabella A não está incluido na força do exercito, onde o vae buscar o sr. Fontes não tendo lei especial que lho conceda?

Pergunto, pois, ainda ao sr. ministro da guerra, ou ao illustre relator d'este projecto - como tencionam s. exas. crear o pessoal para esta escola, deixando o exercito com a mesma força?

Se a força do exercito, por este projecto de lei não é alterada, onde é que hão de ir buscar as praças de pret de que precisa esta escola, que equivale a um regimento de cavallaria?

Desejo, pois, que o sr. ministro, ou o illustre relator, me expliquem estas duvidas, que não tenho podido resolver apezar dos meus exforços e desejos.

Sr. presidente, o sr. Fontes, para defender o projecto, serviu-se do argumento de que já houve uma escola de cavallaria, que era o deposito em Torres Novas, creado pelo nobre marquez de Sá, e que não deu resultado algum, em consequencia da pequena despeza que se fazia, pois que não se tinham votado para ella as sommas necessarias para ser mantida como deveria, e dar os resultados que se esperavam.

Este argumento é contraproducente, pois esse deposito mostrou á evidencia que o ensino ali dado era incompleto, e que os commandantes dos corpos tinham necessidade de dar nova instrucção ás recrutas.

Alem d'isso é inexacta a affirmação do sr. Fontes asse-

Página 643

DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO 643

verando que não deu resultados, pois despendia-se com ella uma somma insignificante.

Sr. presidente, esse deposito não custava menos de réis 68:000$000, que é exactamente aquillo em que calcula o sr. Fontes a actual escola de cavallaria; e a conta tambem é facil de fazer, pelo pessoal que compunha este deposito. V. exa. deve saber perfeitamente que cada regimento de cavallaria em Portugal não importa, fora officiaes, em menos de 68:000$000 réis por anno, tendo cada um 300 cavallos.

Portanto, sr. presidente, eu espero que o sr. presidente do conselho, se effectivamente quer mostrar á camara que são verdadeiros os seus calculos, não ponha duvida em acceitar um additamento ao artigo 7.°, que determine, que "o governo não poderá exceder a verba de 68:000$000 reis."

Parecia-me ter ouvido a s. exa., para justificar algumas disposições do projecto, que em França havia deposito de remonta como aquelle que se vae crear.

Foi isto o que s. exa. disse?

Pois eu declaro que em França nunca houve taes depositos, que os depositos indispensaveis que ali existem teem um fim muito differente do que este que vae crear na escola de cavallaria.

Naturalmente foi equivoco do sr. presidente do conselho de ministros, que leu á pressa a organisação dos depositos em França, e se confundiu. Não admira. S. exa. tem tanto em que se occupar, que não ha nada mais facil do que confundir a natureza d'estes depositos.

Sem animo, pois, de corrigir o sr. ministro da guerra, peço permissão á camara para lhe fazer uma suscinta exposição do fim dos depositos de remonta em França.

O sr. Presidente do Conselho de Ministros: - Eu podia dizer similhante cousa? Escola de remonta? É um absurdo! É cousa que não disse, nem podia dizer.

O sr. Vaz Preto: - Os depositos de remonta são muito necessarios em França, porque o exercito, sendo grande e numeroso requer muita cavallaria; e achar cavallos proprios e adquados para aquelle mister, e segundo á qualidade dos regimentos, é difficil.

O que o ministerio da guerra aqui póde mandar fazer por uma simples commissão não póde ser feito em França senão por um serviço especial, e muito bem organisado.

Em França dão-se outras circumstancias; ha muita cavallaria e de diversas especies; ha a cavallaria de reserva composta de carabineiros e couraceiros, é a cavallaria pesada, na qual os soldados usam de couraças de cobre e aço; ha cavallaria de linha composta de dragões e lanceiros; ha cavallaria ligeira, composta de caçadores a cavallo e de hussards; e alem d'essas, ha os caçadares de Africa, e os spahis que têem uma organisação mixta - indigena e franceza.

Não farei agora uma digressão ácerca da organisação do exercito francez, e não direi mesmo qual o armamento e o fim a que é destinada a cavallaria de reserva, a de linha, e a ligeira; e que na Allemanha, Austria e Russia o systema é quasi o mesmo, tendo apenas os ulanos, que equivalem aos lanceiros, e na Russia os cossacos, que é cavallaria muito ligeira.

De nada d'isso fallarei, apenas farei notar estas circumstancias para mostrar que n'estes paizes os depositos de remonta simplesmente para comprar cavallos, e distribuil-os pelos corpos em conformidade com as ordens do ministerio da guerra são necessarios, indispensaveis até. N'aquelles depositos não se dá ensino nenhum ao cavallo, compra-se, trata-se e distribue-se pelos differentes corpos.

As companhias que pertencem aos depositos de remonta fazem parte do exercito. Tambem não fallarei da sua força nem da sua organisação. Basta por agora que se saiba que estes depositos não são destinados a ensinar cavallos.

A necessidade de obter cavallos para o exercito levou o governo francez a dividir o paiz onde ha a creação de cavallos em circumscripções, compostas de differentes departamentos, e á estabelecer ali depositos de remonta com succursaes e annexas.

Os depositos de remonta são dirigidos por officiaes superiores, que pertencem ao corpo de remonta.

O pessoal que pertence a estes estabelecimentos compõe-se de um certo numero de officiaes exploradores, que percorrem as circumscripções com o intuito de descubrirem poldros, que se deverão comprar, e para animar e aconselhar os creadores em tudo o que seja conveniente para que os poldros tenham as condições precisas para o serviço a que são destinados.

Alem d'estes exploradores fazem parte do pessoal dos depositos, veterinarios militares, e alem d'estes um certo numero de officiaes inferiores, e cavalleiros de remonta, tirados dos antigos soldados dos corpos de cavallaria, que têem por mister tratar, guardar os cavallos e conduzil-os aos corpos.

As succursaes differem dos depositos em estarem dirigidas por capitães, e em terem menor numero de pessoal. As annexas, porém, são só destinadas a receber os cavallos que existem a mais n'estes estabelecimentos, de que tenho fallado.

Quando se quer fazer a remonta, o ministro da guerra manda a ordem para os depositos, designando o numero de cavallos que se hão de comprar, as qualidades que se lhes requerem, os regimentos para que são destinados, o preço por que são auctorisados a compral-os e os annos que devem ter, que nunca serão menos de cinco.

Os commandantes dos depositos transmittem estas ordens ás succursaes, e tanto uns como outros estabelecimentos tratam logo de lhes dar cumprimento, e são executadas com toda a promptidão e regularidade.

Este serviço está perfeitamente montado, e ao mesmo tempo que satisfaz ao fim, augmenta a força do exercito com alguns mil homens.

O que acabo de succintamente expor, demonstra claramente que em França os depositos não são o mesmo que se pretende estabelecer pelo projecto em discussão.

Estudando o que se passa n'aquelle paiz, sr. presidente, vejo que não existe ali uma unica escola de cavallaria com os fins e o intuito desta que o governo pretende crear, nem em nenhuma outra nação da Europa, exceptuando a Hespanha, onde se está fazendo um ensaio, que não sabemos se dará bom ou mau resultado.

Em Hespanha ha a escola de Alcalá de Henares, creada em 1874, e cujos resultados mal se conhecem ainda, e portanto não deve esta servir de modelo nem de auctoridade.

Nos paizes bem organisados, onde o exercito é uma instituição util e proveitosa, o que se trata é da creação de escolas para habilitar professores, instructores, mestres, para que a instrucção seja regular e Uniforme, e é para esse fim que a França tem a escola de Saumur, que apenas custa 48:000$000 réis! .

Para a cavallaria franceza, que é superior em numero a todo o nosso exercito, cria a França uma escola que custa 48:000$000 réis, e para 3:000 homens de cavallaria, que é o que nós temos, cria o sr. Fontes uma escola, que despende mais de 100:000$000 réis, e que importa mais caro do que o nosso primeiro estabelecimento scientifico - a universidade de Coimbra. Os exemplos que fui buscar á França, podemos tambem ir buscal-os á austria, Russia, Allemanha, etc. etc.

Entre as differentes escolas que existem em França, que vou enumerar, não encontrei uma unica da natureza d'esta que o sr. presidente do conselho propõe.

