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N.º 57

SESSÃO DE 11 DE MAIO DE 1880

Presidencia do exmo. sr. Duque d'Avila e de Bolama

Secretarios - os dignos pares

Visconde de Soares Franco
Eduardo Montufar Barreiros

SUMMARIO

Leitura e approvação da acta da sessão antecedente. - O digno par Fontes Pereira de Mello insta com o governo para que seja satisfeito o requerimento, que ha dias fizera, pedindo copia das portarias confidenciaes expedidas, durante um certo periodo, pelo ministerio da guerra. - Resposta do sr. presidente do conselho. - O digno par Vaz Preto deseja ser informado se pelos ministerios
das obras publicas, guerra e reino, já foram remettidos os documentos que por diversas vezes tem solicitado, e pergunta quando tenciona o governo proceder á eleição dos deputados. - Resposta do sr. presidente do conselho. - Ordem do dia. - Discussão do parecer n.° 67 sobre o projecto de lei n.° 46, que auctorisa o governo a mandar proceder á cunhagem da quantia de 2:000$000 réis em moedas de 5 réis, do cunho proprio dos Açores, para serem distribuidas pelos districtos de Angra do Heroismo, Horta e Ponta Delgada. - Considerações dos srs.: Serpa Pimentel, Carlos Bento, ministro da fazenda, Mathias de Carvalho e conde de Valbom. - Approvação do projecto. - Discussão do parecer n.° 76; sobre o projecto de lei n.° 50, approvando, na parte em que depende da sancção legislativa, o plano da reforma de contabilidade publica. - Considerações e discursos dos srs.: Serpa Pimentel, Carlos Bento, conde de Valbom e conde do Casal Ribeiro. - Approvação da generalidade do projecto. - Discussão do artigo 1.° - O digno par Barros e Sá propõe um additamento, que deve tomar o logar, do § 1.º do artigo 16.° do plano da reforma da contabilidade. - É admittido.

Ás duas horas e um, quarto da tarde, sendo presentes 27 dignos pares, o sr. presidente declarou aberta a sessão.

Lida a acta da sessão precedente, julgou-se approvada, na conformidade do regimento, por não haver reclamação em contrario.

(Assistiram á sessão os srs. presidente do conselho e ministros da fazenda e da marinha.)

O sr. Presidente: - Devo declarar a camara que ha varios decretos das côrtes geraes promptos para subirem á sancção real.

A deputação que os ha de apresentar será composta, alem da mesa, dos dignos pares os srs.:

Mártens Ferrão.
Fontes Pereira de Mello.
Carlos Bento da Silva.
Serpa Pimentel.
Andrade Corvo.
Marquez de Ficalho.
Conde de Valbom.

Os dignos pares serão avisados do dia e hora em que Sua Magestade se digna receber a deputação.

O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Anselmo Braamcamp): - Tenho a honra de participar a v. exa. que Sua Magestade receberá a deputação d'esta camara quinta feira proxima, á uma hora da tarde, no paço da Ajuda.

O sr. Presidente: - Em vista da participação que acaba de fazer o sr. presidente do conselho, ficam prevenidos os dignos pares nomeados de que devem comparecer quinta feira no paço da Ajuda á hora indicada por s. exa.

Deu-se conta da seguinte

Correspondencia

Um officio da presidencia da camara dos senhores deputados, remettendo a proposição de lei que tem por fim auctorisar o governo a admittir no real collegio militar, como alumno pensionista do estado, Bemvindo do Carmo Leal Guimarães.

Á commissão.

Outro do digno par visconde de S. Januario, participando que não póde comparecer ás sessões em consequencia do fallecimento de seu irmão.

Ficou a camara inteirada.

O sr. Presidente: - Ê uma communicação feita pelo sr. visconde de S. Januario, de que não póde comparecer á sessão de hoje, nem comparecerá a mais algumas, pela circumstancia dolorosa de haver fallecido seu irmão.

Na conformidade do regimento mandei já desanojar o digno par.

O sr. Fontes Pereira de Mello: - Ha dias pedi n'esta casa, juntamente com o digno par, o sr. general Sousa Pinto, que fossem aqui remettidas as copias das portarias confidenciaes, expedidas durante um certo periodo pelo ministerio da guerra. Careço d'estes documentos para fundamentar a defeza das accusações que se me fazem; creio mesmo que o governo não póde nem quererá recusar-se á publicação d'elles, e por isso desejo saber se já vieram para a camara as copias a que me refiro. No caso de não estarem ainda sobre a mesa, peço a v. exa. que novamente solicite a remessa d'ellas pela secretaria d'estado dos negocios da guerra.

O sr. Presidente: - Não me consta que tenham chegado os documentos a que alludiu o digno par. Se não forem hoje recebidos na mesa, repetir-se-ha o pedido de s. exa.

O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Anselmo Braamcamp:) - Sr. presidente, o digno par, o sr. Fontes Pereira de Mello, confia, de certo, bastante no elevado caracter do sr. ministro da guerra, para ter a certeza de que s. exa. enviará a esta camara, com a possivel brevidade, os documentos que s. exa. pediu. Tanto da parte d'aquelle meu collega, como de todo o governo, ha o desejo de facultar ao illustre par do reino os documentos que s. exa. julga necessarios para esclarecimento da questão a que s. exa. se refere.

O sr. Fontes Pereira de Mello: - Fiquei satisfeito.

O sr. Vaz Preto: - Desejava saber se vieram já para esta camara os documentos que pedi pelos ministerios das obras publicas, da guerra e do reino, e com especialidade os que se referem ás gratificações.

O sr. Presidente: - Por emquanto não vieram nenhuns d'esses documentos.

O sr. Vaz Preto: - Chamo a attenção do sr. presidente do conselho.

Os documentos que tenho pedido pelos diversos ministerios são todos tendentes a habilitar-me para entrar na discussão do orçamento. Os que requeri pelo ministerio da guerra não só se referem a gratificações, mas a promoções que têem sido feitas. Preciso saber quaes são os actos do sr. ministro da guerra a este respeito, qual o estado em que se encontram os quadros das differentes armas, e o numero de officiaes supranumerarios que n'elles ha. Ne-

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nhum d'estes documentos tem vindo. Portanto rogo ao sr. presidente do conselho inste com os seus collegas para que esses documentos sejam aqui remettidos com urgencia, e possam publicar-se? a fim de que a camara tome conhecimento d'elles.

Os que respeitam ao ministerio das obras publicas, alem de me habilitarem para a discussão do orçamento, habilitam-me tambem para o debate do bill de indemnidade pedido pelo sr. ministro das obras publicas.

O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Anselmo Braamcamp): - Posso assegurar ao digno par, o sr. Vaz Preto, que communicarei aos meus collegas as observações que s. exa. acaba de apresentar. Estou convencido de que da parte d'elles não haverá a minima duvida em corresponder aos desejos manifestados pelo digno par.

O sr. Vaz Preto:. - Agradeço ao sr. ministro o ter-se promptificado a communicar aos seus collegas os pedidos que eu acabo de fazer, porque a maior parte dos documentos que exijo foram pedidos ha já bastante tempo, ha mezes.

Desejo, pois, que, francamente, o governo me diga se póde ou não mandar esses documentos; se os, não, póde mandar, que declare á camara o motivo por que os não manda, e os considera, confidenciaes.

Aproveito a occasião para fazer de novo uma pergunta ao sr. presidente do conselho.

Ha uns dez dias que eu perguntei n'esta camara ao sr. presidente do conselho se cumpria as declarações do governo n'esta e na outra camara, mandando proceder immediatamente ás eleições para os circulos vagos, e s. exa. respondeu-me que mandaria proceder a essas eleições com a maxima brevidade. Os dias vão-se, passando successivamente, já houve assignatura regia, e por ora não appareceu ainda na folha oficial o decreto marcando dia para as eleições dos deputados dos circulos que não têem ainda em côrtes representação.

N'este estado de cousas eu desejava que o sr. presidente do conselho declarasse cathegoricamente o que s. exa. entende por maxima brevidade.

Eu desejava que s. exa. dissesse muito terminantemente que significação tem no pensamento do governo as palavras "maxima brevidade?"

Desde que as vacaturas foram declaradas vagas, se o governo cumprisse a sua palavra, já os circulos que não têem representação em côrtes estariam representados! Por que rasão, pois, não foi ainda assignado o decreto que mandasse proceder a taes eleições?

Preciso, pois, repito, saber o que o governo chama maxima brevidade, e o que é que o governo tenciona fazer a este respeito? S. exa. ha de confessar que não é da indole do systema representativo, que estejam tantos circulos, representando cerca de 500:000 almas, sem terem representante no parlamento; um unico que fosse não deveria conservar-se sem representante, quanto mais tantos!

Será isto systema de governo? São estas as idéas do programma da Granja? É assim que o partido progressista entende o systema representativo e a representação nacional?

A primeira cousa que o governo deveria ter feito era com que a camara electiva declarasse desde logo as vacaturas, para que os povos d'esses circulos não, estivessem sem representantes.

Eu desejava, pois, que o sr. presidente do conselho me definisse positiva e categoricamente esse - brevemente - com que acompanhou a sua declaração.

Não acho proprio do caracter de s. exa. servir-se de subtilezas e de subterfugios, quando se precisa saber claramente qual é o procedimento do governo e o que elle está resolvido a fazer. Sejamos francos, e claros, Se o governo não manda já proceder ás eleições, diga os motivos e justifique o seu procedimento, se é que pôde.

O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Anselmo Braamcamp): - A camara dos senhores deputados pertence declarar as vacaturas, e ao governo pertence unicamente o mandar proceder ao seu preenchimento. Não pôde o governo ingerir-se nas attribuições que pertencem ás camaras.

As vacaturas foram declaradas ha pouco, quando se estava procedendo e se acham quasi concluidos os novos recenseamentos, por esse motivo o governo, vendo que os novos deputados eleitos já não poderiam tomar assento na camara este anno, entendeu que seria mais conveniente e mais conforme com os principios constitucionaes mandar proceder ás eleições quando se acharem em vigor os novos recenseamentos.

Posso affirmar ao digno par que o governo tem tratado d'este assumpto, e em tempo competente ha de convocar os collegios eleitoraes.

O sr. Vaz Preto: - Confesso, sr. presidente, que me surprehendeu desagradavelmente a declaração que acaba de fazer o sr. presidente do conselho de ministros, e que está em perfeita contradicção com outra declaração feita por s. exa. n'esta casa do parlamento.

Acreditava que o sr. presidente do conselho de ministros era alheio, e que na sua consciencia reprovava estes expedientes pequenos e pouco proprios de um alto poder do estado, e que só servem para lhe tirar a auctoridade e prestigio; agora vejo, porém, pela declaração de s. exa., que infelizmente toma uma certa responsabilidade.

Sinto não ter presente n'esta occasião o Diario da camara, onde vem a declaração que o sr. presidente do conselho fez aqui quando pela primeira vez eu chamei a sua attenção para este assumpto; desejava fazer d'ella leitura á camara, para avaliar e profundar as declarações do sr. Braamcamp. Como não tenho aqui o Diario da camara referirei o que s. exa. affirmou, e, se não for exacto, s. exa. rectificará as minhas palavras.

A verdade é que s. exa. declarou formal e terminantemente que havia de mandar proceder com a maxima brevidade ás eleições, e que mantinha a mesma declaração feita pelo governo na outra camara.

A declaração do governo na outra camara era que "procederia immediatamente ás eleições logo que todos os circulos fossem declarados vagos". Já o foram ha perto de dois mezes! Portanto, era de esperar da palavra do sr. presidente do conselho que o governo mandaria proceder immediatamente? com a maxima brevidade, como disse s. exa., ás eleições de deputados nos circulos que estão vagos; todavia não aconteceu assim, apesar das vacaturas terem sido declaradas ha tanto tempo.

Em virtude de similhante proceder que valor ficam tendo as declarações feitas pelo governo em ambas as casas do parlamento?.

Não vê s. exa. que tal procedimento, da parte dos conselheiros da corôa, leva irremissivelmente o parlamento a não acreditar, no futuro nas declarações dos srs. ministros, por mais formaes e cathegoricas que sejam?

Não vê o sr. Braamcamp que de hoje para o futuro as suas palavras e as suas promessas ficam sem valor?

Oh! sr. presidente, este systema de não tomar a serio as cousas as mais serias, e de declarar na camara o que lhe convem só, sem attender á dignidade e prestigio do governo, é a negação absoluta do que é regular, do que é digno e proprio do poder representado pelos srs. ministros. Depois não se queixem se ninguem tomar a serio as suas declarações, e os julgarem irresponsaveis pelo que affirmam.

E é para estas miserias que o governo progressista quiz subir ao poder?

É este systema que o governo progressista veiu pôr em pratica no; seu consulado, não obstante ser o menos consentaneo com a indole das instituições liberaes, e a negação completa das doutrinas dos partidos progressistas? Isto é triste e um mau symptoma.

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Os factos que estamos presenciando são na realidade pouco edificantes. O governo declara um dia uma cousa, e em outro dia faz outra declaração em sentido contrario; e não só não quer fazer as eleições complementares conforme os precedentes e os principios, e adia esse acto indefinidamente; mas ao mesmo tempo, na occasião em que se devia proceder ás eleições, publica um decreto de amnistia arrancando aos tribunaes os falsificadores que nas ultimas eleições praticaram actos que determinaram a sua accusação e a sua pronuncia!

Uma amnistia n'esta occasião revela bem o que é, e o que quer o actual governo. Significa que o governo lhe convem ter disponiveis e preparados os falsificadores encartados para quando proceder a novas eleições; significa que o governo acha justificados todos os actos criminosos que se praticaram nas precedentes eleições. Significa, por consequencia, para aquelles que houverem de praticar actos similhantes que encontrarão no actual governo protecção para os seus crimes.

É para mim doloroso ter de dirigir ao sr. Braamcamp estas censuras, mas s. exa. motivou-as.

Pergunto, pois, ao sr. presidente do conselho de ministros se este systema é proprio das suas tradições, dos seus principios liberaes e das idéas que s. exa. sempre tem sustentado?

O sr. Anselmo Braamcamp o dirá; appello para a sua consciencia.

Pela minha parte não posso deixar do lavrar um solemne protesto contra os factos a que me tenho referido, para que a camara fique sabendo por uma vez que as declarações dos srs. ministros se contradizem, e que o que hoje asseveram é no dia seguinte destruido por declarações em sentido contrario, constituindo assim o parlamento na obrigação de não acreditar mais nas palavras de s. exas.

São os factos que me levam a esta conclusão, e esses factos são bom eloquentes e ao mesmo tempo bem tristes. Esses factos, essas declarações contradictorias que eu affirmei, são attestados pelo Diario da camara

O sr. presidente do conselho, quando eu aqui fallei a primeira vez sobre este assumpto, respondendo-me, mostrou-se tão melindrado que se avespinhou por eu lhe citar os precedentes do seu partido, o disse que não era necessario que eu lh'os recordasse para elle cumprir o seu dever.

Como s. exa. não cumpriu com o seu dever lembrar-lhe-hei outra vez que o sr. duque do Loulé em 1865 mandou immediatamente proceder ás eleições supplementares estando a camara aberta, o que em 1869 o sr. bispo de Vizeu foi tão escrupuloso que tambem mandou proceder ás eleições por duas vezes, e os deputados eleitos tomaram logo assento na camara.

0 que vejo eu agora, porém, fazer que esteja em harmonia com estes precedentes?

Vejo que depois de terem passado quasi dois mezes de se terem declarado as vacaturas, o governo ainda não mandou proceder ás eleições, e agora o sr. presidente do conselho ainda nos vem dizer, que como acha pouco provavel que mandando proceder já ás eleições os novos deputados podessem vir ainda assistir a esta sessão legislativa, não lhe parece que seja necessario mandar por emquanto proceder ás eleições!

