DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO 675
á risca, o systema de rejeitar todas as propostas que sejam feitas em harmonia com as suas opiniões de outrora, e de accordo com as suas idéas anteriormente manifestadas. Governar contra os bons principios, coherencia o opinião publica, é já familiar ao sr. presidente do conselho, e não nos deve causar estranheza a nós.
Sr. presidente, declarando de novo que fiz a minha moção sem animo politico, e com o unico intuito de attender ás circumstancias precarias do thesouro, farei mais algumas considerações, a fim de demover o sr. Fontes a acceital-a, e a camara a votal-a.
O sr. Fontes Pereira de Mello não deve estar ainda esquecido, que em circumstancias muito mais prosperas, e mesmo quando os acontecimentos da Europa o reclamavam, em 1872, epocha em que o paiz estava menos onerado e com mais recursos financeiros, o com um deficit relativamente menor, pois era de 3.000:000$000 réis; n'essa epocha, tremia de fazer despezas, porque a opinião publica influia no seu animo, e não se atrevia sequer a apresentar uma proposta para a creação de um regimento de artilheria, que era reclamado, não só pela grande importancia que a artilheria está hoje tendo, mas porque a artilheria não entrava proporcionalmente na força do exercito que tinhamos.
Não obstante esta ultima consideração militar, e a artilheria ter representado o primeiro papel nas ultimas guerras europeias, o sr. presidente do conselho não ousava propor este melhoramento, e pedir esta despeza urgente, e tão reclamada!
As rasões com que o sr. Fontes combateu a minha proposta, alem de serem uma incoherencia manifesta do s. exa., uma contradicção flagrante entre as suas opiniões de 1872, de 1874 e as de hoje, são rasões frivolas e de nenhum peso.
Uma d'essas rasões é que a minha proposta não tem cabida n'este logar, e deve ser guardada e reservada para quando se tratar do orçamento.
Sr. presidente, ainda n'este ponto o sr. Fontes está em contradicção com as suas proprias idéas.
O sr. presidente do conselho, querendo que eu reservasse, para quando se discutisse o orçamento, a questão de que se trata agora, não fazia senão propor um expediente para evitar o tratar d'este assumpto, adiar e illudir a questão.
Parece-me que a occasião propria de tratar um similhante objecto é agora.
A minha opinião firma-se n'outras, insuspeitas e mais auctorisadas. Ainda n'este ponto me escudo com a opinião e voto do sr. presidente do conselho.
Para que esta minha moção não podesse ser rejeitada pelo sr. Fontes, sem manifesto escandalo, redigi-a de fórma que ella não fosse nem mais, nem menos do que a expressão de uma lei que foi apoiada e votada pelo sr. Fontes. A minha moção foi copiada textualmente da lei de 4 de agosto de 1869, apresentada pelo sr. marquez de Sá da Bandeira na outra casa do parlamento, quando presidente do conselho e ministro da guerra, referendada pelo sr. Lobo de Avila, hoje conde de Valbom, que lhe succedeu n'aquella pasta, e approvada e votada pelo sr. Fontes Pereira de Mello.
N'aquella epocha, então, entendia o sr. Fontes que era occasião opportuna e devia discutir-se aquelle assumpto! Hoje, e agora entende s. exa. que esta questão deve ser tratada, quando se discutir o orçamento; que é essa a occasião propria de descer ao seu exame! Que coherencia de convicções!
Que firmeza de principios, que constancia de idéas!
Sr. presidente, a este systema de variar segundo as circumstancias, e o instincto de conservação no governo não ha protesto mais vigoroso do que apresentar ao publico singela e simplesmente os factos taes quaes elles são, e despidos de todos os commentarios.
Em 1869 apoiava e votava o sr. Fontes a minha proposta reconhecendo a necessidade e opportunidade d'ella.
Hoje no seu consulado não a acceita, pede á camara que a rejeite, porque deve ser reservada para o orçamento, onde deve ter cabida!
Não sou eu que combato o sr. Fontes, é s. exa. que se combate a si mesmo; as suas rasões, porém, não têem força, não a podem ter, gela manifesta contradicção dos seus actos e das suas palavras.
Outra rasão, pela qual o sr. Fontes não acceitava a minha proposta, é porque ella era contraria á disciplina nos corpos e instrucção no exercito!
Sr. presidente, admira-me, espanta-me, e causa-me até verdadeiro assombro o a plomo com que o sr. Fontes avança n'esta assembléa uma similhante asserção?
A minha proposta contraria á disciplina e instrucção do exercito!
Porventura o exercito, por ser apenas de 18:000 homens, não poderá instruir-se e alcançar disciplina?
Sr. presidente, esta affirmativa do sr. Fontes alem do absurda é contraria ás suas proprias palavras.
Eu leio de novo um trecho de um discurso bem expressivo, e que ainda ha pouco li á assembléa.
(Leu.)
O trecho que acabo de ler é do sr. Fontes Pereira de Mello, que declara que o exercito, que era então inferior ao de hoje, pois tinha apenas 18:000 homens, tinha instrucção, disciplina!
E s. exa. que declara ainda que tinha passado revista a esse exercito, já em parada, já nos quarteis, e que as tropas portuguezas não envergonhavam o paiz, o estavam a par das estrangeiras!
Sr. presidente, em todos os tempos as tropas portuguezas deram provas de disciplina e de instrucção.
A sua bravura e galhardia não tem sido jámais desmentida.
O soldado portuguez, alem de soffredor, obediente e disciplinado, é valente, bravo e ousado. (Apoiados.)
N'estes assumptos militares tenho sempre acanhamento de emittir a minha opinião, e por isso soccorro-me sempre a auctoridades competentes; e todas as vezes que posso combater o sr. presidente do conselho com as suas proprias opiniões sinto-me satisfeito, porque não tenho receio do parecer ousado, e de querer metter, permitta-se-me a expressão, fouce em seara alheia.
Li, pois, de novo o trecho do discurso do sr. Fontes, que é frisante e concludente.
Por elle não póde haver a mais leve duvida de que o exercito, sendo apenas de 18:000 homens, foi instruido e teve instrucção.
Não sou eu que o attesto, são as palavras acentuadas do sr. Fontes, são os factos contemporaneos, que o comprovam.
Mas suppondo mesmo que a disciplina e a instrucção perigava, ainda assim, appellando para a apreciação do sr. Fontes, sustento facilmente, a minha proposta; pois s. exa. diz, positiva e categoricamente, que ha outra ordem de considerações muito mais elevadas e ponderosas a que o homem d'estado deve attender, e que essas considerações influiram no seu espirito para não elevar a força do exercito, e influiram por tal fórma, que nem se atreveu a propor a creação de um regimento de artilheria que faltava.
Essas ponderações pesaram tanto no espirito do s. exa., que, apesar de estar convencido que com pouco despendio elevar-si-ía o exercito á altura conveniente, tremeu com a idéa de onerar o estado com mais despezas, é não se animou a fazer uma proposta racional e reclamada pelas exigencias militares.
Influenciado então o sr. Fontes por outra ordem do considerações, como homem politico, á frente da governação publica, recuava em 1872 diante do mau estado da fazenda, e não queria tomar sobre si a grande responsabilidade de aggravar essa situação, a qual se afigurava a