DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO 595
Os factos que estamos presenciando são na realidade pouco edificantes. O governo declara um dia uma cousa, e em outro dia faz outra declaração em sentido contrario; e não só não quer fazer as eleições complementares conforme os precedentes e os principios, e adia esse acto indefinidamente; mas ao mesmo tempo, na occasião em que se devia proceder ás eleições, publica um decreto de amnistia arrancando aos tribunaes os falsificadores que nas ultimas eleições praticaram actos que determinaram a sua accusação e a sua pronuncia!
Uma amnistia n'esta occasião revela bem o que é, e o que quer o actual governo. Significa que o governo lhe convem ter disponiveis e preparados os falsificadores encartados para quando proceder a novas eleições; significa que o governo acha justificados todos os actos criminosos que se praticaram nas precedentes eleições. Significa, por consequencia, para aquelles que houverem de praticar actos similhantes que encontrarão no actual governo protecção para os seus crimes.
É para mim doloroso ter de dirigir ao sr. Braamcamp estas censuras, mas s. exa. motivou-as.
Pergunto, pois, ao sr. presidente do conselho de ministros se este systema é proprio das suas tradições, dos seus principios liberaes e das idéas que s. exa. sempre tem sustentado?
O sr. Anselmo Braamcamp o dirá; appello para a sua consciencia.
Pela minha parte não posso deixar do lavrar um solemne protesto contra os factos a que me tenho referido, para que a camara fique sabendo por uma vez que as declarações dos srs. ministros se contradizem, e que o que hoje asseveram é no dia seguinte destruido por declarações em sentido contrario, constituindo assim o parlamento na obrigação de não acreditar mais nas palavras de s. exas.
São os factos que me levam a esta conclusão, e esses factos são bom eloquentes e ao mesmo tempo bem tristes. Esses factos, essas declarações contradictorias que eu affirmei, são attestados pelo Diario da camara
O sr. presidente do conselho, quando eu aqui fallei a primeira vez sobre este assumpto, respondendo-me, mostrou-se tão melindrado que se avespinhou por eu lhe citar os precedentes do seu partido, o disse que não era necessario que eu lh'os recordasse para elle cumprir o seu dever.
Como s. exa. não cumpriu com o seu dever lembrar-lhe-hei outra vez que o sr. duque do Loulé em 1865 mandou immediatamente proceder ás eleições supplementares estando a camara aberta, o que em 1869 o sr. bispo de Vizeu foi tão escrupuloso que tambem mandou proceder ás eleições por duas vezes, e os deputados eleitos tomaram logo assento na camara.
0 que vejo eu agora, porém, fazer que esteja em harmonia com estes precedentes?
Vejo que depois de terem passado quasi dois mezes de se terem declarado as vacaturas, o governo ainda não mandou proceder ás eleições, e agora o sr. presidente do conselho ainda nos vem dizer, que como acha pouco provavel que mandando proceder já ás eleições os novos deputados podessem vir ainda assistir a esta sessão legislativa, não lhe parece que seja necessario mandar por emquanto proceder ás eleições!
Pois s. exa. diz que acha pouco provavel que os novos eleitos tomassem assento este anno? Pois s. exa. sabe se será necessario prorogar ainda as côrtes? Pois entende s. exa. que e orçamento seja um assumpto que não mereça attenção, e que leve pouco tempo a discutir?!
Diz s. exa. que entende que se não deve ingerir em cousas da competencia da camara dos senhores deputados.
Pois s. exa. não é tambem membro d'aquella camara!? A camara não declarou já as vacaturas? A situação do sr. presidente do conselho e tão difficil e má que não sabe como justifical-a.
É amarga e dolorosa a decepção!
Confesso que me custa ter de perder a confiança que até aqui tinha nas declarações do sr. presidente do conselho. S. exa. assim o quiz, a culpa não foi minha.
De hoje para o futuro as declarações de s. exa. já não têem para mim o mesmo valor.
O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Anselmo Braamcamp): - Sr. presidente, não quero tomar muito tempo á camara, prolongando este incidente. Direi unicamente ao digno par do reino que o governo não interessa por fórma alguma em demorar as eleições dos membros que faltam na camara electiva.
S. exa. conhece, de certo, perfeitamente que havia toda a conveniencia para o governo em mandar proceder ás eleições o mais rapidamente possivel, porque quanto mais rapidamente ellas se fizessem mais facilidade encontravam os amigos do governo, que o auxiliam e apoiam fóra do parlamento, em alcançar um resultado favoravel.
Isto não quer dizer que não podessem vir á camara mais algum deputado da opposição; mas em todo o caso, com. a maioria que o governo tem na camara dos senhores deputados, as eleições supplementares que agora se fizessem não podiam alterar por fórma alguma a situação do governo em relação áquella camara.
São estas as explicações que tenho a dar ao digno par, mas não quero concluir sem protestar solemnemente contra a interpretação que s. exa. quiz dar á providencia ultimamente adoptada emquanto á amnistia por delictos eleitoraes.
S. exa. não ignora de certo que o governo, propondo á corôa áquella providencia, sobre a qual foi ouvido o conselho d'estado, não o fez levado por nenhuma consideração de interesse partidario, mas unicamente com o intuito de acabar com perseguições locaes, mal justificadas, e que tanto se applicavam a parciaes como a adversarios seus.
Torno a repetil-o, n'este ponto o governo não tinha o menor interesse, nem obedeceu a nenhuma consideração politica, mas unicamente a um sentimento de tolerancia que, de certo, esta camara não ha de condemnar.
O sr. Vaz Preto: - Ouvi com a maior attenção o sr. presidente do conselho, e observei que nem uma palavra proferiu para justificar o seu procedimento, nem as suas contradicções e incoherencias; portanto, ficam de pé ás acres arguições que eu fiz a s. exa.
Ahi estão os Diarios da camara para ler quem quizer e poderem ser confrontadas as declarações, oppostas e contradictorias, feitas por parte do governo.
Disse s. exa. que protestava contra a interpretação que eu tinha dado á amnistia, e que o pensamento tinha sido generoso.
Não sei quaes foram os motivos que determinaram o governo; o que é certo, porém, sr. presidente, e que ninguem deixará de reconhecer que essa amnistia, principalmente dada agora, deve ser considerada um erro indesculpavel, porque vae arrancar a um poder independente os falsificadores encartados, e animal-os a novos attentados.
Não entro nas intenções do governo, avalio o acto por si; e o que digo, repito, é que o acto de amnistiar es falsificadores de eleições é um erro politico, que não é proprio de quem diz que deseja manter a liberdade eleitoral, a genuina representação do paiz.
Sr. presidente, este acto do governo, como disse, é um erro politico imperdoavel, porque se querem eleições livres é mister dar um exemplo serio e grave aquelles que attentam contra o voto do eleitor, chegando ao ponto de lh'o roubar da urna, ou mesmo depois de já votado, falsificando-lhe as actas.
O sr. Braamcamp devia-se lembrar das doutrinas que o seu partido sustentou o anno passado, e dos protestos que elle fez contra os attentados eleitoraes.
Em logar da amnistia o governo devia empregar todos os meios, e dar todas as providencias para que os proces-