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N.º 57

SESSÃO DE 18 DE ABRIL DE 1879

Presidencia ao exmo. sr. Buque d'Avila e de Bolama

Secretarios - os dignos pares

Visconde de Soares Franco
Eduardo Montufar Barreiros

Ás duas horas e um quarto da tarde, sendo presentes dezenove dignos pares, o sr. presidente declarou aberta a sessão.

Lida a acta da sessão precedente, julgou-se approvada, na conformidade do regimento, por não haver reclamação em contrario.

Não houve correspondencia.

O sr. Marquez de Sabugosa: - Sr. presidente, eu pedi a palavra para participar a v. exa. e á camara, que o sr. conde de Rio Maior, por doença, não póde comparecer á sessão de hoje, e talvez tenha de faltar a mais algumas.

O sr. Presidente: - Tomar-se-ha nota na acta da participação que v. exa. acaba de fazer.

(Pausa.)

O sr. Presidente: - A camara sabe que a ordem do dia começa pelo seguimento da discussão do parecer n.° 18; como, porem, creio que não quererá entrar n'essa discussão sem a presença do governo, por isso não passei ainda á ordem do dia. (Apoiados.)

Entretanto, já mandei saberá outra camara se lá estava o sr. presidente do conselho, e mandou-se-me dizer que do governo só lá estava o sr. ministro da fazenda, cuja presença é ali agora indispensavel.

Estou persuadido de que interpreto a vontade da camara esperando mais algum tempo. (Apoiados.)

(Nova pausa.)

(Entrou o sr. presidente do conselho. Entraram tambem durante a sessão os srs. ministros dos negocios estrangeiros e da Justiça.}

O sr. Presidente: - Vae entrar-se na ordem do dia: continua a discussão do parecer n.° 18 na sua generalidade, e continua cem a palavra o digno par, o sr. Vaz Preto.

ORDEM DO DIA

Continuação da discussão na generalidade do parecer n.° 18 sobre o projecto n.° 19

O sr. Vaz Preto: - Sr. presidente, primeiro que tudo desejava que v. exa. tivesse a bondade de me informar se sobre a mesa se acham já alguns dos documentos que eu pedi.

Eu pedi documentos pelo ministerio da guerra que deveriam servir-me de valioso auxilio, e por elles viria a camara a saber exactamente a força que na realidade existe na fileira, e a força com que se acham na actualidade os corpos nas differentes armas, e bem assim se estão completos, se lhes faltam officiaes ou se os têem a mais.

Ò sr. Presidente: - Para informação do digno par dir-lhe-hei, que não ha sobre a mesa nenhum dos documentos a que o digno par allude.

O sr. Vaz Preto: - Vejo que tenho de soffrer com resignação mais uma vez a falta de documentos, e dispensar-me d'esses valiosos esclarecimentos, que deveriam elucidar-me a mim, e que poderiam talvez convencer a camara. Sem este importante auxilio, as minhas observações não terão a solidez nem a profundeza com que eu desejava que ellas fossem feitas perante esta assembléa, á qual corre o dever de examinar com todo o cuidado e seriedade assumptos de tão grande ponderação.

Sr. presidente, na sessão passada mostrei eu que os documentos que vinham juntos ao projecto eram insufficientes e se contradiziam.

O sr. Fontes, que ouviu e comprehendeu a justeza das minhas apreciações, tinha rigorosa obrigação de mandar outros documentos mais exactos, que supprissem estes, e de enviar todos os que eu pedi. Não o fez assim, nem sequer directamente informou a camara sobre o assumpto que se debate!

Este facto revela mais uma vez que, confiando demasiado na votação da sua maioria, conta fazer d'esta camara uma chancella sua, que lhe vote tudo. Tenha, pois, cuidado e receio a camara de não lhe votar com esse tudo o seu descredito tambem.

Sr. presidente, nas observações de hontem tratei apenas de incidentes, e reservei para hoje a questão principal - a fixação da força armada em pé de paz.

Sr. presidente, este assumpto é mais grave do que parece, e reclama maduro e serio exame pelos poderes publicos.

Eu não me conformo com a fórma de projecto apresentado pelo governo, e por isso vou mandar para a mesa uma moção, que me parece que o sr. ministro da guerra poderá acceitar, porque a apresento sem intenção politica, e mesmo porque esta é uma das questões que, como muitas outras, eu não desejo tratar sob o ponto de vista de confiança. Para mim hoje a questão de fazenda é tudo, porque d'ella depende a existencia autonoma d'este nosso Portugal.

Eu leio, em conformidade com as disposições do regimento, a moção que vou mandar para a mesa.

"Substituição ao artigo 1.° e ao artigo 2.°:

"Artigo 1.° A força militar do exercito é fixada no corrente anno economico em 30:000 praças de pret de todas as armas, das quaes serão licenciadas 12:000;"

Permiitam-me v. exa., e a camara, que eu faça algumas singelas e modestas reflexões para motivar esta minha substituição, apresentada no intuito de auxiliar o governo, que deve ter em vista o equilibrio das receitas e despezas orçamentaes.

Sr. presidente, procurarei sustentar com argumentos, que me parecem solidos, esta minha substituição, e desejarei que o sr. ministro da guerra a acceite.

S. exa. declarará se a acceita ou não, e no caso negativo exporá a esta assembléa as rasões que o determinam a rejeitar a minha proposta.

Sr. presidente, com succintas considerações defenderei eu a minha proposta, cujo alcance e valor, a camara avalia perfeitamente.

O governo, no projecto que se discute, propõe que a força do exercito em tempo de paz seja de 80:000 homens, e no orçamento descreve a verba só para 23:000 homens.

Sr. presidente, eu entendo que a força de 18:000 homens, que até o anno passado foi sempre descripta no orçamento, é sufficiente actualmente, segundo as circumstancias e as forças do paiz.

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Como nação temos um fim a attingir, e os governos que estão á frente dos negocios publicos devem sempre ter os olhos fixos n'aquelle alvo, para que não vão pelos seus desregramentos e desvarios precipitar no abysmo o paiz, cujo destino lhes está confiado.

Os governos avisados, que têem tacto politico, e bom senso, procedem com toda a prudencia e moderação, attendendo sempre ás rasões imperiosas de momento.

A situação é grave e seria num paiz em que o deficit é de 7.000:000$000 réis, e a divida fluctuante cresce todos os dias, e se vae tornando cada vez maior, a ponto de ter attingido já a verba importante de 14.400:000$000 réis.

É verdade que ultimamente, e por um accidente inesperado, mas preparado pelo sr. ministro da fazenda, a divida fluctuante diminuiu! Mas como e de que modo? Pelo augmento do imposto sobre o tabaco, e na occasião em que se discutia o projecto; porque os fabricantes para se furtarem ao augmento do imposto, despacharam grandes porções do materia prima, que deu em resultado de entrar em dois mezes no thesouro a somma que deveria entrar em um anno.

Isto quer dizer que o sr. ministro fez por certa fórma aquella antecipação, obtendo por um sagaz expediente, agora, a somma de 2.500.000$000 réis, que deveria ser obtida no praso de um anno, como está calculado no orçamento.

Isto significa que esta somma gasta agora ha de faltar mais tarde, e a divida fluctuante ha de continuar a engrossar, e voltar outra vez ao seu progressivo crescimento.

Sr. presidente, se a este quadro verdadeiro onde está desenhado o estado da fazenda publica e a desorganisação das nossas finanças, se acrescentar ainda que o sr. Fontes está ha oito annos no poder, tendo tido annos de grande prosperidade para o paiz, o que em logar de os aproveitar para fazer diminuir o deficit, desperdiçou esses meios augmentando sempre a nossa divida, com as promessas continuas de que o deficit será extincto, as cores do quadro tornar-se-hão mais carregadas, e serão sem duvida o prenuncio dá temerosa procella que se vae agglomerando no horisonte, cujos estragos não se farão esperar a este pobre e desgraçado Portugal.

Sr. presidente, o projecto que se discute deve ser olhado principalmente sob este aspecto, debaixo do ponto de vista financeiro, e no estado em que se acha o paiz quasi que se poderia, dizer, que devia ser discutido exclusivamente sob esta fórma.

Não obstante, encaral-o-hei tambem pelo que respeita ao exercito, á sua disciplina e instrucção, o sob este novo aspecto sustentarei ainda a minha moção.

Sr. presidenta, considerarei a questão debaixo d'este duplo ponto de vista, o debaixo do ponto de vista militar fal-o-hei com certo acanhamento, porque não sendo ou militar, alem de não ter a auctoridade competente, não me julgo com conhecimentos a ponto de tratar estas questões proficientemente.

Neste caso, e n'estas circumstancias, soccorrer-me-hei a auctoridade insuspeita para a maioria d'esta camara, e com as opiniões do sr. Fontes sustentarei a minha moção.

Parece-me que não poderia ir buscar para a maioria d'esta camara opinião mais auctorisada, juizo mais seguro do que o do sr. Fontes, presidente do conselho de ministros e ministro da guerra (pôde-se dizer) que ha oito annos?

Foi pôr este motivo que eu escolhi de preferencia esta auctoridade, para me escudar com as suas sensatas, justas e acertadas apreciações.

Eu desejo que a camara aprecie estas asserções, e por isso não prescindo de as apresentar á assembléa na sua integra.

Vou ler, pois, á camara um trecho de um discurso do sr. Fontes, proferido em circumstancias muito mais favoraveis do que aquellas em que hoje se acha Portugal.

Peço á assembléa que não esqueça que o sr. Fontes discursava na camara dos senhores deputados em 1072, e que o deficit que então existia era apenas de 3.000:000$000 réis!

Diz o sr. Fontes n'este celebre discurso, cujas palavras, ou antes, cujas idéas eu offerece á camara para servirem de base á minha moção, o seguinte:

"Não estivesse eu aqui n'esta posição, e acreditando que é necessario gastar mais, ainda que não muito mais, para melhorar as condições do exercito debaixo dos differentes pontos de vista, eu não teria do subordinar es meus desejos, as minhas aspirações, ao que me dictam a minha consciencia propria, o meu conhecimento dos serviços publicos, o meu amor ao serviço militar, porque me honro de ser soldado; mas n'esta posição, tenho do subordinar todas essas considerações a considerações reais altas, mais importantes, que se não podem protrahir de fórma alguma, porque d'essas depende o ser ou não ser o paiz (Muitos apoiados.) a organisação do exercito, e com elle a de todos os serviços publicos e melhoramentos de paiz. (Muitos apoiados.)

"Se eu, levado pelos meus desejos, fosse a occupar-me do desenvolvimento e melhoramento do exercito, n'um tempo em que tremo de fazer despezas, faltaria à minha consciencia, aos meus deveres como homem publico, como ministro, que sou, de outra pasta, e como presidente do conselho; e contrariaria a opinião do paiz, que, primeiro que tudo, quer que se resolva a questão financeira, (Vozes: - Muito bem.)"

Sr. presidente, e o actual presidente do conselho que, alem de ministro da guerra, era ministro da fazenda tambem, em 1872, quem dizia que, nas circumstancias em que se achava o paiz, nos era forçoso contentar-nos com o exercito que tinhamos, que era, n'aquella epocha de 18:000 homens.

Era este mesmo ministro da guerra que dizia e sustentava, em pleno parlamento, que pouco mais seria necessario gastar para termos um exercito sufficiente para Portugal, mas que no seu animo influiam ponderações de outra ordem, e que a sua responsabilidade seria enorme se as desattendesse, porque d'ellas dependia o ser ou não ser o paiz, a organisação do exercito e com elle a de todos os serviços publicos e melhoramentos!

N'aquella epocha, n'aquella occasião, o sr. presidente do conselho tremia de fazer despezas, entendia que faltava á sua consciencia, ao seu dever como homem publico, como presidente do conselho de ministros, e como ministro da fazenda, se contrariasse a opinião do paiz, que quer a economia e moderação nos gastos!

N'aquella epocha e n'aquella occasião, estas ponderações influiam tão fortemente no seu animo, que as elevava ao ponto da considerar que a autonomia de Portugal estava presa áquelle systema, áquella ordem de idéas.

N'aquella epocha, em que o sr. presidente do conselho escutava a voz da consciencia, os avisos previdentes da opinião publica, pensava e procedia por aquella fórma. Hoje, que escuta a voz dos aduladores e os avisos prodigos dos seus instinctos, pensa e procede por outro modo. N'aquella epocha existia um deficit de 3.000:OCO$OOO réis, e hoje o deficit ultrapassa já a verba de 7.000:000$000 réis!

Sr. presidente, as idéas que o sr. Fontes sustentava em 1872, as opiniões que professava então, eram seguidas e professadas tambem por mim, que apoiava calorosa e dedicadamente o gabinete presidido pelo sr. Fontes.

O sr. Fontes mudou, não ouviu mais os avisos da sua consciencia e do seu dever, e lançando-se n'um caminho inteiramente opposto, não torne, nem receia affrontar a opinião publica. Eu, pelo contrario, não mudando de opinião, seguindo os conselhos da minha consciencia e dever, sustente as mesmas opiniões, occupo o mesmo ponto de

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honra, e combato hoje tenazmente o amigo politico de outr'ora, e em quem tive plena confiança.

Se, pois, ao sr. Fontes resta ainda algum escrupulo, e vestigios de coherencia, não deve ter duvida de acceitar a moção que eu tive a honra de mandar para a mesa, não só por ser firmada nas doutrinas proclamadas pelo sr. Fontes em 1872, mas porque eu declarei que faria esta moção sem animo algum politico.

Sr. presidente, n'aquella epocha sustentava ainda s. exa. que os 18:000 homens eram sufficientes, e, que a fixação da força como estava marcada no orçamento não affectava nem a instrucção nem a disciplina. As palavras do sr. Fontes são muito expressivas, e a camara vae deleitar-se ouvindo a sensata doutrina, do sr. Fontes, que entendia que devia politicamente marchar de accordo com a opinião publica. Eis outro trecho do seu discurso com que s. exa. sustenta que nem a disciplina nem a instrucção do exercito perigava pelo facto de se elevar a força armada.

"Se ámanhã eu sair do ministerio, e deixar o exercito como está, não tenho de que me envergonhar, porque em primeiro logar eu não acompanho a opinião dos illustres deputados, quando querem inculcar que o exercito está n'uma grande decadencia debaixo dos pontos de vista de disciplina e instrucção, e tal que nos póde envergonhar; (Muitos apoiados.) não digo debaixo do ponto de vista do armamento, porque ahi reconheço eu que está mal.

"No exercito, apesar de disseminado e destacado, e do deploravel systema de estar empregado no serviço de policia, quando este serviço devia ser commettido a um corpo especial de policia, como ha em toda a parte; no exercito, apesar de tudo isto, quando eu tenho visto manobrar os corpos, quando lhes tenho passado revista nos quarteis e no campo, tenho encontrado disciplina, ordem, instrucção, (Muitos apoiados.) senão a par dos primeiros exercitos do mundo, muito acima do que se poderia esperar com os poucos meios de que se dispõe."

Não sou eu, é o sr. presidente do conselho quem declara bem accentuada e expressivamente, que não é necessario augmentar a força para ter instrucção e disciplina o exercito. N'este caso eu, de harmonia com estas sensatas idéas e judiciosa doutrina, fiz a proposta que mandei para a mesa, e parece-me que s. exa. não deverá ter duvida de acceitar, por ser o corollario da sua apreciação, e modo de ver pelo que respeito ao exercito.

Sr. presidente, n'aquella epocha, em 1872, dizia s. exa. que o exercito estava instruido e disciplinado. Hoje, porém, se attendermos ao que se tem gasto, e gasto com elle, deve ter melhorado consideravelmente debaixo do ponto de vista da disciplina, da instrucção, do armamento, etc.

N'este presupposto a acceitação da minha proposta, fixando a força armada em 18:000 homens, permanentemente sob as armas, não affecta a disciplina nem a instrucção do exercito; e, portanto, a camara não deve ter hesitação em a
votar, nem o governo de a acceitar.

Até aqui tenho sustentado a minha moção com o modo de ver do sr. Fontes em 1872, que se então era discreto e acertado n'aquellas circumstancias, que eram muito mais favoraveis, hoje applicado á penuria do thesouro que é grande, á situação da fazenda publica, que é difficil, é discretissimo, e acertadissimo.

Sustental-a-hei ainda, e reforçal-a-hei com os documentos vindos do ministerio da guerra, com o mappa que aqui tenho e que ultimamente me foi enviado.

Sr. presidente, as palavras que traduzem as opiniões do sr. presidente do conselho, eram sufficientes para motivarem a minha opinião; não obstante, eu reforçal-as-hei com o mappa que foi enviado pelo ministerio da guerra, e que tenho aqui presente, em que está descripta toda a força que na actualidade pertence ao exercito, e a maneira por que está distribuida.