Ha a antiga escola de Flecha, que foi reorganisada com o nome de Prytaneo imperial militar por decreto de 23 de maio de 1853. O seu fim é recompensar os serviços feitos ao estado pelos officiaes dos exercitos de mar e terra, dando a seus filhos, independente da educação militar, uma instrucção litteraria e scientifica, que os habilite a alcançar

56*

Página 644

644 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

o diploma de bacharel em sciencias, e mais especialmente o apresentarem-se com vantagem ao concurso para admissão na escola polytechnica, e a escola especial militar de Saint-Cyr.

O Prytaneo, alem dos alumnos pensionistas, sustentados á custa das familias, admittem, para seguir o curso, mediante 5 francos por mez, os filhos dos habitantes de Flecha.

Esta escola quasi que corresponde ao nosso collegio militar.

Ha outra que parece corresponder á nossa escola do exercito; é a escola especial de Saint-Cyr. N'esta escola instruem-se os alumnos nos differentes ramos da arte da guerra, de fórma que os que se destinam á vida militar possam entrar como officiaes nas fileiras do exercito. A admissão n'esta escola é por concurso, e todos os annos o ministro da guerra nomeia os examinadores.

Tres condições são exigidas para a admissão ao concurso:

l.ª Ser francez ou naturalisado francez;

2.ª Ter sido vaccinado ou ter tido bexigas;

3.ª Mais de dezeseis ou menos de vinte annos no 1.° de janeiro do anno do concurso.

Ha tambem a escola polytechnica, que é especialmente destinada a habilitar os alumnos para os serviços seguintes: artilheria de terra e mar; engenheria militar e maritima; marinha nacional; corpos de engenheiros hydrographos; pontes, calçadas e minas; corpo d'estado maior; linhas telegraphicas; etc.

Esta escola corresponde até certo ponto á nossa do mesmo nome.

Ha ainda outras escolas, taes como: a escola de applicação de artilheria e engenheria, que estava estabelecida era Metz, antes desta praça pertencer á Prussia; a escola de cavallaria de Saumur, de que já fallei por varias vezes; a escola especial de medicina e pharmacia; finalmente a escola normal do tiro em Vincennes, e a escola de gymnastica: na do tiro formam-se os instructores que hão de dirigir o ensino do tiro nos differentes regimentos, sob a vigilancia de um official superior; e na de gymnastica, tambem estabelecida em Vincennes, o seu ensino tem por fim formar directores, mestres de gymnastica, que hão de ser distribuidos pelos regimentos. Alem d'estas ha muitas outras escolas, e entre ellas não se encontra uma só analoga á que o sr. Fontes propõe.

Portanto, sr. presidente, se o governo viesse pedir a esta camara auctorisação para crear qualquer escola de applicação, mas escolas onde se formassem instructores, comprehendia-se; mas propor uma escola, cujo ensino é tão variado e embrulhado, que já se não chega a conhecer aonde chegam as habilitações das outras escolas, pois esta, alem de ensinar os alferes graduados e officiaes inferiores, habilita os candidatos ao posto de major, e os candidatos a capitães do corpo de estado maior, que são obrigados a um exame theorico e pratico, substituindo-se e tornando-se assim esta escola superior á escola do exercito, é uma cousa que não se póde admittir e que não se comprehende.

Sr. presidente, já o disse na sessão passada, e repito-o agora: a cavallaria não tem já uma missão tão importante como dantes tinha, e assim o mostra a historia das guerras dos ultimos tempos.

A cavallaria já não serve para dar cargas e para decidir da victoria num momento de hesitação; póde-se dizer que é impotente contra a infanteria quando ella está armada com as espingardas modernas, como geralmente acontece em todos os exercitos europeus.

Ha muitos factos que comprovam esta asserção, e entre outros citarei um que succedeu na guerra da Prussia com a Austria.

Uma divisão de cavallaria federal atacou um regimento de infanteria da landwehr prussiana, imaginando ser facil obrigal-o a depor as armas; o resultado, porém, foi desastroso para a cavallaria; o regimento retirou-se são e salvo, e a cavallaria soffreu enormes perdas.

E claro, pois, que a infanteria tem hoje grandes vantagens sobre a cavallaria, cujo fim principal não póde ser outro agora senão explorar o terreno e fazer certas manobras para encobrir movimentos do exercito, escoltar comboios de viveres e mantimentos, ou conseguir os resultados que ultimamente na guerra entre a Russia e a Turquia os russos poderam obter, cortando com a sua cavallaria as communicações com o campo entrincheirado de Plewna, e obrigando a entregar-se por falta de viveres e de soccorros.

Podia apresentar tambem o exemplo do que aconteceu na guerra da America com o general Sheridan, que atravessando montanhas escabrosas cortou as communicações, e obrigou a cair Richmond.

Não esquecerei de mencionar aqui o papel brilhante que desempenhou a cavallaria na batalha de Solferino, indo occupar ao grande galope o intervallo que havia entre o corpo do exercito do general Mac-Mahon e o corpo do exercito do genral Niel, impedindo por esta manobra acertada que o exercito francez fosse cortado e envolvido pelo austriaco. N'essa occasião a cavallaria desempenhou um papel brilhantissimo, mas ainda n'aquelle tempo o exercito austriaco não estava armado com as armas modernas, cujo infernal fogo mais tarde lhe fez grandes estragos em Sadowa.

Nos tempos antigos a cavallaria tinha uma missão importantissima; d'ella tirou grandes vantagens Gustavo Adolpho, rei da Suecia, na guerra dos trinta annos contra a Allemanha; e foi ella que decidiu a batalha de Lutzen, depois da morte d'aquelle intrepido guerreiro.

Commandada pelo duque de Saxe Weimar, deu brilhantes cargas, ás quaes não póde resistir nem a infanteria nem a cavallaria do duque de Freeland, o primeiro capitão d'aquella epocha.

Walenstaren considerava-se invencivel.

Foi com a cavallaria que Frederico o Grande tirou grandes vantagens das suas victorias na guerra dos sete annos, e foi principalmente á cavallaria que Napoleão deveu os seus brilhantes triumphos, tirando todas as consequencias da pericia e estrategia com que conduzia o seu exercito aos, combates, de que saia sempre vencedor.

É, em vista de taes factos, que eu entendo que a primeira cousa que o governo tinha a fazer era estabelecer ensino para os officiaes, porque os soldados, sabendo montar bem a cavallo e manejar as armas, do que carecem é de quem os commando. O principal hoje é dar aos officiaes aquelle ensino proprio do espirito da epocha e adequado ás necessidades da guerra moderna, e para isso é que é preciso escola especial de applicação, escola onde se formem os instructores, que ensinem pelo mesmo systema e methodo, de fórma que o ensino seja uniforme.

Tudo nos leva, pois, a dispensar uma escola de cavallaria como a que se propõe, e a mostrar a necessidade de uma escola que de bons instructores. A instrucção que os recrutas vão obter na escola, e o ensino aos cavallos, dá-se perfeitamente nos corpos, como até aqui. Demais o exemplo dos paizes mais adiantados, que nós citâmos sempre, não nos aconselha similhante escola.

Nos exercitos de toda a Europa não ha uma com este intuito.

Esta escola que o sr. Fontes quer estabelecer tem ainda outro inconveniente, que é estar misturado o ensino pratico com o ensino theorico.

Para passarem ao posto de major é preciso que os capitães vão ali aprender, não só praticamente, mas tambem theoricamente, e o mesmo se dá com os officiaes do corpo do estado maior, que querem passar ao posto de capitão.

Pois estes officiaes não tem já o ensino theorico, que receberam na escola do exercito, e sem o qual não podiam ser promovidos?

A escola do exercito não lhe deu as suas cartas, não lhe passou o diploma de habilitação?

Página 645

DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO 645

Para que fica, pois, servindo a escola do exercito?

Para que é preciso, pois, ir crear uma escola theorica, quando já existe essa escola?

Que essa escola fosse puramente pratica entendia-se ainda, mas tambem theorica, quando já ha outra d'esta natureza e bem organisada, é cousa que não se comprehende.