Pois s. exa. diz que acha pouco provavel que os novos eleitos tomassem assento este anno? Pois s. exa. sabe se será necessario prorogar ainda as côrtes? Pois entende s. exa. que e orçamento seja um assumpto que não mereça attenção, e que leve pouco tempo a discutir?!

Diz s. exa. que entende que se não deve ingerir em cousas da competencia da camara dos senhores deputados.

Pois s. exa. não é tambem membro d'aquella camara!? A camara não declarou já as vacaturas? A situação do sr. presidente do conselho e tão difficil e má que não sabe como justifical-a.

É amarga e dolorosa a decepção!

Confesso que me custa ter de perder a confiança que até aqui tinha nas declarações do sr. presidente do conselho. S. exa. assim o quiz, a culpa não foi minha.

De hoje para o futuro as declarações de s. exa. já não têem para mim o mesmo valor.

O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Anselmo Braamcamp): - Sr. presidente, não quero tomar muito tempo á camara, prolongando este incidente. Direi unicamente ao digno par do reino que o governo não interessa por fórma alguma em demorar as eleições dos membros que faltam na camara electiva.

S. exa. conhece, de certo, perfeitamente que havia toda a conveniencia para o governo em mandar proceder ás eleições o mais rapidamente possivel, porque quanto mais rapidamente ellas se fizessem mais facilidade encontravam os amigos do governo, que o auxiliam e apoiam fóra do parlamento, em alcançar um resultado favoravel.

Isto não quer dizer que não podessem vir á camara mais algum deputado da opposição; mas em todo o caso, com. a maioria que o governo tem na camara dos senhores deputados, as eleições supplementares que agora se fizessem não podiam alterar por fórma alguma a situação do governo em relação áquella camara.

São estas as explicações que tenho a dar ao digno par, mas não quero concluir sem protestar solemnemente contra a interpretação que s. exa. quiz dar á providencia ultimamente adoptada emquanto á amnistia por delictos eleitoraes.

S. exa. não ignora de certo que o governo, propondo á corôa áquella providencia, sobre a qual foi ouvido o conselho d'estado, não o fez levado por nenhuma consideração de interesse partidario, mas unicamente com o intuito de acabar com perseguições locaes, mal justificadas, e que tanto se applicavam a parciaes como a adversarios seus.

Torno a repetil-o, n'este ponto o governo não tinha o menor interesse, nem obedeceu a nenhuma consideração politica, mas unicamente a um sentimento de tolerancia que, de certo, esta camara não ha de condemnar.

O sr. Vaz Preto: - Ouvi com a maior attenção o sr. presidente do conselho, e observei que nem uma palavra proferiu para justificar o seu procedimento, nem as suas contradicções e incoherencias; portanto, ficam de pé ás acres arguições que eu fiz a s. exa.

Ahi estão os Diarios da camara para ler quem quizer e poderem ser confrontadas as declarações, oppostas e contradictorias, feitas por parte do governo.

Disse s. exa. que protestava contra a interpretação que eu tinha dado á amnistia, e que o pensamento tinha sido generoso.

Não sei quaes foram os motivos que determinaram o governo; o que é certo, porém, sr. presidente, e que ninguem deixará de reconhecer que essa amnistia, principalmente dada agora, deve ser considerada um erro indesculpavel, porque vae arrancar a um poder independente os falsificadores encartados, e animal-os a novos attentados.

Não entro nas intenções do governo, avalio o acto por si; e o que digo, repito, é que o acto de amnistiar es falsificadores de eleições é um erro politico, que não é proprio de quem diz que deseja manter a liberdade eleitoral, a genuina representação do paiz.

Sr. presidente, este acto do governo, como disse, é um erro politico imperdoavel, porque se querem eleições livres é mister dar um exemplo serio e grave aquelles que attentam contra o voto do eleitor, chegando ao ponto de lh'o roubar da urna, ou mesmo depois de já votado, falsificando-lhe as actas.

O sr. Braamcamp devia-se lembrar das doutrinas que o seu partido sustentou o anno passado, e dos protestos que elle fez contra os attentados eleitoraes.

Em logar da amnistia o governo devia empregar todos os meios, e dar todas as providencias para que os proces-

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sos fossem activados, e os criminosos não escpassem á acção da justiça.

Um exemplo serio e grave seria muito salutar, e para o futuro os falsificadores seriam mais receiosos.

E assim que o sr. [...]

É assim que [...] á liberdade do eleitor?

Sr. presidente, emquanto tivermos eleições como temos tido até agora; emquanto os governos procederem per esta fórma, creia v. exa. que a liberdade eleitoral não póde existir, e a representação genuina da nação desapparece completamente, será uma pura ficção.

O governo devia, n'este ponto, ser o primeiro a fazer com que os falsarios comnrehendessem bem, e d'uma vez para sempre, que, quando praticassem actos d'aquella ordem, não encontrariam no governo protecção alguma. Não succedeu, porém, assim. O governo procedeu mal avisadamente concedendo uma amnistia que dá estes resultados.

Disse o sr. presidente do conselho que não tinha interesse em demorar a eleição. Se assim é, qual foi o fim que o governo teve em vista? Pois sacrificam-se os principios, passa-se pelo vexame de serem apodadas de contradictorias as declarações do governo, e sujeita-se e, tudo isto um governo sem interesse seu ou interesse do paiz? O sr. Braamcamp por certo não pensou no que affirmou; permitta-me, pois, s. exa. que eu lhe declare terminantemente que não posso acreditar em similhante asserção, porque é completamente absurda. Pois sem interesse para o governo sujeita-se s. exa. a declarar na camara o contrario do que hontem affirmou? Pois o governo não tem interesse em não proceder a estas eleições, e tem interesse em sacrificar os principios, a sua promessa, e a sua palavra nobremente empenhada?

Disse tambem a s. exa. que a rasão por que se demoravam as eleições, era porque ellas deviam ser feitas pelo novo recenseamento. Ora ahi está a rasão. O governo obedece a um poder occulto que o obriga a passar por todas as humilhações. Os recenseamentos antigos não convinham, era necessario preparar os novos, e falsifical-os em Lisboa para que o governo podesse vencer. Tudo isto se tem feito, são os [...] amigos do governo que o dizem, e para obter o almejado intento foi necessario demorar as eleições. Só assim é que se poderia explicar a rasão por que não se fizeram ainda as eleições. Realmente parece impossivel que o sr. presidente do conselho não reprove estas burlas e estes expedientes, que desprestigiam os governos e desauctorisam a s. exa. mesmo.

Parece impossivel que o sr. presidente do conselho ignore o que se tem passado e o que tem sido dito todos os dias ácerca d'este assumpto, pela bôca dos seus proprios correligionarios, e que venho justificar um acto que não tem justificação possivel. Será crivel que o sr. Braamcamp ignore o que se tem feito em Lisboa no que toca a recenseamentos? Ignora, e não tem conhecimento dea quantidade de reclamações que tem havido. Não sabemos [...] lá pelas provincias? E é assim que querem [...] representação nacional? E é para isso que no programma nos promettem a reforma da lei eleitoral? Cumpre as leis existentes, em logar de dar amnistia para [...] os falsificadores, e sejam fieis aos principios, [...] cousas entram nos seus eixos.

Pelo que respeita á incoherencia do sr. presidente do conselho as suas declarações contradictorias, e a falta do cumprimento da palavra empenhada nas duas casas do parlamento, direi que foi para mim dolorosa [...]

Se s. exa. não tivesse de ceder a certa [...] por certo não fazia a declaração que hoje faz, de que não mandava, proceder já ás eleições sacrificando assim os principios, esquecendo os precedentes e as tradições de homens eminentes do seu partido, taes como o sr. duque de Loulé e o sr. bispo da Vizeu.

ORDEM DO DIA

O sr. Presidente: - Vamos entrar na ordem do dia, que é a discussão do parecer n.° 37 sobre o projecto de lei n.° 46.

Leu-se na mesa e é o seguinte:

Parecer n.ºs 87

Senhpres. - Á vossa commissão de fazenda foi presente o projecto de lei n.º 46, vindo da camara dos senhores deputados, que auctorisa o governo a mandar cunhar a importancia de 2:000$000 réis em moedas de 5 réis, de cunho proprio dos Açores, para ser distribuida pelos districtos d'aquelle archipelago.

A carencia d'estas moedas está justificada nas representações dos corpos municipaes, segundo affirma o governo e a commissão de fazenda da camara dos senhores deputados.

Estimaria a vossa commissão poder dar o seu voto a um projecto de lei que auctorisasse o governo a retirar da circulação nos Açores a moeda da prata que ali corre, estabelecendo n'aquelles districtos o systema monetario que rege no continente, como com tanta vantagem publica e tão diminuta despeza do thesouro, relativamente, se estabeleceu e se levou á pratica no districto do Funchal, em virtude da carta de lei de 2 de maio de 1879.

Emquanto, porém, se não toma esta resolução, certo que ella não é de modo nenhum contrariada pelo projecto agora sujeito ao vosso exame, é a vossa commissão de parecer que elle deve ser approvado para ser submettido á real sanção.

Sala da commissão, em 23 de abril de 188O. = Carlos Bento da Silva = Conde de Castro = Thomás de Carvalho - João Baptista da Silva Ferrão de Carvalho Mártens = Marthins de Carvalho e Vasconcellos = Antonio de Serpa Pimentel.

Projecto do lei n.° 46

Artigo 1.° É o governo auctorisado a mandar proceder á cunhagem da quantia de 2:000$000 réis, em moedas de 5 réis, do cunho proprio dos Açores, para serem distribuidas pelos districtos de Angra do Heroismo, Horta e Ponta Delgada.

Art. 2.º Fica revogada a legislação em contrario.

Palacio dos côrtes, em 9 de abril de 1880. = Antonio José da Rocha, deputado vice-presidente = Thomás Frederico Pereira Bastos, deputado secretario = Antonio José d'Avila, deputado secretario.

Proposta de lei n.º 138-E

Senhores. - Em 19 de novembro de 1879 veio dirigida ao governo uma representação da camara municipal da cidade de Angra do Heroismo, pedindo uma remessa de moedas de 5 réis do cunho proprio dos Açores, para acudir ás difficuldades que da falta de taes moedas advem ás transacções commerciaes de todo o districto.

Não tendo pedido os districtos de Horta e de Ponta Delgada supprir aquella necessidade, é de presumir que n'ellas se d~e a mesma falta, e por isso tenho a honra de submetter á vossa consideração a seguinte

PROPOSTA DE LEI

Artigo 1.º É o governo auctorisado a mandar proceder a cunhagem da quantia de 2:000$000 réis em moedas de 5 réis do cunho proprio dos Açores, para serem distribuidos pelos districtos de Angra do Heroismo, Horta e Ponta Delgada.

Art. 2.º Fica revogada a legislação em contrario.

Ministerio dos negocios da fazenda, [...] de março de 1880. - Henrique de Barros Gomes.

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O sr. Presidente: - Está em discussão na generalidade e especialidade, porque contém um só artigo.

O sr. Serpa Pimentel: - Sr. presidente, aproveito esta occasião para chamar a attenção do governo sobre um objecto que com o projecto de que se trata tem alguma connexão.

No relatorio dos actos do ministerio da fazenda, que em tempo foi distribuido nas duas casas do parlamento, encontra-se o resultado da mudança do systema monetario na ilha da Madeira.

Vê-se por aquelle relatorio, que tendo, havido receio da despeza que podia produzir aquella transformação, ella não foi grande, porquanto não chegou a 30:000$000 réis. Acrescendo ainda a isto o juro das sommas que o governo por algum tempo tinha de levantar a mais da divida fluctuante para occorrer á troca da moeda, que foi pequeno, porque as operações duraram poucos mezes.

E assim as vantagens que tirou a Madeira d'esta transformação foram incomparavelmente maiores que a despeza que occasionou: e por isso eu chamava a attenção do sr. ministro da fazenda para a conveniencia de unificar a moeda dos Açores com a do continente, e, por consequencia, com a da Madeira.

Parece-me escusado, n'esta assembléa em que nos achamos, de dizer quaes são as vantagens que hão de tirar os povos dos Açores com esta unificação da moeda, e o sr. ministro da fazenda sabe quaes as vantagens que tem obtido a ilha da Madeira desde que se lhe deu esta unificação.

Em 1874 tive eu a honra do propor a unificação da moeda, tanto na Madeira como nos Açores, com o continente.

Apresentei o projecto que não chegou a ser discutido, nem eu insisti por elle, embora tivesse sido o seu auctor, por ver a reluctancia da parte dos habitantes dos Açores, porque em assumptos d'esta ordem é necessario proceder com toda a prudencia, e attender não só ás rabões, mas aos preconceitos, e estando aquelles povos convencidos que esta unificação lhe dará um enorme prejuizo e grandes inconvenientes, não era prudente promover o andamento d'este assumpto na camara, e não promovi por isso o andamento d'aquelle projecto, esperando pela occasião mais opportuna.

Em relação á Madeira foram os seus proprios habitantes que, alguns annos mais tarde, instaram para que se levasse a minha idéa á realisação, e por isso aproveitei a occasião e apresentei o projecto para a uniformidade da moeda da Madeira com a do continente, e pelo relatorio do sr. ministro se vê as grandes vantagens que a Madeira tem obtido com tal medida; o corpo commercial d'aquella ilha estava luctando com uma grande crise, e foi a adopção do projecto que eu apresentei que contribuiu para a sua resolução.

Nos Açores tambem existe actualmente uma crise; parecia-me a occasião opportuna de se lhe fazer o mesmo beneficio, tanto mais que o exemplo da Madeira deve ter convencido os habitantes dos Açores que uma tal medida lhe deve levar grandes beneficios, e que nada têem a perder.

Ha naturalmente uns certos interesses que se oppõem, é que são os dos individuos que lucram nos cambios das diversas moedas, e lucram tanto mais quanto maior é a differença sobre o seu valor intrinseco e o seu valor legal, e estas differenças forem diversas em relação ás diversas moedas.

E, portanto, sobre este ponto que eu chamo a attenção do sr. ministro da fazenda.

Sei que nos Açores a transformação ha de ser um pouco mais difficil por que, em primeiro logar, a área de territorio é ali mais extensa, e dá-se mesmo a circumstancia, que se não dava na Madeira, de que a moeda n'aquelle archipelago, embora tenha legalmente o mesmo valor para todo elle, tem com tudo, em algumas ilhas um valor differente no commercio.

D'aqui, me parece, hão de provir certas difficuldades para a execução d'esta medida; entretanto não considero invenciveis essas difficuldades.

Ninguem mais proprio do que o sr. ministro da fazenda, para nos apresentar uma proposta que acabe com este inconvenientissimo estado do systema monetario insulano.

Ainda ha poucas semanas eu vi no Diario ao governo que fóra nomeada uma commissão para se occupar da crise dos Açores, e propor ao governo os meios que julgue convenientes para debellar os effeitos d'essa crise. Parece-me, pois, opportuna a occasião para que o sr. ministro se entenda com a mesma com missão, e, de accordo com ella, trate de elaborar a referida proposta, que, aliás, deve causar alguma despeza.

Mas é raro, sr. presidente, que uma medida de grande importancia, sobretudo importancia economica, não traga immediatamente comsigo uma certa despeza. O que resta saber é se essa despeza dá vantagens que a compensem amplamente.

Já que estou com a palavra, chamarei tambem a atenção do sr. ministro da fazenda sobre a conveniencia da transformação da nossa moeda de cobre.

Talvez muita gente não supponha os gravissimos inconvenientes que tem para este paiz o systema actual de monda de trocos.

É um facto que existe superabundancia de moeda de cobre; mas estou inteiramente convencido de que sendo ella transformada n'outra que tivesse melhores condições de peso, de dimensões e de aceio, havia de augmentar a sua circulação; e por consequencia esta superabundancia deixava de existir juntamente com o agio.

A moeda de cobre é essencial nos trocos, e por isso tem um valor estimativo muito superior ao valor intrinseco.

