DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO 616
Convem advertir, e nos relatorios de diversos tribunaes de contas muitas vezes se tem insistido n'isto, que a designação dos vistos em relação ás despezas não constitue de nenhum modo uma apreciação politica da marcha dos governos.
Permitta-se que no desordenado das minhas observações eu volte a fallar da divida fluctuante.
No projecto determina-se que sejam ministrados ao tribunal de contas todos os esclarecimentos em relação a esta divida.
Acho conveniente que se prestem esses esclarecimentos, mas eu quereria tambem que o tribunal de contas apresentasse uma declaração especial acerca da divida fluctuante.
Em Hespanha, onde o tribunal de contas não tem apresentado relatorios que respeitem a epochas muito proximas, sobre a administração financeira em geral; com tudo com relação á divida fluctuante não tem sido assim, e os relatorios do mesmo tribunal com referencia a essa divida são de annos muito chegados, e isto mostra que n'aquelle paiz se entende, que se não deve demorai: a fiscalisação sobre a mencionada divida por parte d'aquella estação.
Creio, pois, que seria de maxima conveniencia que o tribunal de contas apresentasse a declaração a respeito da divida fluctuante no praso mais proximo possivel; porque, desenganemo-nos, apesar de todas, estas precauções muito louvaveis tomadas n'este projecto, ha de haver difficuldades praticas para realisar o optimo fim a que elle se propõe.
Quanto aos creditos supplementares direi que houve uma occasião em que se determinou que elles não existissem, e pareceu-me digno de elogio que se providenciasse de modo que se fechasse a porta por uma vez a esse recurso pouco
regular.
Pois bem, nunca houve effectivamente tantos creditos suplementares como depois que elles foram prohibidos, creio que por uma lei de 1866, se bem que o regulamento de contabilidade de 4 de janeiro de 1870 estabelece esses creditos.
Ha esta especie de anarchia entre aquelle regulamento e a disposição legal que declarava que taes creditos ficavam prohibidos.
Comtudo deve fazer-se justiça ao pensamento em que se inspirou o ministro que propoz a sua abolição, que foi o sr. Fontes Pereira de Mello; S. exa., acabando com esses creditos, e permittindo-os sómente nos casos imprevisto e de grande urgencia, teve por finai fazer, do orçamento uma verdade. Por consequencia foi um pensamento louvavel, ao qual, repito, se deve fazer inteira justiça; e eu estimaria que todos os homens politicos, fosse qual fosse o partido a que pertencessem, tivessem como ponto de contacto certos principios em que todos podessem estar de accordo. D'isso não resultaria inconveniente á administração do paiz; pelo contrario, lhe traria proveito.
Mas voltemos aos creditos supplementares, e a proposito direi que em França se auctorisam esses creditos pelas especiaes condições pae se são na administração financeira dáquelle paiz com relação á divisão dos exercicios. Os creditos supplementares são ali indispensaveis pela rasão de existirem annos financeiros correspondentes aos annos civis d'onde resulta que o orçamento, é apresentado com quinze mezes de antecedencia do exercicio financeiro a que elle se refere.
Este inconveniente foi votado pelos homens mais distinctos da epocha da melhor administração financeira da França epocha chamada de restauração, e da qual um dos homens mais eminentes na politica, Luiz Blane, disse não ter duvida em chamar áquella administração financeira modelo das administrações.
O barão Louis, o sr. Villelle e o sr. Laserre indicavam a necessidade do anno financeiro principiar em julho, e entendiam elles que isto era um remedio efficaz para que não existissem os creditos supplementares.
E o que acontece entre nós? Temos o remedio efficaz e temos a doença!
Ora, sr. presidente, o que se vê é que este assumpto da existencia dos creditos supplementares não é tão facil que não tenha dado logar a apresentarem-se muitas asserções encontradas, sem que, comtudo, deixasse de se provar que em todos os paizes se tenha a final julgado impraticavel a sua extincção, que só podia ser possivel na Inglaterra; porque a necessidade de recorrer a elles provém de que o orçamento nunca é uma verdade, e apenas na Inglaterra é que se approxima muito da verdade.
N'essa nação, como eu já tive a honra de dizer á camara em outra occasião, o orçamento é calculado com tal precisão que em quinze annos só tres vezes as despezas excederam a somma designada nó orçamento, e apenas em dois annos as receitas não chegaram á cifra calculada.
Entre nós, sr. presidente, já um distinctissimo estadista que faz parte d'esta camara extinguiu, como disse, os creditos supplementares, mas como os creditos extraordinarios continuaram a existir o resultado foi nullo.
É, portanto, para mim incontestavel que se não póde acabar com a pratica dos creditos supplementares. O que me parece, pois, que é necessario é estabelecer um certo numero de precauções para que se não abuse d'elles, e a isso visam algumas disposições do projecto que se discute.
Entretanto eu associo-me á observação apresentada pelo digno par, o sr. Serpa, de que de certo tempo para cá todos os ministros têem mais ou menos procurado evitar de recorrer a esse expediente, diligenciando que o orçamento seja uma verdade. E a idéa de que os creditos supplementares só sejam auctorisados antes de feitas as despezas é excellente, e seria tambem uma precaução.
O que, todavia, eu entendo que seria melhor era que podessemos acabar de todo com os creditos supplementares; como, porém, é impossivel prescindir d'elles, é bom que as precauções tornadas no projecto se estabeleçam? porque ellas modificam os inconvenientes que resultam da possibilidade de se recorrer immoderadamente aos creditos supplementares.
Mas, ainda com relação a este ponto. Nós citámos o que se tem feito em França, conforme e nosso costume; e os francezes são a muitos respeitos dignos do serem imitados, e são effectivamente habeis financeiros; ha alguns pontos, comtudo, em que não podem servir de modelo.
Já se; vê, portanto, que esta circumstancia só não era sufficiente para que se podesse contar inteiramente com a efficacia da fiscalização procedente de uma boa contabilidade; no entanto eu tambem estou de accordo, em que o projecto nos dá toda a garantia de que os effeitos correspondam ao nosso desejo. O mais difficil, porém, sr. presidente, é achar os empregados com as qualidades necessarias, porque, emquanto ao numero, creio que não haverá difficuldade em encontrar quem deseje tomar parte na exploração do orçamento.
A respeito do orçamento rectificado, entendo que foi um bem serviço feito pela administração que encetou esta publicação porque n'elle examinam-se, como actos de expediente, certas despezas que ali vem mencionadas, e que deviam ser objecto de projectos de lei especiaes; comtudo, sempre foi um melhoramento introduzido no nosso estado actual.
Sr. presidente, vejo o sr. ministro da fazenda e os membros da commissão tão empenhados, em acabar com a situação anormal em que nos achâmos ha tanto tempo, que não tenho duvida em approvar o projecto; mas não obstante essa approvação, hei de mostrar, quando se discutir o orçamento, que ainda se podem ter em attenção alguns expedientes que nos hão de dar garantias de que a desigualdade entre a receita e a despeza póde desapparecer. Entretanto, no estado actual, é já alguma cousa poder -se conhecer que, se as despezas excedem as verbas votadas, não excedem a legalidade com que foram feitos.