O que deduzo de tudo isto é que o governo não tem idéas fixas a este respeito, nem formou um plano geral de organisação militar, a que sujeitasse todas as medidas que julgasse necessarias ao bem d'aquelle ramo de serviço publico. O seu systema é reformar a retalho, e pedir auctorisações para fazer reformas sem saber muitas vezes ainda como e porque modo as ha de realisar. Já tive occasião de notar, que estando aqui todos os dias o governo a justificar os seus actos com os exemplos do que se faz nos paizes mais adiantados, n'esta medida julgou dever apartar-se d'esses exemplos, para propor uma cousa, senão inutil, pelo menos desnecessaria na actualidade.

Em resumo, tratei de demonstrar que a escola de cavallaria não é necessaria; em segundo logar, que a despeza calculada pelo sr. ministro da guerra para a installação e manutenção d'essa escola ha de ser muito superior á indicada por s. exa. e por consequencia são inexactos os seus calculos; e em terceiro logar, que a escola de cavallaria, pelas attribuições que se lhe dão, se vae substituir a um estabelecimento scientifico, a escola do exercito. Provado tudo isto, chamo a attenção do sr. Fontes sobre um ponto a respeito do qual desejo tambem obter alguma explicação da parte do governo. Pergunto a s. exa. se a remonta ha de ser feita pela escola de cavallaria, ou ha de continuar a ser feita como o tem sido até aqui? No projecto não se diz nada a este respeito; apenas se diz que a escola ha de receber os cavallos da remonta para os ensinar, e depois serem enviados para os corpos.

Como esta ha outras lacunas no projecto. Por exemplo, falla-se aqui na instruccão dos candidatos ao logar de picador, mas não se mencionam os logares de picador, nem quantos haverá n'aquelle estabelecimento.

Tambem não se marca o numero e a despeza dos mestres de esgrima, que hão de ser necessarios, e tambem não se diz nada com relação aos materiaes e armas.

Estas omissões significam, que o projecto está pessimamente redigido, e que o mistiforio que n'elle se estabelece, póde trazer grave confusão nas differentes secções, e que as despezas orçadas são muito inferiores ás que na realidade se vão fazer com a creação d'esta escola! Por outro lado vejo tambem que não ha as casas necessarias para as differentes aulas, e portanto, é evidente que a despeza que traz este projecto não será inferior a cento e tantos contos de réis. Isto mostra ainda as contradicções do sr. Fontes Pereira de Mello. Em 1876 declarou que o deficit que existia de 700:000$000 réis era assustador, agora já não se receia do que hoje existe no valor de milhares do contos, não o assustando as grandes despeza, e muitas d'ellas para satisfazer unicamente a sua vaidade.

Este systema tem tomado de tal fórma raizes no animo do sr. Fontes, que parece até ter prazer em augmentar o deficit.

Quanto a acobertar-se o sr. presidente do conselho com a auctoridade do sr. marquez de Sá, quando tinha estabelecido aquella escola, e dizer que aquelle illustre general, homem muito esclarecido, que tinha feito grandes serviços ao seu paiz, entendeu e reconheceu a necessidade d'aquelle estabelecimento, não me parece que seja argumento de muita força, se se lhe acrescentar o que o sr. Fontes deixou de narrar.

O que o sr. Fontes não referiu, foi que o sr. marquez de Sá, para satisfazer ao ensino ou experiencia que ia fazer, attendeu á circumstancia da fazenda publica, que se achava em má situação, e portanto, para crear a escola, supprimiu um regimento de cavallaria. Pelo que diz respeito ao sr. general Maldonado, o que se deduz do seu procedimento é que elle reconheceu que era inconveniente a conservação da escola creada pelo sr. marquez de Sá, porque os recrutas e cavallos que eram mandados para os corpos, não satisfaziam ao fim, e tanto que os commandantes tinham de os mandar ensinar de novo, e por consequencia julgou devel-a supprimir como despeza inutil. Tudo isto mostra, sr. presidente, que então se attendia ás circumstancias em que se achava o paiz, e não se queriam ir buscar encargos sem utilidade.

Porque despreza s. exa. a experiencia e observação, porque não attende aos principies de economia e boa administração? Porque não propõe uma reorganisação bem pensada do exercito?

Antes de concluir estas modestas observações, perguntarei a s. exa. se acceita o meu additamento. S. exa. não deve" ter duvida em acceital-o, uma vez que esse orçamento que apresentou foi feito por homens competentes do ministerio da guerra, e a camara não deve dar auctorisação para gastar mais do que os 68:000$000 réis orçados. Perguntarei onde vae o sr. Fontes buscar o pessoal da escola, não podendo elevar a força votada para o exercito? Não a podendo alterar por um artigo d'este projecto, onde conta ir procurar esse pessoal, e como lhe quer pagar só com a verba de 68:000$000 réis?

Se o pessoal se vae buscar ao exercito, como é que os corpos de cavallaria hão de ficar com a mesma força que lhe foi votada?

A resposta a estas perguntas é necessaria e conveniente porque por ella se reconhecerá qual é o verdadeiro orçamento para a escola de cavallaria, e bem assim ficará bem claro o valor e a significação do artigo 14.°, que diz que a força do exercito em praças de pret votada pelo orçamento e lei vigente, não é alterada.

Sr. presidente, terminarei aqui as minhas humildes observações., pedindo ao sr. presidente do conselho que abandone este systema de gastar á larga sem saber de onde lhe ha de vir, porque elle nos conduzirá á ruina: que imite os homens d'estado dos outros paizes, que attendem sobretudo ao equilibrio da receita e da despeza, que não esqueça o que ainda ha pouco fez em França o ministro da fazenda Leon Say, que recusou a auctorisação que o parlamento lhe concedeu para levantar um emprestimo de 17 milhões de francos para a construcção de um caminho de ferro; que tenha diante dos olhos o procedimento da Inglaterra, que contrahiu agora um emprestimo de 7 milhões de libras esterlinas, mas que lançou logo o imposto para pagar os encargos.

O sr. Palmeirim: - Sr. presidente, a sessão está adiantada, e este assumpto tem sido discutido de tal modo que não poderei acrescentar de certo novidade alguma, nem esclarecer a questão mais do que está.

Todavia, não posso ficar silencioso, em primeiro logar, porque a commissão
fez-me a honra de me nomear relator deste projecto, não obstante haver pessoas muito mais competentes para desempenhar este encargo; e em segundo logar, porque estou compromettido pessoalmente n'esta questão.

O sr. ministro da guerra já em uma das sessões passadas explicou quaes têem sido os differentes depositos de cavallaria que tem havido desde a organisação do exercito em 1849.

Depois d'esta houve a de 1851, em que o sr. duque de Saldanha desenvolveu e tornou util a idéa do sr. Ferreri, cavalheiro que fora ministro da guerra na situação anterior á do sr. duque de Saldanha.

Para? a reorganisação proposta pelo sr. marquez de Sá em 1863, que não vingou, e que foi a causa da sua saída do ministerio, foi nomeada uma commissão composta de pessoas aliás competentissimas, cujos nomes repetirei, commissão que o governo attendeu a respeito da creação de uma escola de cavallaria.

Os cavalheiros que compunham essa commissão eram os

Página 646

646 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

seguintes: general Baldy, barão de Wiederohkl, Sá Carneiro, Henrique da Sousa, Valladas, Camarate, Camara Leme, Latino Coelho e tambem a minha pessoa.

Esta commissão encarregada de propor a reorganisação do exercito em todas as armas, disse a respeito da cavallaria o que vou ler.

(Leu.)

Foi sobre este parecer que o sr. marques de Sá assentou aquelle decreto de 1868, que depois tambem não progrediu, porque os meios de que o governo dispunha eram escassos para dotar e fazer prosperar o novo estabelecimento.

Hoje, entre os generaes e escriptores mais distinctos é opinião assentada, que a vida militar deve ser ensinada e mantida nos regimentos.

Inclusivamente, e digo-o referindo-me ao digno par o sr. Carlos Bento, que sinto não ver presente, ha um general com a opinião de que se supprimam as escolas centraes de tiro, e outras, e que o ensino seja feito nos regimentos.

Entende igualmente este distincto general que o official deve saber de tudo que diz respeito á sua arma, para o poder professar e ensinar aos seus subordinados, e que o chefe de esquadrão, bem como o da companhia, deve ser o responsavel pelas boas disciplinas, e por todo o ensinamento militar.