Não é só o valor que lhe dá a lei; tem tambem o valor que lhe dá a necessidade que todos temos de usar d'esta moeda. Porém, o que se não póde admittir, e o que se não vê em nenhum paiz do mundo, é que haja notas em cobre, e notas de 10$000 réis, que não satisfazem ao fim para que é destinada a moeda de cobre, que é para os trocos, ou minimos.

Sendo ministro da fazenda tive a honra de apresentar um projecto n'este sentido, e sinto que o cavalheiro que actualmente tem a seu cargo a gerencia dos negocios fazendarios, havendo renovado a iniciativa de algumas das minhas propostas de lei, ou apresentado outras analogas a essas, não renovasse tambem a iniciativa d'aquella minha proposta sobre a refundição da moeda de cobre, ou, para melhor dizer, da sua substituição por outra moeda, mais portatil e de mais facil circulação, proposta que não encontrou no publico nenhuma resistencia, e que seria de grande vantagem fazer converter em lei do estado.

Reconheço que esta transformação se não podia fazer sem uma certa despeza; estou, porém, convencido que esta despeza mais tarde havia de ser completamente. resarcida.

Chamo a attenção do sr. ministro da fazenda para estes dois pontos, e tanto a respeito de um, como de outro, desejava ouvir a opinião de s. exa., e sobretudo estimaria que d'esse esperanças de que brevemente se occuparia d'estas materias, e havia de trazer ao parlamento umas propostas de lei uniformisando a moeda que circula nas ilhas dos Açores, com a do continente do reino, e para a refundição da moeda de cobre.

O sr. Carlos Bento: - Estou inteiramente de accordo com a opinião do digno par, o sr. Serpa Pimentel, a respeito das vantagens de uniformizar o meio circulante monetario das nossas ilhas com o do continente, e não era precisa a demonstração de s. exa. para tornar bem sensivel a vantagem de uma tal medida.

Entretanto, na occasião presente creio que o melhora-

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mento mais urgente e mais necessario é regular a nossa situação financeira, de maneira que a nossa receita se ponha, n'um futuro proximo, em harmonia com a despeza.

Estou persuadido que a uniformisação da moeda da ilha da Madeira com a do continente do reino foi uma boa modida; todavia, deve-se dizer que nem todos os habitantes d'aquella parte da monarchia portugueza a consideraram como tal; quer dizer que esta medida, embora de vantagem, não foi tão geralmente bem recebida na Madeira como talvez muitos supponham, e não o foi principalmente da parte d'aquelles que tiveram de soffrer prejuizos e fazer sacrificios em resultado da referida uniformisação de moeda. E necessariamente factos d'esta ordem trazem sempre, a par de vantagens mais ou menos geraes, inconvenientes para muitos individuos.

Por exemplo, a fixação de um valor mais elevado dado á moeda circulante, traz comsigo prejuizo para aquelles que por causa das suas transacções commerciaes tiverem de importar moeda para os seus pagamentos.

Comtudo, estes e outros inconvenientes não são de natureza a fazer suppor que não haja grande vantagem na unidade da moeda em todo o paiz. O que é preciso é ver se esse incontestavel melhoramento se póde realisar em todas as occasiões, porque na verdade traz encargos para o thesouro que convem não deixar de ter em attenção. Vejo que a Inglaterra, que não é pobre, ainda não conseguiu modificar o meio circulante da India.

E tanto era justificada a modificação do meio circulante na India ingleza, que no seu actual estado o agio traz comsigo a perda de 3.000:000 libras esterlinas por anno áquelia possessão da Inglaterra.

Eu creio, pois, que o governo, por este projecto mostra desejos de proceder de maneira tal, que desappareçam os inconvenientes resultantes da differença entre a moeda que corre nos Açores e a que corre no reino.

O sr. Ministro da Fazenda (Barros Gomes): - Sr. presidente, até certo ponto o digno par, o sr. Carlos Bento, preveniu mo no que eu tencionava dizer.

Não posso, comtudo, deixar de declarar ao digno par, o sr. Antonio de Serpa, que eu applico toda a minha solicitude a este assumpto; reconheço que é de toda a importancia que se harmonise, com o do reino, o systema monetario das ilhas dos Açores, e concordo com s. exa. em que seria conveniente praticar para com os Açores com se praticou já commissação á Madeira.

Estes assumptos referentes ao meio circulante são dos que mais naturalmente preoccupam a attenção de quantos se dedicam ao estudo e á pratica dos problemas financeiros e das questões economicas; e de v. exa., sr. presidente, muito particularmente são elles conhecidos, porque não só collaborou de modo tão notavel na legislação de 1854, mas mais tarde fez parte de um congresso internacional, cujo fim era estudar a conveniencia e a maneira de harmonisar a moeda, havendo-se v. exa. com tanta distincção n'esse congresso, que ainda hoje as suas opiniões ali proferidas sobre este assumpto são citadas com respeito por todos que d'elle se occupam.

Voltando, porém, ao que se praticou para com a Madeira, lembrarei que se deram ali circumstancias especiaes que fizeram com que se tornasse urgente a realisação d'aquellas providencias a que alludiu o sr. Serpa. A ilha da Madeira vira então quasi aniquilado o seu unico elemento de exportação que era o vinho; em taes condições, sem generos de exportação, nem moeda com que podesse pagar o que importava, porque a que circulava na ilha se achava depreciada pela baixa no valor da prata, proveniente da exploração das minas de prata dos estados americanos; n'estas circumstancias, repito, o cambio baixou na ilha, a ponto de se tornar abertamente impossivel, na praça do Funchal, obter, sem um premio fabuloso saques, quer sobre Portugal, quer sobre o estrangeiro. Foi por isso que o governo propoz então, e levou a bom termo, a transformação da moeda d'aquella ilha.

Comtudo, sr. presidente, v. exa. sabe que similhante transformação importou em 27:000$000 réis, e alem d'isso para a effectuar viu-se o governo na necessidade de reter nos cofres approximadamente 1.000:000$000 réis, durante seis mezes; e como a posse d'esta quantia levantada por divida fluctuante representa um prejuizo igual ao juro que por ella se pagou, isto é, approximadamente uma somma da 15:000$000 réis; esta cifra, sommada com a dos réis 27:000$000 já referidos, eleva o despendia que o estado fez com a transformação referida á somma de 42:000$0OO réis. Ora, podemos imaginar que a, moeda que circula nos Açores importaria no dobro da que circula na Madeira; teriamos, pois, que n'essas condições o estado sofreria, para operar essa transformação, um prejuizo de nada meros do que 80:000$000 réis. Ora, como o governo está tratando de, por agora, se limitar quanto possivel ás despezas impreteriveis, procurando ao mesmo tempo, por varias providencias legislativas, fazer crescer a receita, para o que está pedindo sacrificios ao paiz, entendi que não era agora a occasião opportuna de propor uma tal medida. Limitei-me, unica e exclusivamente, a propor a presente proposta de lei para acudir ás difficuldades provenientes da falta de trocos.

Não me são estas materias desconhecidas, e até já tive occasião de elaborar um pequeno escripto sobre o nosso systema monetario, quando o governo dos Estados Unidos, projectando reassumir o pagamento em especie, solicitou a proposito d'isso informações a todas as potencias.

Por essa occasião tive ensejo de demonstrar que, subindo a uns 2.000:000$000 réis a importancia da moeda de cobre e bronze, que existe no paiz, dava-se o facto anomalo de que uma quarta parte d'esta moeda estava armazenada em um estabelecimento bancario da capital, que eu tinha a honra de dirigir, emquanto que nas provincias do norte havia grande falta da mesma moeda.

Estou convencido que a sua transformação em moeda mais commoda, dada a hypothese de se poder enviar uma boa parte d'ella para as provincias do norte, teria muito conveniente; mas, ainda assim, haveria desfalque grande para o thesouro, se não se podesse, o que me parece impossivel, emittir o dobro da que existe actualmente, porque a maior parte d'essa moeda é em patacos, e o bronze, como se sabe, não tem hoje applicação, a não ser em uma escala diminutissima. Foi esta a rasão por que não tratei de resolver este assumpto na actual sessão legislativa, e que talvez me obrigue a proceder do mesmo modo no proximo anno.

O sr. Mathias de Carvalho: - Ponderou que a nossa moeda de cobre e bronze não possuo nenhuma das qualidades que deve ter esta especie de moeda para preencher devidamente o fim a que é destinada; e affirmou que ninguem pôde, com fundamento, contestar a necessidade do uma refundição, a qual, se fosse desde já começada e proseguida com trabalhos desenvolvidos, ainda assim exigiria alguns annos para ser levada a termo.

Observou que se esta operação principiar pela moeda de cobre, não é licito suppor que n'esse primeiro periodo haja sacrificios para o thesouro; e fez varina considerações para mostrar que os encargos que a substituição da actual moeda de bronze possa occasionar, serão compensados pelas maiores exigencias de moeda na nova circulação, facto constante em todos os paizes que têem precedido á refundição da sua moeda auxiliar inferior.

Terminou recommendando á consideração do sr. ministro da fazenda este importante assumpto que, resolvido convenientemente, interessa muito ao paiz.

O sr. Conde de Valbom: - Abunda nas idéas do orador precedente.

(O discurso do orador será publicado na integra quando s. exa. devolver as notas tachygraphicas.)

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O sr. Presidente: - Está extincta a inscripção, e vae votar-se o projecto.

Os dignos pares que approvam o artigo 1.º, tenham a bondade de se levantar.

Foi approvado, e bem assim o artigo 2.º

Leu-se na mesa o parecer n.º 76.

É o seguinte:

Parecer n.° 76

Senhores. - A vossa commissão de fazenda examinou attentamente o projecto de lei n.° 50, vindo da camara dos senhores deputados, no qual se contêem varias providencias tendentes a reformar o systema da contabilidade publica, actualmente em vigor, com o fim de assegurar a exacta fiscalisação da administração dos rendimentos do estado.

I

A necessidade de uma reforma cabal no systema da nossa contabilidade publica é, desde muito tempo, universalmente reconhecida, e tem sido constantemente reclamada pelo tribunal de contas nos seus relatorios annuaes, á iniciativa do qual são devidas algumas das providencias contidas no projecto agora sujeito a sabedoria das vossas deliberações.

A administração da justiça e a gestão dos dinheiros publicos foram sempre, nos tempos antigos, consideradas como duas das mais altas e mais nobres funcções da realeza. Nos estados modernos a ordem e a luz são condições essenciaes de boa administração, e os governos dos povos civilisados, que quizerem reinar com o concurso da opinião nacional, têem que procurar o seu apoio mais firme na regularidade do seu systema de contabilidade, na fidelidade das suas descripções orçamentaes, na clareza dos seus documentos officiaes, na vigilancia e na exactidão da fiscalisação. No em tanto, a contabilidade publica entre nós constituo ainda um problema difficil, cuja solução tem chamado a attenção dos poderes publicos, e apesar dos ensaios, das tentativas, e das combinações que, desde remotos tempos, têem sido experimentados está muito longe de haver attingido a desejada perfeição.

A excellencia de um systema financeiro assenta sobre duas garantias principaes - a fiscalisação e a publicidade. A efficacia da fiscalisação depende essencialmente da regularidade e da clareza da contabilidade. É pelo auxilio de uma boa contabilidade que a fiscalisação póde impedir que qualquer somma, por minima que seja, possa sair do bolso do contribuinte e entrar nas caixas do thesouro, mudar de cofre, e sair d'este para a mão de algum credor do estado, sem que a legalidade da sua percepção, a regularidade dos seus movimentos, a legitimidade do seu emprego seja previa e devidamente reconhecida pelo exame de agentes responsaveis, judicialmente verificada por magistrados inamoviveis, e definitivamente sanccionada pelo poder legislativo.

A publicidade apresenta em cada anno ante os altos corpos do estado, e do publico, o quadro periodico da recepção dos impostos, as contas especiaes dos ministerios, as declarações do tribunal de contas, e as contas geraes da fazenda publica. N'este documento a administração das finanças resume e explica desenvolvidamente todos os factos do anno precedente concernentes aos rendimentos do estado, ás despezas publicas, ás operações da thesouraria, ao deficit do ultimo orçamento, á situação dos orçamentos correntes, á divida fluctuante, á divida fundada, aos emprestimos e á amortisação. Apresenta, nas suas divisões principaes e nos seus detalhes, o balanço do activo e do passivo do thesouro, e permitte que, por meio de comparações com o passado, se possa apreciar a marcha é o progresso de todos os serviços financeiros do estado. - Assim, a gestão dos negocios publicos faz-se á luz do dia e os seus resultados alcançam um caracter de certeza que não podem dar logar a contestação.

II

É no intuito de obter estes resultados, no de alcançar o aperfeiçoamento da contabilidade, de auxiliar a fiscalisação, e de garantir inteira publicidade que o governo, usando da sua iniciativa, resolveu submetter á approvação do corpo legislativo as bases principaes de um novo systema geral de contabilidade publica mais completo e mais harmonico do que o actual.

Variadas e muito complexas são as providencias, algumas inteiramente novas, que no presente projecto se contêem, e que se pretendem consagrar legislativamente; e se nos estreitos limites, naturalmente marcados para o presente relatorio, não é possivel fazer especificada menção de cada uma d'ellas, e dar de todas desenvolvidas e justificadas explicações, não póde tambem a commissão dispensar-se da obrigação de chamar a vossa sabia attenção para os tres pontos cardeaes em que elle se baseia e que formam como que o alicerce do systema que agora se pretende introduzir e implantar.

Consiste o primeiro em centralisar no ministerio da fazenda todos os elementos necessarios para que na direcção geral da contabilidade se escripture e fiscalise a totalidade das receitas e das despezas effectivamente realisadas pelos ministerios e pela junta de credito publico, e não unicamente as sommas entregues e recebidas, subordinando para esse fim á mesma direcção geral todas as repartições de contabilidade que existem nas outras estações publicas, e isto com o intuito de obter perfeito accordo entre as contas dos responsaveis e as dos diversos ministerios, as do thesouro, e as da junta do credito publico.

Da execução do preceito contido n'esta base (diz o tribunal de contas na sua consulta de 21 de outubro de 1879), depende a mais importante e a mais essencial reforma que ha a fazer na contabilidade do estado.

Effectivamente, para que a fiscalisação parlamentar sobre a gerencia dos dinheiros publicos, ajudada pela acção do tribunal de contas, possa ser real e effectiva, é indispensavel, não só, que a arrecadação., distribuição e applicacão dos dinheiros publicos esteja subordinada a regras certas e claramente estabelecidas, mas tambem, que todas as operações, a que esses actos dão logar, sejam uniformemente escripturadas, tornando possivel e facil reunir multiplicados factos individuaes em verbas unicas de uma escripturação central, assentada em harmonia com o systema adoptado para a organisação dos orçamentos geraes do estado. - Só assim (diz ainda aquelle tribunal) "se poderão obter os elementos necessarios para que o tribunal de contas possa emittir as suas declarações annuaes, e para que o poder legislativo possa convenientemente apreciar a gerencia financeira do governo, e julgar da responsabilidade que cabe aos ministros como executores das leis fazendarias".

A imperfeição e a deficiencia da contabilidade publica, entre nós, manifesta-se claramente pelo facto que ao tribunal de contas ainda não foi possivel, até hoje, proferir uma só declaração de conformidade, pela carencia dos elementos indispensaveis para basear as suas apreciações, deixando, por este modo, de completar a sua mais essencial missão constitucional, que consiste no auxilio que deve prestar á acção do poder legislativo por meio das declarações annuaes, baseadas na comparação dos seus julgamentos e das auctorisações legaes, com as contas do thesouro e dos ministerios, e não unicamente na comparação d'estas ultimas com as auctorisações obtidas.

