676 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO
s exa. tão assustadora e com cores tão carregadas, que já presentia o desmoronamento, a decadencia de Portugal e a perda da sua autonomia.
Parece-me, sr. presidente, que as circumstancias de então eram muito melhores do que são as de hoje.
Então havia um deficit de 3.000:000$000 réis, e hoje temos um deficit de 7.000:000$000 réis.
N'aquella epocha tinhamos muitos recursos que já hoje não temos, e a convicção do sr. presidente do conselho de ministros, de que era necessario governar com a opinião do paiz, e que para lhe pedir sacrificios era preciso dar primeiro provas de economia e de boa administração.
Hoje as circumstancias mudaram, são differentes; faltam-nos recursos, que foram desaproveitados, atravessámos a crise industrial, a crise agricola e a crise commercial, e a par de tudo tivemos de soffrer os estragos da reviravolta do sr. Fontes aos seus instinctos gastadores, e á tendencia de esbanjar o que não é seu.
Portanto, sr. presidente, as rasões que o sr. ministro da guerra acaba de apresentar revelam mais uma vez a contradicção das suas idéas de hoje com as de outros tempos, ou antes que o seu exclusivo pensamento é a sua conservação no poder, embora lhe custe toda a qualidade de humilhação.
Eu confesso que já não entendo o sr. presidente do conselho; tão frisantes e repetidas são as contradicções!
Quando eu fallei da reforma do exercito, que eu julgava de necessidade, debaixo de todos os pontos de vista, e sobretudo para acabar a confusão n'aquelle ramo do serviço publico, onde o sr. Fontes tem feito tudo quanto tem querido; e respondeu-me s. exa., que eu estava enganado se me persuadia que a reforma reduziria os corpos e os quadros.
Não estava enganado então, nem o estou agora.
Sei o comprehendo que o sr. Fontes é incapaz de comprehender e de idear uma reforma com que se simplifiquem os serviços, e em que se gaste menos.
Em 1872 dizia o sr. Fontes que "os quadros do nosso exercito estavam organisados, não para 18:000 homens, mas para 70:000"; e, não obstante, ainda acha muito circumscriptos esses quadros, e queria alargal-os mais!
Não admira, porque, de facto e contra lei, por sua conta propria, o sr. Fontes os tem augmentado, despachando para elles officiaes alem do numero legal, da mesma fórma que o sr. Serpa fez na alfandega!
Sobre este assumpto, ácerca da opinião apresentada pelo sr. ministro da guerra desejava muito ouvir o sr. Camara Leme, porque entendo que n'esta materia s. exa., como escriptor militar, é de reconhecida competencia, e muito principalmente tendo já apresentado uma proposta para a organisação do exercito em sentido diametralmente opposto áquelle em que entende o sr. Fontes que ella se deve realisar.
Estou convencido que o sr. Camara Leme, no modo por que vê actualmente as cousas, pelo que respeita ao nosso exercito, discorda da opinião do sr. ministro da guerra; e com relação á sua organisação, é de opinião completamente contraria á do sr. Fontes.
O sr. Camara Leme entende que os corpos e os quadros se podem reduzir, o sr. Fontes quer o contrario.
O sr. Fontes, apesar de julgar que temos um quadro para um exercito de 70:000 homens, ainda assim, sem ter nãos esse exercito, quer o quadro maior.
Quem diz que nós temos officiaes para 70:000 homens não sou eu, é o sr. presidente do conselho. Eis-aqui mais um trecho do seu discurso:
"Mas dizia eu que a despeza do ministerio da guerra na Belgica era superior á nossa, e effectivamente é de réis 6.600:000$000, emquanto que a nossa é de 3.400:000$000 réis, e temos apenas 18:000 homens, emquanto a Belgica tem 40:000.
"Mas note s. exa. que n'estes 18:000 homenns, e o illustre deputado sabe isto melhor do que eu, se comprehendem os quadres dos officiaes do exercito de 70:000 homens.