Confere-lhes para isto a maxima auctoridade e independencia, mas tambem a maior responsabilidade.

Ora, ha um certo excesso de perfeições e de optimismo, que chega a ser utopia.

Um general francez, por exemplo, vae mesmo a propor que o soldado na guarda tenha uma ardozia parr, fazer exercicios de leitura e de escripta, e não perder tempo, aproveitando-se n'isto o sargento ou o cabo.

Penso que a camara acredita em que eu não sou inimigo da instrucção, mas ha um certo numero de cousas que se não podem exigir, porque não são exequiveis por emquanto na nossa terra.

Ponderou o digno par que seria mais util que em vez de se crear esta escola especial, se fizesse com que os officiaes todos tivessem a devida instrucção, mas por outra fórma.

O sr. Vaz Preto: - Eu peço perdão a s. exa., mas não disse similhante cousa; o que eu disse foi que nos differentes paizes que se citaram se procura instruir os officiaes, e que é a isso que se destina a escola de Saumur, o outras de que fallei.

O sr. Palmeirim: - Eu conheço theoricamente todas essas escolas, e devo observar a s. exa. que entre nós o que mais falta é a instrucção pratica. Felizmente nunca houve tantos officiaes instruidos no nosso exercito como hoje. (Apoiados.)

A maioria dos nossos officiaes são todos mais ou menos instruidos, porque dois terços provem das escolas, mas falta-lhes a instrucção pratica.

Eu desejaria que podesse haver muita infanteria e muita artilheria, não esquecendo as reservas, isto é, que podesse-mos ter uma boa e conveniente organisação militar em que ellas prevalecessem muito.

A cavallaria é uma arma accessoria, em verdade muito importante, e que tem um papel muito valioso a desempenhar; mas em o nosso paiz, pela sua physionomia topographica, e por não nos ser provavel senão a guerra defensiva, não carece de ser muito numerosa.

É verdade que já tivemos 6:000 cavallos, e hoje apenas 3:000, mas este numero parece o sufficiente.

Ora, attendendo á unidade da instrucção, considerando que o governo, pedindo a auctorisação que este projecto lhe concede, não ha de usar della com imprudencia, mas antes com toda a circumscripção como o governo declarou na commissão, e visto que o sr. ministro da fazenda não considera gravosa para o thesouro a somma de 68:000$000 réis, julgo que a camara não deve ter a menor duvida em o approvar.

Eu desejaria responder a todos os pontos que foram tocados pelo digno par, mas s, exa. disse tanta cousa, e é tão versado em assumptos militares, que se me torna impossivel acompanhal-o em todas as suas considerações.

(Áparte que se não ouviu.)

Repara o digno par em que os officiaes vão fazer tirocinio. O tirocinio tem hoje todos os capitães para passarem ao posto de major; a respeito, porém, dos officiaes do estado maior, comquanto já tenham na escola do exercito as primeiras lições de esgrima e de equitação, é tão indispensavel ao seu serviço o serem excellentes cavalleiros, que o exercicio a cavallo lhes deve ser continuado tanto quanto for possivel.

A lei que se discute não é completamente preceptiva, mas apenas uma auctorisação, e a intelligencia reconhecida do sr. ministro da guerra, não realisará senão o necessario, e conformo o regulamento que ainda ha de, por certo, meditar.

O sr. Vaz Preto: - Eu referia-me ao corpo do estado maior.

O sr. Palmeirim: - O ensino especial dá-se na escola do exercito. N'esta de cavallaria, só haverá o complementar e pratico da arma.

Finalmente, repito, a despeza que traz este projecto não me parece que possa subir tão alto como ouvi aqui calcular. Alem dos 6:000$000 réis para as despezas de installação, não me parece que o ensino que vae ministrar a escola de cavallaria custe cento e tantos contos de réis, como disse o sr. Vaz Preto.

Segundo os dados que tenho, a despeza com a escola será apenas de 68:000$000 réis, segundo a nota official que tenho presente.

O sr. Vaz Preto: - Eu não quero embaraçar o debate e começo por agradecer ao sr. relator da commissão o ter tido a bondade de me responder; e tanto mais me foi agradavel ouvir as suas palavras, quanto ellas me foram conformes com a minha opinião, e estão em diametral opposição com as do sr. presidente do conselho.

Desejava, pois, que o sr. Fontes se pozesse de accordo e em harmonia com o sr. relator da commissão para se não dar o triste espectaculo de continuar a ser combatido por elle.

O sr. Conde de Bomfim: - Sr. presidente, pouco passo acrescentar ao que disse o sr. relator da commissão, e depois da eloquente defeza d'esta medida, que fez o illusttre presidente do conselho de ministros.

Eu sou official de cavallaria, e não me soffreu o animo deixar passar este projecto sem fazer algumas reflexões sobre elle.

Os dignos pares que me precederam, combatendo a creação da escola, pretenderam mostrar que a arma de cavallaria tem perdido muito da sua antiga importancia; mas parece-me infundada esta asserção, o que se prova pelos seus brilhantes feitos nas ultimas guerras, e porque as nações mais militares têem depois d'isso augmentado muito a sua cavallaria.

Alem d'isto os principaes argumentos contra a escola são fundados, em que vae ser mais uma grande e desnecessaria despeza.

Eu sei que resulta uma grande perda de cavallos, e que nada é mais prejudicial do que ensinar nos picadeiros dos regimentos os potros e recrutas, no que só empregara diariamente mais de vinte a trinta cavallos em cada corpo, que não só ficam impossibilitados n'esses dias para outro qualquer serviço, mas inteiramente estragados no fim de poucos mezes; por consequencia o argumento do digno par, conde de Cavalleiros, com relação ao custo de cada cavallo, e ao que se gasta com elle, procede a favor do estabelecimento d'este deposito e prova ainda mais a utilidade e economia que d'elle resultam.

Sr. presidente, eu teria muitas mais considerações a fazer sobre este assumpto, se a sessão não fosse já tão adiantada, e eu não tivesse ainda grande difficuldade em fallar;

Página 647

DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO 647

portanto, concluo que, seja qual for a despeza da esco a, qualquer medida n'este sentido é uma verdadeira econom ia e por isso voto a favor do projecto.

O sr. Visconde da Silva Carvalho: - Peço a v. exa. que queira ter a bondade de consultar a camara se quer que se prorogue a sessão até ás cinco horas.

O sr. Presidente: - O sr. visconde da Silva Carvalho pede que se prorogue a sessão até ás cinco horas. Os dignos pares que approvam este pedido tenham a bondade, de se levantar.

Foi approvado.

O sr. Costa Lobo: - Não approva este projecto. Não se oppõe ao estabelecimento de uma escola que tivesse por fim formar instructores de equitação e de esgrima, ou até mesmo que desse esse ensino, a todos os recrutas da cavallaria, e na qual se domesticassem e adestrassem todos os cavallos do exercito. Mas a escola, tal como se propõe, comprehende todos os estudos theoricos e praticos da arma de cavallaria? São estes estudos o objecto proprio da escola do exercito. Já ahi se aprendem. E no caso que importe-dar-lhes mais especial desenvolvimento, bastaria crear na dita escola um curso collateral. D'esta maneira se conciliaria a economia com a maxima utilidade, a escola do exercito seria completa no seu ensino, e não haveria duplicação de instrucção e de professores.

O orador entende que o paiz não deve descurar a sua defeza, e não compartilha a confiança d'aquelles que ò julgam a salvo de todos os perigos. Não receia que o paiz seja avassallado, mas quer que elle esteja no caso de manter a inviolabilidade do seu territorio, e de rechaçar qualquer insulto á honra nacional. Por isso votou com intima convicção as despezas com o armamento, com os torpedos e com as fortificações de Lisboa.

Mas ao mesmo tempo entende que a solidez dá fazenda publica e a severa economia são um poderoso instrumento bellico. E citou o exemplo da Prussia, que deveu á sua parcimonia e rigidez financeira o ter-se elevado, em dois seculos, de um pobre e exiguo principado a primeira potencia militar e á hegemonia da Allemanha, tendo vencido estados opulentos e muito mais populosos.

