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602 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

prescindir absolutamente de todo e qualquer systema de fiscalisação previa sobre a legalidade do ordenamento das despezas do estado, ou nunca poderá esta fiscalisação ser exercida por nenhuma corporação mais respeitavel o independente que o tribunal de contas. - Se a verificação previa da legalidade da despeza deve existir, ou se convem que exista no mechanismo da gerencia financeira como elemento de fiscalisação, deve ella pertencer, como funcção natural, ao tribunal de contas, o qual era si já consubstancia funcções de natureza judicial e fiscal.

IV

Forçoso é chamar agora a vossa sabia attenção para o terceiro ponto capital do projecto dependente da vossa deliberação, e que a commissão da fazenda emitta parecer fundamentado ácerca d'esta base em que deve assentar o systema da reorganização da contabilidade que se pretenda introduzir com o fim de tornar salutar a fiscalisação do parlamento sobre a gerencia dos dinheircs publicos, segura e efficaz a sua acção sobre a administração da fazenda do estado. -Consiste esta base via regularisação da faculdade governativa de na ausencia das côrtes, abrir creditos extraordinarios e supplementares para escorrer ás despezas urgentes e imprevistas determinadas por circumstancias de força maior; e á deficiencia provada de algumas verbas orçamentaes, cercando, em ambos os casos, esta faculdade das possiveis garantias para que não possa degenerar em abuso; do que resulta, como consequencia necessaria, a prohibição de se ordenarem despezas que não estejam previamente auctorisadas por lei, ou que não tenham receita estabelecida, e tambem a de se abrirem creditos para legalisar despezas já feitas ou effectuadas.

Emquanto á prohibição de ordenamento de despezas não auctorisadas por lei, ou excedentes ás auctorisadas, é esta uma providencia que resulta dos principios geraes que são a base da nossa organisação politica e do systema parlamentar em que vivemos. - A votação do imposto foi sempre uma das liberdades mais antigas, mais importantes e mais caras aos povos, pela qual luctaram sempre em todas as epochas os nossos maiores, contando como um dos aggravos mais offensivos e intoleraveis, que nos ultimos seculos receberam dos reis absolutos o abuso que pouco e pouco se foi introduzindo de lançar tributos sem o previo consentimento do reino.

Por outro lado, o exame e a votação annual do orçamento de receita e despeza do estado, é a principal prorogativa dos modernos parlamentos. - Pela votação da receita torna-se o parlamento guardião e defensor vigilante da fortuna nacional; e pela votação da despeza estende elle a sua acção preponderante, dá impulso e exerce fiscalisação, sobre todos os serviços, e sobre a administração publica em geral. - E como o voto do imposto não é illimitado, mas fixo e definido por sua natureza, resulta que a assignação da despeza é tambem fixa e limitativa, destinada a artigos certos e individualizados. - Ao direito de discutir e ao poder de votar o imposto não póde deixar de corresponder igualmente o direito, e o poder de regular o seu emprego por modo limitativo, e de fiscalisar a sua applicação. Mas este direito ficaria inutil, e a discussão e votação do orçamento não passaria de uma vã illusão, se aos membros do poder executivo, a despeito das reducções e das economias introduzidas no orçamento, fosse permittido, e se tivessem a auctoridade de abrir creditos extra-orçamentaes indefinidamente, o de ultrapassar as despezas auctorisadas, e o de ordenar novos gastos, fóra da vigilancia parlamentar e sem correctivo algum.

Taes são as rasões fundamentaes de algumas das disposições ou providencias contidas no projecto submettido á vossa approvação, e são ellas tão procedentes, têem tanta força, que dispensam maiores desenvolvimentos ou justificações mais largas.

Pelos artigos do projecto propõe-se que o governo fique auctorisado para, na ausencia das côrtes, abrir creditos extraordinarios e supplementares servindo aquelles para occorrer ás despezas impreteriveia nos casos imprevistos e de força maior, e estes para occorrer á insufficiencia provada das solinas auctorisadas para despezas que, por sua natureza, são variaveis; mas, uns e outros, só quando a urgencia da despeza seja tal que se não possa esperar pela proxima reunião parlamentar e nunca para satisfazer despezas já feiras.