Por outro lado, a differença annualmente verificada entre as contas do thesouro, e as dos encarregados da arrecadação dos dinheiros publicos, entre as contas dos ministerios e as dos pagadores, e bem assim a divergencia entre a importancia das quantias entregues pelo thesouro á

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junta do credito publico e aos ministerios, e as sommas accusadas nas suas respectivas contas como effectivamente gastas, são prova evidente não só da imperfeição com que se executa a contabilidade publica, mas tambem da necessidade de operar no ministerio da fazenda uma centralisação mais completa, sem a qual nunca será possivel organisar perfeitamente uma conta da administração da fazenda publica, que seja o transumpto é o resumo das contas de todos os ministerios, e que demonstre a harmonia, que deve haver, entre as contas parciaes dos ministerios e as geraes do thesouro.

Esta centralisação descriptiva de todos os serviços publicos relativos á administração da fazenda existe em França; e é por ella que tem sido possivel obter-se a efficaz fiscalisação que torna recommendavel o systema de contabilidade ali estabelecido; é por ella que o ministro da fazenda póde habilitar-se a saber, em qualquer momento, qual o estado da gerencia que decorre, e quaes as necessidades da administração a que é mister prover ainda até ao fim do exercicio; é por ella finalmente que o tribunal de contas póde habilitar-se a exercer vigilante fiscalisação sobre toda a contabilidade publica.

III

O segundo ponto ou principio que constitue uma das bases essenciaes em que, pelas indicações do projecto, deve assentar o novo systema de contabilidade publica consiste em conferir ao tribunal de contas faculdades mais amplas e effectivas, não só para verificar e reprimir os abusos que se hajam introduzido, mas tambem para prevenir a sua introducção. Para isso propõe o governo:

1.° Que os documentos originaes comprovativos das despezas sejam presentes ao tribunal;

2.° Que todas as ordens de pagamento sejam sempre remettidas, antes de satisfeitas, ao tribunal de contas, o qual achando-as legaes, auctorisadas, e dentro da respectiva verba, orçamenta, lhes põem o visto para poderem, ser pagas.

Por occasião das indicações feitas, ao tribunal de contas pelo actual ministro dos negocios da fazenda, sobre a reforma de contabilidade, para consultar ácerca d'ellas, dizia o ministro com sobrada rasão, que, "para que a acção do tribunal possa ser preponderante na fiscalisação dos dinheiros do estado, para que possa, pela sua intervenção, evitar e prevenir os abusos que são tão faceis de introduzir, para que a sua missão seja exercida com auctoridade e força moral capaz de imprimir ao seu relatorio annual, e ás suas conclusões, o prestigio indispensavel, seria conveniente que os documentos originaes comprovativos das despezas publicas lhe fossem presentes, é bem assim, que se lhe conferissem todas as faculdades e attribuições conducentes a realçar a sua auctoridade". - O tribunal de contas assim tambem o havia já reclamado em differentes epochas, declarando como imperiosa a "necessidade de lhe serem presentes os documentos originaes justificativos das despezas, porque eram elementos essenciaes para o desempenho cabal da alta missão que lhe estava confiada"; ponderando, ao mesmo tempo, que a subtracção d'esses documentos ao seu exame, "impedia que á, fiscalisação fosse completa, e que as despezas podessem confrontar-se em detalhe com as auctorisações legaes, dando assim logar a que os abusos e as irregularidades passassem desapercebidos, para prevenirmos quaes os avisos de conformidade não eram sufficientes".

A verdade d'estas affirmações é indicada pela rasão, está auctorisada pela pratica, e pela legislação das nações estrangeiras, tanto na Allemanha e na Belgica como na Hespanha, segundo as quaes o tribunal de contas tem auctoridade para requisitar a apresentação de todos os titulos e documentos que considere precisos para se esclarecer ácerca da marcha da administração, e para satisfazer plenamente á sua missão constitucional.

Em algumas d'essas legislações leva-se tão longe a acção e a faculdade do tribunal de contas, que até está auctorisado a poder verificar a existencia dos valores em cofre, inspeccionar os materiaes do estado, ordenar inqueritos, nomear commissões especiaes para examinarem a maneira por que funcciona a contabilidade publica, e para resolverem as duvidas que possam levantar-se na pratica, e finalmente para consultar o poder legislativo ácerca das necessidades de administração financeira.

O projecto, agora sujeito á vossa deliberação, preceituando a obrigação de serem presentes ao tribunal os titulos originaes comprovativos de todas as despezas variaveis devidamente classificados, e creando uma commissão permanente de contabilidade composta do presidente do tribunal de contas e de todos os chefes superiores da direcção e repartições de contabilidade, obedece e presta homenagem ás expostas indicações da rasão, aos conselhos da experiencia, e ás constantes solicitações do tribunal de contas do nosso proprio paiz.

Pelo que respeita á necessidade da precedencia do visto do tribunal de contas para a realisação de qualquer pagamento estabelece-a o projecto preceptivamente, com o fim de conseguir que as despezas publicas se contenham dentro dos limites orçamentalmente traçados.

Este principio é novo entre nós, pois não tem precedente na legislação fiscal do paiz; - é deduzido das leis da Belgica e da Italia, e ainda tambem do systema inglez, tendente não só a operar inteira separação entre as funcções do ordenamento das despezas e as da fiscalisação ácerca da legalidade, como tambem a conceder ao tribunal do contas intervenção directa e preventiva na fiscalisação sobre os gastos publicos.

A conveniencia de haver uma auctoridade que exerça esta fiscalisação previa não deixou de ser reconhecida pelo tribunal de contas na sua consulta acima alludida, e é attestada pelo facto constante de não ter havido anno algum, em que deixassem de ser excedidas as auctorisações legaes em centenas de contos de réis, encontrando-se depois os poderes publicos na violenta posição, e na forçosa necessidade, de legalisar, quasi sempre sem exame detido, despezas já feitas, e de approvar factos já consummados, algumas, vezes em annos muito posteriores áquelles em que tiveram logar.

Nem se diga, que a necessidade e a exigencia do visto previo do tribunal de contas complicará em demasia o expediente dos negocios; que deslocará a responsabilidade que por actos tão importantes de administração e de governo deve exclusivamente pertencer aos ministros; - nem que as funcções de ingerencia preventiva sobre as ordens de pagamento, com que se pretende dotar o tribunal de contas, repugnam com os da fiscalisação, que naturalmente lhe competem, attenta a indole, a natureza e o fim da sua instituição.

A pretendida ou inculcada complicação no expediente dos negocios nunca poderá resultar, no parecer da vossa commissão, da adopção d'esta providencia se, para os vencimentos fixos, e para todas as despezas certas previamente determinadas na lei, se organisarem e adoptarem tabellas uniformes e adequadas, ás quaes se possa applicar em globo um processo simples e facil que com pouca demora siga por todas as estacões fiscaes até chegarem aos cofres aonde devem ser verificados os pagamentos. - A deslocação da responsabilidade ministerial igualmente não póde existir, porque a fiscalisação previa do tribunal, limitada exclusivamente á parte relativa á legalidade das despezas, é puramente consultiva e não importa mais que uma advertencia e uma informação dada aos ministros, sempre de grande importancia moral, mas privada de qualquer força decisiva ou imperativa. - É pelo que respeita á repugnancia entre as funcções preventivas e as de fiscalisação ácerca da observancia das leis da receita, parece á commissão que estas ultimas funcções, longe de ficarem prejudicadas ou

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mutiladas pelas primeiras, serão antes auxiliadas e robustecidas por ellas, que nenhuma repugnancia ou inconciliatilidade existe entre as funcções da jurisdicção preventiva, que pelo projecto devem ficar pertencendo ao tribunal, com as da jurisdicção fiscal propriamente dita que já tem. Ambas estas faculdades ou jurisdicções, longo de se prejudicarem, auxiliam-se, robustecem-se e completam-se.

Não desconhece a commissão que a responsabilidade ministerial pelos actos administrativos do governo, sendo o laço que prende e liga o poder executivo [...] (do mesmo modo que a eleição é tambem o laço que liga e prende o parlamento á nação), constitue a alma do systema representativo parlamentar e a de todas as instituições constitucionaes do tempo moderno; e por isso não hesita em declarar que, se da adopção da providencia proposta resultasse ficar debilitado ou enfraquecido esse principio essencial da nossa organisação politica, não deixaria de desaffrontadamente propor, á vossa sabedoria, a sua rejeição. Está porém convencida da idéa opposta, e parece-lhe que a intervenção previa do tribunal de contas no ordenamento dos pagamentos, longe de prejudicar a efficacia do principio da responsabilidade ministerial, póde facilitar ao parlamento meios mais seguros e vigorosos para exigil-a e tornal-a effectiva. Fortifica-se n'este pensar vendo o exemplo de algumas nações estrangeiras, e observando a pratica que, sem inconveniente nem reclamação, é seguida na Italia, na Belgica, e na propria Inglaterra. Nem poderá dizer-se que estes paizes não devem servir de exemplo e de modelo quanto á pratica e á sinceridade da observancia das regras e principios do systema parlamentar. - Na Belgica a necessidade do visto do tribunal de contas, e da sua intervenção previa, não se limita ás ordens de pagamento, mas abrange, tambem, os contratos de emprestimo, ás operações de conversão, os certificados de caução, e os titulos de renda vitalicia. E ainda que a recusa motivada do visto do tribunal póde ser vencida pela resolução superior do conselho de ministros, não se verificou até hoje, caso algum em que o ministerio tivesse precisão de recorrer a meio tão extremo e ultimo; o que, bem e evidentemente, prova que a intervenção da fiscalisação previa do tribunal não causa embaraço algum á acção legitima do poder executivo. As lições da experiencia estão pois accordes com os dictames da rasão. - O mesmo se póde dizer com respeito á Italia, onde este systema está estabelecido e é observado com tanto rigor como boa fé por parte do governo e do tribunal de contas, o qual ainda no anno anterior recusou visar ordens para pagamento de vencimentos a empregados illegalmente nomeados.

O tribunal de contas, na sua desenvolvida e bem elaborada consulta de 21 de outubro de 1879, acceita e reconhece a conveniencia de haver uma fiscalisação previa sobre a legalidade de todas as ordens de pagamento determinadas pelos ministros a fim de que estes possam, a tempo util, ser esclarecidos e advertidos; mas entende que essa fiscalisação não deve pertencer ao tribunal de contas, e que conviria antes que fosse exercida por algum empregado superior e especial em cada ministerio, podendo o ministro respectivo recorrer ainda á resolução do conselho de ministros, ou á consulta do procurador geral da corôa nos casos duvidosos.

O systema indicado pelo tribunal de contas talvez possa ser considerado como approximadamente similhante ao que desde tempos antigos é seguido na Inglaterra, aonde effectivamente existe uma auctoridade especial e privativa - do controller-general - com attribuições analogas aquellas de que tratamos agora; mas alem d'esse funccionario, na Inglaterra, estar absolutamente independente do governo, porque é um mero delegado do parlamento para fiscalisar a observancia das leis financeiras, as suas decisões não podem ser alteradas nem revogadas pelo ministerio, e em caso algum estão subordinadas ao parecer e opinião dos advogados da corôa, no que tudo vae differença essencial entre o systema indicado pelo nosso tribunal de contas e o executado na Inglaterra.

As bases e alicerces em que assenta o systema de legislação ingleza, em materia de administração da fazenda da nação, são tão diversas das que estão geralmente adoptadas no continente, que entre umas e outras não póde haver parallelo, e por isso tambem não póde haver analogia, nem similhança, nas consequencias que de umas e outras se derivam.

É sabido que na Inglaterra não ha lei geral do orçamento propriamente dito; - que a lei annual de receita e da despeza não comprehende, nem a generalidade das receitas, nem a das despezas; - que os impostos que têem uma base certa (e são os mais productivos), os que alimentam o fundo consolidado e que constituem a reunião os subsidios concedidos ao governo para fazer marchar os serviços são permanentes e obrigatorios, nunca sujeitos á votação annual, e não podem ser augmentados nem diminuidos senão por virtude de uma lei especial. - Do mesmo modo, é certo que todas as despezas consideradas como tendo caracter de obrigação nacional, v. gr. os juros da divida publica, a lista civil, os ordenados dos juizes, os do corpo diplomatico e mais funccionarios que existem por lei, tambem não podem ser objecto de votação annual do parlamento, de modo tal que, se um logar é supprimido, ou se mesmo só se lhe diminue o ordenado, é forçoso conceder uma indemnisação pecuniaria ao funccionario actual prejudicado. As despezas unicas que estão sujeitas á votação annual do parlamento são aquellas que não têem caracter permanente, taes como as das obras publicas, as do exercito e da marinha, porque a força militar precisa constitucionalmente ser votada e fixada em cada anno e por isso tambem a despeza precisa ser annualmente votada e auctorisada. Entram igualmente n'este numero as despezas com a percepção dos impostos, as das escolas de instrucção, as da beneficencia, etc., etc.

Depois de votada a lei annual da receita o controller-general do thesouro, grande funccionario do estado, independente do executivo e responsavel só ante o parlamento, faz abrir creditos ao governo no banco de Inglaterra (no qual se recebem as contribuições e são lançadas em conta corrente com o contador geral do thesouro e não com o governo) por conta de cada verba do orçamento, em especial e separadamente. - Para que o controller mande abrir algum credito aos ministros é necessaria ordem especial assignada pela rainha. Os ministros não podem, em caso algum, introduzir a minima modificação nas assignações do orçamento nem em verba alguma d'elle, as quaes ficam invariavelmente separadas e distinctas umas das outras, e nunca podem ser excedidas. Ha uma unica excepção, n'este rigoroso systema da especialidade, no que respeita aos creditos para as despezas do exercito e da marinha, nas quaes é licito transferir as verbas, mas nunca excedel-as. Alem dos creditos e verbas especiaes, tem o governo inglez a somma de 100:000 libras para despezas eventuaes e urgentes, o emprego das quaes não está sujeito á fiscalisação parlamentar. - Se, esgotada essa verba, occorre alguma eventualidade que demande o emprego dos dinheiros do estado, por pequena que seja essa quantia, é urgente, forçoso, indispensavel convocar o parlamento para a auctorisar, como aconteceu por occasião das despezas para os funeraes do duque de Wellington.

Indicada, assim, a largos traços a differença que ha entre o systema financeiro inglez e o praticado entre nós, torna-se claro que o exemplo do controller-general ali existente não póde proveitosamente ser invocado para auctorisar a creação de um empregado especial, superior ou subalterno, em cada ministerio para fiscalisar, com a necessaria auctoridade moral e independencia, as ordens de pagamento determinadas pelo ministro, seu superior, e de quem está absolutamente dependente.

Em vista do exposto, parece á commissão que, ou ha que

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prescindir absolutamente de todo e qualquer systema de fiscalisação previa sobre a legalidade do ordenamento das despezas do estado, ou nunca poderá esta fiscalisação ser exercida por nenhuma corporação mais respeitavel o independente que o tribunal de contas. - Se a verificação previa da legalidade da despeza deve existir, ou se convem que exista no mechanismo da gerencia financeira como elemento de fiscalisação, deve ella pertencer, como funcção natural, ao tribunal de contas, o qual era si já consubstancia funcções de natureza judicial e fiscal.

IV

Forçoso é chamar agora a vossa sabia attenção para o terceiro ponto capital do projecto dependente da vossa deliberação, e que a commissão da fazenda emitta parecer fundamentado ácerca d'esta base em que deve assentar o systema da reorganização da contabilidade que se pretenda introduzir com o fim de tornar salutar a fiscalisação do parlamento sobre a gerencia dos dinheircs publicos, segura e efficaz a sua acção sobre a administração da fazenda do estado. -Consiste esta base via regularisação da faculdade governativa de na ausencia das côrtes, abrir creditos extraordinarios e supplementares para escorrer ás despezas urgentes e imprevistas determinadas por circumstancias de força maior; e á deficiencia provada de algumas verbas orçamentaes, cercando, em ambos os casos, esta faculdade das possiveis garantias para que não possa degenerar em abuso; do que resulta, como consequencia necessaria, a prohibição de se ordenarem despezas que não estejam previamente auctorisadas por lei, ou que não tenham receita estabelecida, e tambem a de se abrirem creditos para legalisar despezas já feitas ou effectuadas.