Por este mappa vê-se que é desnecessario ter um exercito superior a 18:000 homens, pelo que respeita a disciplina instrucção, e serviço no paiz.

Por elle avalia-se a força que actualmente está em serviço, e o modo por que ella é distribuida e empregada.

Eis o que se conclue do mappa sob a epigraphe de esclarecimentos:

Praças do effectivo......................... 23:950

Ditas da reserva no quadro dos corpos....... 12:620

Ditas da reserva licenceadas definitivamente 7:867

Somma........................... 44:437

Numero de praças com vencimento............. 22:477

Numero de praças liquido de differentes situações 25:112

Numero de praças do licenças e presos............ 14:959

Praças promptas em parada........................ 10:153

A força do exercito em situações temporarias, quer dizer-nos differentes serviços, do quartel, da guarnição, em destacamentos e diligencias, nos hospitaes e detidos é de 11:408 praças.

Quer dizer: temos 10:153 homens disponiveis para se poderem instruir. Nas manobras que se têem feito no paiz e no acampamento de Tancos nunca foram empregados dez mil e tantos homens.

Manda-se ás vezes uma divisão, que não ascende a 3:000 homens.

Diz aqui n'um áparte o digno par, o sr. Camara Leme, pessoa muito lida e competente em assumptos militares, que 10:000 homens disponiveis era um numero muito limitado, para quarenta e oito corpos.

Isto o que mostra é a necessidade de reduzir o numero dos corpos, adoptando outro systema militar e reformando o exercito, porque d'essa reducção virá a vantagem de serem precisos menos soldados, e de poder diminuir o numero dos officiaes superiores é subalternos, tudo compativel com a disciplina e instrucção do exercito.

O digno par, que é tão competente n'estes assumptos, que já foi ministro, da guerra, e que, se não tivesse deixado o poder tão depressa, teria apresentado uma organisação do exercito, porque não combina essa organisação com o actual sr. presidente do conselho e ministro da guerra que está apoiando?

Sr. presidente, este mappa deixa-nos ver que, livres de todos os serviços, promptos para paradas e exercicios, estão mais de 10:000 homens, e como da mesma fórma se podem instruir 10:000, como 5:000, estes 5:000, que pedem para completar 23:000 homens, são a mais, e podem e devem dispensar-se. Interrompo aqui as minhas reflexões, porque, desejo; que o sr. presidente do conselho me diga se acceita ou não a proposta que tive a honra de mandar para a mesa; e depois peço a v. exa., sr. presidente, que me mantenha a palavra.

O sr. Presidente do Conselho e Ministro da Guerra (Fontes Pereira de Mello): -Como o digno par, que acaba de fallar, diz que apenas interrompe o seu discurso para o continuar depois de eu ter declarado se acceito ou não a proposta de s. exa., serei muito breve, reservando-me tambem o direito, de usar novamente da palavra, se o julgar conveniente.

Eu não posso acceitar a proposta apresentada por s. exa., porque não é possivel fazer-se o serviço e dar instrucção aos corpos tendo 12:000 praças licenciadas.

O que o digno par referiu, que eu dissera n'um, discurso que proferi, não sei quando, nem em qual das casas do parlamento, mas a que tambem já outro dia se Deferiu o sr. conde de Rio Maior, respondo a s. exa. que hoje o que digo não altera nada as minhas convicções, nem modifica as minhas opiniões.

N'aquella occasião faria, como ainda faço hoje, os mais

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sinceros votos para que se melhore a nossa situação financeira; e me prestava, como me presto ainda hoje, a cooperar activamente para esse fim.

Digo hoje, como disse então, que e uma grande força para o paiz ter as finanças bem organisadas, e que carecemos de melhorar successivamente o nosso estado financeiro; mas isso não altera, repito, as minhas opiniões com relação a força publica que julgo indispensavel a todas as nações bem organisadas, como elemento de ordem publica, de segurança interna e externa, e base de uma defeza nacional do paiz.

Com 18:000 homens, não é possivel termos um exercito com a instrucção necessaria e conveniente; e a referencia que o digno par fez ás minhas opiniões anteriores, é unicamente com respeito ao que está escripto no papel, e não aos factos.

É verdade que em alguns annos se fixava em 30:000 homens a força armada, e se determinava que d'esse numero de homens fossem licenciados 12:000: mas o que acontecia era que a lei se não executava em parte, e foi por isso que o governo, a que v. exa. tão dignamente presidiu, sendo ministro da guerra o sr. Sousa Pinto, introduziu no orçamento a verba necessaria para pagar a 21:000 homens, porque suppoz, e suppoz bem, que era melhor fixar a despeza para aquelle numero de praças, do que estar a descrever no orçamento uma verba para, pagar a um numero inferior, e depois ter que levantar creditos extraordinarios, para occorrer ás despezas com as praças que era indispensavel ter nas fileiras, alem das 18:000 que se marcara no orçamento, e que não eram sufficientes.

Mas, sr. presidente, n'este projecto, não se trata de fixar o effectivo das praças nas fileiras; o que se fixa aqui é o quadro geral em tempo de paz, quadro que está determinado por uma lei organica seja de 30:000 homens, dos quaes, como o projecto estabelece tambem, serão licenciadas todas aquellas que o poderem ser sem inconveniente para o serviço.

Ora, quando tratarmos do orçamento, será occasião de fixar o numero de praças que se deverão licenciar, porque então é que o parlamento tem de votar sobre os meios que se devem conceder ao governo para pagar á força effectiva.

Quando, como disse, se marcava no orçamento o numero de 18:000 praças, e que a lei fixava o effectivo de 30:000 homens, determinando que se licenciassem as praças excedentes aquelle numero de 18:000, havia sempre, como todos sabem, praças a mais nas fileiras, e a rasão era porque as necessidades do serviço eram mais poderosas que as disposições adoptadas pelo parlamento, e d'ahi a indispensabilidade de abrir creditos extraordinarios para pagar a essas praças a mais.

E esses factos não se deram só com este governo, ou quando os seus amigos tem estado no governo, mas succederam em diversas epochas e com todos os ministerios, porque tendo estado á frente da administração dos negocios militares um grande numero de homens distinctos e muito competentes, todos elles entenderam que não era sufficiente a força de 18:000 homens.

O digno par, o sr. Vaz Preto, referindo-se ao mappa, que eu tive a honra de mandar para esta camara, tira d'elle argumento para justificar a sua proposta, por isso que este mappa dá como promptos em parada dez mil e tantos homens.

Mas, este numero divide-se, não pelos dezoito corpos de infanteria, mas por quarenta e tantos de todas as armas de que se compõe o exercito, porque o referido mappa a todos elles se refere.

Ora, dividindo as dez mil e tantas praças pelos quarenta e dois ou quarenta e tres corpos do exercito, corresponde a cada um d'elles um numero de praças que pouco mais excederá de 200; e se os corpos ficassem só com essa força, não poderia receber nenhuma instrucção, tendo de dar destacamentos e fazer outros serviços especiaes, em que a não podem receber.

Por consequencia, só este mappa offerece algum augmento, não é para concluir no sentido em que o digno par o faz, mas em sentido contrario.

Pois a camara póde imaginar que com 10:000 homens divididos por quarenta e tantos corpos podia haver instrucção no exercito? De certo que não, e para o comprehender não é preciso ser militar, porque é uma cousa que toda a gente comprehende.

Os 200 homens nos corpos de cavallaria, por exemplo, não chegavam nem para limpar os cavallos.

E quer o digno par tirar argumento do mappa que apresentei para chegar a tal conclusão, e sobre ella reclamar a organisação do exercito, tomando por base a reducção do seu effectivo, quando todos os homens competentes, todos que entendem e se occupam de cousas militares e de reformas do exercito, pensam que não é possivel organisal-o como devo ser, sem augmentar os quadros que devem servir de nucleo para a defeza nacional, sob pena de não se fazer nada absolutamente que seja efficaz.

Uma reforma do exercito não se póde fazer diminuindo os quadros dos corpos, mas sim augmentando-os e muito.

Quando essa necessaria reforma se fizer não ficaremos apenas com os corpos que actualmente temos, o seu numero ha de sem duvida augmentar e não diminuir, sob pena, como disse, de se não fazer cousa alguma capaz, e conforme exigem as necessidades publicas.

O numero de officiaes tem de ser elevado, porque ha de ser necessario augmentar o numero de corpos, para assim podermos de um momento para outro prepararmos-nos para a defeza nacional. Nem a reforma póde ser feita n'outro sentido, porque, desde o momento em que tivesse por base a conservação dos corpos como estão, seria uma reforma rachitica que de pouco ou nada serviria.

For estas, pois, e outras muitas rasões é que eu não posso acceitar a proposta do digno par o sr. Vaz Preto.

Desejava s. exa. tambem caber a minha opinião ácerca da força que se ha de conservar nas fileiras. Direi ao digno par, que no projecto não se fixa qual deve ser a força licenciada, nem qual a que devo conservar-se nas fileiras; no projecto diz-se, que será licenciada toda a força que poder ser dispensada, sem prejuizo do serviço; e eu insisto pela redacção do projecto tal o qual elle está, que é a que já tem sido approvada pela camara nos differentes annos anteriores; nem eu posso diminuir a verba que está pedida no orçamento; a camara na sua alta sabedoria poderá reduzil-a, mas eu é que não posso acceitar nem concordar com a reducção.

A camara é superior á minha vontade, e por isso se ella determidar que se reduza a verba eu hei de resignar-me, mas não conformar-me.

E não é isto um simples capricho meu, mas porque entendo que não é possivel ter 5:000 homens fóra do serviço effectivo do exercito, sem quasi o aniquilar completamente.

O sr. Presidente: - Vae ler-se na mesa a proposta do digno par, o sr. Vaz Preto, para entrar em discussão na generalidade, conjunctamente com o projecto.

Leu-se na mesa a seguinte

Proposta

Substituição ao artigo 1.° e ao artigo 2.°:

Artigo 1.° A força militar do exercito é fixada no corrente anno em 80:000 praças de pret, de todas as armas, das quaes serão licenciadas 12:000. = Vaz Preto.

Foi admittida á discussão.

O sr. Vaz Preto: - Eu sinto que o sr. presidente do conselho de ministros não acceitasse a minha proposta, porque ella trazia economia e vantagens para o paiz. Não me admira, porém, a sua recusa, porque o sr. Fontes adoptou hoje nos conselhos da corôa um systema que vae seguindo

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á risca, o systema de rejeitar todas as propostas que sejam feitas em harmonia com as suas opiniões de outrora, e de accordo com as suas idéas anteriormente manifestadas. Governar contra os bons principios, coherencia o opinião publica, é já familiar ao sr. presidente do conselho, e não nos deve causar estranheza a nós.

Sr. presidente, declarando de novo que fiz a minha moção sem animo politico, e com o unico intuito de attender ás circumstancias precarias do thesouro, farei mais algumas considerações, a fim de demover o sr. Fontes a acceital-a, e a camara a votal-a.

O sr. Fontes Pereira de Mello não deve estar ainda esquecido, que em circumstancias muito mais prosperas, e mesmo quando os acontecimentos da Europa o reclamavam, em 1872, epocha em que o paiz estava menos onerado e com mais recursos financeiros, o com um deficit relativamente menor, pois era de 3.000:000$000 réis; n'essa epocha, tremia de fazer despezas, porque a opinião publica influia no seu animo, e não se atrevia sequer a apresentar uma proposta para a creação de um regimento de artilheria, que era reclamado, não só pela grande importancia que a artilheria está hoje tendo, mas porque a artilheria não entrava proporcionalmente na força do exercito que tinhamos.

Não obstante esta ultima consideração militar, e a artilheria ter representado o primeiro papel nas ultimas guerras europeias, o sr. presidente do conselho não ousava propor este melhoramento, e pedir esta despeza urgente, e tão reclamada!

As rasões com que o sr. Fontes combateu a minha proposta, alem de serem uma incoherencia manifesta do s. exa., uma contradicção flagrante entre as suas opiniões de 1872, de 1874 e as de hoje, são rasões frivolas e de nenhum peso.

Uma d'essas rasões é que a minha proposta não tem cabida n'este logar, e deve ser guardada e reservada para quando se tratar do orçamento.

Sr. presidente, ainda n'este ponto o sr. Fontes está em contradicção com as suas proprias idéas.

O sr. presidente do conselho, querendo que eu reservasse, para quando se discutisse o orçamento, a questão de que se trata agora, não fazia senão propor um expediente para evitar o tratar d'este assumpto, adiar e illudir a questão.

Parece-me que a occasião propria de tratar um similhante objecto é agora.

A minha opinião firma-se n'outras, insuspeitas e mais auctorisadas. Ainda n'este ponto me escudo com a opinião e voto do sr. presidente do conselho.

Para que esta minha moção não podesse ser rejeitada pelo sr. Fontes, sem manifesto escandalo, redigi-a de fórma que ella não fosse nem mais, nem menos do que a expressão de uma lei que foi apoiada e votada pelo sr. Fontes. A minha moção foi copiada textualmente da lei de 4 de agosto de 1869, apresentada pelo sr. marquez de Sá da Bandeira na outra casa do parlamento, quando presidente do conselho e ministro da guerra, referendada pelo sr. Lobo de Avila, hoje conde de Valbom, que lhe succedeu n'aquella pasta, e approvada e votada pelo sr. Fontes Pereira de Mello.

N'aquella epocha, então, entendia o sr. Fontes que era occasião opportuna e devia discutir-se aquelle assumpto! Hoje, e agora entende s. exa. que esta questão deve ser tratada, quando se discutir o orçamento; que é essa a occasião propria de descer ao seu exame! Que coherencia de convicções!

Que firmeza de principios, que constancia de idéas!

Sr. presidente, a este systema de variar segundo as circumstancias, e o instincto de conservação no governo não ha protesto mais vigoroso do que apresentar ao publico singela e simplesmente os factos taes quaes elles são, e despidos de todos os commentarios.

Em 1869 apoiava e votava o sr. Fontes a minha proposta reconhecendo a necessidade e opportunidade d'ella.

Hoje no seu consulado não a acceita, pede á camara que a rejeite, porque deve ser reservada para o orçamento, onde deve ter cabida!

Não sou eu que combato o sr. Fontes, é s. exa. que se combate a si mesmo; as suas rasões, porém, não têem força, não a podem ter, gela manifesta contradicção dos seus actos e das suas palavras.

Outra rasão, pela qual o sr. Fontes não acceitava a minha proposta, é porque ella era contraria á disciplina nos corpos e instrucção no exercito!

Sr. presidente, admira-me, espanta-me, e causa-me até verdadeiro assombro o a plomo com que o sr. Fontes avança n'esta assembléa uma similhante asserção?

A minha proposta contraria á disciplina e instrucção do exercito!

Porventura o exercito, por ser apenas de 18:000 homens, não poderá instruir-se e alcançar disciplina?

Sr. presidente, esta affirmativa do sr. Fontes alem do absurda é contraria ás suas proprias palavras.

Eu leio de novo um trecho de um discurso bem expressivo, e que ainda ha pouco li á assembléa.

(Leu.)

O trecho que acabo de ler é do sr. Fontes Pereira de Mello, que declara que o exercito, que era então inferior ao de hoje, pois tinha apenas 18:000 homens, tinha instrucção, disciplina!

E s. exa. que declara ainda que tinha passado revista a esse exercito, já em parada, já nos quarteis, e que as tropas portuguezas não envergonhavam o paiz, o estavam a par das estrangeiras!

Sr. presidente, em todos os tempos as tropas portuguezas deram provas de disciplina e de instrucção.

A sua bravura e galhardia não tem sido jámais desmentida.

O soldado portuguez, alem de soffredor, obediente e disciplinado, é valente, bravo e ousado. (Apoiados.)

N'estes assumptos militares tenho sempre acanhamento de emittir a minha opinião, e por isso soccorro-me sempre a auctoridades competentes; e todas as vezes que posso combater o sr. presidente do conselho com as suas proprias opiniões sinto-me satisfeito, porque não tenho receio do parecer ousado, e de querer metter, permitta-se-me a expressão, fouce em seara alheia.

Li, pois, de novo o trecho do discurso do sr. Fontes, que é frisante e concludente.

Por elle não póde haver a mais leve duvida de que o exercito, sendo apenas de 18:000 homens, foi instruido e teve instrucção.

Não sou eu que o attesto, são as palavras acentuadas do sr. Fontes, são os factos contemporaneos, que o comprovam.

Mas suppondo mesmo que a disciplina e a instrucção perigava, ainda assim, appellando para a apreciação do sr. Fontes, sustento facilmente, a minha proposta; pois s. exa. diz, positiva e categoricamente, que ha outra ordem de considerações muito mais elevadas e ponderosas a que o homem d'estado deve attender, e que essas considerações influiram no seu espirito para não elevar a força do exercito, e influiram por tal fórma, que nem se atreveu a propor a creação de um regimento de artilheria que faltava.

