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O Sr. Secretario Conde de Mello (leu)

O Sr. Presidente satisfaz ao pedido do Digno Par o Sr. Ferrão, consultando a Camara — se dispensa a impressão deste parecer?

(Dispensada a impressão decidiu-se que entrasse logo em discussão.)

O Sr. Visconde de Fonte Arcada—Eu entendo que é preciso saír deste caminho, isto assim não convem; é necessario que as pessoas que merecerem ser agraciadas com uma pensão, o sejam em virtude de lei. Eu estou persuadido que presentemente hão de haver muitas pessoas que estejam nas mesmas circumstancias destas pensionistas, e a quem a Nação deva compensar igualmente nas familias os serviços de alguns servidores do Estado, que se sacrificaram, fazendo longos e valiosos serviços ao Paiz. Convenho em que as familias que estiverem em taes circumstancias tenham as pensões necessarias para poderem subsistir, quando os bens de fortuna lhe faltarem; mas eu quero que todos devam á lei o que actualmente só devem ao favor dos Srs. Ministros (apoiados). Sem que haja essa lei não voto nenhuma pensão, porque me parece ser este o unico meio de fazer com que o Governo traga ao Parlamento uma lei, que é tão reclamada, e que ha tanto tempo nos foi promettida. É necessario que não dependam do favor dos Ministros estas graças. Pois que! Só as pessoas que vem nessa lista é que tem direito a pensões? Hão de haver immensas no mesmo caso. Lembra-me agora o nome respeitabilissimo de um homem que fez muitos serviços á liberdade do seu Paiz, e que deixou a sua familia em desgraça — fallo do Sr. Filippe Ferreira de Araujo e Castro, o qual tinha duas filhas, que ficaram em extrema pobreza, em empobrecimento, não sei se são vivas, mas se o são é necessario acudir-lhes; assim como estas ha muitas outras. As pensões que se votam agora são as que o Ministerio quer favorecer, e nada mais; do que se devia cuidar primeiro era demarcar as circumstancias em que se deva conceder pensões; por consequencia, pela minha parte, como disse, não voto agora pensão alguma, e desejava que se não votassem nesta occasião, a vêr se assim obrigava-mos o Governo a apresentar quanto antes essa lei, para que se attenda sempre aos serviços das pessoas eminentes, ou que por qualquer modo se tenham distinguido no serviço do seu Paiz.

O Sr. Visconde d'Athoguia sobre a ordem pede ao Sr. Presidente a bondade de o informar se está em discussão este projecto.

O Sr. Presidente declara que está em discussão na sua generalidade, e que depois ha de ser votado separadamente por pensões.

O Sr. Visconde d'Athoguia expõe que o que votara fôra que se dispensasse a impressão, mas desejou saber se estava em discussão, porque deseja que o Sr. Presidente lhe conceda a palavra sobre o projecto.

O Sr. Visconde de Castro — Se este projecto vai soffrer uma longa discussão, então seria melhor passarmos ao objecto da ordem do dia; quando alguns Dignos Pares entenderam que se poderia dispensar o regimento foi porque lhes pareceu que o tempo seria bem aproveitado, porque os Srs. Ministros não fazem favores de pensões, porque seria um attentado gravissimo o trazer ao Parlamento uma pensão que não fosse justificada; a commissão examinou-as escrupulosamente, o não achou uma só que não estivesse nos termos de ser approvada. Em quanto á lei de pensões é verdade que se espera, mas ha quatro annos que se creou uma commissão, sendo Ministro o Sr. Visconde d'Athoguia, e ella ainda não apresentou trabalho algum; quem nos diz que não estará outros quatro annos? Quererá a Camara que estas pobres viuvas ainda se conservem seis ou oito annos sem ter aquelle auxilio, que todas as leis divinas e humanas mandam que se lhes dê? Quando a lei das pensões existir é o Governo quem as decreta; na repartição do correio ha pensões que nem é necessario que o Ministro as decrete, basta que o Sub-Inspector as mande dar em conformidade da lei. Ninguem desconhece que carecemos de uma lei, mas em quanto ella se não faz ha de a infeliz viuva do Conselheiro Gouveia Durão continuar no estado em que se acha ha vinte annos? Ha de a filha do meu benemerito collega o Sr. João Ferreira da Costa Sampayo continuar a estender a mão da penuria aos amigos de seu pai? Isto não póde ser; o que me parece 6 que a Camara poderia votar estas pensões sem escrupulo, porque a commissão examinou conscienciosamente, e a Camara dos Srs. Deputados tambem não teve a menor duvida, sendo, como se diz, quem tem na mão os cordões da bolça do povo.