O sr. Sousa Pinto: - Tendo eu assignado com declação o parecer que se está discutindo, cumpre-me expor as rasões que tive para assim o fazer. Por motivos imperiosos não pude comparecer á sessão de hontem, e é por esta causa que não pude acompanhar a discussão do projecto, nem tomar parte n'ella, para apresentar as explicações a que me obrigou o voto que dei na commissão. Fal-o-hei hoje em breves palavras, pedindo desde já desculpa á camara pelo tempo que lhe vou tomar.

A escola que por este projecto se cria, tem por fim instruir, ou para melhor dizer, completar a instrucção dos officiaes de cavallaria, preparar instructores, ensinar os recrutas destinados á mesma arma, e ainda outros misteres que ali se designam.

Não desconheço que a arma de cavallaria precisa de um ensino muito aturado, e de uma instrucção mais completa do que tem tido até hoje, porque na moderna arte da guerra a sua missão póde comparar-se ao serviço do corpo do estado maior, que é importantissimo em campanha, como todos sabem.

Um general distincto chamou aos officiaes do corpo do estado maior os olhos e os braços do general em chefe, e quasi que se póde dizer o mesmo com relação á cavallaria pelo serviço a que hoje é destinada na guerra.

E a ella que se confia a exploração do campo, a observação do inimigo, e outras importantes commissões cujo resultado póde influir poderosamente no movimento dos exercitos e na sorte dos combates.

É preciso, pois, ministrar uma instrucção variada, tanto theorica, como pratica, aos officiaes de cavallaria, e instruir mais cuidadosamente entre os soldados.

N'esta conformidade não me opponho a que se estabeleça uma escola de cavallaria, nem como general deveria fazel-o; mas devo confessar que, sendo o nosso exercito muito pequeno, offerece se-me duvida ácerca de onde sairão as praças que hão de formar a parte permanente do deposito, e que sobe a 500 homens.

No penultimo artigo do projecto que se discute diz-se que a força não será augmentada com a creação do deposito, e, sendo assim, hão de as 500 praças sair provavelmente das que são destinadas para os corpos d'esta arma, e isto trará, como adiante direi, grande diminuição na força dos regimentos; e parece-me, portanto, que não devemos sacrificar a força de todos os corpos d'esta arma á creação da escola.

É este o embaraço que encontro na formação do deposito.

O exercito compõ-se, em pé de paz, de 30:000 homens, e destes devem pertencer á arma de cavallaria sómente 3:184; mas como o governo apenas tem auctorisação para 23:000 praças de pret, não poderão pertencer á cavallaria meis de 2:440.

Ora tirando-se-lhe 1:000, que são 500 para o quadro permanente do deposito, e 500 que são os recrutas que para ali vão instruir-se (e é bem de ver que serão, termo medio, 500, porque o renovo annual é de 1:000, e a aprendizagem de seis mezes), dá tudo isto as 1:000 praças que devem ir receber a instrucção e compor o - quadro da escola; ficam para toda a arma de cavallaria apenas 1:440 praças, isto é, 180 por cada regimento. Parece-me isto muito pouco.

Se quizermos tirar aquelle numero de homens á infanteria, para não prejudicar a cavallaria ficâmos quasi no mesmo caso, porque se prejudica esta outra arma, que tambem não tem força sufficiente para o serviço, como tive occasião de ver no anno proximo passado, pela difficuldade que encontrei em reunir a força necessaria para os exercicios na epoca propria.

O deposito de cavallaria, creado em 1868, era em proporções mais limitadas; sendo, todavia, muito parecido com o actual, e satisfazia pouco mais ou menos ao fim a que hoje se pretende chegar, que é o aperfeiçoamento da arma. Mas um deposito com as proporções do que se pretende crear, dá em resultado a diminuição da força dos corpos de cavallaria.

Foi esta a duvida que se me apresentou, e no que desejo ser esclarecido.

Quanto á idéa geral do projecto, approvo-a como estabelecimento de uma escola de cavallaria, porem nos termos respectivos á força do exercito que nos é permittido sustentar.

O sr. Presidente do Conselho de Ministros: - O digno par que acaba de fallar, não impugnou a creação de uma escola de cavallaria, mas sente que ella seja organisada de modo que a cavallaria fique sacrificada a essa escola.

Desejo, portanto, dar algumas explicações para provar a s. exa., e convencer a camara, de que não é meu intento, nem se acha disposição alguma no projecto, que possa levar á conclusão apresentada por s. exa.

Não se pretende sacrificar a cavallaria á escola; mas, ao contrario, pretende-se crear uma escola para beneficiar a cavallaria, o que é cousa muito diversa.

Imagina o digno par que, pelas disposições deste projecto, se pretende diminuir a força effectiva dos corpos de cavallaria para ter completo o quadro da escola, e que se ha de ir Buscar aos regimentos de cavallaria, ou mesmo de infanteria, o numero de praças necessario para compor a escola? De certo que não é essa a idéa do projecto.

O governo não pôde, por uma disposição aqui consignada, augmentar o numero de praças de pret, cujo pagamento está auctorisado; mas o digno par sabe perfeitamente que eu estou auctorisado a ter em serviço mais 2:000 homens, alem dos 21:000 que s. exa. propoz quando ministro. Com

Página 648

648 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

estes 2:000 homens tenho de sobra para completar a escola, e ainda fica muita gente.

O digno par disse que havia 2:400 homens de cavallaria, e que, calculando em 1:000 o numero de praças que devem existir no deposito, ficavam apenas 1:400 homens distribuidos pelos corpos de cavallaria. Ora isto não é exacto. Não ha 2:400 homens de cavallaria; ha mais; e basta ver o orçamento, para se conhecer a verdade do que digo.

Segundo a lei da organisação do exercito, o quadro de cada regimento de cavallaria, em pé de paz, marca 317 cavallos, que, multiplicados por oito, que tantos são os regimentos d'esta arma, dá 2:536 cavallos.

E como o numero de homens é maior que o de cavallos, como acontece na cavallaria de todos os exercitos, está claro, que não ha só os 2:400 homens de que fallou. o digno par, mas os tres mil e tantos que vem mencionados no orçamento.

Já se vê, portanto, que o calculo feito pelo digno par não é rigorosamente exacto.

Se eu tivesse a intenção de proceder do mesmo modo por que se procedeu em 1868, para a organisação do deposito de Torres Novas; isto é, se eu quizesse eliminar um regimento, para crear a escola, então tinha o digno par rasão. Mas não é esse o meu fim.

Os dignos pares que têem combatido o projecto, collocaram-se, em alguns pontos da sua discussão, no terreno da verdade quando disseram que e mais um regimento do cavallaria que se vae crear.

É verdade. É mais um regimento; mas um regimento escola, onde se ha de dar a instrucção theorica e pratica aos officiaes inferiores para o posto de alferes, aos alferes graduados que hão de passar á effectividade do posto, aos candidatos aos logares de picadores, etc.

Por consequencia a minha intenção e deixar os oito regimentos de cavallaria sem lhes tirar ninguem, e completar a escola com o numero de praças de pret necessario, comtanto que não haja na effectividade de serviço mais de 23:000 homens, que é o numero auctorisado pelo orçamento.

Portanto, desde o momento que a lei auctorisa a creação da escola, eu posso, dos 2:000 homens que pedi a mais, e de que as côrtes auctorisaram o pagamento, tirar os 582 homens para ter completos os esquadrões da escola.

Em vista d'isto, eu peco ao digno par, o sr. Sousa Pinto, que reflicta bem sobre a intenção do governo, e que attenda ao modo por que está organisado o projecto.

Não se trata de prejudicar os corpos de cavallaria; pois apesar de termos, pelas necessidades financeiras, de licenciar um certo numero de praças, ainda assim, com o quadro que actualmente temos, fica-nos o sufficiente para constituir o pessoal da escola.

Eu chamo a attenção de s. exa. para este ponto, fazendo ao seu zêlo e intelligencia a devida justiça.

Foi s. exa., quando ministro da guerra, que, rectificando o orçamento, augmentou em mais 3:000 o numero das praças descriptas, approximando-se assim da verdade.

O digno par entendeu que eram necessarios para o serviço 21:000 homens, e para este fim augmentou 3:000 praças ás descriptas no orçamento anterior.

Eu, pela minha parte, entendo que são necessarias 23:000, isto é, mais 2:000 praças, e com isto tenho a certeza de poder prover o deposito de cavallaria.