Essas ponderações pesaram tanto no espirito do s. exa., que, apesar de estar convencido que com pouco despendio elevar-si-ía o exercito á altura conveniente, tremeu com a idéa de onerar o estado com mais despezas, é não se animou a fazer uma proposta racional e reclamada pelas exigencias militares.

Influenciado então o sr. Fontes por outra ordem do considerações, como homem politico, á frente da governação publica, recuava em 1872 diante do mau estado da fazenda, e não queria tomar sobre si a grande responsabilidade de aggravar essa situação, a qual se afigurava a

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s exa. tão assustadora e com cores tão carregadas, que já presentia o desmoronamento, a decadencia de Portugal e a perda da sua autonomia.

Parece-me, sr. presidente, que as circumstancias de então eram muito melhores do que são as de hoje.

Então havia um deficit de 3.000:000$000 réis, e hoje temos um deficit de 7.000:000$000 réis.

N'aquella epocha tinhamos muitos recursos que já hoje não temos, e a convicção do sr. presidente do conselho de ministros, de que era necessario governar com a opinião do paiz, e que para lhe pedir sacrificios era preciso dar primeiro provas de economia e de boa administração.

Hoje as circumstancias mudaram, são differentes; faltam-nos recursos, que foram desaproveitados, atravessámos a crise industrial, a crise agricola e a crise commercial, e a par de tudo tivemos de soffrer os estragos da reviravolta do sr. Fontes aos seus instinctos gastadores, e á tendencia de esbanjar o que não é seu.

Portanto, sr. presidente, as rasões que o sr. ministro da guerra acaba de apresentar revelam mais uma vez a contradicção das suas idéas de hoje com as de outros tempos, ou antes que o seu exclusivo pensamento é a sua conservação no poder, embora lhe custe toda a qualidade de humilhação.

Eu confesso que já não entendo o sr. presidente do conselho; tão frisantes e repetidas são as contradicções!

Quando eu fallei da reforma do exercito, que eu julgava de necessidade, debaixo de todos os pontos de vista, e sobretudo para acabar a confusão n'aquelle ramo do serviço publico, onde o sr. Fontes tem feito tudo quanto tem querido; e respondeu-me s. exa., que eu estava enganado se me persuadia que a reforma reduziria os corpos e os quadros.

Não estava enganado então, nem o estou agora.

Sei o comprehendo que o sr. Fontes é incapaz de comprehender e de idear uma reforma com que se simplifiquem os serviços, e em que se gaste menos.

Em 1872 dizia o sr. Fontes que "os quadros do nosso exercito estavam organisados, não para 18:000 homens, mas para 70:000"; e, não obstante, ainda acha muito circumscriptos esses quadros, e queria alargal-os mais!

Não admira, porque, de facto e contra lei, por sua conta propria, o sr. Fontes os tem augmentado, despachando para elles officiaes alem do numero legal, da mesma fórma que o sr. Serpa fez na alfandega!

Sobre este assumpto, ácerca da opinião apresentada pelo sr. ministro da guerra desejava muito ouvir o sr. Camara Leme, porque entendo que n'esta materia s. exa., como escriptor militar, é de reconhecida competencia, e muito principalmente tendo já apresentado uma proposta para a organisação do exercito em sentido diametralmente opposto áquelle em que entende o sr. Fontes que ella se deve realisar.

Estou convencido que o sr. Camara Leme, no modo por que vê actualmente as cousas, pelo que respeita ao nosso exercito, discorda da opinião do sr. ministro da guerra; e com relação á sua organisação, é de opinião completamente contraria á do sr. Fontes.

O sr. Camara Leme entende que os corpos e os quadros se podem reduzir, o sr. Fontes quer o contrario.

O sr. Fontes, apesar de julgar que temos um quadro para um exercito de 70:000 homens, ainda assim, sem ter nãos esse exercito, quer o quadro maior.

Quem diz que nós temos officiaes para 70:000 homens não sou eu, é o sr. presidente do conselho. Eis-aqui mais um trecho do seu discurso:

"Mas dizia eu que a despeza do ministerio da guerra na Belgica era superior á nossa, e effectivamente é de réis 6.600:000$000, emquanto que a nossa é de 3.400:000$000 réis, e temos apenas 18:000 homens, emquanto a Belgica tem 40:000.

"Mas note s. exa. que n'estes 18:000 homenns, e o illustre deputado sabe isto melhor do que eu, se comprehendem os quadres dos officiaes do exercito de 70:000 homens.

"Se ámanhã chamarmos ás fileiras o exercito em pé de guerra, podem-nos faltar os soldados, mas temos officiaes para preencher os quadros do um exercito mais numeroso. Os quadros estão preenchidos: por consequencia não teriamos a acrescentar senão a despeza para as praças de pret. Este augmento, como v. exa. sabe, para 22:000 homens, que é o que falta para 40:000 homens que tem a Belgica, seria pouco mais ou menos de 1.110:000$000 réis, os quaes, com os 3.400:000$000 réis que nós gastámos, montariam a 4.500:000$000 réis, isto é, menos 2.100:000$000 réis do que a Belgica despende com 40:OCO homens."

Não sou eu que o digo, é o sr. Fontes que affirma que nós temos os quadros sufficientes para 70:000 homens.

O estado de desorganisação em que estão os serviços publicos, a confusão em que se acha a legislação militar, e a falta do cumprimento da lei do recrutamento, revela-nos que o pensamento que presido ao governo é tudo, menos administrar sensatamente e servir o paiz.

Gasta-se despropostiadamente com o exercito, e temol-o apenas no papel. Gasta-se n'um quadro para 70:000 homens, e se precisarmos d'esse exercito n'um momento dado, nem com as reservas o poderemos obter!

Magnifica situação, magnifico systema!

Sr. presidente, não se admire v. exa. e a camara que o sr. Fontes avance similhantes asserções. S. exa. está já costumado a ter em pouca conta as suas affirmativas: diz hoje uma cousa e faz ámanhã outra. Para se fazer idéa do que valera os calculos e as affirmativas do sr. ministro da guerra, analysemos o trecho do discurso que li ha pouco.

Disse o sr. Fontes que gastando nós 1.110:000$000 réis a mais, podiamos ter um exercito de 40:000 homens, igual ao da Belgica e com menor despeza!

O sr. Fontes não avançava só esta proposição, tratava de a provar com algarismos e mathematicamente. E o que vemos nós hoje? Vemos que esta quantia, que o sr. Fontes julgava sufficiente para um exercito de 40:000 homens, se gasta approximadamente com um exercito de 23:000 homens! Quer dizer, que a verba do orçamento, que está destinada para 23:000 homens, era calculada pelo sr. Fontes para um exercito de 40:000 homens

Eu peço a s. exa., que é engenheiro e que estudou mathematica, que me diga quaes foram os livros por onde aprendeu a fazer calculos tão seductores, na apparencia, mas que infelizmente só redundam em detrimento do paiz, porque são falsos na applicação! Eu desejava que s. exa. me explicasse, e explicasse á assembléa, como acreditando que se póde ter com 4.5OO:000$000 réis um exercito de 40:000 homens, gastando-se hoje pelo ministerio da guerra proximamente essa quantia, apenas temos um exercito de 23:000 homens, e esse talvez só no mappa!

Eu desejava que s. exa. explicasse, e explicasse á camara, como da sua elevada posição se lança ao publico uma affirmativa d'essas, para mais tarde os factos provarem, que são os homens publicos nas mais elevadas posições, que não só desprezam os interesses do povo, mas que são elles os primeiros a illudil-o.

Um ministro que preza a sua dignidade o reputação, ou não faz affirmativas d'estas, ou cumpre-as. Ê triste e deploravel o facto de dizer uma cousa e fazer outra. Similhante espectaculo conduz á descrença e ao descredito do systema parlamentar.

Sr. presidente, se o sr. Fontes fosse rigoroso na applicação dos seus algarismos, se applicasse a economia a este ramo do serviço publico que e dirigido pelo ministerio da guerra, em logar de despender o que hoje nos indica o orçamento, a enormissima verba de 4.300:000$000 réis, cifra redonda, gastaria com esse serviço só 3.650:000$000 réis. Para chegar a este resultado não faço mais do que tirar as consequencias dos principios estabelecidos poio sr. Fontes. Uma simples proporção formada pelos dados

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fornecidos pelo sr. ministro da guerra dá este resultado final.

O sr. Fontes diz, que em 1872 se gastava com o exercito 3.300:000$000 réis, que tinha 18:000 homens apenas, e que se se despendesse mais 1.110:000$000 teriamos 40:000 homens. Quer dizer que com a verba de réis 4.410:000$000 réis nós teriamos um exercito de 40:000 praças. Quanto deveriamos nós gastar com o exercito de 23:000 homens que hoje possuimos?

Esta simples proporção o diz:

22.000:000$000 : 1.110:000$000 :: 5:000: X

1.110:000$000 X 5:000 5:550

22.000:000$000 22

= 250, e uma pequena fracção. Se tivessem rigorosa applicação os calculos do sr. Fontes, o exercito deveria custar, não a verba que descreve o orçamento, mas 3.650:000$000 réis.

D'aqui conclue-se, que se deviamos ter, com as sommas que se gastam com o exercito, um exercito de 40:000 homens, e não o temos, é porque essas sommas não têem tido a devida applicação.

A differença que vae de 3.600:000$000 réis, quanto deveria custar o actual exercito, para o que se despende actualmente, constitue a avultadissima verba que o sr. Fontes desperdiça. Isto é suppondo ainda que seja verdadeiro o orçamento do ministerio, da guerra. Não se admire a camara d'esta minha hesitação sobre a verdade do orçamento. Esta minha duvida procede da confrontação dos orçamentos com as contas de gerencia, porque jámais têem combinado aquelles dois documentos, porquanto os gastos são sempre muito superiores aos orçados. Mil e tantos contos de réis desperdiça o sr. Fontes! Desde que ultimamente subiu ao ministerio, no seu consulado de perto de oito annos tem gasto muito, immenso, mas sem proveito nem utilidade.

Em logar de soldados, temos um grande exercito de officiaes, pois os reformados, que absorvem por anno uma verba de perto de 700:000$000 réis, são quasi tantos como os validos, em serviço. O quadro de officiaes é grande, é para um exercito de 70:000 homens; e, não obstante, tem sido illegalmente augmentado, para proteger quem caiu nas boas graças. A legislação militar está no maior cahos e confusão; com armamento tem-se gasto mais de 2.000:000$000 réis, e o exercito pôde-se dizer que está desarmado perante os exercitos da Europa, cujas armas têem maior alcance e maior precisão. Estes factos, verdadeiros e incontestaveis, reclamam urgentemente uma reforma radical no ministerio da guerra e uma nova organisação do exercito.

Este quadro dos nossos desperdicios e dos desatinos da administração do sr. Fontes será nos tempos, que hão de vir, o padrão da gloria de tão inclito general, e de tão illustrado ministro da guerra!

O sr. Fontes está ha perto de oito annos no ministerio, e que tem feito? Gastar prodigamente sem proveito nem utilidade, não dando a Portugal exercito, e nem dando ao exercito a disciplina e instrucção de que carece. O sr. ministro da guerra, durante o seu longo consulado só tem deixado relaxar os laços da disciplina, não applicando as leis militares, ou determinando inepcias, como breve demonstrarei. Ê difficil, impossivel quasi, a instrucção e a disciplina n'um exercito, emquanto o ministro da guerra não tiver o pensamento fixo de fazer desapparecer o cahos que ha na legislação militar, de fórma que ella seja clara, que todos a entendam, e justa para que ninguem se queixe; e as promoções sejam reguladas por modo que attinjam o seu fim. E mister que o sr. ministro da guerra seja austero, rigido e justo ao mesmo tempo, para que as suas medidas não vão produzir effeitos nocivos, como tem succedido com quasi todas as que têem dimanado do sr. Fontes.

Finalmente é necessario sobretudo que haja seriedade em quem está á frente dos negocios da guerra, e que não venha ao parlamento propor uma lei n'um dia, como necessaria, reclamada instantemente e de grande utilidade para o exercito, e no outro dia nem sequer se lembre de a cumprir.

Estas considerações foram-me suggeridas hontem pelo sr. Camara Leme, que, querendo elogiar a sollicitude do sr. presidente do conselho pelo exercito, disse que s. exa. propozera e fizera votar no parlamento a creação da escola de cavallaria e o codigo penal militar.

Permitta-me s. exa. que lhe diga, que foi infeliz na recordação d'estes dois factos. A escola de cavallaria combati eu aqui tenazmente, affirmei que não seria executada, que nos primeiros exercitos do mundo não existia tal instituição. Essa escola, que o anno passado foi votada pela camara, e que o sr. ministro da guerra reclamava como urgente, não foi posta em execução, e espero que não o será.

Sr. presidente, o elogio do sr. Camara Leme ao sr. Fontes por não fazer o que tinha promettido, revela, ou que o sr. Camara Leme fallava ironicamente, ou que o sr. presidente do conselho illudiu mais uma vez a camara, e mudou tambem mais uma vez de opinião.

Felizmente d'esta vez foi com vantagem publica, pois deixou de despender alguns centenares de contos.

Para attenuar esta mudança de opinião do sr. presidente do conselho; para justificar o que o sr. Camara Leme julga apenas uma pequena demora de execução;, para attenuar o desgosto de não ver estabelecida ainda a mencionada escola, allega o sr. Camara Leme a falta de local apropriado. Essa escusa, essa desculpa é mais uma censura ao ministro que veiu propor ás camaras uma medida d'esta ordem, sem ter a certeza de a poder executar!

Pois o ministro da guerra faz uma proposta de lei sem a ter estudado sob todos os aspectos, sem ter examinado os seus prós e os seus contras, sem ter ponderado todas as vantagens e todos os inconvenientes? Póde-se admittir uma similhante supposição? Póde-se imaginar que haja um ministro tão leviano, que leve ao parlamento uma proposta augmentando consideravelmente a despeza, sem que esteja convencido da utilidade d'essa proposta, e que em seguida, depois de approvada, a deixe de executar?

Se, recordando a escola de cavallaria, o sr. Camara Leme foi infeliz, não o foi menos recordando que foi do sr. Fontes a proposta da iniciativa do codigo penal militar.

O codigo penal militar! O codigo penal militar, que o sr. Fontes julgava indispensavel para a disciplina do exercito, tem sido letra morta; tem sido, e é, uma vergonha para o sr. ministro da guerra, que não teve a força nem a coragem de fazer executar a disposição que s. exa. desejou fosse ali inserida como principal meio de manter a disciplina: refiro-me á pena de morte.

É uma vergonha para o sr. Fontes. Parece-me que é geralmente sabido como a dignidade do ministro estava empenhada na execução d'aquella disposição, e como a sua honra estava obrigada ao cumprimento de uma promessa sagrada afeita a um pae, que pedia que o deixasse vingar seu filho.

O pae desceu já á sepultura a acompanhar o filho assassinado; a palavra do sr. Fontes ficou por se cumprir, e a justiça por se administrar.

Todos estavam lembrados ainda da impressão dolorosa que produziu na capital o assassinato do alferes Brito, pelo soldado da reserva Antonio Coelho, e todos devem estar ainda lembrados das manifestações militares n'aquella occasião, e das promessas formaes do sr. Fontes. Do chamamento da reserva, contra o qual todos os commandantes de corpos se manifestaram, porque, diziam elles, que as praças da reserva, serviam só para lhes relaxar a disciplina, pela desmoralisação com que vinha, só se tirou este sinistro resultado.

Effectivamente, o chamamento da reserva foi um erro que, alem dos crimes horrorosos que assombraram todo o

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paiz, trouxe-lhe amua enormes dispendios, com os quaes se poderiam obter grandes melhoramentos.

Desejava que o sr. ministro da guerra me dissesse - se não teria sido melhor gastar essas importantissmas, sommas na construcção do caminho de ferro da Beira Baixa? Com aquellas sommas elle estaria já aberto á circulação, e ainda haveria sobras para outros melhoramentos.

Sr. presidente, esse immprredouro padrão de gloria do sr. ministro da guerra, o codigo penal militar, tem sido letra morta!

Póde, pois, o sr. Camara Leme continuar a elogiar o sr. Fontes por estes factos, visto não ter outros que mereçam elogios.

Não obstante, peço a s. exa. que me diga se entende que é assim, por esta fórma e por este systema, seguido o adoptado pelo sr. presidente do conselho, que se mantem e fórma a disciplina do exercito.

Mas não são só estes factos; ha muitos outros que mostram o pouco respeito o consideração que e sr. Fontes tem pelo exercito, que contribuem fortemente para e enfraquecimento da disciplina.