O Sr. Aguiar—Se sobre este objecto, aliás facil, vai haver uma longa discussão, sou da mesma opinião que o Sr. Visconde de Castro; porém eu julgo que a discussão não póde ser longa. Nesta materia não ha opposição, se o Governo podesse ser censurado seria por não ter decretado ha mais tempo as pensões, que decretou pala consideração de importantes serviços feitos ao Estado, e pelo máo estado de fortuna a que ficaram reduzidas as familias daquelles que os prestaram. As pensões decretadas nesta circumstancia não são actos de graça, são actos de justiça. Um Digno Par, o Sr. Ferrão, pagou um tributo devido á memoria do nosso collega, o Sr. Duarte Leitão, que foi um dos primeiros ornamentos desta Camara e da magistratura portugueza, que serviu os primeiros cargos com distincção, com verdadeira dedicação, e com grande proveito da causa publica, o que além disso, desempenhou diversas e importantes commissões gratuitas, entre as quaes avulta aquella, a que se deve o Código Penal, fructo de muito saber e de muitas vigilias. Eu, seu collega nesta Camara, no Supremo Tribunal de Justiça, e em differentes commissões, faltaria a um dever, se não expozesse succintamente os titulos em que é fundada a pensão decretada para a viuva deste cidadão benemerito, que tanto serviu e honrou o seu paiz (apoiados). Folgo tambem de vêr que o Governo teve em attenção os serviços do Sr. Gouvêa Durão, magistrado distincto pelas suas luzes, pela sua illibada honra, é pela sua imparcialidade na administração da justiça (apoiados).

Aproveito esta occasião para dar um testimunho da consideração que me merecem, e que de certo merecem á Camara os serviços do Visconde de Oliveira, que tendo servido importantes cargos, quasi que não deixou á sua familia se não a memoria dos serviços que fez á causa da liberdade, e do que soffreu por ella em diversas e arriscadas crises (apoiados).

Sr. Presidente, seria para desejar que se tivesse feito uma Lei de pensões, e eu lamento que tendo-se reconhecido constantemente a necessidade della, o corpo legislativo se não tenha ainda occupado deste objecto, lamento o arbitrio, a que a falta desta Lei dá logar. Esta falta é devida ás difficuldades que a materia apresenta, mas tambem o é, (e principalmente) á falta de attenção que se tem dado a este objecto. Ou a Lei se não tenha feito pelas difficuldades que apresenta, ou tenha havido falta de attenção sobre este objecto, é certo que ella não existe; mas seria uma indignidade, que por isso se deixassem morrerá mingoa tantas pessoas infelizes, que nos trazem á memoria tantos e tão valiosos serviços.

Eu, Sr. Presidente, limitei-me a fallar de algumas pensões, por não podér fallar de todas, mas quero que a todas as pessoas a quem se devem conceder pensões, se faça justiça. Tractemos e tractemos agora deste objecto, parece-me que elle não terá longa discussão.