Eu não tenho respondido a todos os dignos pares que teem fallado sobre o assumpto, porque não desejo protrahir o debate; peço a s. exas. que não tomem por menos respeito e consideração para com as suas pessoas e opiniões este facto; mas não posso deixar de ponderar ao sr. Costa Lobo, que estranhou a quantidade de disciplinas que se pretendem ensinar aos officiaes inferiores, e alferes graduados que devem passar aos quadros, e para isso peço licença a s. exa. para ler o que na escola de Saumur se exige dos sargentos que pretendem ascender ao posto de alferes.

(Leu.)

Mais ainda.

(Leu.)

Está claro que estas disposições têem de vir juntas debaixo do mesmo capitulo, separadas por differentes numeros, pois não ha outro modo de as fixar na lei.

Aqui tem o digno par a rasão por que se vê no quadro dos estudos da escola, sob o mesmo capitulo, assumptos que são completamente estranhos uns aos outros, uns praticos, outros theoricos; mas esses mesmos theoricos são as theorias dos assumptos praticos, permitta-se-me a expressão, que não é rigorosamente exacta, mas que dá a idéa do meu pensamento.

Não se vão lá ensinar as mathematiças, nem os problemas transcendentes, mas ensinam-se um certo numero de doutrinas theoricas, e que applicadas tem praticamente um fim especial.

Dito isto, sr. presidente, eu creio que a camara não levará a mal que eu não desenvolva mais largamente as minhas opiniões.

É a terceira vez que fallo nesta materia; não se pôde, portanto, dizer que o meu silencio tem respondido ás observações dos dignos pares; e se os não tenho convencido, é porque não tenho a felicidade de poder levar aos seus espiritos as idéas que dominam no meu, e que formam a minha convicção. É culpa minha, confesso, e de mais ninguem.

A camara fará justiça a todos, e resolverá na sua sabedoria o que julgar mais conveniente.

O sr. Marquez de Sabugosa: - Sr. presidente, o anno parlamentar vae já adiantado, e tem sido fertil em acontecimentos na verdade notaveis. Um d'esses acontecimentos foi haver duas opiniões completamente contrarias nas duas casas do parlamento, e porque essas opiniões eram contrarias concluiu-se uma e a mesma cousa!

Isto é um acontecimento notavel nos fastos parlamentares, e tão notavel que o sr. Fontes chegou a dizer nesta casa, que podia haver uma commissão mixta por causa d'essa divergencia das duas casas do parlamento, por isso que considerando se nesta casa a maioridade legal ser aos vinte e um annos, e na outra casa reputar-se aos vinte e cinco, comtudo concluiu-se que não se devia inserir na lei nada a este respeito.

Portanto, já se vê que se tirou a mesma conclusão de duas opiniões contrarias, e embora a opinião do governo fique consignada em documentos authenticos, todavia a lei não traz nenhuma disposição que esclareça os tribunaes, as commissões de recenseamento, e finalmente o paiz sobre um ponto de tanta importancia.

Agora apparece outra cousa tambem digna de menção. O sr. Fontes diz que vae arranjar mais um corpo de cavallaria dentro do mesmo numero de praças que o orçamento lhe concede.

Ora, s. exa. não póde fazer isso s"m tirar um certo numero de praças a cada corpo, não póde ser de outro modo, porque uma vez que vamos ter nove corpos de cavallaria, em logar de oito, necessariamente ha de diminuir o pessoal d'esses oito corpos para formar o nono, a não ser que queira sair dos limites que lhe marca o orçamento.

Assim, pois, vae-se diminuir o numero de praças que tem cada corpo de cavallaria, e cria-se mais um estado maior; mas, diz s. exa. que já de prevenção tinha pedido mais 2:000 homens do que pedira o seu antecessor, o sr. Sousa Pinto, isto quer dizer que o sr. Fontes já tinha em mente a creação da escola quando fez aquelle pedido. Mas admittindo mesmo que esses 2:000 homens sejam a mais do numero de praças que o sr. Sousa Pinto julgou sufficiente, parece-me que a differença não vae alterar muito os calculos d'este digno par.

Sr. presidente, se a força de cavallaria não é de 2:400 homens, como disse o sr. Sousa Pinto, mas de 3:000, como disse o illustre relator da commissão; ainda assim, tendo

Página 649

DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO 649

esses 3:000 homens de estar só tres annos no serviço, é claro que annualmente ha de haver uma entrada de 1:000 recrutas no deposito.

Parece-me que isto não tem replica.

Sr. presidente, o sr. Sousa Pinto é natural que ratifique o que disse, e apresente ao sr. ministro as suas observações baseadas em conhecimentos solidos. É natural que o faca, e por consequencia neste terreno não continuarei a dizer mais nada.

O meu fim principal, sr. presidente, o motivo que me obrigou a tomar a palavra, é o desejo que eu tenho de fazer uma tregua em politica.

Eu mando para a mesa uma moção de adiamento.

Ora, sr. presidente, a não ser o sr. presidente do conselho, que, como auctor do projecto que estamos discutindo, é natural que lhe consagre um grande amor, a não ser s. exa., ninguem mais o tem defendido n'esta casa.

O sr. relator da commissão mesmo não o defende, fez observações muito judiciosas, observações que nos illustraram muito, mas não defendeu o projecto.

S. exa. mostrou a necessidade que ha da creação de uma escola para instructores, e demonstrou, com auctoridade, que o ensino dos corpos é que é o verdadeiro. Foi o que s. exa. disse. S. exa. prestou muitos esclarecimentos e deu muitas informações, mas não defendeu o projecto. Esta é que é a verdade.

N'estas circumstancias não havendo quem defenda o projecto, e havendo militares que, como o sr. Sousa Pinto, mostram a inconveniencia que resulta da creação desta escola, desejava retirar o que houvesse de politica nisto, para ficarem subsistindo as considerações que fez o sr. Sousa Pinto a respeito do deficit, e a respeito do nosso estado financeiro.

Queria que todos, salvas as circumstancias em que nos achamos, attendessem a isto - que não sendo este projecto como não é, necessario para defeza do paiz, visto que o sr. presidente do conselho declarou na outra camara, que se elle não passasse a patria não ficava em perigo; queria que todos, repito, prescindissemos dos nossos caprichos, e fizéssemos uma trégua em politica.

O que fóra d'aqui se ouve é que este projecto não agrada aos militares; a maioria d'esta camara tambem não o quer, acceita-o unicamente pelo motivo da confiança politica. Separemos esta questão. Apresente a maioria uma moção de adiamento, que n'esse caso pedirei para retirar a que mandei para a mesa.

O sr. Conde do Casal Ribeiro: - Peço a v. exa. que me conceda a palavra antes de se fechar a sessão.

O sr. Sousa Pinto: - A minha duvida versava sobre o receio de que os corpos de cavallaria ficassem sem o numero de praças necessarias para o serviço que lhes é commettido, e n'esse caso seria então melhor licencial-as do que despender o thesouro com o seu entretenimento as verbas que lhes são votadas no orçamento, sem vantagem alguma para o paiz. Com as explicações que o sr. presidente do conselho de ministros acaba de dar, fica-se sabendo que os corpos de cavallaria se conservam como estão, e que a força permanente do deposito sairá da força geral do exercito.

O sr. presidente do conselho fallou tambem nos 2:000 homens que foram auctorisados alem dos 21:000 que eu pedi quando era ministro da guerra, e perguntou se n'estes 2:000 homens se não acham incluidos 500 de que precisa, assim como se admirou que eu não me recordasse que os corpos de cavallaria têem proximamente 400 praças de pret e 317 cavallos.

Ora, sr. presidente, a força de 3:184 praças de cavallaria, que é a que dá para cada regimento proximamente 400 praças, e a que o sr. ministro da guerra se referiu, sómente se obtem com o exercito no estado completo de pé de paz, que é de 30:000 homens de todas as armas, porque quando tem 23:000 como actualmente, só lhe pertence, na devida proporção, 2:440; e quando fosse de 21:000, ainda seria menos o que lhe caberia.

Não tendo nós aquella força, e indo tirar aos 2:000 homens pedidos a mais o numero de praças necessario para completar a escola, parece-me que o prejuizo deverá recair evidentemente nas outras armas, porque dos 2:000 homens cabem só proporcionalmente á cavallaria 200, e não sei como se possa distribuir por uma arma o que diz respeito ao quadro do exercito na hypothese de elle ter os 30:000 homens, possuindo sómente 23:000, a não ser á custa das outras armas que isto se faça.