Eu desejaria bem não me embrenhar n'este terreno aspero e desagradavel para mim; mas não posso deixar, em cumprimento do meu dever, de patentear á camara factos que se não justificam em governo algum.

Peço á camara, que aprecie isto, que é importante; serio e grave.

Eu examinei os orçamentos de alguns annos anteriores, e o d'este anno, para me assegurar de quanto custa ao para o exercito.

Pelo que respeita as praças de pret, lê-se n'aquelle documento:

"As praças de pret dos batalhões de caçadores e dos regimentos de infanteria recebem 75 réis e mais 25 réis para fardamento, isto é, 100 réis." Pois saiba v. exa. e a camara que isto não é assim, que não recebem os taes 100 réis diarios, que isto é uma illusão.

No orçamento marca-se a cada praça de pret 25 réis para fardamento, e pela ordem do exercito n.° 8, de dezembro de 1868, manda se descontar a cada praça de pret 35 réis diarios para fardamento.

Por consequencia, a camara vota todos os annos 100 réis para as praças de pret, 25 para fardamento, e 75 para o resto, e ellas não recebem senão 65 réis! Assim é que o sr. ministro da guerra manda proceder. E o eme se dá com caçadores e infanteria, dá-se com outras armas.

Os actos de boa e sabia administração do sr. Fontes não acabam ainda aqui, vão mais longe, dão testemunho da sua subida capacidade para as cousas militares.

O regulamento de fazenda militar, publicado na ordem do exercito n.° 64, de 17 de novembro de 1864, creou pelo titulo 19.° fundos especiaes nos corpos. A mesma ordem do exercito estabelece o fim a que são destinados esses Fundos, e determina quaes são as verbas que os constituem; não obstante, o sr. ministro da guerra, contra as disposições claras da ordem do exercito a que me refiro, por arbitrio seu e por uma circular apenas expedida aos commandantes das divisões em 1875, mandou lançar 1,5 por cento sobre os fardamentos feitos á machina. Imposto que entrando no cofre dos fundos especiaes tem produzido verbas importantes, e muito superiores ás necessidades, que exigiram a creação d'aquelles fundos.

De modo que ha corpos, secundo me informam, que têem 10:000$000 e 12:000$000 réis de fundo especial, que são empregados em applicações differentes d'aquellas para que foi creado aquelle fundo, e do qual o soldado não tira proveito algum. E diz o sr. ministro da guerra, que o nosso soldado é mal remunerado!

Não admira, se lhe não dão o que lhe pertence por lei, e lhe tiram ainda d'esse pouco que recebe! Com que direito, em virtude de que lei lança o sr. Fontes um similhante imposto sobre o desgraçado soldado, que s. exa. affirma que é mal remunerado?

Parece-me que factos similhantes não concorrem de certo para a disciplina militar; antes é um incentivo para o soldado ter vontade de abandonar as fileiras, porque vê que a lei maneia uma cousa e o sr. ministro da guerra faz outra. Os factos comprobativos da minha asserção succedem-se.

Este que vou referir á camara não é menos grave, e mostra bom como o sr. Fontes tem a peito a disciplina militar. No tempo em que s. exa. não governava, consideram-se sempre privativas de qualquer corpo as promoções dos postos inferiores até sargento; agora, porém, não succede assim em detrimento da disciplina e da fazenda publica, pois destroe-se aquella pela injustiça, e aggrava-se esta com o augmento de despeza. Hoje precede-se por outra fórma; quer-se despachar um amigo ou um afilhado do governo, faz-se vaga tirando um sargento do regimento, transferindo-o para outro onde fica sendo supranumerario.

Por este systema, inventado para servir os compadres e os afilhados ha regimentos que têem tres, quatro e cinco sargentos a mais, o que custa muito dinheiro ao estado. Este systema introduzido pelo sr. Fontes enfraquece vizivelmente a disciplina nos corpos, porque sendo costume que o sargento mais antigo responda pela companhia, o capitão vê-se constrangido a entregal-a a um sargento mais antigo, mas que nem conhece, nem é da sua confiança, e que veiu de outro corpo.

Isto faz perder o gosto pelo serviço militar, porque tira o incentivo que anima os soldados que desejam subir até sargento. É altamente injusto, porque favorece uns corpos em detrimento de outros, emquanto a vaga que se dá n'um corpo é preenchida por pessoal d'esse corpo, a que se dá n'outro é preenchida pelos supranumerarios, que ás vezes são quatro, cinco e seis n'um corpo. Peço ao sr. camara Leme, que me diga se sanccionava isto, e se a disciplina não se resente?

Estes precedentes são maus, e não são peiores os habitos, e costumes que o sr. Fontes adquiriu de transferir por pedidos e sem necessidade, todos os dias e a todos os instantes, os soldados de um regimento para outro, fazendo despezas n'essas passagens que o paiz paga caro.

Não são as conveniencias militares que determinam aquellas passagens, mas sim os pedidos dos que geralmente são cumplices nos esbanjamentos regeu oratorios.

Para se fazer idéa do que significa esto costume adquirido pelo sr. Fontes, basta fazer notar que os soldados das transferencias em curto espaço de tempo estão de volta á capital, porque havendo falta de força nos corpo? o sr. ministro da guerra dá ordem para serem completados com contingentes dos corpos de provincia,

Voltam, pois, á capital por ordem do sr. Fontes, e apparecem de novo os pedidos, renovam-se os empenhos, e a contradança começa outra vez, perdendo ou gastando sempre o paiz n'estas veleidades, que lhe custam muito caras.

Aqui está a disciplina que o sr. Fontes tem indroduzido no exercito! Gosta o sr. camara Leme; approva?

Sr. presidenta, eu tinha pedido documentos que não me foram enviados, e tinha feito esse pedido, porque queria tratar n'esta occasião um assumpto importantissimo; não o poderei fazer como desejava, porque a falta d'esses esclarecimentos é sensivel.

Se me tivessem, vindo esses documentos, eu mostraria á evidencia que, apesar dos quadres das differentes armas, que o sr. Fontes diz serem para 70:000 homens, estarem consideravel e illegalmente augmentados, ainda assim, tendo nós apenas em armas 23:000 homens, os regimentos não têem os officiaes todos que deviam ter; faltam muitos officiaes n'alguns regimentos para estarem completos, e n'outros ha addidos, ha a mais, ha muitos supranumerarios.

Como não vieram os documentos que eu desejava tanto, para comparar com outros que tenho aqui extra-official-

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mente, guardarei a satisfação d'esse meu desejo para outra occasião; e por agora limitar-me-hei a asseverar alguns factos, e convido e provoco mesmo o sr. ministro da guerra que os negue e combata a sua veracidade.

Estes factos são mais um padrão de gloria militar do sr. Fontes. São as providencias de que s. exa. lançou mão para firmar a disciplina e instrucção do exercito.

O quadro dos generaes de brigada no estado maior, engenheria e artilheria é de 7 generaes, e tem 15, por consequencia ha 8 a mais!

O quadro do corpo de estado maior é de 3 coroneis, 4 tenentes coroneis, 4 majores, 20 capitães; e ha: 9 coroneis, 9 tenentes coroneis, 5 majores e 25 capitães; ha, pois, 17 officiaes a mais!

Na engenheria, o quadro legal é de 8 coroneis, 8 tenentes coroneis, 8 majores, 36 capitães; e, não obstante, ha n'esse quadro 18 coroneis, 9 tenentes coroneis, 17 majores e 48 capitães, isto é, 32 officiaes a mais! Isto dá-se igualmente nos outros corpos; e, para não cansar a camara com estes algarismos, dir-lhe-hei só o resultado final.

No quadro de cavallaria ha 36 officiaes a mais, e no de infanteria 160. Isto quer dizer que o sr. presidente do conselho de ministros e ministro da guerra, sem auctorisação do parlamento, por simples, arbitrio seu, nomeou illegalmente 297 officiaes. Isto quer dizer, que o sr. ministro da guerra, para patrocinar os seus numerosos afilhados, causou o prejuizo ao paiz de uma boa porção de contos de réis por anno. Isto quer dizer, que a disciplina do exercito nada lucrou com a promoção, pois, apesar de tantos officiaes a mais, os corpos, como já disse, não estão completos.

Sr. presidente, estes factos atacam visivelmente a disciplina, porque se dá, de mais a mais, o escandalo de que grande numero d'estes officiaes estão empregados em commissões que não dizem respeito ao ministerio da guerra, em commissões civis, vencendo postos indevidamente, a par de fortes ordenados e de pingues gratificações.

Para praticar este enormissimo escandalo, illude-se o regulamento, que manda que esses officiaes não possam vencer postos.

De que vale e que importa um regulamento para o sr. Fontes quando as leis não o prendem, nem o sustem dentro da esphera legal?

Finalmente, isto quer dizer que existe de facto o desprezo das leis pelo governo, e o desprezo igualmente pelo corpo legislativo.

Desde que o sr. presidente do conselho arranja e prepara nas duas casas do parlamento maiorias á sua vontade, estes factos e estes escandalos não devem surprehender-nos, e a num já não me surprehendem. O que eu faço, porém, é tornal-os bem evidentes, chamar sobre elles a attenção do publico, e esperar que n'um futuro, não muito remoto, o governo e o parlamento venham a arrepender-se dos seus erros e faltas.

Desejaria que o sr. Camara Leme me dissesse, com a mão na consciencia, se com este systema se não enfraquece a disciplina?

Pois podem os militares intelligentes e bravos ver de bons olhos, que camaradas seus, que não têem as suas qualidades, que não têem nem o seu merecimento, nem os seus serviços, pelo facto de serem parte d'este ou d'aquelle ministerio, pelo facto de terem a protecção d'este ou d'aquelle capitalista, que pelo facto de ser compadre ou afilhado d'este ou d'aquelle politico influente, póde deixar a vida militar, difficil, e perigosa ás vezes, e ir em faceis e rendosas commissões civis vencer postos e perceber ordenados de generaes!

Oxalá que os officiaes do exercito não tivessem justas rasões de queixa, oxalá que estes factos fossem apenas productos d'uma imaginação viva.

Infelizmente existem, são verdadeiros, e mais do que verdadeiros, e não póde deixar de causar verdadeiro desgosto e descontentamento nos officiaes do exercito, quando vêem que uma carreira tão nobre está sendo tão desconsiderada.

Sr. presidente, é triste cousa que vá o convencimento aos homens a quem está confiada a defeza da patria, de que a justiça é uma palavra vã, de que o cumprimento do dever é uma utopia, e que brio e honra militar não tem compensação.

Assim é: o que se está vendo é que officiaes do exercito, pelo simples facto de serem protegidos pelos ministros, recebem pingues gratificações, e ganham postos, emquanto os desprotegidos quer tenham merecimento, quer prestem serviços, nada adiantam. Esta injustiça e esta desproporção na remuneração do trabalho ha de forçosamente desgostar.

Os militares não hão de ter profundo desgosto quando souberem que nas alfandegas, por exemplo, ha guardas a cavallo, que vencem muitissimo mais do que um alferes ou tenente.

Ha guarda a cavallo que, entre ordenado, gratificação e ajuda de custo, faz mais de 40$000 réis, como já demonstrei n'outra occasião.

Que bella organisação dos serviços publicos!

Sempre muitas e boas palavras, sempre muitos e grandes gastos; mas obras que traduzam os beneficios, não apparecem.

Em logar do sr. Fontes, ministro da guerra, se ufanar tanto com o campo de Tancos, com o polygono das Vendas Novas, que custaram enormes quantias já, melhor era que conservasse a nossa antiga disciplina militar, que não deixasse cair em desuso as instituições que outras nações têem aproveitado, e que se convencesse que os acampamentos têem vantagens, e são apresentados para exercitos, cuja organisação não tem sido descurada como a do nosso.

Era melhor que o sr. Fontes, compenetrando-se do seu dever e da sua missão, fizesse executar as leis e os regulamentos disciplinares, e assim poderia, salvando a sua responsabilidade, responder aos que o atacam com justo motivo.

Porque não tem feito cumprir algumas disposições disciplinares, já publicadas? Na ordem do exercito n.° 68, de 18 de dezembro da 1869, artigo 4.°, ha uma disposição, que manda e obriga os generaes, commandantes das divisões, a inspeccionar os corpos, sob suas ordens, como responsaveis pela disciplina, e pela instrucção dos mesmos.

Na l.ª e 2.ª divisão, pelo § unico do artigo citado, são encarregados d'este serviço os generaes das brigadas. Esta disposição não se tem cumprido, não se tem feito caso algum d'uma recommendação tão sensata e tão disciplinar, do que tem resultado os commandantes dos corpos fazerem o que querem, fazerem exercicios se assim lhes apraz, e esquecerem-se, como se esquecem os seus superiores, do que têem obrigação de fazer.

D'este estado de abandono tem resultado gravissimos inconvenientes.

E para isto e para este abandono das cousas militares, e para este desleixo que o sr. Fontes quer ter um exercito, que exige um effectivo de 23:000 homens?! Estou convencido, que nós podemos ter outra organisação, ter um exercito muito mais pequeno, e que na occasião difficil de melhores resultados.

Eu lembrarei ao sr. ministro da guerra um exemplo tanto mais frisante, quanto refere-se a um paiz pequenissimo e que pela força das circumstancias teve de se preparar para a guerra. Refiro-me á Servia.

A Servia tinha um exercito de 5:000 homens, e póde pôr de um momento para outro em pé de guerra 100:000 homens, porque o nucleo do exercito estava organisado só para dar instrucção e disciplina ao grande numero de recrutas que passavam pelas fileiras.

O sr. presidente do conselho ri-se de eu citar a Servia,

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occupando-me de cousas militares; cito-a porque o facto é recente, e diz respeito a um paiz pequenissimo, muito mais pequeno do que Portugal, e eu prefiro exemplo d'estes aos tirados das grandes nações que não tem applicação. Cito a, porque esse pequeno paiz de um momento para o outro levantou um exercito numeroso, e que em breve se aguerriu, concorrendo bastante para a liberdade e independencia da Servia.

Se o exemplo da Servia lhe não agrada, porque não segue o da Suissa, que é um paiz em condições similhantes ao nosso?

Porque não manda estudar, examinar, e analysar a constituição e a organisação do exercito da Suissa?

Este paiz, que não tem exercito permanente, põe, comtudo, de um momento para o outro em pé de guerra 200:000 homens, bem armados e bem disciplinados.

A Suissa é um paiz pequeno, mas bem governado, e governado economicamente, e por isso o seu exemplo parece-me que deveria ser seguido e aproveitado.

Na Suissa ha, porém, uma infinidade de escolas de tiro, ha exercicios continuados, e ha todo o cuidado para que esta instrucção satisfaça ao duplo fim, disciplina e instrucção do exercito, conjunctamente á economia.

Sr. presidente, o sr. camara Leme foi infeliz nos elogios que fez ao sr. ministro da guerra, pois os factos que citou só merecem acre censura, nem sequer póde citar e facto de que armarão exercito, segundo as exigencias da epocha, e uniformemente.

Se o exercito, ao menos, estivesse bem armado, se tivesse armas de alcance e precisão, que podessem competir com as dos outros exercitos da Europa, se estivesse uniformemente armado, e instruido de fórma que podesse manobrar perfeitamente com as armas modernas, e tirar todas as vantagens d'ellas, aonda o sr. Camara Lane teria alguma circumstancia por que elogiar o sr. Fontes. Mas nem isso!

Saiba a camara que, apesar de ter já armas novas, existe ainda para ellas o regulamento velho. Saiba a camara que a maior parte dos corpos nem com ellas têem dado um tiro, nem as sabem limpar; e, não obstante, muitas d'ellas estão já deterioradas!

Conteste o sr. Camara Leme estes factos, e diga-me depois se os seus elogios têem cabimento.

Sr. presidente, falla-nos muito do exercito o sr. ministro da guerra, da sua instrucção e da sua disciplina, e o seu estado é este que eu acabo de descrever!

Tem-se gasto enormes quantias; todos estes annos successivos a camara tem votado umas e legalisado outras pelo sr. Fontes feitas sem que para isso estivesse auctorisado!

Quando não ha plano determinado, quando não ha pensamento fixo, e não se visa a um fim, precisamente as consequencias naturaes e regulares são estas.

Tem-se gasto 2.000:000$000 réis com armamento, e o exercito continua mal armado.

Tem-se pedido sacrificios enormes ao paiz, e a disciplina tem enfraquecido, e a instrucção não tem melhorado. O sr. Fontes falla muito no exercito, e diz que o seu cuidado e a sua attenção se tem voltado para elle. Infelizmente sem proveito para o exercito e para o paiz! Eu desejaria que o sr. Fontes, em logar d'este modo vago com que nos falla, d'estas banalidades com que entretem, a camara, d'estes termos geraes com que discute, descesse das regiões olimpicas em que pretende liberar-se á realidade, e circumstanciadamente expozesse o seu systema, o seu plano, o seu pensamento; descesse ás minuciosidades, e nos mostrasse o que deve ser o exercito, e o que realmente elle póde ser.