Emquanto á prohibição de ordenamento de despezas não auctorisadas por lei, ou excedentes ás auctorisadas, é esta uma providencia que resulta dos principios geraes que são a base da nossa organisação politica e do systema parlamentar em que vivemos. - A votação do imposto foi sempre uma das liberdades mais antigas, mais importantes e mais caras aos povos, pela qual luctaram sempre em todas as epochas os nossos maiores, contando como um dos aggravos mais offensivos e intoleraveis, que nos ultimos seculos receberam dos reis absolutos o abuso que pouco e pouco se foi introduzindo de lançar tributos sem o previo consentimento do reino.

Por outro lado, o exame e a votação annual do orçamento de receita e despeza do estado, é a principal prorogativa dos modernos parlamentos. - Pela votação da receita torna-se o parlamento guardião e defensor vigilante da fortuna nacional; e pela votação da despeza estende elle a sua acção preponderante, dá impulso e exerce fiscalisação, sobre todos os serviços, e sobre a administração publica em geral. - E como o voto do imposto não é illimitado, mas fixo e definido por sua natureza, resulta que a assignação da despeza é tambem fixa e limitativa, destinada a artigos certos e individualizados. - Ao direito de discutir e ao poder de votar o imposto não póde deixar de corresponder igualmente o direito, e o poder de regular o seu emprego por modo limitativo, e de fiscalisar a sua applicação. Mas este direito ficaria inutil, e a discussão e votação do orçamento não passaria de uma vã illusão, se aos membros do poder executivo, a despeito das reducções e das economias introduzidas no orçamento, fosse permittido, e se tivessem a auctoridade de abrir creditos extra-orçamentaes indefinidamente, o de ultrapassar as despezas auctorisadas, e o de ordenar novos gastos, fóra da vigilancia parlamentar e sem correctivo algum.

Taes são as rasões fundamentaes de algumas das disposições ou providencias contidas no projecto submettido á vossa approvação, e são ellas tão procedentes, têem tanta força, que dispensam maiores desenvolvimentos ou justificações mais largas.

Pelos artigos do projecto propõe-se que o governo fique auctorisado para, na ausencia das côrtes, abrir creditos extraordinarios e supplementares servindo aquelles para occorrer ás despezas impreteriveia nos casos imprevistos e de força maior, e estes para occorrer á insufficiencia provada das solinas auctorisadas para despezas que, por sua natureza, são variaveis; mas, uns e outros, só quando a urgencia da despeza seja tal que se não possa esperar pela proxima reunião parlamentar e nunca para satisfazer despezas já feiras.

Estabelecem-se, alem d'isto, varias outras providencias tendentes a acautelar que, da faculdade que fica competindo ao governo, não seja possivel, ou pelo menos não seja facil, abusar-se: taes são - a necessidade de audiencia previa do conselho d'estado convocado em conferencia com sufficiente antecipação e com declaração do objecto da convocação; proposta fundamentada do ministro respectivo e deliberação motivada da conferencia; publicação immediata no Diario do governo do decreto que auctorisa a abertura do credito; apresentação e proposta do approvação ás camaras legislativas na sua proxima reunião e dentro de quinze dias da sua constituição; e, finalmente, a apresentação do orçamento rectificado do anno corrente e o do anno futuro.

De todos são bem conhecidas as diversas phrases por que tem passado a faculdade governativa de, na ausencia das côrtes, se abrirem creditos extra-orçamentaes, assim desde o celebrado caso da reparação e compra de mobilia da casa da jantar do conde de Peyronet em França, em cuja accusação tanto se distinguiu o patriarchs do constitucionalismo Benjamin Constant e desde o decreto imperial de 31 de dezembro de 1861 que os extinguiu, até á lei de Leon Say em 1878 destinada a prohibil-os de novo nos casos de dissolução do parlamento; e desde a lei de 23 de abril de 1845 entre nós (que pela primeira vez auctorisou o levantamento de creditos snpplementares), e das leis orçamentaes de 9 de julho de 1849 e 23 de julho de 1850 até á do 19 do julho de 1866 que absolutamente prohibiu os supplementares.

Fortissimas eram as rasões que aconselharam aquellas prohibições, e difficil será ainda resistir, em theoria, á vehemencia e á preponderancia d'ellas; mas é certo tambem que a experiencia tem mostrado, assim entre nós como em França, a sua inefficaria e improcedencia pratica.

Com orçamentos bem feitos onde os serviços estejam sufficientemente dotados, dizia um ministro do segundo imperio: "O abandono da faculdade de abrir creditos supplementares não póde trazer inconveniente algum para o serviço publico, e pelo contrario o verdadeiro perigo para as finanças, está na faculdade do governo poder decretar despezas fóra da auctorisação previa do poder legislativo;), porque (acrescentava o ministro Fould) "nada ha mais difficil do que resistir e luctar contra o mais legitimo de todos os attractivos - o das despezas uteis".

Um outro ex-ministro da fazenda n'aquelle paiz, Leon Say, dizia tambem que a pratica dos creditos supplementares só por si, era sufficiente para attestar que uma nação não havia chegado á idade viril do systema parlamentar. Nem eram menos precisas ou menos vigorosas as rasões produzidas por um nosso distincto ministro da fazenda e notavel estadista quando em 1866 propunha ao parlamento a prohibição dos creditos supplementares só por si, era suffciente para attestar que uma nação não havia chegado á idade viril do systema parlamentar. Nem eram menos precisas ou menos vigorosas as rasões produzidas por um nosso distincto ministro da fazenda e notavel estadista quando em 1866 propunha ao parlamento a prohibição dos creditos supplementares, declarando que descrever a despeza que effectivamente se faz, e illiminar a faculdade de augmental-a era ao mesmo tempo uma garantia para o publico e um elemento de ordem que deve contribuir para o melhoramento successivo das nossas finanças.

Fortes e invenciveis parecem, pois, as rasões que contra a pratica dos creditos sumpplementares se têem apresentado, e que ainda hoje podem fazer-se valer; mas é tambem verdade que a experiencia tem evidenciado a inefficacia d'esta doutrina, attestando com a irresistivel eloquencia dos factos a indeclinavel necessiade que ha de recorrer, em alguns casos excepcionaes e na ausencia das côrtes, aos creditos extra-orçamentaes.

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Os factos entre nós occorridos desde 1866 demonstram, sem contestação possivel, a verdade d'esta affirmação. E não menos severa e concludente lição se alcançou em França onde não foi preciso mais que o decurso de dois annos depois do decreto de 1861 para que se evidenciasse a necessidade de recorrer "aos creditos que antes haviam sido condemnados, demonstrando-se assim a inanidade da prohibição e a inefficancia do systema que tão louvavelmente se havia tentado inaugurar.

Pretender supprimir absolutamente os creditos extra-orçamentaes tem parecido aos homens d'estado mais experimentados e praticos na gerencia de negocios financeiros uma verdadeira chimera, e quaesquer que sejam os inconvenientes que se lhe attribuam ou que se lhes encontrem, quaesquer mesmo que sejam os abusos que d'elles possam resultar, são hoje considerados como um mal indeclinavel, admissivel só para evitar maiores inconvenientes, para não cair em peiores abusos ou em perigos maiores. - De qualquer nome que se appellidem, dizia em 1878 mr. de Teisserenc de Boort, relator da respectiva commissão do orçamento na assembléa de Versailles, haverá sempre serviços publicos para os quaes as provisões orçamentaes, ainda que sejam largamente dotadas, serão accidentalmente insufficientes, e haverá sempre no interior e no exterior circumstancias imprevistas e impossiveis de prevenir, que exigirão o emprego de sommas excedentes ao orçamento. Seria preciso que as assembléas legislativas fossem permanentes para não terem necessidade de auctorisar despezas depois de feitas.

Alem d'isto, a suppressão absoluta dos creditos supplementares importaria necessariamente, e teria por forçosa consequencia, a suppressão da especialisação das despezas e dos creditos, que é a maior e a mais efficaz garantia que tem o parlamento para exercer proveitosa fiscalisação sobre a applicacão rigorosa dos dinheiros publicos e acção immediata ou preponderante sobre a politica geral do governo. - Foi esta a maior, a mais custosa conquista que, sobre os governos só liberaes na apparencia, fizeram os revolucionarios de 1830 no tempo da monarchia de julho, á qual nem os seguidores do regimen antigo, nem os sectarios do imperio auctoritario, poderam jámais accomodar-se, sendo o seu constante intuito, e o seu principio director, reduzir o parlamento á humilde e paciente posição de votar o orçamento em globo e por ministerios, ficando depois, ao poder executivo a livre faculdade e pleno arbitrio da divisão das sommas votadas, e da sua repartição pelos serviços, ou á de auctorisar e consagrar legislativamente despezas já feitas e factos já consummados.

Esta consequencia será, em verdade, um mal muito maior que a faculdade de abrir creditos supplementares, uma vez que esta faculdade seja prudentemente regulada, e esteja cercada de garantias quanto possivel seguras.

O parlamento deve ser inexoravel contra o abuso dos creditos supplementares porque são uma verdadeira praga para os orçamentos; - mas opponham-se-lhe todas as barreiras possiveis para que não venham impossibilitar o desejado equilibrio orçamental. - Dotem-se sufficientemente todos os serviços, a fim de que não sejam precisos novos creditos para cobrir despezas que podiam ser já conhecidas na epocha em que o orçamento foi discutido; - Não se admittam taes creditos senão para supprir necessidades que não existiam, ou não podiam, ser previstas, na occasião em que o orçamento foi votado, e que são de tal urgencia, que não podem ser adiadas para a epocha da abertura das camaras legislativas. - Estabeleça-se a obrigação da immediata publicidade dos decretos que auctorisarem a abertura dos creditos extraordinarios ou supplementares, e a da sua apresentação ao parlamento juntamente com o orçamento da receita e despeza do anno futuro e do rectificativo do anno corrente, a fim de que a fiscalisação legislativa seja exercida em tempo util. Opponham-se obstaculos invenciveis á possibilidade de se abrirem creditos taes para pagamentos de despezas já feitas, evitando-se assim que a missão consultiva do conselho d'estado fique reduzida á paciente necessidade de reconhecer tão sómente a existencia de factos consummados. Estabeleça-se, finalmente, a garantia da indispensavel audiencia do conselho d'estado, mas habilite-se este alto corpo politico para dar um voto esclarecido fornecendo-se-lhe, em tempo util, todos os elementos de informação e de exame, - e, com taes precauções e garantias, o restabelecimento dos creditos supplementares nem será perigoso para as finanças, nem um retrocesso na carreira dos aperfeiçoamentos administrativos, das inamunidades politicas, ou das prerogativas do parlamento.

Taes são, senhores, as rasões por que a vossa commissão de fazenda, convencida da necessidade da reforma do nosso systema de contabilidade e da utilidade das providencias contidas no projecto, vos aconselha e propõe a sua adopção com as modificações que constam das emendas abaixo mencionadas, as quaes em nada affectam a essencia das disposições e do systema de projecto, mas tendem só a tornal-o mais claro e exequivel. - Assim, pois, a vossa commissão é de parecer que o projecto póde merecer a vossa approvação.

Projecto de lei n.° 56

Artigo 1.° É approvado na parte em que depende de sancção legislativa o plano de reforma da contabilidade que vae annexo á presente lei e d'ella faz parte.

Art. 2.° É definitivamente fixado em dois annos, a contar da promulgação da presente lei, o praso para a conversão dos titulos de divida publica fundada nos termos dos decretos de 18 de dezembro de 1852 e de 13 de marco de 1853, ficando por esta fórma revogado o decreto de 28 de agosto de 1856.

Art. 3..° Findo o praso estabelecido no artigo antecedente serão considerados prescriptos e sem effeito contra o estado todos os titulos de divida publica, qualquer que seja a sua natureza e denominação, que não tiverem sido apresentados para a conversão dentro do mesmo praso.

Art. 4.° Quando os titulos apresentados não perfaçam o capital precisamente necessario para a conversão em titulos definitivos, é permittido aos respectivos possuidores obter o distracte d'esses titulos pelo valor que lhes corresponder, segundo a cotação official dos fundos publicos, ficando por esse effeito auctorisada a junta do credito publico a applicar os fundos da desamortisação, a seu cargo, ao resgate e conversão dos referidos titulos.

Art. 5.° Fica revogada a legislação em contrario.

Palacio das côrtes, em 26 de abril de 1880. = José Joaquim Fernandes Vaz, presidente = Thomás Frederico Pereira Bastos, deputado secretario = Antonio José d'Avila deputado secretario.

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Plano para a reforma da contabilidade publica

Artigo 1.° A contabilidade geral do estado, abrangendo tudo o que respeita á arrecadação é applicação dos rendimentos e recursos publicos, é centralisada na direcção geral da contabilidade do ministerio da fazenda.

Art. 2.° A direcção geral da contabilidade compete: 1.° Dirigir e uniformisar o serviço da contabilidade, exercendo fiscalisação sobre todas as repartições dependentes ou não do ministerio da fazenda, que tenham a seu cargo escripturar elementos de receita ou de despeza; podendo manter correspondencia directa com ellas, inspeccionar a escripturação e exigir a apresentação dos livros e de quaesquer documentos;

2.° Colligir todos os elementos necessarios para organisar a escripiuração geral da receita e despeza do estado, devendo apresentar por um systema claro, methodico e regular:

a) A importancia das contribuições e rendimentos arrecadados em cada anno economico, com a devida classificação por especie de rendimento e por exercicios;

b} A importancia das contribuições e rendimentos auctorisados, liquidados, arrecadados ou por arrecadar, respectivos a cada exercicio, com a correspondente classificação, segundo a natureza do rendimento; devendo addicionar-se, nos termos do artigo 30.° do actual regulamento de contabilidade, a cada rendimento a importancia pertencente a exercicios findos, que d'elle for cobrada durante - o anno economico que der o nome ao exercicio;

c) A importancia das despezas satisfeitas e por satisfazer em cada anno economico com a devida classificação por exercicios, capitulos e artigos, e a das despezas auctorisadas liquidadas, pagas e em divida no fim de cada exercicio, tambem com a devida classificação por capitulos e artigos do orçamento;

3.° Proceder annualmente á organisação do orçamento geral do estado, á do orçamento rectificado, e da proposta de lei para o regulamento definitivo dos exercicios findos.

Art. 3.º A receita e a despeza geral do estado serão devidamente escripturadas por partidas dobradas, n'um diario e livro mestre. Por igual methodo será feita a escripturação das repartições de contabilidade e suas dependencias.

§ unico. A escripturação do diario e livro mestre deverá conter summariamente, quanto á receita, as sommas auctorisadas liquidadas e a cobrança effectuada por mezes, cofres e artigos do orçamento; e quanto á despeza as importancias auctorisadas liquidadas e os pagamentos effectuados por mezes, ministerios, capitulos e artigos do orçamento.

Art. 4.° A contabilidade do estado em cada ministerio continua, a cargo de uma repartição especial dirigida por um chefe, nomeado pelo ministro respectivo de accordo com o ministro da fazenda. Esta repartição faz parte do quadro da direcção geral da contabilidade publica.

§ 1.° A escripturação e contabilidade das despezas proprias do ministerio da fazenda, e a dos encargos geraes, continuarão competindo a uma das repartições da direcção geral da contabilidade.

§ 2.° A escripturação e contabilidade relativas ás operações da junta de credito publico continuarão a cargo da contadoria da mesma junta, devendo esta mandar á direcção geral da contabilidade, todas as tabellas e contas precisas para centralisar na parte respectiva a escripturação da receita e despeza geral do estado.