"Se ámanhã chamarmos ás fileiras o exercito em pé de guerra, podem-nos faltar os soldados, mas temos officiaes para preencher os quadros do um exercito mais numeroso. Os quadros estão preenchidos: por consequencia não teriamos a acrescentar senão a despeza para as praças de pret. Este augmento, como v. exa. sabe, para 22:000 homens, que é o que falta para 40:000 homens que tem a Belgica, seria pouco mais ou menos de 1.110:000$000 réis, os quaes, com os 3.400:000$000 réis que nós gastámos, montariam a 4.500:000$000 réis, isto é, menos 2.100:000$000 réis do que a Belgica despende com 40:OCO homens."
Não sou eu que o digo, é o sr. Fontes que affirma que nós temos os quadros sufficientes para 70:000 homens.
O estado de desorganisação em que estão os serviços publicos, a confusão em que se acha a legislação militar, e a falta do cumprimento da lei do recrutamento, revela-nos que o pensamento que presido ao governo é tudo, menos administrar sensatamente e servir o paiz.
Gasta-se despropostiadamente com o exercito, e temol-o apenas no papel. Gasta-se n'um quadro para 70:000 homens, e se precisarmos d'esse exercito n'um momento dado, nem com as reservas o poderemos obter!
Magnifica situação, magnifico systema!
Sr. presidente, não se admire v. exa. e a camara que o sr. Fontes avance similhantes asserções. S. exa. está já costumado a ter em pouca conta as suas affirmativas: diz hoje uma cousa e faz ámanhã outra. Para se fazer idéa do que valera os calculos e as affirmativas do sr. ministro da guerra, analysemos o trecho do discurso que li ha pouco.
Disse o sr. Fontes que gastando nós 1.110:000$000 réis a mais, podiamos ter um exercito de 40:000 homens, igual ao da Belgica e com menor despeza!
O sr. Fontes não avançava só esta proposição, tratava de a provar com algarismos e mathematicamente. E o que vemos nós hoje? Vemos que esta quantia, que o sr. Fontes julgava sufficiente para um exercito de 40:000 homens, se gasta approximadamente com um exercito de 23:000 homens! Quer dizer, que a verba do orçamento, que está destinada para 23:000 homens, era calculada pelo sr. Fontes para um exercito de 40:000 homens
Eu peço a s. exa., que é engenheiro e que estudou mathematica, que me diga quaes foram os livros por onde aprendeu a fazer calculos tão seductores, na apparencia, mas que infelizmente só redundam em detrimento do paiz, porque são falsos na applicação! Eu desejava que s. exa. me explicasse, e explicasse á assembléa, como acreditando que se póde ter com 4.5OO:000$000 réis um exercito de 40:000 homens, gastando-se hoje pelo ministerio da guerra proximamente essa quantia, apenas temos um exercito de 23:000 homens, e esse talvez só no mappa!
Eu desejava que s. exa. explicasse, e explicasse á camara, como da sua elevada posição se lança ao publico uma affirmativa d'essas, para mais tarde os factos provarem, que são os homens publicos nas mais elevadas posições, que não só desprezam os interesses do povo, mas que são elles os primeiros a illudil-o.
Um ministro que preza a sua dignidade o reputação, ou não faz affirmativas d'estas, ou cumpre-as. Ê triste e deploravel o facto de dizer uma cousa e fazer outra. Similhante espectaculo conduz á descrença e ao descredito do systema parlamentar.
Sr. presidente, se o sr. Fontes fosse rigoroso na applicação dos seus algarismos, se applicasse a economia a este ramo do serviço publico que e dirigido pelo ministerio da guerra, em logar de despender o que hoje nos indica o orçamento, a enormissima verba de 4.300:000$000 réis, cifra redonda, gastaria com esse serviço só 3.650:000$000 réis. Para chegar a este resultado não faço mais do que tirar as consequencias dos principios estabelecidos poio sr. Fontes. Uma simples proporção formada pelos dados