Sr. presidente, em logar d'isto, que me parece rasoavel, o que eu tenho visto, e o que os factos comprovam, é que o sr. ministro da guerra, durante o periodo de oito annos, tem gasto sempre sem plano nem systema, e sem conta, peso nem medida, não tendo melhorado o exercito nem em disciplina nem em instrucção.

N'este presuposto, tanto lhe podem servir 18:000 com 30:000 homens, porque os resultados serão sempre os mesmos.

Portanto, a boa rasão aconselha não votar despezas que não preenchem o fim. Deixemos a questão sobre este aspecto. Olhemol-a ainda debaixo do ponto de vista financeiro. Eu já disse que as circumstancias eram graves, que a situação reclama toda a prudencia, toda a pevirdencia, o todo o cuidado, porque é difficil, e mesmo assustadora, e talvez em breve desesperada, acrescentei que temos um deficit que anda proximamente por 7.000:000$000 réis, se não os excede já, e uma divida fluctuante que monta a mais de 11.000:000$000 réis, e que em breve attingiria somma maior, se não fosse a antecipação do rendimento do tabaco.

Este quadro pouco agradavel, mas verdadeiro, tornar-se-ha mais carregado ainda se nos lembrarmos dos emprestimos feitos n'um curto espaço de tempo, e que sobem á somma importantissima de 148.750:000$000 réis, pela fórma seguinte:

1.° em 1867 no valor de............ 24.700:000$000
2.° em 1869........................ 54.000:000$O00
3.° em 1873........................ 38.000:000$000
4.° em 1877........................ 30.000:000$000

Os encargos que estes repetidos emprestimos têem trazido ao paiz são pesadissimos; já andarão por 3.000:000$000 a 4.000:000$000 réis annualmente; se a estes encargos addicionarmos os que provém dos novos emprestimos parciaes que o governo foi auctorisado a fazer para differentes melhoramentos, a situação peiorará e aggravar-se-ha cada vez mais.

Sr. presidente, v. exa. e a camara estarão sem duvide, lembrados do que o parlamento, n'estes ultimos annos, sob propostas do governo, tem votado milhares de contos para occorrerem a differentes despezas, e por isso tem contrahido novos emprestimos e levantado novas sommas para obras publicas no ultramar e para caminhos de ferro no norte do reino, e para muitos outros dispendios que agora não me lembram, mas contra os quaes protestei energicamente, apesar do governo procurar abafar a minha voz, promovendo prorogação de sessões, e sessões nocturnas, a fim de que eu não resistisse ao cansaço. Não o conseguiu, mas infelizmente os meus esforços foram baldados, e esses novos encargos ali estão fatal e irremediavelmente a affligir a nação.

Infeliz e desgraçadamente a situação triste, tristissima, em que se acha hoje Portugal, é esta! Depois das ultimas crises por que tem passado o paiz, ir lançar a mãos largas impostos, seria um grande erro, perigoso até.

A rasão e o bom senso aconselham hoje o que aconselhavam em 1872 e 1874 ao sr. Fontes - a reducção de despezas.

Sr. presidente, parece-me ter demonstrado á evidencia, que nem a disciplina, nem a instrucção do exercito periga com a reducção da força a 18:000 homens, e que sob o ponto de vista financeiro essa reducção é indispensavel.

Tenho, pois, sustentado a moção que mandei para a mesa que é a lei de 4 de agosto de 1869.

Concluiria aqui, para não fatigar a assembléa, as minhas reflexões, se não entendesse dever responder a differentes asserções do sr. Fontes, que não me parecem acceitaveis e de muita força. S. exa., referindo-se ao mappa do ministerio da guerra, diz que os 10:000 homens disponiveis é uma força limitadissima distribuida por 48 corpos, e que com ella era impossivel fazer os exercicios e as manobras nos acampamentos.

Sr. presidente, afigura-se-me que o sr. Fontes não observou, nem examinou, o mappa com a devida attenção, pois se o tivesse feito reconheceria logo que, alem dos 10:000

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homens promptos em parada, se poderia dispensar parte da força das situações temporarias na occasião em que começassem as manobras no acampamento de Tancos.

Toda a força que está em destacamentos e em diligencias está nas situações temporarias.

O serviço das diligencias é um serviço accidental e não permanente, e por isso a força que hoje está impedida póde estar ámanhã desembaraçada.

Emquanto aos destacamentos, direi que muitos são desnecessarios, como, por exemplo, todos aquelles que são mandados para os locaes onde existem outros corpos.

O destacamento que está em Castello Branco, o que está em Vizeu, o que está em Evora, e muitos outros, eram dispensaveis, e se os não quizessem dispensar sempre, pelo menos era dispensaveis na occasião das manobras.

Sr. presidente, o sr. Fontes conhece bem as cousas, e sabe com certeza que os 18:000 homens são o sufficiente na actualidade.

Não póde duvidar de que o mappa lhe dá forças bastantes e disponiveis para os exercicios e manobras, e, não obstante, não quer acceitar a minha proposta, e insiste na força de 23:000 homens.

Porque será isto, que fim occulto haverá aqui?

Sem duvida, alguma rasão imperiosa, que a camara não conhece, deverá existir.

Parece-me que vou direito ao alvo, parece-me ter descoberto essa rasão mysteriosa que determina a pertinacia do sr. Fontes.

Sr. presidente, como v. exa. muito bem sabe, o parlamento acabou com as remissões a dinheiro, fonte importante de receita de que o sr. Fontes tirava recursos prestantissimos para occorrer ás despezas illegaes.

Já não existe, e era necessario substituir esta fonte por uma outra não menos productiva. O que fez, pois, o sr. Fontes? Pediu em logar de 18:000 homens 23:000, e manda licenciar uma parte d'esta força para gastar n'outras despezas o que fóra votado no orçamento para aquelle fim.

Aqui tem a camara a rasão porque o sr. Fontes não traz o relatorio que a lei exige que acompanhe este projecto.

O relatorio não vem, porque o sr. Fontes não nos quer dizer quantos mil homens estiveram em armas durante todo o anno; porque o sr. Fontes não nos quer dizer, quantos morreram, quantos estiveram licenciados, e sobretudo o que fez d'essas importantes verbas que não se gastaram, e que reverteram em beneficio do thesouro.

Aqui tem a camara qual o verdadeiro motivo, qual a rasão mysteriosa que determinou a pertinacia do sr. Fontes em sustentar o projecto tal qual está.

Sr. presidente, as rasões por que se pretende que no orçamento se vote a verba para 23:000 homens, são estas. Creia-o a camara, e veja na sua consciencia, que o sr. ministro da guerra não apresentou uma unica rasão que colhesse, que fosse seria e grave, e que para se justificar diz apenas, que quando as camaras votavam meios para pagar a 15:000 homens, havia sempre praças a mais nas fileiras e se gastava mais da verba votada pelo parlamento, e que isto succederia sempre, porque não chegava aquelle numero de praças para occorrer ás necessidades do serviço.

Isto quer dizer que os ministros da guerra não cumprem as resoluções do parlamento, isto significa, que elles não têem respeito pelo systema representativo e pelos corpos que fazem as leis; isto quer dizer, que sem escrupulo, nem consideração o poder executivo por arbitrio proprio se substitue ao poder legislativo.

Sr. presidente, esta audacia do sr. ministro da guerra de declarar diante do parlamento que, embora elle vote 18:000 homens, ha de gastar mais do que a verba votada, exprime bem o que é o systema representativo entre nós.

Isto, por certo, não ousaria o sr. Fontes pronunciar diante de um parlamento, cujas maiorias não tivessem sido preparadas por s. exa.

Se o sr. Fontes tivesse a convicção de que o systema representativo entre nós não era uma ficção, mas uma realidade; se estivesse convencido de que o governo do paiz devia ser e era feito pelo paiz elegendo livre e independentemente os seus representantes; se, finalmente, estivesse convencido que lhe tornariam effectiva a responsabilidade de qualquer infracção da lei que praticasse, e que o parlamento lhe tomaria escupulosas contas dos seus actos, o sr. Fontes não se atreveria a elevar a força alem da legalmente votada; não se atreveria a pagar-lhe, e muito menos a vir dizer ao parlamento que não tinha feito caso da sua resolução.

O que eu vejo, por esta declaração do sr. presidente do conselho de ministros, e o que eu reconheço agora é que em 1872, quando o sr. Fontes sustentava tão boas doutrinas, nos estava illudindo, que estava dizendo uma cousa e sentia outra no seu coração, que nos estava affirmando aquillo que tinha intenção de não fazer, como os seus actos posteriores vieram demonstrar.

Sr. presidente, se querem exercito disciplinado e instruido, organisem primeiro as finanças; sem isso nunca o conseguirão.

A administração dos governos regeneradores, presididos pelo sr. Fontes, é a negação da disciplina no exercito, e da organisação das finanças.

A melhor organisação militar não poderá existir quando não haja boa administração no paiz.

Isto é intuitivo; mas não obstante quero escudar-me n'esta opinião com os factos historicos, com a auctoridade de grandes homens de estado.

O sr. Thiers, que prestou tão relevantes serviços á França, e que entendia das cousas militares, como se fosse militar, dizia que o primeiro elemento militar de um paiz era o equilibrio da sua receita com a sua despeza.

Elle não dizia só isto, traduzia-o em factos, mostrava por obras que as suas palavras eram filhas de profundas convicções.

Depois dos grandes revezes por que passou a França, levantada do abatimento, pagava a enorme contribuição de guerra, e evitava que o solo francez fosse pisado pelo vencedor orgulhoso, e conseguia tudo isto pela sua sabia, economica e sensata administração.

Sr. presidente, não era só o sr. Thiers que proclamava e praticava esta doutrina, eram todos os homens eminentes da França que o acompanhavam e seguiam n!este caminho, collocando assim a França de novo n'uma posição elevada diante da Europa e da sua rival.

Esta doutrina é que engrandeceu a Prussia, e que fez da Prussia de hontem a Allemanha de hoje.

Esta doutrina tem sido seguida de ha longos annos na Prussia por todos os seus homens de estado; Frederico, o grande da Prussia, compenetrado d'esta doutrina, applicando-a á administração e ao systema financeiro, elle, o rei de um povo cujo territorio era de pouco mais de 2.000:000 habitantes, teve de combater durante sete annos contra a Europa inteira, e depois de ter sustentado uma lucta collossal e gigantesca, morria deixando os seus estados augmentados no dobro, as suas finanças organisadas, porque nem a guerra havia podido desorganisal-as, e os cofres transbordando de oiro.

Mais tarde o general Charnorst, que estabeleceu o serviço obrigatorio na Prussia, depois da batalha de Jena, para a salvar, e eximir das humilhações por que estava passando, compenetrou-se d'esta miraculosa doutrina; e não obstante, nada poderia fazer senão tivesse a seu lado o sr. Stein, que era ministro da fazenda de então, que punha em pratica e em execução estes bons principios.

Lembrarei ainda n'esta occasião um dito memoravel de um general francez; refiro-me ao general Turenne. Perguntado a este general o que era necessario para fazer a

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guerra, respondeu que tres cousas - dinheiro, dinheiro e dinheiro.

Esta resposta, tanto expressiva como profunda, quer dizer que os governos, para obterem dinheiro sem sacrificar o paiz, precisam ter economia, bom senso, administração rigorosa e organisação da fazenda publica.

Sem estas condições, sr. presidente, sem estas idéas postas em pratica, sem estes principios realisados, jámais poderemos ter exercito disciplinado e instruido.

Sr. presidente, o melhor de todos os exercitos é um bom governo. Se nós o tivessemos, escusavamos de fazer despezas enormes com as fortificações, com as praças de guerra e com o exercito; mas, se as quizessemos fazer, fal-as-íamos sem penosos sacrificios para a nação.

Eu desejaria bem, e o paiz lucraria bastante, se o sr. Fontes se compenetrasse uma vez da necessidade de governar economicamente, e de que é dever da todo o homem publico administrar os haveres da sociedade com rigoroso escrupulo. O sr. Fontes lançou-se já n'um caminho de que difficilmente poderá retrogradar, porque perdeu a rigidez e austeridade de outros tempos.

Houve tempo em que eu admirei muito o sr. ministro da guerra. Era quando elle governava com as suas idéas, com os seus principios e com as suas convicções; era quando essas convicções profundas ennobreciam o seu caracter pela orgulhosa tenacidade com que as defendia; era quando se me afigurava o sr. Fontes um d'estes homens de antes quebrar que torcer, firme nas suas opiniões e admiravel pela coragem com que arrostava a impopularidade quando tratava de cumprir o seu dever. O sr. Fontes de então, a quem eu prestava homenagem pelo seu caracter, offuscado pelo poder e seduzido pelos seus attractivos, esqueceu-se da sua missão; e levado pela tendencia fatal para as prodigalidades, lançou-se n'um caminho fatal e errado. O paiz indignou-se, e a sua queda foi a consequencia. Então a idéa de reformas e economias elevou ao poder o sr. bispo de Vizeu, que, apesar dos bons desejos, nada obteve. Parece que o sr. Fontes deveria ter aprendido com a experiencia, com a observação e com a desgraça. Mais tarde, depois de alguns annos, quando voltou ao poder, quiz seguir o systema de governar com a opinião publica; era então que publicava os sensatos relatorios de 1872 e de 1874, e que pronunciava os judiciosos discursos de 1872, dos quaes a camara conhece já alguns trechos ultimamente aqui citados.

Pouco durou aquelle proposito: seduzido outra vez pelo brilho do poder, e impellido pela sua inclinação fatal, lançou-se no caminho dos desperdicios, mas agora peior do que nunca, porque em troca da conservação do poder sacrificou idéas, convicções e principios.

Grandes devem ser os prazeres nas altas regiões do poder, para que um homem nas condições do sr. Fontes se veja vergado n'aquellas cadeiras sob o peso de todas as humilhações, de todas as censuras, de todas as contradicções que lhe lancem em rosto, sem que ouse levantar a sua voz indignada para as afastar de si, para as repellir e para desafrontar a sua dignidade offendida.

Sr. presidente, o silencio, que é mais uma humilhação no systema parlamentar, agora é a pressão da consciencia que se angustia.

Sr. presidente, a situação do paiz é triste e assustadora como a descrevi, e a administração mestra do sr. Fontes é que tem conduzido Portugal á borda do abysmo. Espero, comtudo, que não clamarei no deserto; que o acordar do Leão será terrivel; e que o povo, um dia, conhecendo a sua força e os seus direitos, fará justiça por suas mãos, libertando-se dos especuladores que o têem explorado em proveito proprio e dos seus.

O sr. Marquez de Sabugosa: - Sr. presidente, não tencionava tornar a pedir a palavra n'esta discussão, principalmente sobre a generalidade do projecto, porque não queria de maneira alguma abusar da paciencia da camara.

Para lavrar um protesto a respeito da illegalidade, que julgo existir com relação á conservação da reserva no serviço do exercito, já tenho dito bastante.

Não podia, comtudo, deixar sem resposta algumas asserções que ouvi ao digno par o sr. Camara Leme, asserções que ouvi ou pareceu-me ouvir, e sinceramente desejo ter-me enganado.

Dirigindo-me ao sr. camara Leme, desejava antes ter de o fazer n'aquelles termos que mais naturaes eram a quem é parente, antigo amigo e admirador das suas qualidades, e como fiz na sessão passada quando citei o seu interessante livro.

Não posso, comtudo, deixar de responder devidamente ao que s. exa. aqui disse, e devo fazel-o, senão com severidade, comtudo como a dignidade propria e partidaria o exigem.

E o caso de dizer: Amicus Plato sed magis amica veritas.

Pareceu-me ouvir dizer a s. exa., que os ministros da guerra do partido progressista tinham feito as reformas ou organisações do exercito no intuito de beneficiarem as armas a que pertenciam. Não sei se foi isto o que s. exa. disse, mas o seu silencio parece confirmal-o.

(Áparte ao sr. Camara Leme,}

S. exa. não affirmou, disse que lhe parecia!

Isso indica, perdoe-me o digno par que lhe diga, que as suas palavras não foram devidamente meditadas. Perdoe-me s. exa. que lhe diga isto, porque não se accusam homens como o sr. marquez de Sá da Bandeira, como o general Passes, como o general Luiz Maldonado, sem se provar a accusação que se lhes dirige.

Todos estes generaes, como homens publicos, podem ter errado; os seus actos estão sujeites á critica, mas essa critica não se exercita dizendo que s. exas. favoreceram as armas a que pertenciam.