O Sr. Ferrão é de parecer que não ha motivo fundado para fazer opposição ás pensões que o Governo apresenta em conformidade com a Carta Constitucional da monarchia. O dizer-se que não existe uma Lei que regule este objecto, parece-lhe não ser razão para se não approvarem estas. Quando houver essa Lei, ha de ser uma Lei que regule para o futuro as vantagens dos empregados publicos, em conformidade com o serviço especial de cada uma das repartições. Portanto é Lei que não olha para traz. Estas distincções fazem parte do serviço do empregado; assim acontece na Baviera, porque ella alli faz parte das vantagens do empregado publico, e obriga-o a servir com mais zêlo, pois sabe que o estado adopta a sua familia. Agora em quanto ao pretexto a que se allude, a Carta diz, que compete ao Governo aggraciar, mas de modo que não resulte mercê pecuniaria, porque essas só podem ser concedidas pelas Côrtes, excepto quando estiverem determinadas por Lei, e se esta Lei existisse não precisava vir aqui o Governo pedir auctorisação. Por consequencia, não se argumente com a falta de Lei, porque na falta della regulam os principios.

Elle orador tambem quer a Lei, porque convem muito ao serviço publico, que não fiquem dependentes os interessados dos corpos legislativos, porque assim estarão por muitos annos sem se concederem as devidas pensões.

O Sr. Visconde d'Athoguia deseja muito que os tachygraphos escrevam bem o que passa a dizer, porque apesar de ser conhecido, faz impressão lá fôra. Parece aos contribuintes que a concessão de pensões faz augmentar a despeza, e não é assim. Todos os annos ha infelizmente muitas dessas familias desgraçadas que teem pensões e que morrem; estas pensões que vagam dividem-se em duas partes, uma vai para os cofres publicos, e a outra é applicada para a dotação de nova pensionista; e deste modo todos podem ter a certeza que a despeza publica não é augmentada, é sempre diminuida, e sempre ha uma economia.

Pede permissão aos Srs. Ministros para lhes dizer, dizer, e especialmente ao Sr. Ministro da Fazenda, que elle orador acha conveniente que appareça quanto antes uma lei de pensões. S. Ex.ª teve a bondade de acceitar parte n'uma commissão que fôra nomeada pelo Ministerio de que elle orador teve a honra de fazer parte, e nessa occasião elle orador enviou para essa commissão todos os documentos e papeis que havia sobre este objecto. É muito necessario que a dita commissão continue a trabalhar, porque aliás nunca se estabelecerá a Lei que regula este objecto, e sempre haverá duvidas, não porque se julguem as pensões filhas de favor, mas porque no caso destas hão de haver muitas mais, e então o dar a umas e não dar a outras, faz com que projectos desta natureza soffram alguma impugnação.

O Sr. Ministro da Fazenda faz sciente ao Digno Par e á Camara, que já declarou na outra Casa do Parlamento estar quasi prompto o projecto sobre pensões, e se não se apresentou agora foi em consequencia do adiantamento da sessão; mas promette apresenta-lo na sessão seguinte, se tiver a honra de continuar a occupar o logar de Ministro.

O Sr. Presidente pois que mais ninguem está inscripto vai pôr á votação o objecto, mas não sabe se a Camara quererá votar as pensões em globo.

O Sr. Visconde de Fonte Arcada sobre o modo de propôr a votação, é de parecer, que, segundo o regimento, quando a Camara tem de votarem pessoas determinadas, deve a votação ser por espheras.

O Sr. Marquez de Ficalho pede a palavra sobre a ordem.

O Sr. Presidente concede a palavra ao Digno Par.

O Sr. Marquez de Ficalho diz que se a Camara entende em sua consciencia que póde votar estas pensões em globo, por isso mesmo está dispensado o regimento, porque a votação por espheras é quando recahe em determinados individuos. Aqui é uma justiça que se faz a pessoas que estão em certas circumstancias, sem tractar de cada uma em especial. Logo que a votação seja por espheras, diz que se deve tractar de cada uma destas pensionistas em separado, mas se a votação fôr em globo, não deve ser por espheras, porque vota-se o principio, e não a especialidade.