Devo lembrar que já d batalhão de engenheria tem a força relativa ao quadro do pé de guerra, pelo poderoso motivo de serem necessarias praças desta arma para os trabalhos das fortificações, e tudo isto vae pesar sobre a infanteria. Não sei se me explico bem. Tendo o governo 23:000 homens, não póde dar á cavallaria 3:184 praças, porque, para o fazer, ha de ir tiral-as, na parte que excede ao que proporcionalmente lhe pertence, ás outras armas, e d'estas não se póde ir buscar a referida força senão á infanteria; mas, sendo assim, tambem ha grave inconveniencia, porque esta não tem a gente indispensavel para os exercicios e mais serviço a que é obrigada, e a pouca força que tem está disseminada pelo paiz em destacamentos, que é impossivel dispensar. Por mais que se pretenda alcançar a dinuição do numero de destacamentos, nada se poderá conseguir, porque estão sendo constantemente reclamados pelas auctoridades, que não. se julgam com força senão quando á retaguarda da facha acham as bayonetas; de fórma que póde sem receio dizer-se que a infanteria carece tanto de soldados como a cavallaria.

Parece o caso da manta do pobre, que quando cobre os hombros descobre os pés, e vice-versa.

Respondendo agora á segunda pergunta, offerece-se-me dizer que bem sei que pertencem a cada corpo de cavallaria 317 cavallos e 400 praças proximamente; mas, se eu continuasse á frente dos negocios da guerra, não teria esse numero nos corpos de cavallaria, porque elle corresponde á força effectiva de um exercito de 30:000 homens, e não á de um de 21:000. Sendo a auctorisação que eu pedi unicamente para este numero de praças, haviam de ser reduzidos os corpos áquelle que lhes competisse segundo a base adoptada; e como receiasse que das 2:440 saissem as 1:000 que são destinadas para a escola, votei com declaração sobre o projecto que se discute, por me parecer que para se organisar assim o deposito seria necessario diminuir por tal fórma os corpos de cavallaria que equivaleria a licencial-os. Vistas, porém, as explicações do sr. ministro da guerra, declaro-me satisfeito, e não tenho, portanto, duvida em approvar o projecto para a creação da escola de cavallaria.

O sr. Presidente: - A proposta de adiamento, que o sr. marquez de Sabugosa mandou para a mesa, tem de ser votada antes da generalidade do projecto.

O digno par propõe: que o projecto seja adiado para se tomar em consideração quando se discutir a organisação do exercito que o governo prometteu apresentar ás côrtes.

Os dignos pares que approvam esta proposta...

O sr. Marquez de Sabugosa: - Eu pedia a v. exa. que mandasse ler os considerandos da minha proposta.

O sr. Presidente: - Não tenho duvida em que se leiam os considerandos, mas o que se vota é a proposta.

(Leu.)

Os dignos pares que approvam o adiamento proposto pelo sr. marquez de Sabugosa, tenham a Bondade de se levantar.

Não foi approvado.

O sr. Presidente: - Os dignos pares que approvam na sua generalidade o projecto que tem. estado em discussão...

O sr. Marquez de Sabugosa: - Se ainda é possivel

Página 650

650 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

requeiro votação nominal sobre a generalidade do projecto.

Vozes: - Não póde ser.

O sr. Marquez de Sabugosa: - Bem, bem! Voto tudo quanto a maioria quizer.

O sr. Presidente: - Peco licença ao sr. marquez de Sabugosa para lhe dizer que a camara ainda se não pronunciou sobre o seu requerimento, e por isso não póde s. exa. tomar algumas interrupções, que acaba, de ouvir, como a expressão do voto da maioria.

Para que não haja, porém, a este respeito o menor equivoco, vou consultar de novo a camara sobre a proposto, de adiamento.

Os dignos pares que approvam a proposta mandada para a mesa pelo sr. marquez de Sabugosa, tenham a bondade de se levantar.

Verificou-se a votação. Achavam-se de pé 10 dignos pares.

O sr. Presidente: - Os dignos pares que não approvam esta proposta, tenham a bondade de se levantar.

Verificou-se a votação.

O sr. Presidente: - Estão de pé 33 dignos pares. Parece-me, pois, evidente que foi rejeitada a proposta de adiamento feita pelo sr. marquez de Sabugosa.

O sr. Marquez de Sabugosa: - Posso requerer votação nominal sobre a generalidade do projecto?

O sr. Presidente: - Póde, sim, senhor. O sr. marquez de Sabugosa pede votação nominal sobre a generalidade do projecto.

Os dignos pares que são d'este votos tenham a bondade de se levantar.

Foi approvado.

O sr. Visconde de Chancelleiros: - Pois o governo vota a favor da proposta do sr. marquez de Sabugosa?

O sr. Presidente do Conselho de Ministros: - Sim, senhor.

O sr. Visconde de Chancelleiros: - Peço a v. exa. que verifique novamente a votação.

O sr. Presidente: - Os dignos pares que approvam que a votação sobre a generalidade do projecto seja nominal, tenham a bondade de se levantar.

Verificou-se a votação.

Achavam-se de pé 25 dignos pares.

O sr. Presidente: - Peço aos dignos que são de voto contrario, tenham a bondade de se levantar.

Verificou-se estarem de pé 18 dignos pares.

O sr. Presidente: - Foi approvado por 20 dignos pares contra 18, que a votação se faça nominalmente.

Vae proceder-se á chamada.

Disseram approvo os dignos pares: Marquezes, de Fronteira, de Monfalim e de Vianna; Condes, de Bom Sm, de Cabral, do Casal Ribeiro, de Fonte Nova, da Louzã e de Paraty; Viscondes, de Alves de Sá, de Bivar, dos Olivaes, de Porto Covo, da Praia, da Praia Grande, de Seisal e da Silva Carvalho: D. Affonso de Serpa, Agostinho Ornellas, Mello e Carvalho, Barros e Sá, Mello e Saldanha, Fontes Pereira de Mello, Paiva Pereira, Barjona de Freitas, Xavier Palmeirim, Larcher, Andrade Corvo, Mamede, Franzini, Duque d'Avila e de Bolama (presidente), Visconde de Soares Franco (primeiro secretario) e Eduardo Montufar Barreiros (segundo secretario).

Disseram rejeito os dignos pares: Marquezes, de Sabugosa e de Vallada; Condes, de Cavalleiros e da Ribeira Grande; Viscondes, de Chancelleiros e de Fonte Arcada; Costa Lobo, Xavier da Silva, Braamcamp e Vaz Preto.

Foi approvado por 33 votos contra 10.

O sr. Presidente: - Está approvada a generalidade do projecto por 33 votos contra 10.

Passâmos á discussão na especialidade.

O sr. Vaz Preto: - Peço a palavra.

O sr. Presidente: - Tem o digno par a palavra.

O sr. Vaz Preto: - Eu pedi a palavra para mandar para a mesa um additamento ao artigo 1.°

Chamo a attenção do sr. presidente do conselho. S. exa. declarou que, em vista dos calculos feitos no ministerio da guerra, não se gastarão mais com esta escola do que 68:000$000 réis.

É necessario, pois, que fique bem consignada esta declaração, porque nós precisâmos circumscrever o mais possivel as despezas. Sigamos os bons exemplos, sigamos o exemplo do que se esta fazendo por toda a parte onde ha juizo e bom senso. Na Inglaterra ultimamente contratou-se um grande emprestimo, e apesar dos seus grandes recursos financeiros não recorreu ao credito sem ir immediatamente procurar a fonte de receita, com a qual fizesse face a similhante despeza. O emprestimo parece-me que era de 7 milhões de libras esterlinas; e o governo, para occorrer aos encargos que d'elle haviam de advir ao thesouro, lançou mais dois penes sobre o imposto de renda, sobre o income tax; e por esta fórma dentro em seis mezez ficará liberto d'aquelle onus.