Art. 5.° Junto da direcção geral do ultramar no ministerio dos negocios da marinha e ultramar, continua subsistindo uma repartição independente de contabilidade, á qual, alem das attribuições que actualmente lhe competem, incumbe:

1.° Organisar annualmente os orçamentos das provincias ultramarinas para serem presentes ás côrtes; no praso de

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um mez, contado da constituição da camara dos debutados;

2.° Coordenar as contas da gerencia e exercicio das mesmas provincias para serem submettidas ao julgamento do tribunal de contas, nos termos do regulamento que sobre o assumpto será publicado.

Art. 6.° As repartições, estabelecimentos e corporações que arrecadarem receita auctorisada, com ou sem applicação especial, deverão, sob responsabilidade dos respectivos chefes ou corpos gerentes, enviar mensalmente, a direcção geral da contabilidade, as tabellas necessarias para se organisar a escripturação regular da cobrança e applicação dos dinheiros publicos; e á direcção geral da thesouraria deverão remetter nota do movimento d'esses cofres especiaes.

Art. 7.° A gerencia financeira do estado continua a ser de doze mezes, contados de 1 de julho a 30 de junho seguinte. O exercicio é limitado a dezoito mezes, terminando em 31 de dezembro de cada anno.

Art. 8.° O orçamento geral do estado e o orçamento rectificado subdividem-se em orçamento ordinario e extraordinario.

§ 1.° O orçamento ordinario descreve a receita e despeza que por sua natureza são permanentes; o orçamento extraordinario comprehende exclusivamente as receitas e as despezas que têem caracter transitorio.

§ 2.° As despezas, tanto ordinarias como extraordinarias, classificam-se em certas e variaveis.

§ 3.° São consideradas despezas certas os vencimentos do pessoal empregado no serviço publico descriptos no orçamento, os juros da divida consolidada, os encargos das operações amortisaveis, dos titulos de renda vitalicia, as pensões e quaesquer outras verbas de despeza que, por sua natureza, não estejam sujeitas a variação.

§ 4.° São despezas variaveis as que provem da acquisição do material, do pagamento de ferias, de gratificações extraordinarias não especificadas nas leis, das comedorias e ajudas de custo, dos juros da divida fluctuante, e de quaesquer outras despezas do expediente eventuaes e extraordinarias.

Art. 9.° O orçamento rectificado relativo ao anno economico corrente, e as propostas que o devem acompanhar, fixando definitivamente as receitas e despezas do anno e occorrendo á deficiencia das receitas, serão apresentadas annualmente á camara dos senhores deputados pelo ministro da fazenda até 15 de fevereiro.

Art. 10.° Nenhuma despeza póde ser determinada sem que previamente esteja auctorisada no orçamento geral, ou no rectificado, ou em lei especial que estabeleça a receita necessaria para lhe fazer face.

§ unico. As despezas que forem auctorisadas por lei, durante o periodo em que o orçamento rectificado estiver pendente da approvação das côrtes, serão n'elle tambem descriptas e encorporadas.

Art. 11.° Os ministros e secretarios d'estado das diversas repartições ordenam o pagamento das despezas publicas da sua competencia, ou directamente ou por intervenção de ordenaciores secundarios por delegação especial competentemente auctorisada.

Art. 12.° As ordens de pagamento processadas nas repartições designadas no artigo 4.° declararão sempre, o exercicio, capitulo e artigo do credito que auctorisa a despeza a que se referem.

§ unico. As ordens assim processadas serão levadas á conta correspondente, e depois de reconhecida a legalidade da despeza e o seu cabimento na auctorisação competente, serão apresentadas ao ministro respectivo ou ao ordenador secundario.

Artigo 13.° Os chefes das repartições de contabilidade, o contador da junta do credito publico, os ordenadores se-

(Additamento da commissão)

§ unico. Os ministros d'estado são pessoalmente responsaveis pelos pagamentos cujas ordens não satisfaçam á todos os requisitos legaes.

(Emenda da commissão)

Art. 13.° Os chefes das repartições da contabilidade, o contador da junta do credito publico, os ordenadores se-

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cundarios ou delegados especiaes, são pessoalmente responsaveis por todos os pagamentos cujas ordens não satisfaçam a todos os requisitos legaes, senão tiverem previamente dirigido ao ministro, ou ao superior competente, unir, representação indicativa da falta de requisitos ou formalidades legaes.

§ 1.° Ao tribunal de contas compete tornar effectiva a responsabilidade de que trata este artigo, e impor multas que não excedam metade do vencimento annual, aos empregados e funccionarios responsaveis, os quaes sempre serão previamente ouvidos por escripto.

§ 2.° Nos casos de reencidencia, ou de circumstancias extraordinarias, o tribunal representará ao governo, propondo a suspensão ou demissão do responsavel.

Art. 14.° Nenhumas despezas publicas podem ser pagas senão pelos funccionarios, a quem a lei expressamente conferir essa funcção.

§ 1.° Igualmente não pude nenhuma quantia ser transferida de um para outro cofre senão por intermedio dos empregados a quem a lei expressamente attribuir essa funcção.

§ 2.° Os funccionarios de qualquer categoria, que infringirem as disposições precedentes, ficam pessoalmente responsaveis pelas quantias pagas ou transferidas.

Art. 15.° As ordens de pagamento processadas nos termos do artigo 12.°, são sempre remettidas ao tribunal do contas, o qual, achando-as comprehendidas dentro da auctorisação legal, e conformes ao artigo do orçamento a que vem referidas, lhes põe o visto e as faz registar. Com o visto do tribunal são mandadas pagar pela direcção geral da thesouraria nos respectivos cofres.

Art. 16.° O ordenamento das despezas certas, a que se refere o § o.° do artigo 8.°, será feito por meio de folhas, organisadas pelos ministerios, ou pelas repartições por onde corre a despeza, e processadas nos termos do artigo 12.°
Estas ordens geraes são transmittidas ao tribunal de contas, que, achando-as legaes e conformes ao respectivo artigo do orçamento, as regista e lhes põe o visto.

cundarios são pessoalmente responsaveis por iodos os pagamentos cujas ordens não satisfaçam a todos os requisitos legaes, senão tiverem previamente dirigido ao ministro ou ao superior competente, uma representação por escripto indicativa da falta dos requisitos ou formalidades legaes.

Art. 17.° Nenhum titulo de renda vitalicia poderá ser entregue ao interessado sem que previamente seja visto e registado no tribunal de contas, nos termos do artigo antecedente. Para este fim serão remettidos ao tribunal o relatorio e os documentos do processo, que serviram do fundamento para a concessão.

§ 1.° No tribunal de contas haverá um livro de registo de todas as pensões actualmente a cargo do thesouro, ou que de futuro forem concedidas. Para esse fim serão fornecidos pela direcção geral da contabilidade ao tribuna! todos os esclarecimentos ou informações que lhe forem exigidos.

§ 2.° A disposição d'este artigo não dispensa, o cumprimento dos artigos 118.° e 121.° do regulamento geral de contabilidade publica, actualmente em vigor.

Art. 18.° Quando pelo tribunal de contas for recusado o visto e o registo a qualquer ordem de pagamento, porque a despeza não está auctorisada, ou porque excede a auctorisação legal, ou finalmente porque está erradamente referida a algum artigo do orçamento, poderá a mesma ordem ser mantida por deliberação do conselho de ministros depois de apreciadas as rasões que teve o tribunal para assim proceder. N'este caso o tribunal de contas não poderá deixar de registar e de por o visto com reserva, mas de tudo fará especial menção no relatorio que tem de dirigir ás camaras legislativas.

(Emenda da, commissão)

Art. 16.° O ordenamento das despezas certas a que se refere o § 3.° do artigo 8.° será feito por meio de folhas organisadas pelo ministerios, ou pelas repartições por onde corre a despeza, e processadas nos termos do artigo 12.°

§ 1.° Pelos mesmos ministerios e repartições serão enviados annualmente ao tribunal de contas, dentro do primeiro mez do exercicio, tabellas ou relações geraes das despezas certas respectivas, devidamente classificadas por capitulos e artigos do orçamento, as quaes serão registradas pelo tribunal se as achar conformes com os creditos legaes.

§ 2.° A comprovação das mesmas despezas terá logar perante o tribunal de contas antes de encerrado o exercido por meio de declaração assignada pelo chefe da repartição de contabilidade, na qual resuma as folhas a que se refere este artigo.

(Emenda da commissão)

Art. 18.° Quando pelo tribunal de contas for recusado o visto e o registro a qualquer ordem de pagamento por que a despeza não está auctorisada, ou por que excede a auctorisação legal, ou finalmente porque está erradamente referida a algum artigo do orçamento, poderá a mesma ordem ser mantida por deliberação do conselho de ministros depois de apreciadas as rasões que teve o tribunal de contas para assim proceder. N'este caso o tribunal de contas não poderá deixar de registrar e de pôr o visto, mas com resalva, e de tudo fará especial mensão no relatorio que tem de dirigir ás camaras legislativas.

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Art. 19.° As relações por cofres e responsaveis da despeza de cada ministerio paga no anno economico anterior e devidamente distribuida por exercicios, capitulos e artigos do orçamento a que pertencem, que pelas repartições de contabilidade têem de ser remettidas ao tribunal de contas, serão acompanhadas, quanto ás despezas variaveis, dos titulos originaes comprovativos das mesmas despezas, classificados por igual modo, e bem assim de uma declaração assignada pelo chefe de repartição de contabilidade, certificando a sua concordancia com a escripturação dos ministerios.

§ unico. Esses titulos originaes serão devolvidos ás repartições de contabilidade logo que o tribunal de contas os possa dispensar.

Art. 20.° As despezas com o serviço das contribuições pertencentes a exercicios futuros, serão escripturadas em conta do exercicio corrente, sujeitando-se, porém, as respectivas ordens ao visto do tribunal de contas.

Art. 21.° A transferencia de verbas de artigo para artigo, dentro do mesmo capitulo do orçamento, continua a ser permittida nos termos do § 3.° do artigo 41.° do actual regulamento geral de contabilidade publica, precedendo decreto fundamentado em conselho de ministros.

§ unico. Os decretos transferindo verbas serão publicados na folha official, para serem registados pelo tribunal de contas, e apresentados ás côrtes na immediata sessão legislativa.

Art. 22.° Ao governo é permittido abrir creditos extraordinarios para occorrer a serviços indispensaveis e urgentes, não previstos na lei annual da despeza, ou em leis especiaes, quando esses serviços provenham de casos de força maior, como inundação, incendio, epidemia, guerra interna e externa e outros similhantes.

"Art. 23.º É tambem permittido ao governo abrir creditos supplementares, quando se de insufficiencia provada das sommas determinadas na lei com applicação a despezas variaveis.

§ 1.° A abertura de creditos supplementares não poderá verificar-se, em caso algum, no decurso dos primeiros seis mezes do exercicio.

§ 2.° A lei annual de despeza fixará restrictamente os artigos a que poderão ser applicados os creditos supplementares.

Art. 24.° Os creditos extraordinarios e supplementares nunca podem ser abertos sem previa audiencia do conselho d'estado, que será para esse fim convocado em conferencia por meio de aviso com tres dias de antecipação, pelo menos, e no qual se declare o objecto da convocação. Na conferencia será apresentado um relatorio do ministro competente, referindo desenvolvidamente as despezas a que são destinados os creditos, e bem assim, quanto aos supplementares, a importancia das que já foram effectuadas pela verba ordinaria respectiva, devendo lavrar-se acta da conferencia, que será apresentada ao Rei com o decreto que abrir o credito.

Art. 25. ° Os creditos extraordinarios e os supplementares sómente podem ser abertos estando encerradas as côrtes, e quando a urgencia da despeza seja tal que não possa esperar pela proxima reunião parlamentar. Em nenhum caso os creditos, extraordinarios ou supplementares poderão ser abertos para legalisar despezas effectuadas, quer pertençam ao exercicio corrente, quer aos preteritos.

Art. 26.° Os decretos abrindo creditos extraordinarios e supplementares serão immediatamente publicados na folha official, e assim tambem os relatorios justificativos a que se refere o artigo 23.° para serem registados no tribunal de contas.

§ unico. Sómente depois de cumpridas todas as formalidades previas referidas nos artigos antecedentes, poderá ser dada execução ás disposições dos decretos que abrirem creditos extraordinarios ou supplementares.

(Emenda da commissão)

Art. 24.° Os creditos extraordinarios e supplementares nunca podem ser abertos sem audiencia do conselho de estado reunido na presença do Rei, devendo, porém, ser previamente convocado em conferencia por meio de aviso com tres dias de antecipação, pelo menos, e no qual se declare o objecto da convocação. Na conferencia será apresentado um relatorio do ministro competente, referindo desenvolvidamente as despezas a que são destinados os creditos, e bem assim quanto aos supplementares, a importancia das que já foram effectuadas pela verba ordinaria respectiva, devendo lavrar-se acta da conferencia a qual depois será apresentada ao Rei com o decreto que manda abril o credito.

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Art. 27.° Os creditos extraordinarios e supplementares serão apresentados ás côrtes na sua proxima reunião, dentro dos primeiros quinze dias, depois da constituição da camara dos deputados, a fim de serem examinados e confirmados por lei. Com os creditos apresentar-se-ha proposta de lei especial, motivada e acompanhada de todos os esclarecimentos necessarios.

Art. 28.° Pelo tribunal de contas será enviada camara da deputados, dentro do praso marcado no artigo antecedente, uma relação de todos os creditos extraordinarios e supplementares que tiver registado, e bem assim um relatorio em que emitta o seu juizo ácerca da legalidade de cada um d'elles.

Art. 29.° As repartições de contabilidade dos diversos ministerios, e a contadoria da junta do credito publico, devem enviar á direcção geral da contabilidade publica um mappa dos fundos requisitados e recebidos do ministerio da fazenda em cada mez, e um resumo da sua escripturação, indicando a applicação que esses fundos tiveram, o exercicio, capitulo e artigos do orçamento respectivo, ou as leis especiaes que auctorisam a requisição e pagamento, e comparando a importancia da auctorisação com o que se houver liquidado, ordenado e pago, ou existir em divida por conta d'essas auctorisações.

§ unico. A remessa do mappa e resumo de que trata este artigo será impreterivelmente feita no praso de quarenta dias contados do ultimo dia do mez a que disserem respeito.

Art. 30.° A direcção geral da thesouraria remetterá em cada mez á direcção geral da contabilidade publica, o resumo de toda a escripturação no mez anterior, abrangendo tudo o que for relativo á divida amortisavel e fluctuante, ás transferencias de fundos e á receita e despeza do thesouro.

Art. 31.° As repartições de contabilidade de cada ministerio apresentarão mensalmente ao ministro respectivo um mappa indicando por exercicios e capitulos do orçamento:

1.° A importancia total do credito;

2.° A despeza ordenada e effectuada por conta de cada credito;

3.° A despeza certa obrigatoria que ha ainda a realisar até o fim do exercicio.

§ unico. Estes mappas serão publicados tambem mensalmente no Diario do governo, sendo acompanhada essa publicação de outro mappa indicando as alterações no pessoal que para mais ou para menos tenha havido em cada secretaria d'estado.

Art. 32.° Continuam em vigor as disposições dos artigos 44.°, 48.° e 47.° do actual regulamento do contabilidade publica; entendendo-se, porém, que os pagamentos mencionados nos artigos 44.° e 46.º, e que só podem ser effectuados quando se refiram a dividas ou verbas auctorisadas nos orçamentos dos ultimos cinco annos, serão descriptos em conta especial de exercicios findo, no qual se mencionem os creditos auctorisados, as importancias pagas durante o anno economico, e os saldos disponiveis no começo e fim d'estes.

§ unico. Depois de annullados os creditos auctorisados, nenhuma despeza póde ser paga sendo por meio de creditos especiaes, previamente auctorisados pelas côrtes nos termos e condições preceituados no artigo 48.° do actual regulamento de contabilidade.