A critica faz-se apresentando os erros de quem se pretende accusar, mas não levantando duvidas ácerca cãs suas intenções. As palavras, pois, do digno par, ou não exprimiram o seu pensamento ou não foram devidamente meditadas.

Não é necessario defender aqui a memoria do sr. marquez de Sá; a sua memoria todos aqui a respeitam, é venerada por toda a camara; e mesmo o sr. Canara Leme affirmou no seu discurso o respeito que tinha por aquelle nobre caracter (O sr. Camara Leme: - Apoiado.), e quanto acreditava nas suas rectas intenções.

O sr. Passos e o sr. Maldonado são tambem dignos da nossa consideração. (Apoiados,} E a estes dois generaes, um que já não existe, e outro que grave doença tem atormentado, e que não tem logar n'esta casa, não se podem fazer: aqui accusações sem as necessarias provas, e muito menos attribuir intenções que não sejam as do verdadeiro zêlo pelo serviço publico.

Sr. presidente, todos aquelles cavalheiros quando fizeram importantes reformas no exercito já eram generaes, não lhes aproveitava, pois, qualquer beneficio para a sua arma, mas seria pela rivalidade entre as differentes armas? Essa póde dar-se mais nos criticos do que nos homens na posição d'aquelles tres generaes. Conveniencia partidaria ha de ser difficil provar que a podesse haver.

Não é necessario ter grandes conhecimentos militares, para se entender, pelo relatorio do nobre marquez de Sá da Bandeira, de 1868, a rasão que elle teve para fazer as reformas que emprehendia; ali explica os motivos de conveniencia publica que o levaram a diminuir o quadro do estado maior e augmentar o da engenheria.

Tenho aqui esse relatorio, e não procurei mais documentos para defeza dos actos dos ministres accusados, porque a accusação era vaga, vinha desacompanhada de provas, e não me obrigava, pois, a contra-provar.

Fal-o-ía, comtudo, se fosse necessario, com muito trabalho de certo para mim, leigo n'estes assumptos, mas estou

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certo que havia poder mostrar as rasões de conveniencia publica, que aquelles generaes tiveram nas reformas que emprehenderam.

Estimo, comtudo, não ter que comprehender esse estudo na legislação militar, porque a julgarmos por um facto que se dá, essa legislação é um labyrintho.

Desde 1871 que está encarregada uma commissão de codificar a legislação militar, e apesar dos disvelos do actual ministro da guerra, por tudo que diz respeito á sua repartição, não conseguiu ainda que essa commissão apresentasse o resultado dos seus trabalhos.

Que grande deve ser a confusão em que essa legislação se encontra!

Disse tambem o sr. Camara Leme, que o sr. marquez de Sá da Bandeira tinha suspendido uma lei por um aviso; mas, parece-me que s. exa., n'este ponto, está tambem um pouco confundido, o que não admira, porque o digno par para defendermos actos do actual sr. ministro da guerra, pela fórma por que o fez, de certo o seu espirito devia estar muito preoccupado e luctar com grandes difficuldades. E a prova d'isso é que s. exa., citando os ministros da guerra mais competentes que têem havido em Portugal, lembrou apenas tres nomes - o de Agostinho José Freire, o do barão da Ribeira de Sabrosa e o do sr. Fontes; mas esqueceu-lhe um outro, o do marechal Saldanha, Mecenas do seu livro, presidente do conselho e ministro da guerra do gabinete de que s. exa. fez parte.

De tal modo o digno par estava preoccupado, que nem se lembrou do nome do marechal Saldanha!

Mas, sr. presidente, o sr. marquez de Sá suspendeu, é verdade, por um aviso, por um acto do poder executivo, não uma lei, mas um decreto por elle referendado, e que era outro acto do executivo.

O decreto de 10 de dezembro de 1868, ácerca das promoções, foi suspenso pela ordem do exercito de 15 de janeiro do 1869, até se publicarem os necessarios regulamentos.

Quando houvesse irregularidade era de fórma, eram todos esses actos do poder executivo; e, portanto, tinham a mesma responsabilidade constitucional.

O decreto é que exorbitava talvez das faculdades do executivo, mas era porque o governo assumira a dictadura.

As dictaduras não têem defeza perante a constituição; mas essas responsabilidades em que alguns homens publicos do nosso paiz têem incorrido acham-se constitucionalmente sanccionadas, e não vem agora para o caso tratar.

Na suspensão do decreto não houve, pois, irregularidade; e se era conveniente, porque se não tem posto em execução decretando os necessarios regulamentos?

Sr. presidente, devendo, pois, acreditar que as palavras do digno par, o sr. Camara Leme, não tinham intenção offensiva para aquelles tres generaes, devendo acreditar que essas palavras eram antes uma provocação ao partido progressista, do que uma desconsideração immerecida aquelles militares; acceitando o repto em nome do partido a que me honro de pertencer, não farei como reconvenção uma longa serie de accusações partidarias, não irei buscar materia nova, limitar-me-hei a fazer algumas considerações sobre as glorias com que o mesmo digno par quiz honrar o sr. presidente do conselho.

Desejo ser muito breve.

Sr. presidente, o partido progressista honra-se com os esforços empregados pelo nobre marquez de Sá para a defeza do paiz.

Honra-se com os esforços empregados pelos outros ministros da guerra para melhorar a organisação militar, esforços que se affirmam pelos seus actos, bem como o desejo de economisar os dinheiros publicos, e que não se limitaram á compra de armamento e materiaes de guerra.

Sr. presidente, o decreto de 10 dezembro de 1868, que tratava das promoções, foi suspenso, como disse, porque se entendeu que era necessario fazer alguns regulamentos para a sua execução.

Mas se é de admirar que esse decreto fosse suspenso por um aviso, não é mais de admirar que até hoje, ha oito annos quasi seguidos da gerencia do sr. ministro da guerra, nem apparecessem os regulamentos nem se apresentasse ao parlamento outra lei de promoções?

Mas, quer v. exa. saber a rasão por que o sr. ministro não tem levantado a suspensão a esse decreto, ou não tem procurado nova lei para as promoções? E porque tem querido dar uma interpretação a seu modo á lei anterior das promoções, dando esta interpretação em resultado o que eu vou apresentar á camara.

S. exa. tem entendido, que quando sáe um official para qualquer commissão que não seja militar, este official deixa uma vaga no quadro, e nomeia logo outro para esse logar; de sorte que, quando cesse a commissão civil do outro, encontra-se um a mais no quadro respectivo.

Isto succedeu ainda ha pouco com o sr. Camara Leme, coronel do estado maior, para o logar do qual foi promovido outro militar, quando s. exa. foi nomeado governador civil de Lisboa. Quando deixar essa commissão volta para o quadro onde já existe outro.

Quer v. exa. ver qual é o quadro effectivo dos officiaes do exercito, comparado com o quadro legal, em vista da interpretação que o sr. ministro tem dado á lei?

"O quadro dos generaes de brigada no estado maior, engenheria e artilheria, é de 7 generaes. Existem 15, isto é, 8 a mais. A infanteria e cavallaria tem o quadro completo.

"No corpo do estado maior o quadro legal é de 3 coroneis, 4 tenentes coroneis, 4 majores, 20 capitães, e ha 9 coroneis, 9 tenentes coroneis, 5 majores e 25 capitães.

"Na engenheria o quadro legal e de 8 coroneis, 8 tenentes coroneis, 8 majores, 36 capitães, 40 tenentes, e ha 18 coroneis, 9 tenentes coroneis, 17 majores, 48 capitães e 21 tenentes. Para compensar a falta de tenentes ha officiaes de cavallaria e infanteria para o serviço do batalhão e parque.

"Na artilheria o quadro legal é de 11 coroneis, 11 tenentes coroneis, 12 majores, 60 capitães, 43 primeiros tenentes é 48 segundos tenentes, e existem 18 coroneis, 18 tenentes coroneis, 13 majores, 74 capitães, 44 primeiros tenentes e 20 segundos tenentes. Para compensar a falta dos segundos tenentes ha officiaes subalternos de cavallaria e infanteria.

"Na cavallaria o quadro legal é de 10 coroneis, 11 tenentes coroneis, 10 majores, 56 capitães, 58 tenentes e 58 alferes, e existem 10 coroneis, 11 tenentes coroneis, 16 majores, 73 capitães, 79 tenentes e 66 alferes.

"Na infanteria o quadro legal é de 30 coroneis, 30 tenentes coroneis, 36 majores, 256 capitães, 256 tenentes e 250 alferes, e existem 32 coroneis, 39 tenentes coroneis, 42 majores, 322 capitães, 311 tenentes e 272 alferes.

"N'este calculo não conto os tenentes e alferes destinados ao estado maior e engenheria, em numero de 21, e 6 alferes dos denominados da meia noite.

"O numero total dos reformados é de 992!"

Pelo que acabo de ler vê v. exa. que o quadro legal das differentes armas do exercito está immensamente augmentado, e isto pela interpretação que o sr. ministro dá á lei.

S. exa. ou interpreta as leis á sua vontade, ou despreza-as, e depois vem dizer-nos, quando aqui é admoestado ou censurado pelos abusos praticados, que o silencio do parlamento até então é prova de ter sanccionado o seu procedimento.

É por isso, sr. presidente, que eu vou apresentando á camara algumas propostas para serem remettidas á commissão, porque embora ali se demorem fica o protesto lavrado, e se vierem á discussão hão de ser resolvidas com o voto d'esta assembléa.

Como o sr. ministro da guerra tem procurando organisar

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o exercito, mostrava bem o estado dos quadros dos officiaes como ha pouco fiz ver, e isto pela interpretação que s. exa. dá á antiga lei de promoções, deixando suspenso um regulamento ou decreto de 1868, e não procurando que lhe seja votada lei nova.

O sr. D. Luiz da camara considerou como tres florões de gloria do actual ministro da guerra - o campo de Tancos, o codigo penal militar e a escola de cavallaria.

(Áparte do sr. Camara Leme.)

Então são quatro florões. Esquecia esse. Comtudo vamos a ver como tanta gloria se desfaz em fumo.

Temos em primeiro logar o campo de manobras, cujas contas já ouvi n'esta casa comparar com as de Gonçalo de Cordoba. Lembro-me de ter lido n'alguma parte o escripto de um general muito distincto, onde se fazia ver que a sciencia militar não dava modernamente a esses campos de instrucção o mesmo apreço em que os tinha n'outras epochas, entendendo que os exercicios deviam ser feitos em campo aberto, conforme as circumstancias do problema a resolver.

Quanto ao codigo penal militar, é certo que ouvi a alguns officiaes do exercito fazerem critica severa de algumas das suas disposições; póde ser que contenha outras que sejam excellentes, não sou competente para as avaliar; mas o que é certo é que sobre todos caiu um borrão, introduzindo-se novamente n'aquelle codigo a pena de morte.

Tem dito o sr. presidente do conselho, que não façamos politica com as questões militares; disse-o hontem o sr. Camara Leme, apesar de s. exa. parecer que guarda para si o exclusivo; o sr. ministro da fazenda e outros membros da maioria dizem não se faça politica com as questões da fazenda! Mas o que é politica, e quaes são as questões politicas? A opposição é que só deve encarar as questões pelo lado de administração, e a maioria pelo lado da confiança politica.

É uma doutrina admiravel.

Tambem o sr. Camara Leme, quando se referia hontem ao codigo penal militar, e alguem o interrompeu para lhe lembrar que a pena de morte tinha sido commutada a Antonio Coelho, ouvimos tambem a s. exa. dizer, que não se fallasse n'esse assumpto em que tinha entrado a especulação politica. Mas, pergunto, quem especulou? Foi quem defendeu a inviolabilidade da vida humana? Ou quem sómente, para incensar o militarismo, introduziu no codigo militar a pena de morte? Quem promettia satisfazer a essas exagerações da disciplina que pediam um espectaculo de sangue? Quem procurou augmentar as sympathias no exercito á custa de Antonio da Costa e Antonio Coelho? Mas depois veiu a hora do desengano.

Estou persuadido de que uma parte da doença que obrigou o sr. presidente do conselho a deixar aquella cadeira por algum tempo, foi devida á difficuldade em que se encontrava relativamente aos réus militares que estavam condemnados á morte.

O sr. presidente do conselho sabia que não havia assignatura que s. exa. podesse referendar, e sabia tambem que o paiz não acceitava o facto de uma execução. E como tirar-se d'esta situação? Retirou-se do poder, e saiu para fóra do reino para não assistir mesmo ao conselho d'estado, e v. exa. propor a El-Rei, como era natural, a commutação da pena para os criminosos.

Assim, ao menos, não teve que fazer completamente o contrario das promessas tacitas, senão expressas, que tinha feito.

Outra das glorias do sr. Fontes, que se foi em fumo!

Resta a escola de cavallaria, que está a dormir, e não a acordemos. Se a pozerem em execução veremos então o que é.

Sr. presidente, eu vou acabar, porque não desejo cansar a camara; mas antes d'isso eu não posso deixar de dizer ao sr. D. Luiz da Camara Leme, que eu estou certo que s. exa. ha de ser muitissimo zeloso no cumprimento dos seus deveres como governador civil, e quero persuadir-me, estou quasi certo, pelo modo por que eu avalio o seu caracter, que s. exa. não ha do fazer politica com o recrutamento; é uma excepção á regra.

Todos nós sabemos se se faz ou não politica com o recrutamento.

Nós vimos as portarias do sr. Fontes quando geria a pasta do reino, nas quaes censurava a bondade que o seu collega tinha tido para com os governadores civis que não mandavam o numero necessario de recrutas, e vimos tambem o que s. exa. fez com relação ao que succedeu em Villa Nova de Famalicão e no districto de Braga.

Sabemos perfeitamente que o recrutamento é uma arma eleitoral, e das mais fortes.

Mas, dizia eu, sr. presidente, que o sr. D. Luiz da Camara Leme ha de ser uma excepção; comtudo, peço a s. exa. que não applique á administração do seu districto o principio, que ouvi sustentar ao digno par, de que actualmente estavamos no tempo em que o que prevalecia era o direito da força e não a força do direito.

O sr. Camara Leme: - Eu disse em relação ás nações.

O Orador: - Ainda bem, porque se applicasse esse principio á administração do seu districto seria muito incommodo para os administrados.

Não entrando de novo na questão principal que se discute, sobre a qual já disse o que se me offerecia, desejo concluir; mas antes d'isso permitta-me a camara que eu me refira ao que o sr. presidente do conselho disse aqui no outro dia ácerca da reserva não causar vexame nem despeza.

Emquanto a haver vexame, já noutro dia mostrei que o havia; e emquanto a despeza, não estava eu certo se ainda havia ou não; custava-me a crer que não se aproveitasse como pretexto, mas ao mesmo tempo não via em que a despeza se fizesse, pois que no orçamento já figuram todas as praças que estão em armas. Verifiquei, porém, que ainda ha despeza.

No relatorio que precede as proposstas de lei apresentadas este anno pelo sr. ministro da fazenda, encontra-se a pag. 33, mappa n.° l, o seguinte:

Reserva............................... 13:807$692

Ainda se faz, portanto, despeza com a reserva.

Ha, pois, vexame e despeza, apesar do que assevera o gr. presidente do conselho.

Sr. presidente, não desejo cansar a camara, por isso finaliso aqui as minhas considerações.

O sr. Carlos Bento: - Sr. presidente, eu não quero tomar tempo á camara; no entanto, direi duas palavras.

Eu acceito a questão nos termos em que a collocou o sr. presidente do conselho, sem querer, com esta minha opinião, contrariar a dos dignos pares que entendem o contrario.

Eu creio que se póde approvar o projecto sem prejuizo do que póde fazer-se com respeito ao effectivo da força do exercito.

Eu bem sei, sr. presidente, que fazem muito bem os illustres membros d'esta casa do parlamento, que entendem que se deve tratar d'esta reducção, antes mesmo de se discutir o orçamento, aproveitando o ensejo para insistir n'este ponto.

Eu sinto-me mais animado em relação á modestia que devia ter, entrando n'este assumpto, porque vejo que o antecessor do actual sr. ministro da guerra, que é um militar distinctissimo, e cuja competencia ninguem desconhece, é de opinião que se póde muito bem fazer o serviço com um numero de praças (21:000) inferior ao que se indica no projecto.

Parece-me que uma das cousas de que devia cuidar o sr. ministro da guerra deveria ser o providenciar por fórma que não fosse obrigado a ter 3:000 homens de cada

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contingente em exercicio juntamente, procedendo-se ao chamamento d’elles por fórma que se não desse o que se está dando.

Esta questão, porém, parece-me, como muito bem se disse, aqui, que tem todo o cabimento por occasião da discussão do orçamento do estado.