O Sr. Visconde de Fonte Arcada—Para que se não votasse em globo é que pedi se votasse por espheras, porque votando-se em globo não deve ser á votação por espheras, como explicou o Sr. Marquez de Ficalho, e parece-me que era escusada a sua explicação, porque até ahi chego eu; e por isso disse eu a V. Ex.ª que era necessaria a dispensa do regimento quando se votasse em globo, porque elle exige que votando-se sobre negocio pessoal se vote por espheras.

O Sr. Presidente pede ao orador que mande a sua proposta para a Mesa.

O Sr. Visconde de Fonte Arcada—Parece-me que escuso mandar a proposta para a Mesa, porque o regimento assim o determina, e se não faça V. Ex.ª o que quizer; mas parece-me que o regimento diz que quando haja de se votar sobre pessoas certas, seja a votação por espheras.

O Sr. Visconde d'Algés é de parecer que, depois de reclamada a pontual observancia do Regimento, se não deve ir contra ella; e portanto proceda-se já á votação por espheras sobre cada uma das pensões propostas.

O Sr. Presidente expõe que tanto é dessa opinião, que já preveniu o Sr. Secretario.

O Sr. Marquez de Ficalho pede a palavra sobre a ordem.

(O Sr. Presidente concede a palavra.)

O Sr. Marquez de Ficalho disse que logo que houve escrupulo em se dispensar o regimento, entende ser da honra da Camara votar por espheras, como manda o regimento, e sobre cada um dos individuos (apoiados). Mas para não se prorogar a ordem do dia de hoje pede que se reserve esta votação para a primeira parte da ordem do dia da seguinte sessão (apoiados).

O Sr. Presidente propõe a indicação do Digno Par.

Foi approvada.

O Sr. Presidente pois que está approvada passa-se á ordem do dia, e declara que tem a palavra o Sr. Marquez de Ficalho sobre a materia.

ORDEM DO DIA.

Continuação da discussão do parecer n.º 8, sobre o projecto de lei n.º 44.

O Sr. Visconde de Fonte Arcada pede ser inscripto sobre a ordem do dia.

O Sr. Marquez de Ficalho principiou dizendo que na ultima sessão desta Camara pedíra a palavra, apesar de não ter tenção de fallar na generalidade do projecto, mas pedia-a unicamente por lhe parecer conveniente trazer a questão ao seu verdadeiro campo. Não está arrependido de a ter pedido, porque não recua nunca diante dos compromissos que apresenta. Não ia fazer um discurso, porque não é orador; não espere a Camara que entre nos detalhes sobre o estado economico do nosso paiz, porque não é financeiro; mas como se persuade que Deos lhe deu uma razão clara, e os homens lhe deram um logar nesta Camara para fazer uso della, vai dar contas a Deos dos talentos que lhe deu, e aos homens uma prova de que sabe corresponder á sua confiança. Não espere portanto a Camara mais do que uma profissão de fé das suas convicções economicas.

A Camara toda é testimunha de que elle orador é constante na doutrina da liberdade do commercio. Não negou nunca n'uma sessão, nem diante dos seus amigos ou inimigos, que estas doutrinas são as suas; e entende que só por este meio se poderá melhorar a situação do paiz. É advogado tambem de um caminho de ferro que nos ligue com a Hespanha, unica medida a que dá fé para que seja uma verdade. Entende na sua consciencia que um augmento consideravel no tributo directo seria a nossa riqueza, e uma diminuição no tributo indirecto a verdadeira doutrina. Pôde ser que esta doutrina não seja popular: pouco lhe importa; mas deve dizer neste logar a verdade, e só a verdade, e entende que está no seu direito de a dizer (apoiados). O tributo directo deve ser augmentado consideravelmente, porque a nação é pobre porque paga pouco; a nação não comprehende ainda os direitos que dá o systema liberal, porque se não tem querido fazer com que ella os comprehenda; a nação é falta de actividade e de industria, porque se não tem feito esforços para isso. Uma miseria só produz outra miseria.