Art. 33.° O governo proporá annualmente ás côrtes, nas leis de receita e despeza, o limite maximo a que poderá elevar-se, no decurso do anno economico seguinte, a divida fluctuante, quer para representar a receita, quer para supprir a sua deficiencia.

Art. 34.° O ministerio da fazenda dará communicação ao tribunal de contas de todas as auctorisações para a emissão de emprestimos e levantamento de fundos, e enviará ao mesmo tribunal copia de todos os documentos justificativos do uso que tiver feito d'essas auctorisações.

(Emenda da commissão)

Art. 28.º Pelo tribunal de contas será enviada á camara dos deputados, dentro do praso marcado no artigo antecedente, uma relação de todos os creditos extraordinarios e supplementares que tiver registrado, e bem assim em relatorio em que emitta o seu juizo ácerca da regularidade do processo com que foram abertos os creditos.

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§ unico. Relativamente ás operações da divida fluctuante será tambem enviada ao tribunal de contas a relação dos bancos, casas bancarias e companhias, que n'ella estiverem interessadas, declarando-se quaes as sommas mutuadas e respectivos encargos, e reunindo-se, em uma só verba, as quantias mutuadas por particulares.

Art. 35.° Os contratos de compra e venda, os de fornecimentos de materiaes ou generos, e os de empreitadas de obras de valor ou preço excedente a 10:000$000 réis carecem, para serem executados, da approvação em conselho de ministros. Sendo de valor inferior a 10:000$000 réis e superior a 500$000 réis serão submettidos á approvação do ministro respectivo. Sendo do valor inferior a 500$000 réis poderão ser celebrados, mediante as formalidades prescriptas pelos regulamentos: no ministerio do reino pelo directores ou chefes dos estabelecimentos d'elle dependentes; no ministerio da guerra pelo director da administração militar, directores geraes de engenheria ou de artilheria; no ministerio da marinha pelo inspector do arsenal da marinha; no ministerio das obras publicas pelos directores de obras publicas ou de obras especiaes.

§ unico. Os contratos cuja execução depende da approvação do conselho de ministros, ou do ministro respectivo, serão remettidos por extracto á direcção geral da contabilidade publica para serem devidamente registados e depois remettidos ao tribunal de contas. Os contratos de valor inferior a 500$000 réis serão registados na repartição de contabilidade do respectivo ministerio, ficando estas responsaveis por qualquer irregularidade praticada na celebração d'elles, quando de facto não tenham dado immediato conhecimento ao ministro.

Art. 36.° Nenhuma obra, qualquer que seja a sua natureza e importancia, poderá ser emprehendida sem previos projectos e orçamentos approvados pelo ministro, ouvidas as estações competentes.

§ unico. Quando as despezas calculadas no orçamento de uma obra se mostrarem insufficientes, não poderão essas obras continuar sem previo orçamento supplementar, approvado nos mesmos termos, e com as mesmas formalidades que o projecto e orçamento primitivos.

Art. 37.° Nenhum contrato definitivo de arrendamento de propriedade immobiliaria poderá ser celebrado sem previa auctorisação legislativa, quando a renda exceda 500$000 réis annuaes, e o praso do arrendamento a tres annos.

Art. 38.° No relatorio dos actos do ministerio da fazenda continuarão a ser publicados todos os contratos sobre a divida fluctuante contrahida no estrangeiro; indicando-se em um mappa a importancia dos creditos que constituirem a divida fluctuante interna e respectivos encargos, o especificando os bancos, casas bancarias e companhias interessadas n'elle, e reunindo em uma só verba a importancia das sommas mutuadas por particulares.

Art. 39.° Pelos differentes ministerios são annualmente apresentados ás côrtes, quinze dias depois da constituição da camara dos deputados, mappas indicativos de todos os contratos por esses ministerios realisados de valor ou preço superior a 500$000 réis, designando-se n'elles o objecto do contrato, o nome e domicilio do contratador, o preço, duração e todas as condições principaes dos mesmos contratos.

Art. 40.° A nomeação dos empregados do quadro da direcção geral da contabilidade publica fica sujeita a regras especiaes de admissão e concurso.

§ 1.° São habilitação indispensavel para admissão nas repartições de contabilidade:

1.° Carta do curso commercial nos institutos industriaes de Lisboa ou Porto, curso completo dos lyceus centraes, ou frequencia e approvação nas disciplinas da primeira cadeira de mathematica da universidade de Coimbra, da escola polytechnica ou da academia polytechnica do Porto;

2.° Approvação em concurso publico, versando sobre pontos tirados á sorte, comprehendendo problemas praticos

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sobre contabilidade e escripturação por partidas dobradas.

§ 2.° O accesso terá logar preenchendo-se uma vacatura por meio de concurso publico, e outra por antiguidade, entre os empregados do quadro da direcção gerai, da classe inferior para a superior, deduzindo-se para o calculo do
serviço effectivo as faltas e as licenças registadas e de favor.

§ 4.° Não poderá ser levado em conta, para e effeito de accesso á classe superior, o serviço que não mereça a qualificação de bom.

§ 5.° As novas admissões de empregados ao quadro das repartições da direcção de contabilidade publica, serão provisorias durante um anno, findo o qual tornar-se-hão definitivas por despacho do respectivo ministro, sob proposta fundamentada do director geral da contabilidade.

§ 6.° As disposições d'este artigo são applicaveis aos empregados do tribunal de contas e da junta do credito publico.

§ 7.° O concurso a que se refere o n.° 2.° do § 1.° terá logar ante um jury de que será presidente o director geral da contabilidade, e do que serão vogaes os chefes das repartições de contabilidade dos diversos ministerios.

§ 8.º Serão sempre preferidos em igualdade de circunstancias para o provimento dos logares de amanuenses os praticantes que tiverem pelo menos um anno de serviço com aproveitamento.

§ 9.° No accesso se terá em vista, quanto possivel, conservar os empregados de contabilidade nos ministerios em que estiverem servindo.

Art. 41.° Os empregados referidos no artigo anterior não podem ser nomeados para qualquer outro emprego ou commissão de serviço publico, sem que sejam logo substituidos no logar do quadro.

§ unico. Os actuaes delegados do thesouro que forem empregados na direcção geral da contabilidade poderão optar entre o seu regresso a esta direcção e a continuação da commissão que exercem. N'este ultimo caso lhes será abonado vencimento igual ao do logar que tiverem n'aquella direcção geral, o qual lhes será conservado como vencimento fixo, qualquer que seja a commissão que de futuro venham a exercer.

Art. 42.° Nenhum empregado, de qualquer categoria, do quadro da direcção geral da contabilidade publica, ou do tribunal de contas, poderá exercer cumulativamente funcções em repartições ou institutos que tenham de prestar contas nas repartições em que funcciona.

Art. 43.° É creada uma commissão permanente ao contabilidade publica, a qual é presidida pelo presidente do tribunal de contas, e de que são vogaes o directo geral da contabilidade, e contador geral da junta do credito publico e os chefes das repartições do contabilidade dos diversos ministerios. Servirão de primeiro e segundo secretario o chefe mais antigo e o mais moderno das indicadas repartições.

Art. 44.° Compete á commissão permanente da contabilidade:

1.° Estudar e harmonisar as diversas relações das repartições da contabilidade publica com o tribunal de contas, tendo em vista a simplicidade do serviço e a escrupulosa fiscalisação na applicação dos rendimentos publicos;

2.° Propor, pelo ministerio da fazenda, as medidas regulamentares precisas para alcançar aquelle fim;

(Emenda da commissão)

§ 2.º O accesso terá logar sempre entre os empregados do quadro da direcção geral de contabilidade, e da classe inferior para a superior, preenchendo-se uma vacatura por meio de concurso, e outra por antiguidade, deduzindo-se n'este caso para o calculo do serviço effectivo as faltas, as licenças registradas e de favor.

(Additamento da commissão)

§ 3.° Os chefes das repartições do contabilidade no ministerio da fazenda serão nomeados pelo respectivo ministro de entre todos os primeiros officiaes do quadro da direcção geral da contabilidade e sob proposta do respectivo director geral.

(Emenda da commissão)

§ 8.° Serão sempre preferidos, em igualdade de circumstancias, para o provimento dos legares de amanuenses os praticantes que tiverem pelo menos um anno de serviço effectivo com aproveitamento. Esta preferencia não exime os praticantes da necessidade do concurso estabelecido no n.° 2.° do § 1.° d'este artigo.

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3.° Indicar as medidas de caracter legislativo que convenha serem adoptadas.

Art. 45.° A conta geral do estado a cargo da direcção geral de contabilidade, comprehende a conta da gerencia, a do exercicio, a das operações da thesouraria e a da divida publica.

§ 1.° A conta da gerencia resume todos os factos relativos á cobrança e applicação dos dinheiros publicos durante o anno enonomico, desenvolvendo separadamente e classificada por exercicios, corrente, anterior e findos, a situação da receita e despeza correspondentes a esses exercicios, no começo e termo do anno economico.

§ 2.° A conta da gerencia é acompanhada de um desenvolvimento por cofres da receita cobrada e despeza effectuada.

Art. 46.° As contas dos exercicios comprehendem:

1.° A conta definitiva do ultimo exercicio;

2.° A situação provisoria do exercicio corrente;

3.° As contas dos cinco exercicios findos.

§ unico. As duas primeiras descrevem por anno economico, exercicio e artigo de receita, as importancias auctorisadas, liquidadas, cobradas e em saldo; devendo descrever-se em todas sete, por anno economico, exercicio, ministerio, capitulo e artigo, as despezas auctorisadas, liquidadas, realisadas, e tambem os restos por pagar.

Art. 47.° As contas das operações da thesouraria descrevem a importancia das tranferencias, os saldos em cofre no começo e no termo do anno economico, e as receitas e pagamentos verificados pelo thesoureiro no mesmo periodo de tempo.

Art. 48.° A conta da divida publica expõe a situação da divida fundada, amortisavel, fluctuante e representada por titulos de renda vitalicia ou de outra fórma.

Art. 49.° A contabilidade do material comprehende:

1.° O material susceptivel de consumo e transformação;

2.° Os predios e quaesquer bens moveis e immoveis do estado.

Art. 50.° Os depositos de material nas condições do n.° 1.° do artigo antecedente, são confiados nos diversos ministerios a agentes responsaveis, sujeitos á fiscalisação e julgamento do tribunal de contas.

§ 1.° Em cada deposito se procederá annualmente aos inventarios respectivos, escripturando-se devidamento todas as alterações que occorrerem durante o anno, por entrada, saída ou transferencia.

§ 2.° Para formar os primeiros inventarios a que esta lei obriga, poderá o governo dispor dos actuaes empregados addidos aos quadros de todos os ministerios.

Art. 51.° A contabilidade do material é centralisada nas repartições de contabilidade dos diversos ministerios, onde serão remettidos pelos responsaveis, nas epochas determinadas nos regulamentos, os resumos da escripturação dos depositos que lhes estão confiados, acompanhados dos documentos comprovativos de todas as alterações occorridas.

§ unico. Os resumos da escripturação, bem como os documentos que os acompanharem, depois de verificados devidamente, serão remettidos pelos respectivos ministerios ao tribunal de contas, e servirão de base ao julgamento dos responsaveis.

Art. 52.° O tribunal de contas propõe annualmente uma declaração de conformidade baseada na comparação e accordo das contas individuaes dos responsaveis pelo material com as contas geraes formuladas pelos ministerios, a qual subirá á presença do Rei, e depois de impressa será distribuida pelas camaras legislativas, conjunctamente com a declaração e relatorio ácerca da contabilidade geral do estado.

(Emenda da commissão)

Art. 49.° A contabilidade do material comprehende:

1.º O material susceptivel de consumo e de transformação;

2.° Os valores mobiliarios ou permanentes de qualquer especie.

(Additamento da commissão)

Art. 53.° A contabilidade do material a que se refere o n.° 2.° do artigo. 50.° abrange a mobilia e objectos de serviço existentes em cada ministerio e nas repartições d'elle dependentes, os quaes serão annualmente inven-

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Art. 54.° Pela direcção geral dos proprios nacionaes no ministerio da fazenda, proceder-se-ha á organisação de um inventario geral de todos os bens immobiliarios pertencentes ao estado, a que se refere o n.ºs 2.° do artigo 40.°, distinguindo:

1.° Os que estão destinados para satisfação de serviços publicos;

2.° Os que, constituindo origem de rendimento, podem, ou não, ser alienados.

Art. 55.° A contabilidade do material abrange a mobilia e objectos de serviço existentes em cada ministerio e nas repartições d'elle dependentes, os quaes serão annualmente inventariados, descrevendo-se nos inventarios as alterações occorridas.

§ unico. A contabilidade dos predios e bens moveis €: immoveis a que se referem este artigo e o antecedente, não está sujeita á fiscalisação do tribunal de contas.

Art. 56.° Para despegas dos navios de guerra em serviço fóra do Tejo, dos corpos do exercito, estabelecimentos militares, praças de guerra, pontos fortificados e outras dependencias do ministerio da guerra, serão auctorisadas antecipações de fundos peio modo que os regulamentos determinarem, comtanto que essas auctorisações nau excedam as verbas legaes. Os respectivos conselho administrativos são obrigados a prestar directamente contas mensaes e documentadas á repartição de contabilidade respectiva de todas as despezas effectuadas com pessoal e material, e os seus vogaes são individualmente responsaveis por qualquer infracção de lei que commettam.

§ unico. As contas da applicação dos adiantamentos serão mensalmente submettidas ao visto do tribunal de contas, fiando prohibido liquidar as despezas fóra do exercicio respectivo, salvo os casos de força maior e o disposto no artigo 32.° das presentes bases.

Art. 57.° O quadro e vencimentos dos empregados da direcção geral de contabilidade e a sua distribuição por ministerios, são os fixados nas tabellas n.ºs 1 e 2.

§ 2.° Alem dos vencimentos fixados na tabella n.° 2 terão os amanuenses, que contarem mais de vinte annos de bem e effectivo serviço, direito ao augmento de 60$000 réis annuaes nos vencimentos do exercicio.

§ 3.° Alem dos quadros fixados nesta lei serão admittidos na direcção e repartição de contabilidade, e como praticantes, individuos que tenham as habilitações fixadas no n.° 1.° do § 1.° do artigo 40.° O numero de praticantes não excederá a 6 na direcção geral, 1 no ministerio de reino, 3 no da guerra, 2 no da marinha, 3 no das obras publicas.

§ 4.° Aos praticantes que, tendo servido gratuitamente por um anno, mostrarem aptidão e assiduidade poderá, sob proposta do chefe da repartição em que servirem, ser abonada a gratificação mensal de 15$000 réis.

§ 5.° Serão despedidos os praticantes, que no fim do praso marcado no paragrapho anterior, não tiverem, dado provas de aptidão e assiduidade.

§ 6.° Os officiaes de fazenda da armada, quando desembarcados, prestarão serviço na repartição de contabilidade do ministerio da marinha.

Art. 58.° É o governo auctorisado:

l.° A fazer as necessarias alterações na legislação que actualmente rege, com respeito ao pessoal e ao material, a administração militar, a direcção geral da engenheria a datariados, descrevendo-se nos inventarios as alterações occorridas.

§ unico. A contabilidade do material a que se refere este artigo não está sujeita á fiscalisação do tribunal de contas.

(Emenda da commissão)

Art. 54. ° Pela direcção geral dos proprios nacionaes no ministerio da fazenda proceder-se-ha á organisação de um inventario geral de todos os bens immobiliarios por natureza pertencentes ao estado, distinguindo-se:

1.° Os que estão destinados para satisfação do serviço publico;

2.° Os que, constituindo erigem de rendimento, podem ou não ser alienados.

Art. 55.° § unico. Substituido pelo 53.° anterior.