Eu não gósto de recorrer a exemplos de nações estrangeiras, mas como se têem feito essas citações, e muitas vezes por um modo truncado, eu não posso tambem deixar de recorrer a esses exemplos.

Citou-se como auctoridade a organisação das reservas na Prussia, mas não se disse por que rasões ellas foram organisadns.

É sabido que ellas deveram a sua origem á exigencia que Napoleão fez, não desejando que se conservasse em armas n’aquelle paiz um numero tão consideravel de homens como existia.

A Prussia cedeu, mas de 1807 a 1813, pelo estabelecimento do curto tempo de serviço, conseguiu que Napoleão ficasse perfeitamente illudido.

Este facto originou a organisação das reservas, e foi devido não. só ao talento do general Sharnhorest, mas principalmente, e muito principalmente, ao grande talento administrativo do barão Stein; tanto assim que Napoleão, com a sua sagacidade, com aquella sua omnipotencia que tantas vezes perde o homem, e que o perdeu a elle, mandou uma insinuação á Prussia para afastar do serviço aquelle grande estadista.

Ora, sr. presidente, sendo assim, eu entendo que póde apparecer, e deve apparecer, occasião de tratar esta questão, porque é preciso que se tratem todas as questões, para que cada um se possa julgar com direito a seguir este ou aquelle systema.

Permitta-me s. exa. que lhe diga que a questão de fazenda não. perdeu o direito por não ter sido ainda devidamente tratada, e mesmo porque se diz que ainda tem remedio, é que o sr. presidente do conselho não deve entender que o seu adiamento, deva ser perpetuo.

O chanceller do. imperio allemão, principe de Bismark, acaba de dar provas da consideração que lhe merece o estado, a fazenda, pondo-se á testa dá reforma do systema financeiro.

Por consequencia, estar-se sempre a dizer: não façamos questão politica da questão da fiscalisação, não façamos questão politica da questão da força armada, não póde ser, porque eu entendo que é preciso que as nações, que não são de primeira ordem, olhem ainda mais para o melhoramento das suas finanças do que as outras.

A Suecia será uma nação indifferente á boa organisação das suas instituições militares? De certo que não. Pois, sr. presidente, a Suecia, deu-nos uma grande lição, entendendo que devia reduzir de alguma maneira as despezas que fazia com. o seu exercito. Tudo isto não será um conselho que se nos dá?

Ora, o. sr. presidente do conselho, a ultima vez que foi ministro da. fazenda, entendeu que se não devia recuar diante, da. necessidade de diminuir o orçamento da despeza, ainda fez mais; s. exa. disse que estava arrependido de não ter concorrido para diminuir mais o deficit. Comtudo, sr. presidente, depois de tantos annos de administração de s. exa., o deficit não só não tem recuado, mas até parece que se tem vingado um pouco da má vontade que s. exa. lhe tinha mostrado nas suas declarações como ministro da fazenda.

Devemos-nos lembrar que a Suecia frue ha seis ou sete annos da fortuna de ter um excesso de receita sobre a despeza, e se ali se entendeu ultimamente que era pouco tudo quanto se fizesse para continuar, não já no equilibrio do orçamento, mas no goso do excesso da receita, foi isso resultado de difficuldades momentaneas do presente. É que ali estão mal costumados; não conhecem o deficit, e o que elle tem de agradavel; e se soubessem o que se passa entre nós, reconheceriam que se vive admiravelmente, prolongando-se o deficit por uma serie interminavel de annos.

Mas qual é o exemplo que nos deixou o sr. presidente do conselho, no ultimo exercicio de s. exa. como ministro da fazenda? O sr. Fontes não se aterrou com tres a quatro mil contos de deficit, e propoz todas as medidas que julgou indispensaveis para acabar com o deficit, e conseguiria até ter um saldo effectivo de 20:000$000 réis, se acaso fossem adoptadas todas as medidas que propunha, entre as quaes havia uma que tem relação com a organisação militar. S. exa. propoz, que se contratasse com os bancos para fazerem face ás sommas importantes que era necessario despender para a reforma dos militares, e estabeleceu a regra de que, para haver nova reforma fosse necessario o cabimento, devendo vagar a importancia dos soldos de dois individuos reformados.

Esta proposta do sr. Fontes, quando geria a pasta da fazenda, prova que s. exa., como encarregado d’aquella pasta e como chefe do gabinete, entendia que o seu primeiro dever era occorrer ás difficuldades que existiam quanto á administração financeira.

A medida a que acabo de fazer referencia subsistiu quanto ao contrato com os bancos; mas em relação á modificação do cabimento, acabou com a saída do sr. Fontes do ministerio da fazenda.

E não se diga que muita gente tem culpa dos factos que dão logar. a reparos,, pois com isso não se adianta nada, nem nada se remedeia.

Sinto não estar presente o sr. bispo de Bragança, que tão bons conselhos nos deu, e nos citou o exemplo, muito conhecido de nós todos, que temos lido o Novo testamento, de Christo dizer:

«Aquelle que se achar sem culpa atire a primeira pedra á peccadora.»

Mas Christo disse tambem á peccadora, que não tornasse a peccar.

Acho que ninguem deve atirar a pedra, mesmo porque não está já em uso esta penalidade; devemos, porém, arrepender-nos todos das nossas culpas, o que é uma necessidade. E creio que sempre é tempo de arrependimento, e de arrependimento financeiro é hoje mais tempo do que nunca o foi.

Por consequencia supponho que ha de ser attendida na discussão do parlamento a objecção d’aquelles individuos, que julgam que o effectivo da força do exercito póde ser reduzido.

Tambem supponho que o sr. presidente do conselho ha do ter em attenção um projecto que foi mandado para a mesa, providenciando sobre a reserva, e que esse projecto não será atacado da somnolencia que acommette muitos outros que são mandados ás commissões d’esta casa.

Confesso a verdade, que examinando eu o mais que posso as condições a que está sujeita em outros paizes a primeira reserva, não vejo que em nenhum d’elles haja o rigor que entre nós se tem desenvolvido por mais de uma vez a respeito desta classe; pelo contrario, encontro provas de que essa reserva nos outros paizes merece a maior solicitude, solicitude que não tem sido uso empregar em Portugal.

A este respeito, eu recommendaria ao sr. presidente do conselho o modo de conceder as licenças ás praças da reserva, porque o praso de dois mezes que se concede, ainda que se possa renovar, parece-me que prejudica muito a possibilidade de se empregarem utilmente os individuos que recebem essas licenças.

Em Inglaterra a reserva, que não está na actividade do serviço, ganha quatro vintens por dia, porque se entendeu que ninguem deve estar prejudicado, e que os individuos que estavam n’aquella classe, estavam um pouco prejudicados; mas entre nós não acontece assim; aqui entende-se que a reserva ha de fazer parte elo serviço do exercito activo, e

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apenas por muito favor se lhe concedem dois mezes de licenças.

Ora. isto concorro consideravelmente para tornar maior uma certa indisposição que ha já para o serviço militar, e não creiam s. exas. que é indifferente esta consideração, porque todos nós sabemos que do contingente que é chamado para as armas, sáe uma forte emigração, para o que concorre muito a idéa de que no serviço militar ha, alem da obrigação que impõe o serviço activo, o que impõe a reserva de cinco annos, elevando assira o serviço activo a oito annos.

E desde que entendermos que estes cinco annos de reserva se devem considerar como augmento do serviço, a idéa do sr. marquez de Sá, que é hoje idéa geral, Sés. prejudicada. A reserva antigamente era apenas sem serviço e a effectividade do serviço de agora é o contrario; comtudo, ficando a reserva serviço rigoroso, o sacrificio é muito superior, porque voz de diminuir o tempo de serviço augmenta.

Com relação á escola do cavallaria, eu não me atrevo a condemnar o governo pela demora que tem tido de levar a cabo a sua fundação; e n’este ponto até direi ao digno par, o sr. Camara Leme, que ainda bem que o governo tem tido a difficuldade de encontrar local para formar a sua escola de cavallaria, porque entendo que é OTCCÍSO haver prudencia no dispendio de quaesquer quantias, que, sem trazerem grande prejuizo, se poderiam evitar. E digo isto com muito pouco remorso, desde que vi que foi um distincto general de cavallaria que aboliu a escola d’aquella arma e que um outro general, não menos distincto, declarou que só a faria suppri0mindo um corpo de cavallaria.

Eu não digo que não seja uma cousa util; mais ha muitas cousas uteis sem as quaes nós estamos passando e não vivemos peior por isso. Ainda em relação a algumas observações feitas pelo sr. Camara Leme, militar distincto que o tem mostrado pelas acções, pela palavra e pela escripta, direi que s. exa. anima, um pouco aquelles que não vêem em tudo perfeições nas cousas militares, porque o meu illustre amigo entendeu que militares muito distinctos, quando foram ministros, tratavam de favorecer quanto podiam as armas a que pertenciam. Isto traz-me a convicção de que é necessario discutir e estudar muito bom qual deve ser a verdadeira organisação do exercito, e ver que em paizes de pouca população como o nosso, por exemplo, na Suecia, tem-se proposto umas poucas de organisação do exercito, e as côrtes têem sempre votado contra ellas.

E não se póde dizer que a Suecia não seja amiga da sua independencia, e não aprecie as qualidades militares dos individuos que fazem parte do exercito.

Tambem o meu illustre amigo, o sr. camara Leme nos disse que era necessaria a organisação da força militar, porque hoje em dia não se póde contar com os alliados. Parece-me que o sr. ministro dos negocios estrangeiros não devia ficar muito satisfeito com esta observação. Quanto a mim, entendo que presentemente sem o auxilio dos alliados, qualquer que seja a força e organisação do exercito de uma nação, se torna impossivel triumphar no campo de batalha.

Não ha ainda muito tempo, um homem que estava testa de uma das primeiras nações do mundo, deu um prova bem triste do que sem alliados nada só consegue. As allianças internacionaes são indispensaveis.

O que é verdade, e n’este sentido talvez o meu illustre amigo, o sr. Camara Leme, quizesse que e entendessemos é que, para poderem contar com os alliados, precisam as nações mostra? que estão dispostas a defender-se. Eu noto que as allianças nunca foram tão necessarias como agora pois vae adquirindo muitos proselytos a idéa do direito da força, os quaes, por consequencia, nao reconhecem a força do direito.

Alguem quiz attribuir esta opinião ao principe de Bismark; mas este, que deve tantas obrigações á força, repeleliu que assim pensavam, declarando que nunca tinha sustentado taes principios.

Terminando, pediria ao sr. presidente do conselho que, na occasião de tratarmos aqui da questão de fazenda, s. exa., se os seus deveres lho permittissem, estivesse presente a essa discussão, porque eu confesso que me vejo obrigado, pelo logar que n’esta casa occupo, a pedir explicações da parte do governo a tal respeito.

Creio que nem elle, nem eu devemos estar inteiramente satisfeitos em relação á situação financeira do paiz, e que na presença de um déficit consideravel não é agradavel a indicação, já apresentada na outra camara, de adiar para o anno immediato o estudo dos meios a pôr em pratica para reduzir e acabar.

Parece-me que similhante adiamento conta demaziado com a resignação parlamentar, a qual julgo de grande inconveniencia, por isso que devemos attender sem demora á resolução de uma questão de tanta importancia, cuja resolução é tanto mais difficil, quanto mais for demorada.

O sr. Camara Leme: — Estava bem longo de imaginar que nas modestas reflexões, que tive a honra de apresentar na discussão d’este projecto, de mero expediente, se podesse attribuir-me a intenção de ser menos agradavel ao illustre amigo, parente e collega, o sr. marquez de Sabugosa.

Não prolongarei agora as minhas observações, porque a questão está perfeitamente elucidada, e porque, se me propozesse responder a todos os pontos para que s. exa. chamou a minha attenção, teria por certo de abusar da benevolencia da camara.

Quando me referi na sessão passada ás differentes organisações militares que teem havido neste paiz, e d’essa referencia julgou o digno par que ou pretendia insinuar que os ministros, auctores d’essas organisações, favoreceram mais esta ou aquella arma, era simplesmente meu intuito dizer que entre os militares voga a opinião de que os officiaes pertencentes a uma certa arma suppõem sempre que e essa a mais importante de todas.

Sobre este ponto tem havido grandes controversias. Ainda ha pouco tempo, no parlamento francez, se suscitou uma questão de similhante natureza, em que tomou parte um illustre escriptor militar, o general Lewal. Dizia este distincto militar.

«Ha na Europa nações em que as armas especiaes florescem no meio de um exercito morto; pelo contrario, onde quer que a infanteria seja honrada, póde
assegurar-se que o exercito é vigoroso.»

Sr. presidente, referindo1 mo ainda ás armas especiaes, devo dizer que aquelle illustre general, quando alludiu a essas armas, disse que, apesar de pertencer ao estado maior, e ser este corpo um dos primeiros elementos dos exercitos modernos, dava tambem grande importancia á infanteria e ás outras armas, não considerando nenhuma especial, porque todas tinham a sua especialidade.

Sou justamente d’esta opinião, e, portanto, nunca pode-la ser minha intenção, quando me referi ao assumpto, ir de modo algum offender a memoria do nobre marquez do Sá, a quem eu tanto considerava pela nobreza do seu caracter, pela sua illustração o pelos altos serviços que fez ao paiz.

E o digno par, de certo, não tem mais respeite pela memoria d’aquelle illustre general do que eu.

E para provar a minha veneração por tão illustre general, vou citar um facto que se deu commigo, e que muito honra a sua memoria.

Quando se publicou a organisação de 1863, era eu deputado e empregado na secretaria da guerra.

Fui procurar o nobre marquez de Sá, então ministro da guerra, e disse-lhe: «venho pedir a v. exa., não me conta que commetesse falta alguma.

Eu sou deputado, observei-lhe então, e tenho de apre

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ciar no parlamento a ultima organisação que s. exa. decretou.

Pois, como deputado, faça o que entender; respondeu-me s. exa.

Effectivamente condemnei no parlamento essa organisação, houve uma importante discussão, e o sr. marquez de Sá foi no dia seguinte pedir a sua demissão.

Vejo a meu lado o sr. general Palmeirim, que de certo se lembrará d’este facto. E eu, contando-o, não faço senão exaltar a memoria do illustre general marquez de Sá.

O que digo a respeito deste general, digo-o tambem a respeito do general Passos, cujo caracter nobre e distinctissimo todos tivemos occasião de apreciar.

Mas, as organisações que esses generaes adoptaram são deficientissimas, como todos sabem, e foi sobre este ponto que eu insisti.

Similhantes organisações foram decretadas quando o partido historico se achava á testa do paiz, e algumas em virtude de auctorisações concedidas pelo parlamento.

O digno par que pugna tanto pela organisação da reserva, e n’isso estamos de accordo, deve saber que em todas essas organisações a reserva ficou no papel.

Não ha disposição nenhuma que diga respeito ao modo como deve existir, como deve reunir-se, nem como deve instruir-se na escola de poletão ou de batalhão...

(Interrupção do sr. marquez de Sabugosa, que não se ouviu.)

Por mais de uma vez o sr. marquez de Sá me honrou consultando me sobre o assumpto, e concordou com a minha opinião.

O sr. general Palmeirim, o sr. general Magalhães, e eu, e fazendo1 nós parte de uma commissão, formulámos um parecer especial da minoria, parecer que tanto impressionou o nobre marquez de Sá, que este illustre general hesitou muito em acceitar o parecer contrario, concordando a final com a nossa opinião; todavia nunca se resolveu apresentar uma proposta de lei sobre a organisação da reserva, sem duvida pelas difficuldades do thesouro.

Sr. presidente, na ultima sessão disse a verdade em relação á administração do sr. Fontes. Póde-se dizer o contrario, do que eu affirmei, mas a verdade é que os factos hão se destroem.

Nós não tinhamos artilharia, e agora ternos 14 baterias completas em pé de guerra a 6 bôcas de fogo cada uma do calibre de 9 centimetros, systema Krupp, alem de 6 baterias completas em pé de guerra, a 6 bôcas de fogo cada uma do calibre de 8 centimetros, systema Kreinel. Total, 36 peças. Não fallando na artilheria de grosso calibre, no armamento, etc.

Uma Voz: — Custaram muito dinheiro.

0 Orador: — Pois s. exa. imagina que o material de guerra obtem-se de graça?! Todos estes melhoramentos se traduzem em augmento de despeza, e fazer reformas uteis no exercito, em todos os seus ramos, sem augmentar a despeza, creio que ninguem terá essa habilidade...

O digno par notou que, havendo-me eu referido a muitos ministros da guerra que têem havido desde 1834, mencionando Agostinho José Freire, barão da Ribeira de Sabrosa, não mencionasse o marechal Saldanha.