Estabelecem-se, alem d'isto, varias outras providencias tendentes a acautelar que, da faculdade que fica competindo ao governo, não seja possivel, ou pelo menos não seja facil, abusar-se: taes são - a necessidade de audiencia previa do conselho d'estado convocado em conferencia com sufficiente antecipação e com declaração do objecto da convocação; proposta fundamentada do ministro respectivo e deliberação motivada da conferencia; publicação immediata no Diario do governo do decreto que auctorisa a abertura do credito; apresentação e proposta do approvação ás camaras legislativas na sua proxima reunião e dentro de quinze dias da sua constituição; e, finalmente, a apresentação do orçamento rectificado do anno corrente e o do anno futuro.

De todos são bem conhecidas as diversas phrases por que tem passado a faculdade governativa de, na ausencia das côrtes, se abrirem creditos extra-orçamentaes, assim desde o celebrado caso da reparação e compra de mobilia da casa da jantar do conde de Peyronet em França, em cuja accusação tanto se distinguiu o patriarchs do constitucionalismo Benjamin Constant e desde o decreto imperial de 31 de dezembro de 1861 que os extinguiu, até á lei de Leon Say em 1878 destinada a prohibil-os de novo nos casos de dissolução do parlamento; e desde a lei de 23 de abril de 1845 entre nós (que pela primeira vez auctorisou o levantamento de creditos snpplementares), e das leis orçamentaes de 9 de julho de 1849 e 23 de julho de 1850 até á do 19 do julho de 1866 que absolutamente prohibiu os supplementares.

Fortissimas eram as rasões que aconselharam aquellas prohibições, e difficil será ainda resistir, em theoria, á vehemencia e á preponderancia d'ellas; mas é certo tambem que a experiencia tem mostrado, assim entre nós como em França, a sua inefficaria e improcedencia pratica.

Com orçamentos bem feitos onde os serviços estejam sufficientemente dotados, dizia um ministro do segundo imperio: "O abandono da faculdade de abrir creditos supplementares não póde trazer inconveniente algum para o serviço publico, e pelo contrario o verdadeiro perigo para as finanças, está na faculdade do governo poder decretar despezas fóra da auctorisação previa do poder legislativo;), porque (acrescentava o ministro Fould) "nada ha mais difficil do que resistir e luctar contra o mais legitimo de todos os attractivos - o das despezas uteis".

Um outro ex-ministro da fazenda n'aquelle paiz, Leon Say, dizia tambem que a pratica dos creditos supplementares só por si, era sufficiente para attestar que uma nação não havia chegado á idade viril do systema parlamentar. Nem eram menos precisas ou menos vigorosas as rasões produzidas por um nosso distincto ministro da fazenda e notavel estadista quando em 1866 propunha ao parlamento a prohibição dos creditos supplementares só por si, era suffciente para attestar que uma nação não havia chegado á idade viril do systema parlamentar. Nem eram menos precisas ou menos vigorosas as rasões produzidas por um nosso distincto ministro da fazenda e notavel estadista quando em 1866 propunha ao parlamento a prohibição dos creditos supplementares, declarando que descrever a despeza que effectivamente se faz, e illiminar a faculdade de augmental-a era ao mesmo tempo uma garantia para o publico e um elemento de ordem que deve contribuir para o melhoramento successivo das nossas finanças.

Fortes e invenciveis parecem, pois, as rasões que contra a pratica dos creditos sumpplementares se têem apresentado, e que ainda hoje podem fazer-se valer; mas é tambem verdade que a experiencia tem evidenciado a inefficacia d'esta doutrina, attestando com a irresistivel eloquencia dos factos a indeclinavel necessiade que ha de recorrer, em alguns casos excepcionaes e na ausencia das côrtes, aos creditos extra-orçamentaes.