Entre nós não se procede d'este modo. O governo augmenta a despeza conforme lhe parece, e depois apresenta o orçamento rectificado com 4 000:000$000 réis de deficit sem se lhe importar de onde ha de vir a receita para lhe acudir. Tambem era conveniente que ficasse bem claro e explicado como, em vista do projecto, póde crear-se a escola e não alterar a força nos corpos. Eu desejava, pois, que o sr. presidente do conselho explicasse como é que a força dos corpos fica sendo a mesma, se s. exa. lhes vae tirar o numero de praças de que necessita para organisar a escola.

Eu insisto pela explicação d'esta duvida, porque as declarações do sr. presidente do conselho na outra casa do parlamento foram de que a força do exercito ficava a mesma, e de que as praças de pret recebiam o soldo como pertencendo ao exercito.

Sendo isto assim, não sei como formar a escola, e formada ella não sei qual seja a verba destinada a pagar-lhe.

Isto, sr. presidente, parece-me claro e evidente.

Não nos illudamos.

Isto significa que a vontade de sr. ministro da guerra está acima de todas as leis.

A lei estabelece que a força do exercito seja de 23:000 homens, e o sr. ministro declara que d'esta força é que se hão de tirar as praças de pret para a escola; o que prova que s. exa. não quer conservar os 23:000 homens que foram votados para o exercito, e, portanto, que o artigo 14.° deste projecto não é só uma inutilidade, é mais do que isso - é letra morta.

Por este systema que está seguindo o sr. Fontes a arma de infanteria, que tem sido muito prejudicada nas promoções, continua ainda mais a sel-o com a creação da escola, o que equivale a um novo regimento de cavallaria.

Sr. presidente, para v. exa. e a camara saberem como as cousas no ministerio da guerra correm á revelia, basta fazer notar á camara que a força de cavallaria para um exercito de 23:000 homens deve ser 2:500 homens; apesar d'isso, nos, corpos ha 1:000 homens a mais!

Eu julgava, sr. presidente, que as leis eram feitas para se cumprirem, e que os governos deveriam ser os primeiros a acatal-as. Enganei-me: pela declaração do sr. ministro da guerra, que affirma que a cavallaria continuará a ter maior numero de soldados do que aquelle que lhe pertence em virtude da lei, se reconhece que para elle a unica lei é a sua vontade. Consente-o a camara? Mais tarde lhe achará as consequencias.

Sr. presidente, se a vontade e o arbitrio do sr. ministro da guerra é que regulam, era desnecessario vir pedir á camara esta auctorisação, visto que s. exa. faz o que entende, e interpreta as leis existentes como lhe convem.

Mando, pois, para a mesa o meu additamento, que é o seguinte:

"É o governo auctorisado a organisar uma escola de ca-

Página 651

DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO 651

vallaria, não excedendo a verba de 68:000$000 réis com o pessoal, a qual terá por objecto... = Vaz Preto.

Este additamento não é senão a, expressão do que affirmou. o sr. ministro da guerra.

Eu já demonstrei, em virtude dá tabella, que a despeza que ha a fazer com este deposito não são 68:000$000 réis, mas 90:000$000 réis, fóra as despezas de installação, de movimento de recrutas e de cavallos que vão para o deposito e d'ali são distribuidos para os corpos.

N'este presupposto sobe a cento e tantos contos, maior do que a que se fez com o nosso primeiro estabelecimento scientifico - a universidade.

É necessario que isto se fique sabendo, porque quero para o anno, se se organisar a escola, mostrar bem claramente á camara, que todas as affirmações que aqui tenho feito se realisaram, e que não vim para aqui avançar asserções inexactas.

Leu-se na mesa o additamento e foi admittido á discussão.

O sr. Presidente: - Já deu a hora; mas o sr. conde de Casal Ribeiro pediu a palavra para antes de se fechara sessão.

Porém vou primeiro consultar a camara sobre uma questão, importante.

Ámanhã é o ultimo dia de sessão, e como ha ainda alguns projectos a discutir, proponho por isso á camara que a sessão comece ao meio dia.

Consultada a camara, resolveu affirmativamente.

O sr. Presidente do Conselho de Ministros: - Pedi a palavra para fazer uma simples declaração, em resposta ao digno par que acabou de fallar.

Em primeiro logar, devo dizer que não posso acceitar o additamento que s. exa. mandou para a mesa; e em segundo logar, que não julgo necessario fazer maior despeza do que a de 68:000$000 réis, que é a indicada no orçamento, que eu mencionei á camara.

Devo tambem dizer que a força de cavallaria que existe em pé de paz é a que está determinada no orçamento que a camara votou.

O sr. Vaz Preto: - O que eu disse é que a força de cavallaria deve estar em relação com a infanteria e a das outras armas, e que o numero de 2:000 praças de cavallaria é o que corresponde a um exercito de 23:000 homens. Não o disse eu só. Disse-o o sr. Sousa Pinto, que foi ministro da guerra, e a quem todos nós reconhecemos a maior auctoridade em assumptos militares.

O sr. Presidente do Conselho de Ministros: - Eu respondo ao digno par, que a lei não estabelece a força de cavallaria na proporção indicada por s. exa.

O sr. Presidente: - Não ha mais ninguem inscripto sobre o artigo l.° O additamento do sr. Vaz Preto vota-se depois do artigo.

Os dignos pares que approvam o artigo 1.°, tenham a bondade de se levantar.

Foi approvado.

O sr. Presidente: - Vae votar-se o additamento do sr. Vaz Preto.

Posto á votação, foi rejeitado.

O sr. Conde do Casal Ribeiro: - Depois de fazer um elogio caloroso aos dotes oratorios de José Estevão Coelho de Magalhães, e de significar as saudades que por elle sentia, declarou que mandava para a mesa um officio da commissão, que se encarregou de dirigir á sua memoria uma estatua, pedindo a esta camara, como á dos senhores deputados se tinha feito igual pedido, para que determinasse o dia da inauguração da mesma.

O sr. Presidente: - Vae ler-se a communicação mandada para a mesa pelo digno par.

(Leu-se, na mesa um officio, communicando, que se acha prompta e collocada no largo das côrtes a estatua do grande orador José Estevão Coelho de Magalhães, e pedindo para que seja determinado o dia da inauguração, e exposição ao publico da referida estatua.)

O sr. Presidente: - Eu não tive occasião de conferenciar com o sr. presidente da outra camara, mas julgando interpretar os sentimentos de todos, parece-me que a melhor occasião de prestar esse tributo de respeito e de saudade á memoria do grande orador, é de certo ámanhã mesmo, realisando-se a solemnidade depois do encerramento das côrtes.

Estou certo de que os dignos pares concorrerão todos a este acto, contribuindo assim para que elle seja feito de um modo digno do paiz que se honra honrando um dos seus mais illustres filhos, um dos primeiros ornamentos da nossa tribuna parlamentar, (Apoiados geraes.) que uma morte prematura roubou tão cedo á admiração e ao affecto de nós todos, ( Apoiados geraes.)

A sessão ámanhã começa ao meio dia, sendo a ordem do dia a continuação da que estava dada, e mais os pareceres n. os 364, 346, 347, 348, 362 e 288.

Está levantada a sessão.

Eram mais de cinco horas da tarde.

Dignos pares presentes na sessão de 3 de maio de 1878

Exmos. srs. Duque d'Avila e de Bolama; Marquezes, de Fronteira, de Monfalim, de Sabugosa, de Vallada, de Vianna; Condes, de Bertiandos, do Bomfim, de Cabral, do Casal Ribeiro, de Cavalleiros, de Fonte Nova, da Louzã, da Ribeira Grande, de Paraty; Viscondes, de Bivar, Alves de Sá, de Chancelleiros, de Fonte Arcada, dos Olivaes, de Porto Covo, da Praia, da Praia Grande, do Seisal, da Silva Carvalho, de Soares Franco; D. Affonso de Serpa, Mello e Carvalho, Sousa Pinto, Barros e Sá, D. Antonio de Mello, Fontes Pereira de Mello, Paiva Pereira, Serpa Pimentel, Costa Lobo, Xavier da Silva, Palmeirim, Carlos Bento, Eugenio de Almeida, Montufar Barreiros, Larcher, Andrade Corvo, Mamede, Braamcamp, Reis e Vasconcellos, Vaz Preto, Franzini, Menezes Pitta, Pinto Bastos, Ornellas.

Página 652

Descarregar páginas

Página Inicial Inválida
Página Final Inválida

×