É possivel que, baixando esta questão para a trazer a um terreno menos elevado, produza não o esfriamento do orador, mas concorra para a menor attenção dos ouvintes; mas o que se perde como orador, ganha-se muitas vezes como homem de consciencia, e alcança-se a impressão que se deseja, ganhando-se a intelligencia, o coração, e a consciencia dos que o escutam. Dê-lhe portanto a Camara licença para contar a sua historia, que é tambem a historia de seus visinhos, e a desta sociedade, a quem a narra.

Contribue elle orador para as despezas publicas pela contribuição directa das suas propriedades ruraes e do sua industria com 500$000 réis. É pobre, porque paga esta miseria; mas no dia seguinte paga 500$000 réis para lhe guardarem as suas propriedades, porque tem nellas nove couteiros, e o Governo não lh'as guarda. É pobre, porque produzindo mil e quinhentas arrobas de carne de boa qualidade, não póde vender nem a quantidade, nem a qualidade, porque perde ambas no caminho, e o marchante lh'a regateia, porque diz ter de perder com a despeza do transito. É pobre, porque não sabe calcular as despezas do municipio, e sabe só que paga derramas fortissimas. Já disse nesta Camara, que para elle orador a religião está acima de tudo, mas na sua freguezia paga cinco congruas, porque nella ha propriedades e não ha freguezes. E não fica nisto, porque depois vai em auxilio da despeza de um canno com varias libras; da limpeza d'uma fonte, das juntas para os presos etc... É pobre, finalmente, porque a riqueza que Deos lhe deu, pedreiras, mármores, boas argilas, cal hydraulica etc.. em nada disto póde tocar por falta de boas vias de communicação. E então por que diz que é pobre? Porque dá ao Governo só 500$000 réis; se desse um 1:500$000 réis, dava tres vezes mais, mas seria mais rico, porque a cousa mais cara que ha é a ausencia de governo.

Pergunta se o projecto de que a Camara se occupa será a negação desta doutrina? Entende que sim. O unico argumento que póde haver a seu favor é chamar-se-lhe um expediente. Acceita, mas quer tambem os expedientes no caminho das sãs doutrinas. Os Srs. Ministros pedem mil contos de réis para estradas, concede-lhes uma quantia maior, mas com a condição de não augmentar a contribuição indirecta.

Força lhe é seguir neste caminho, porque lhe parece o melhor, e tanto isto prova que este projecto é a negação da sua doutrina, e é preciso ter muita coragem para pedir a quatro milhões de almas, em tres mil e duzentas legoas quadradas de superficie, quarenta contos de réis, porque é esta grande quantia que SS. EE. pedem, o mais pedem-no ao tributo indirecto. Conhece perfeitamente que a estrada que o Governo segue não tem tropeços, e está toda trilhada; mas tambem conheço que ella nos conduz á perdição. No outro caminho achou elle orador grandes difficuldades a vencer, porque é preciso atravessar mattas virgens, que só a fogo se poderão tornar transitáveis, e passar rios caudalosos, em que muitos hão de ficar na corrente; mas é o verdadeiro caminho que se devia seguir. Haverão só estes dois caminhos? Não ha outro: e aqui é que elle orador vê em grande risco o projecto do Governo. A outra escóla é a que se sentava do outro lado da Camara.

Permitta-lhe a Camara descer outra vez a contos particulares, porque entende que a historia da familia é a da sociedade em miniatura. Perguntará á Camara se nunca viu um pobre homem sentado á porta da sua choupana, melancolico e triste sem dar uma palavra a sua mulher que lhe pergunta porque lhe não fallou, nem a seus filhos, e lhe diz: «Que tens? vistes passar o rebanho e não olhastes para elle! Que tenho, responde-lhe o marido, tenho que cumprir com os meus contractos e não posso este anno amanhar as vinhas.» E a mulher, um anjo que Deos mandou á terra, que tem direito a ser mais considerada, e melhor comprehendida a sua missão, porque aconselha o homem quando se excede, e o consola e anima nas suas afflicções — diz-lhe: «pois não amanhastes este anno as vinhas, paga agora as tuas dividas, e para o anno Deos dirá:» não diz Deos dará, mas diz Deos dirá. Esta é a escóla da Camara. O caminho é muito mais longo, e tem quasi tantas difficuldades como o que elle orador segue, mas não é o seu: é a escóla do outro lado da Camara, e está no seu direito para ser coherente com a sua doutrina, de dizer também—«se não podemos amanhar avinha, paguemos as nossas dividas.»