Toda a camara sabe a veneração que eu tinha pelo primeiro general portuguez, tão illustre pela sua espada como benemerito pela sua penna; tão conhecido pelo seu valor nos campos de batalha e pelos seus talentos estrategicos, como pela sua vasta erudição; tão eminente nas luctas armadas como nas lides intellectuaes, durante os ocios da paz; e tão admirado pelas virtudes e nobres sentimentos que o tornavam distincto na vida particular.

Eu considerava o marechal Saldanha como se fosse meu pae, e tributo á sua memoria a maior gratidão.

O paiz perdeu o seu mais distincto general; eu um dos dedicados amigos.

Já o digno par vê que eu não podia ter à menor intenção do offender a sua memoria.

O marechal era o proprio que dizia que não tinha propensão para organisador, e quando eu fiz parte do ministerio a que elle ultimamente presidiu, me disse:

«V... é que se ha de encarregar da organisação do exercito, em harmonia com as idéas que temos discutido. Eu concordo com o seu pensamento em vestir á moda a organisação com que fiz a guerra da peninsula, e que deu ao nosso exercito tanto esplendor e tanta fama, pela sua disciplina e valor, a ponto de ser muitas vezes escolhido nas occasiões mais criticas das batalhas, como aconteceu em Victoria e no Bussaco.»

O digno par sabe que se póde ser general estrategico, como o foi tão distincto o marechal Saldanha, e não ser organisador.

Bersford era um grande organisador, e o duque de Wellington era um grande general no campo de batalha.

Já s. exa. vê que eu não podia ter a menor intenção do ferir a saudosa memoria, nem desconsiderar aquelle muito illustre general, a quem as liberdades patrias e a independencia nacional devem tão assignalados serviços.

Eu peço ao meu amigo que acredite na sinceridade das minas declarações; e que estou muito penhorado pela benevolencia com que s. exa. se referiu á minha humilde pessoa em assumptos que tenho rigorosa obrigação de não ignorar.

Ha muitos outros pontos em que tocaram os dignos pares, e dos quaes não me occuparei n’esta occasião; mas, de passagem, seja-me permittido ainda pedir ao digno par, que alludiu ao codigo penal militar, dizendo que elle tinha um borrão, que indique qual o codigo militar de qualquer nação, que não tenha consignado a pena de morte.

Todas as nações têem no seu codigo penal militar a pena de morte, e têem-n’a, por uma triste necessidade, sem as attenuantes que estão consignadas no nosso codigo.

No parlamento da Belgica o ministro da guerra propoz a eliminação das attenuantes do codigo penal militar, dizendo que não respondia pela disciplina do exercito, continuando aquellas attenuantes.

(Interrupção que, não se ouviu.)

Pois eu insisto em convidar o digno par a apresentar algum codigo penal militar onde não esteja consignada a pena de morte.

Sobre este assumpto podia alargar-me muito; mas acho inconveniente tratar d’este objecto no parlamento, porque entendo que podia prejudicar a disciplina do exercito, affectado pelo sentimentalismo e pela politica; por isso peço á camara que me permitta que eu não diga mais nada sobrei objecto tão melindroso.

Os dignos pares accusaram, por exemplo, o sr. ministro da guerra por ter augmentado os quadros. Eu não quero, neste momento, discutir a conveniencia ou inconveniencia de quaesquer augmentos; mas lembro unicamente a s. exas., que o sr. ministro da guerra procedeu em virtude da lei e de uma lei feita por um ministro do partido historico.

Esta lei diz.

(Leu.}

O sr. ministro da guerra, portanto, não fez senão cumprir a lei; procedeu do mesmo modo que procedeu para commigo, que, sendo nomeado para uma commissão civil, fiquei collocado fóra do quadro do corpo a que tenho a honra de. pertencer, e isto, como disse, em virtude de uma lei feita por um ministro do partido historico — a lei de 1864.

O sr. Marquez de Sabugosa: — O sr. marquez de Sá suspendeu esse decreto de 10 de dezembro de 1868 em 15 de janeiro de 1869, e o actual sr. ministro da guerra entendeu que era melhor não levantar a suspensão, e voltar á lei anterior,

O Orador: — Eu tenho aqui uma serie de apontamentos a que podia responder, sobre assumptos que foram toca-

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dos pelos dignos pares, mas não o faço agora, não por menos consideração para com s. exas., mas por que entendo em consciencia que a materia está esgotada, e eu não tenho a pretensão, nem de captar a benevolencia da camara, nem do elucidar o assumpto mais do que está elucidado.

O sr. Conde do Casal Ribeiro: — Sr. presidente, não tenho que discutir o projecto, desejo apenas declarar o voto.

Dou approvação a este projecto, tanto na generalidade como na especialidade; e dando-a, dou de certo o mais inoffensivo, e direi mesmo o mais inutil dos votos.

Á primeira vista parecerá que estamos usando da attribuição que nos faculta o artigo 15.° da carta constitucional no seu § 10.°, em que se diz que pertence ás côrtes a fixação da força publica.

Parece que d’isso se trata, mas effectivamente não é assim, pois não fazemos mais do que, como disse o sr. presidente do conselho, votar uma lei de mero expediente, confirmando per uma lei annual a lei permanente, que estabelece que a força do exercito em pé de paz deve ser de 30:000 homens. N’estes termos a discussão, que eu não critico, nem applaudo, e tal como a tem havido n’estes ultimos annos sobre o assumpto, é perfeitamente dispensavel.

Nós não discutimos aqui n’esta lei qual deve ser a força effectiva e real do exercito em relação ás necessidades militares e financeiras do proximo anno economico. Mais de uma vez o sr. presidente do conselho o ponderou, e manifestou que todas as considerações sobre este ponto devem ser reservadas para a discussão do orçamento. Portanto, não tenho escrupulo em dar o meu voto ao projecto, tal como está, prescindindo de qualquer proposta do emenda ou additamento a elle.

Dando-lhe, pois, approvação voto tambem a proposta do sr. marquez de Sabugosa, para que algumas das commissões d’esta casa sejam encarregadas de examinar, sob os pontos de vista da legalidade e da conveniencia publica, a conservação da reserva em armas, ou pele menos nos quadros effectivos.

Esta questão não se póde de maneira alguma considerar prejudicada.

Se a lei de que tratamos agora é lei de simples e puro expediente, se iguaes foram as leis similhantes, votadas em sessões precedentes, claro é que de maneira nenhuma se póde entender que a sua votação prejudique ou tenha prejudicado uma questão d’aquella ordem.

Portanto, o assumpto póde ser tratado, póde ser examinado debaixo do ponto de vista da legalidade e conveniencia. Se algumas commissões d’esta casa têem de se occupar d’elle, debaixo d’estes pontos do vista, parece-me que poderei agora ser dispensado de emitir opinião a esse respeito ou de a fundamentar.

Votando, pois, o projecto, nada voto, porque o projecto e nada, absolutamente nada. E com isto não quero lastimar o tempo que entretivemos durante tres sessões n’uma discussão bastante larga e instructiva, porque todas as reflexões que se apresentaram, já sob o aspecto financeiro, já sob o aspecto militar, são de importancia, e tomaram interessante esta conversação parlamentar.

O governo julgou melhor delegar na palavra auctorisada do meu nobre amigo, o sr. D. Luiz da Camara Leme, a defeza da sua gerencia militar. Não mo compete a mim apreciar, e deixo á apreciação do governo, conhecer se fica ou não bem collocado, deixando passar sem resposta da sua parte as diversas observações apresentadas. Admiro-me de que o sr. presidente do conselho, que é tão competente na materia, e militar distinctissimo, queira refugiar-se na declaração de que e projecto que se discute é de mero expediente constitucional, para deixar sem resposta todas essas observações.

Quanto ao projecto, dou-lhe a minha approvação. Quanto á proposta do sr. marquez do Sabugosa, para que as commissões examinem a legalidade com que a reserva está no serviço, tambem a approvo. E, sem querer antecipar qualquer opinião sobre a fixação da força do exercito, visto que, salvo melhor juizo, temos de tratar d’ella quando se discutir o orçamento; sem antecipar, repito, opinião definitiva a este respeito, direi, todavia, que não deixará de me impressionar muito se o sr. ministro da guerra insistir na declaração de que não póde prescindir de uma certa força para o serviço publico.

Se se entender que é necessaria a força pedida hei de votal-a, porque prefiro que essa força e os respectivos meios sejam votados no orçamento, a que se use do expediente, por largos annos usado, de recorrer aos creditos extraordinarios. (Apoiados.}

Ha necessidade de manter em armas uma certa força para o serviço ordinario o para a precisa instrucção militar.

Não se póde considerar que soja isto caso de guerra, porque felizmente não existe, nem caso de incendio ou qualquer outro acontecimento calamitoso que determine essa necessidade. E para taes casos, do todo imprevistos, foram legislados os creditos extraordinarios.

Os creditos extraordinarios não foram inventados para muitos casos a que se estão applicando.

Convem, pois, que entremos melhor na verdade orçamental, o mesmo na verdade das palavras, na verdade do diccionario. Não queiramos usar da denominação menos exacta de creditos extraordinarios, quando se trata da despezas que continuam em escala crescente, porque assim o entendem os ministros respectivos.

Nós fariamos melhor se voltassemos aos creditas supplementares, cercando-os de garantias que não existem no systema agora seguido pelo governo. Nunca se devia decretar um credito supplementar ou extraordinario, quando o parlamento vae ser aberto, o ha tempo do n’elle se examinar a necessidade com que se exige esse credito. Mudar o nome ás cousas, não é garantia constitucional, é decretar a illusão e o sophisma.

Assim se tem feito desde que por iniciativa do sr. Fontes foram supprimidos os creditos supplementares. Nunca nos ultimos annos as côrtes deixaram de votar a força, pedida pelo governo, para o exercito; e nem por isso deixou de haver muita mais alem da força votada para estar em armas.

E por cansa d’isso se tem aberto creditos extraordinarios, pouco conformes á letra e espirito da lei. As necessidades da instrucção do exercito, e as outras rasões que se apontam, não creio que datem de agora; e, não obstante, o sr. Sousa Pinto, apresentando no orçamento a força que migava necessaria, não chegou aos 23:000 homens, limitou-se a 21:000.

Parece-me que a opinião d’aquelle cavalheiro era tambem competente; e as côrtes, votando 21:000 homens para o exercito, votavam o numero que aquelle ministro da guerra e illustre militar entendia que era necessario. Entretanto todos annuiram no passado anno ao augmento proposto pelo sr. presidente do conselho, que entende que só com 23:000 homens póde fazer-se o serviço.

Eu mesmo não poderei deixar de votar a força pedida por s. exa., se as suas declarações forem mantidas. N’esta questão, e mesmo n’esta parte do orçamento, serei ministerial se as declarações do governo forem mantidas.

Não direi mais nada agora porque o projecto, interpretado como foi pelo governo, não tem importancia alguma, nem dá materia a divergencias.

O sr. Presidente: — Eu posso dar a palavra ao digno par o sr. Vaz Preto, que ma pediu, mas só lh’a posso já, dar para um requerimento.

O sr. Vaz Preto: — Eu peço licença a v. exa. para lhe observar que ainda não fallei senão uma vez.

Eu pedi a palavra, comecei o meu discurso hontem; deu

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a hora fiquei com a palavra reservada para hoje. Comecei hoje de novo, interrompi as minhas reflexões para fallar o sr. presidente do conselho de ministros; e, portanto, em conformidade com as disposições do regimento, ainda me é permittido fallar mais duas vezes sobre a materia.

O sr. Presidente: — O digno par fallou duas vezes contando-se como um só o discurso que pronunciou, hontem no fim da sessão, e a sua continuação hoje.

Eu sinto ter de fazer estas observações, mas a minha obrigação é manter as disposições regimentaes.

A camara póde auctorisar a transgressão d’essas disposições, eu é que não posso alteral-as; mas não tenho duvida em consultar a camara, se o digno par assim o deseja, para que ella permitta que o digno par tenha de novo a palavra.

O sr. Vaz Preto: — Não desejo fallar de novo, desde que v. exa. se mostra contrariado. Quero satisfazer aos desejos de v. exa., e não usarei da palavra, ainda que tivesse vontade de o fazer. Unicamente o que desejo é que v. exa. consulte a camara para consentir que eu retire a proposta que mandei para a mesa, porque em vista das considerações expostas pelo sr. conde do Casal Ribeiro, que entende ser melhor reservar esta questão para quando se tratar do orçamento, prefiro propor a reducção do effectivo quando se entrar na discussão orçamental.

O sr. Presidente: — A minha intenção era propor isso mesmo que acaba de requerer o digno par. Effectivamente sobre que ha verdadeiramente a votar é a materia das duas propostas apresentadas pelo sr. marquez de Sabugosa. Uma d’ellas é uma verdadeira proposta de adiamento, e por isso ha de ser votada antes de se pôr á votação a generalidade do projecto; a outra proposta é para que sejam consultadas as commissões de legislação, guerra e fazenda sobre a legalidade da conservação da reserva, e com relação a esta proposta consultarei opportunamente a camara.

O sr. Marquez de Sabugosa: — Requeiro que v. exa. consulte a camara sobre se consente que eu retire a minha proposta de adiamento, que não tem já rasão de ser. Estando já a materia discutida, para que serve votar sobre a minha proposta de adiamento?

O sr. Presidente: — A hora já deu; mas creio que a camara se não opporá a que nos demoremos alguns minutos mais para votarmos sobre os pedidos e propostas pendentes. (Muitos apoiados.)

Vou, pois, consultar a camara primeiramente se consente que o digno par, o sr. marquez de Sabugosa, retire a sua proposta.

S. exa. está no seu direito em querer retirar a sua proposta, mas devo notar que ainda se não deu a materia por discutida. Eu vou ler a proposta que s. exa. pede para retirar, e consultarei depois a camara sobre o pedido do digno par.

(Leu.)

Os dignos pares que approvam que o sr. marquez de Sabugosa retire a proposta que acabo de ler, tenham a bondade de se levantar.

Foi approvado.

O sr. Presidente: — A outra proposta do sr. marquez de Sabugosa é para que se consultem as commissões de legislação, de guerra e de fazenda, sobre a legalidade da conservação da reserva. Perguntarei á camara se concorda que esta proposta seja enviada áquellas commissões, sem prejuizo da discussão e votação do projecto que se debate, (Muitos apoiados.} e o digno par terá a bondade da dizer se concorda n’esta maneira de propôr.

O sr. Marquez de Sabugosa: — V. exa. dirige sempre muito bem os trabalhos da camara.

O sr. Presidente: — A proposta do sr. marquez de Sabugosa, a que acabo de me referir, é concebida nos seguintes termos:

(Leu.)

Os dignos pares que approvam que esta proposta seja remettida ás tres commissões que n’ella se indicam, sem prejuizo da discussão e votação do projecto que se debate, tenham a bondade de se levantar.

Foi approvado.

O sr. Presidente: — Agora parece-me que a camara quererá votar sobre a generalidade do projecto, visto que não ha ninguem inscripto? (Apoiados.)

Os dignos pares que approvam a generalidade do projecto n.° 19, tenham a bondado de se levantar.

Foi approvado.

O sr. Presidente: — A discussão da especialidade d’este projecto ficará para a sessão de ámanhã, se os srs. ministros poderem estar presentes; A ordem do dia para ámanhã, 19 do corrente, é a continuação da que estava dada para hoje; e, alem d’isso, a discussão dos pareceres nos. 23 e 24.

Está levantada a sessão.

Eram cinco horas e dez minutos da tarde.

Dignos pares presentes na sessão de 18 de abril de 1879

Exmos. srs.: Duque d’Avila e de Bolama; João Baptista da Silva Ferrão de Carvalho Mártens; Marquezes, de Ficalho, de Fronteira, de Sabugosa, de Vallada; Condes, de Cabral, do Casal Ribeiro, de Fonte Nova, de Porto Covo, da Torre, da Louzã; Viscondes, de Algés; de Alves de Sá, de Bivar, das Laranjeiras, de Monforte dos Olivaes, da Praia, da Silva Carvalho, de Soares Franco; D. Affonso de Serpa, Ornellas, Mello e Carvalho, Barros e Sá, D. Antonio de Mello, Couto Monteiro, Fontes Pereira de Mello, Costa Lobo, Xavier da Silva, Palmeirim, Carlos Bento, Montufar Barreiros, Andrade Corvo, Mamede, Pinto Bastos, Reis e Vasconcellos, Camara Leme, Vaz Preto, Franzini, Dantas, Ferreira Novaes, Vicente Ferrer, Sousa Pinto, Barjona de Freitas.

Rectificação

Na sessão n.° 56, de 16 de abril, pag. 661, col. l.ª, extracto do discurso do sr. Barros e Sá, onde se lê = sobre a generalidade da conservação da reserva no serviço = deve ler-se = sobre a legalidade da conservação da reserva no serviço =.

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