Conclue o seu discurso dizendo, que se fosse homem de Estado neste paiz, e se alguma vêr concorresse para os negocios da publica administração, procederia da seguinte fórma: — A industria deste paiz nem a perseguia, nem a ajudava. Com a agricultura teria o mesmo procedimento. O commercio não o perseguia, ajudava-o. Não perseguia nem ajudava a industria e agricultura, porque estimava que fossem caminhando a pouco e pouco, e vivendo antes das suas economias do que de capitães tomados a tal preço que lhes é impossivel pagar os respectivos premios. É facto, porém, que circumstancias particulares convidaram a que se fizesse um esforço muito superior ao que era possivel fazer-se. A agricultura desenvolveu-se em grande escala, com capitães que não eram seus, e por premio» fabulosos: no Algarve, por exemplo, ha dinheiro dado, como lá se diz, a um quarteirão, quer dizer, a 23 por cento! E assim mesmo custa-lhe! a arranja-lo tão barato!

Não perseguia, pelo contrario, ajudava o commercio, porque entende que um paiz é desgraçadissimo quando não tem uma certa porção de homens bastante fortes para lhe acudirem no momento preciso. Os males que resultam da peste, da fome, e da guerra, quem os póde pagar é» paiz, mas ajudado pelas casas fortes. Entende tambem, que a maior parte da nossa fortuna tem entrado pela barra dentro; com quanto o paiz seja desgraçadissimo no que toca ao commercio licito; e é forçoso dizer, que com difficuldade poderá tirar mais de 3 por cento quem fizer um commercio licito (apoiados).

Em vista destas ponderações entende, e o diz com toda a consciencia, que se deve auxiliar o commercio.

Vê-se, pois, que elle orador não póde tirar por conclusão de tudo quanto acaba de produzir, senão, que o projecto de lei em discussão é a negação de todas as suas doutrinas. Como poderá votar mil contos de réis para estradas, e entende que com tal quantia apenas se poderá pôr uma pedra em cada concelho, em vista da distribuição que se fez desta somma?

Como póde acreditar que será bastante a somma de duzentos contos de réis para a edificação de um novo Lazareto, se não se lhe diz aonde elle ha de ser feito, nem o modo como, nem se apresente o plano da obra? Quando entende, que fazendo-se no que hoje existe mais uma duzia de quartos, tornando-o mais confortavel e aceiado, e pondo-se alli uma criada para servir as senhoras (porque quando o orador lá estivera era um gallego que tinha essa incumbência), ficaria assim melhorado, e evitar-se-hia essa despeza que se propõe no projecto em discussão!

Estas são as suas convicções. Se, porém, está em erro desejava ser esclarecido, porque se o fosse, e disso se convencesse, nenhuma duvida tinha em reformar a sua opinião. Espera da bondade do Sr. Ministro da Fazenda, ouvir-lhe declarar se partilha as suas idéas e doutrinas que acabava de enunciar, doutrinas que n'outra occasião apresentára tambem ao seu amigo o Sr. Fontes Pereira de Mello, e que foi antecessor do Sr. Conselheiro Avila na pasta da Fazenda.

Deve porém á lealdade com que procede, dizer a S. Ex.ª, que se não seguir outro systema diverso daquelle porque hoje se regula, ha do cahir: pois então antes se verifique isso no sentido contrario. Caia S. Ex.ª; mas como o paiz não é muito rico de homens como o Sr. Avila, dos quaes ha poucos, cahirá com honra, e levantar-se-ha