(Additamento da commissão ao artigo 57.°)

§ 1.° Ao governo e permittido alterar a repartição e a distribuição dos empregados pelos differentes ministerios, segundo as conveniencias do serviço.

(Emenda da commissão)

§ 3.° Alem dos quadros fixados neste plano serão admittidos no quadro da direcção geral de contabilidade e como praticantes individuos que tenham habilitações estabelecidas no n.° 1.° do § 1.° do artigo 4i.° O numero dos praticantes não excederá a seis na direcção geral no ministerio da fazenda, um no ministerio do reino, tres na guerra, dois na marinha, tres nas obras publicas e um na justiça.

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artilheria e a da fazenda da marinha, em harmonia com o que fica determinado n'esta lei e não podendo com a reforma fazer despeza excedente a 3:000$000 réis por anno;

2.° A proceder á revisão do regulamento geral da contabilidade publica, introduzindo n'elle as alterações necessarias para o harmonisar com as disposições da presente lei, e garantir a plena execução d'ella.

3.° A fixar o numero de continuos e serventes necessarios para a direcção geral e repartições de contabilidade.

Art. 59.° (transitorio). Os actuaes empregados addidos, que tiverem cinco ou mais annos de bom e effectivo serviço nas repartições de contabilidade dos diversos ministerios, serão preferidos no provimento das vacaturas, correspondentes á sua categoria, que se derem nos quadros, independentemente das condições estabelecidas no artigo 40.° da presente lei.

Art. 60.° (transitorio). Os actuaes empregados que servem legalmente na repartição de contabilidade do ministerio da guerra, pertencentes ao quadro da administração militar, poderão fazer parte do novo quadro da direcção gerai da contabilidade publica, sendo collocados nos logares correspondentes ás suas categorias, conservando as honras de graduação militar que lhes competirem. Aquelles, porém, que preferirem continuar no quadro da administração militar, continuarão a prestar serviço na repartição de contabilidade sómente até terem destino para o quadro a que pertencem, e as vacaturas que occorrerem pela sua saída serão preenchidas nos termos d'esta lei que ficarão pertencendo ao quadro da direcção geral da contabilidade publica.

§ 1.° Das disposições d'este artigo se exceptua o chefe da repartição, o qual será nomeado nos termos do artigo 4.° da presente lei.

§ 2.° No quadro da administração militar serão supprimidos tantos logares, quantos forem sendo preenchidos no quadro da contabilidade por empregados providos aos termos d'esta lei.

Art. 61.° (transitorio) São supprimidos na contadoria da junta do credito publico 5 logares actualmente vagos de amanuenses, sendo o ordenado dos amanuenses d'esta contadoria equipadaro só dos que pertencem ao quadro da
direcção geral de contabilidade.

Art. 62.° São conservados ao serviço dos ministerios os actuaes thesoureiros pagadores, pagadores e seus fieis e ajudantes.

Art. 63.° Fica revogada toda a legislação em contrario.

(Emenda da commissão)

Art. 59.° (transitorio) Os actuaes empregados addidos, supranumerarios ou coadjuvantes que estiverem servindo nas repartições de contabilidade dos diversos ministerios, serão collocados nas vacaturas correspondentes á sua categoria, que se derem nos quadros, segundo o seu merecimento, antiguidade e qualidade do serviço que tiverem prestado ao estado, independentemente das habilitações exigidas no artigo 41.° do presente plano.

(Additamento da commissão)

§ unico. Á medida que forem vagando, o governo poderá supprimir mais tres logares de amanuenses, sob proposta da junta de credito publico.

TABELLA N.° 1

Quadro da direcção geral de contabilidade e sua distribuição por ministerios

Categorias Fazenda Reino Justiça Guerra Marinha Estrangeiros Obras publicas Somma por categorias Despeza

[ver valores da tabela na imagem]

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TABELLA N.° 2

Vencimentos dos empregados da direcção geral de contabilidade

Categorias Vencimento de categoria Vencimento de exercicio Total

Director geral l:000$000 4SO$000 1:480$000

Chefe de repartição 900$000 380$000 1:280$000

Primeiros officiaes (a) 800$000 100$000 900$000

Segundos officiaes (b) 450$000 50$000 500$000

Amanuenses (c) 250$000 50$000 300$000

Praticantes 180$000 180$000

(a) Não se comprehendem as gratificações a 10$OCO réis aos que forem chefes de secçºao.
(b) Idem.

(c) Não se comprehendem os augmentos de 60$000 réis aos que tiverem mais de vinte annos de serviço.

(d) Vencimento abonavel sob proposta dos respectivos chefes aos que tiverem mais de um anno de bom e effectivo serviço.

Palacio das côrtes, em 26 de abril de 1880. = José Joaquim Fernandes Vaz, presidente = Thomás Frederico Pereira Bastos, deputado secretario = Antonio José d'Avila, deputado secretario.

O sr. Serpa Pimentel: - Sr. presidente, tendo assignado com declarações o parecer que acaba de ser posta á discussão, devo dar a rasão porque o fiz, e por isso pedi a v. exa. me concedesse a palavra.

Cumpre-me em primeiro lugar declarar que o facto de eu ter assignado com declarações, não me inhibo de votar o projecto, o voto-o, porque acho que elle contém doutrina excellente.

N'uma parte d'elle eu não podia mesmo deixar de lhe ser favoravel, por isso que se baseia nas indicações fornecidas por uma corporação de que faço parte e que foi ouvida sobre este assumpto.

Na materia d'este projecto, ha apenas um ponto de divergencia da minha parte; mas essa divergencia não é de tal ordem que me faça recusar a minha approvação ao mesmo projecto.

A minha divergencia refere-se á disposição que submette todas as ordens de despeza ao visto do tribunal de contas.

Entendo que este visto não era essencial, nem necessario. As nossas regras de contabilidade, assim como as regras de contabilidade de todos os paizes, vão buscar a sua origem na legislação franceza. Creio que foi em França que as regras geraes de contabilidade se estabeleceram de uma maneira mais logica e conveniente, e, todavia ali não se julgou necessaria uma tal disposição. Que haja nos differentes ministerios um empregado incumbido de pôr o seu visto em todas as ordens de pagamento para avisar o ministro respectivo de quando está esgotada a verba auctorisada no orçamento, e por outras leis, é de certo indispensavel; mas que estas funcçôes sejam exercidas pelo tribunal de contas não me parece necessario, e até julgo que trará alguns inconvenientes, dos quaes um póde ser a demora do tempo, e outro a despeza a que talvez obrigue, para que isto não seja uma simples formalidade, porque então não tinha rasão de ser.

É necessario que quem ponha o visto nas ordens de papamento tenha a plena certeza de que a verba orçamental não está esgotada, e para isso é indispensavel conhecer todas as despezas do exercicio feitas até áquella epocha.

Este esclarecimento existe, e não póde deixar de existir nos differentes ministerios.

Um empregado, superior da repartição de contabilidade

Sala da commissão, em 5 de maio de 1880. = Conde do Casal ribeiro = Joaquim Gonçalves Mamede = Conde de Castro = Thomás de Carvalho = Mathias de Carvalho Vasconcellos = Antonio de Serpa Pimentel (com declaração) = Conde de Samodães = João Baptista da a Silva Ferrão de Carvalho Mártens = José de Mello Gouveia = Barros e Sá, relator.

de qualquer ministerio está assim dentro do poucos minutos perfeitamente habilitado a pôr o seu visto. Ora, sendo o visto posto no tribunal de contas, por onde se ha de o tribunal guiar?

Ou se ha de guiar pelas informações dadas pelos respectivos ministerios, ou então tem de haver uma repartição especial para o esclarecer; e essa repartição, se se crear, ha de trazer um certo augmento de despeza ao estado.

Era esta a declaração que eu tinha a fazer. Mas já que estou com a palavra vou ainda dizer mais alguma cousa.

É preciso que nós não estejamos com illusões, e que não imaginemos que logo que seja votada esta lei desapparecem todas as irregularidades da contabilidade publica ou que ella fica perfeitamente regulada.

O facto é que as leis que nós já temos a este respeito são boas, e que se ellas fossem executadas não se dariam as irregularidades que notam.

O que era necessario era que em todas as repartições de contabilidade houvesse empregados habilitados para interpretar as leis e cumpril-as.

O sr. ministro da fazenda ha de ter visto nos relatorios do tribunal de contas documentos emanados das secretarias, em que se responde que não ha gente competente para executar a lei; isto acha-se escripto em documentos officiaes e por aqui se vê que nem todos os empregados têem as habilitações necessarias ou são assas habeis para executar as leis.

Aqui está o digno par, o sr. conde do Casal Ribeiro, que em 1859 tratou de estabelecer as regras de contabilidade, e s. exa. poderá dizer á camara as difficuldades que encontrou para as fazer executar. E já lá vão vinte annos, e apesar de todas as diligencias empregadas ainda se não obteve o resultado desejado de regular devidamente a contabilidade publica, e sobretudo de a centralisar. E sem esta centralisação não ha contabilidade possivel.

Isto prova que, apesar de todas as disposições que esta lei contém, nem em todas as repartições de contabilidade ellas poderão desde já ser cumpridas.

É verdade que n'este projecto vem algumas disposições que hão de contribuir para afastar as difficuldades, e são as habilitações que se exigem para os empregados da repartição de contabilidade; mas alem d'estas ha muitos outros empregados, que tratam assumptos de fazenda, que não estão comprehendidos n'estas disposições.

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Emquanto não tivermos pessoal completamente habilitado em todas as repartições, é impossivel ter uma contabilidade perfeita, o esta não o póde ser de outra fórma.

Lembrarei á camara um facto que, segundo disseram alguns jornaes, acaba de dar-se.

Achou-se um alcance importante n'uma das repartições do estado na dos telegraphos. Ora, perguntarei ao sr. ministro da fazenda, se era possivel dar-se este alcance, se a legislação actual fosse executada? Era impossivel.

Com qualquer legislação póde dar-se o alcance de um responsavel, que recebe legalmente uma certa somma, se não a entrega quando a deve entregar, e se essa somma é superior á caução que tem, o thesouro fica prejudicado. Mas o alcance de que se trata, vem de longa data, e o sr. ministro da fazenda havia de encontrar no seu ministerio copias do officios dirigidos pelo ministerio da fazenda ao das obras publicas, em que aquella irregularidade era presentida.

A contabilidade central não está tão atrazada, que na direcção geral da contabilidade e na thesouraria do ministerio da fazenda se não reconhecesse que existia irregularidade; mas o facto d'esta irregularidade não se daria, se a nossa legislação sobre contabilidade fosse executada como cumpria.

Apresentei este facto apenas para mostrar que, se a nossa contabilidade não está em circumstancias demaziadamente favoraveis, não é tanto por falta de legislação, como por não haver quem a execute em todas as estações do contabilidade, desde as centraes até ás mais inferiores.

Por consequencia, não se lisongeie o sr. ministro da fazenda de que ficarão sanados todo os inconvenientes, embora o projecto contenha boas disposições, como é, por exemplo, a da centralisação de toda a escripturação de contabilidade das diversas repartições do estado na direcção geral do ministerio da fazenda.

Não cansarei mais a attenção da camara com estas reflexões, que não tendem a impugnar o projecto, o qual como já disse, acho excellente.

Quanto á outra parte do projecto, que eu tambem considero importante, é a que se refere ás garantias para a regularidade das contas do estado. Eu não me opponho de modo algum a esta disposição, por isso que já em tempo tive a honra de apresentar um projecto em que se tratava d'este assumpto. N'elle se estabelecia um principio que julgo essencial, como é o de não se poderem abrir creditos senão para despezas que ainda não se fizeram. Isto é, que não se possam fazer despezas senão á vista da lei, e depois dos creditos abertos.

O nosso systema era abrir os creditos depois das despezas feitas, e por isso apresentei, como disse, um projecto ás camaras em que se estabelecia o principio que acabo de expor.

Este projecto foi considerado por algumas pessoas como sendo destinado a auctorisar o governo a gastar sem conta, peso, ou medida; mas a verdade é que o fim principal que se tinha em vista era que não se fizessem despezas sem se terem aberto os creditos. Isto achava-se disposto no projecto que eu apresentei, e tambem no que foi apresentado pelo sr. conde do Casal Ribeiro.

Vejo tambem um outro principio excellente n'este projecto, qual é o que estabelece que as camaras se occupem dos creditos supplementares.

A lei actual não é má, mas não se lhe tem dado a devida execução.

Ella diz que, quando se abrir um credito supplementar ou extraordinario, seja apresentado ao parlamento. Os governos satisfizeram sempre a essa disposição, apresentando ao parlamento, no relatorio dos actos do ministerio da fazenda, os creditos que se haviam levantado.

As camaras, porém, pouco se occupavam d'este assumpto, a não ser por excepção.

Ora, a maneira, de fazer com que o parlamento se occupe d'esta materia é o que no projecto se dispõe a este respeito.

O governo não só apresenta os creditos extraordinarios e supplementares, mas a proposta para legalisar esses creditos.

No meu projecto propunha eu que na lei de meios viesse todos os annos a proposta para a approvação dos creditos. Este meio parece-me que era mais efficaz, porque não se podia passar nenhuma sessão legislativa sem que esses creditos fossem approvados, emquanto que pelo systema proposto n'esta lei é possivel que as camaras votem o orçamento e não votem aquella lei.

Parece-me, portanto, melhor o que eu estabelecia no meu projecto.

Não insisto, porém, n'este ponto, e dou a minha plena approvação ao projecto, terminando aqui as minhas reflexões.

O sr. Carlos Bento: - Sr. presidente, o projecto de que se trata é um projecto importante; em primeiro logar parece-me que é obrigação prestar homenagem ás intenções que dictaram a apresentação do projecto, que foram decerto as que em assumpto tão importante, como são as despezas do estado, seja a legalidade que presida á sua realisação, e o nosso collega, o sr. Antonio de Serpa, fez justiça ao pensamento da generalidade das disposições d'este projecto.

Esta centralisação de contabilidade justifica o pensamento, desenvolvido na Italia, da creação do ministro do thesouro; ali entendeu-se que era necessario reformar o pessoal da administração de contabilidade, creando o ministro do thesouro, que em cousa alguma se confunde com o ministro das finanças; são attribuições diversas, sem que seja menos distincta uma ou outra pasta.

A diminuição do exercicio, que de dois annos que eram se reduz a dezoito mezes, e isto significa um melhoramento, por isso que quanto maior é o praso para o exame, tanto mais concorre para que o exame não seja tão rigoroso, e que a attenção publica hão esteja tão curiosa de saber o seu resultado. Portanto, o prolongamento do praso para o exame do exercicio financeiro parece-me prejudicialissimo, tanto mais que em França se julgou que vinte e dois mezes eram sufficientes para se completar esse exame, em Hespanha são dezoito mezes, e na Belgica é o mesmo que em França; creio, pois, que a diminuição do praso diante do qual se tem de avaliar o exercicio financeiro é uma cousa justa.

Na occasião em que um digno par, que tomou parte n'esta discussão, acceitou como ministro uma proposta do sr. deputado Pereira de Miranda, para que se não continuasse a converter a divida fluctuante em divida fundada, como quasi sempre é o destino da nossa divida fluctuante, que pela venda dos titulos se converte em divida fundada.

Esse principio predominou durante quinze annos. A divida fluctuante convertia-se em divida, fundada, insensivelmente, sem ninguem dar por isso.

A doutrina do projecto parece-me n'este ponto um grande melhoramento, se bem que a fixação da divida fluctuante póde de alguma maneira suppôr-se não estar aqui definitivamente estabelecida, desde que se dá o direito de recairem sobre essa divida os creditos supplementares.

Parece-me que esta circumstancia attenua um pouco a grande vantagem da fixação da divida fluctuante.

Outra disposição do projecto, e que tem muita importancia, é a que se refere á necessidade do visto do tribunal de contas antecipadamente á realisação da despeza ordenada.

Segundo a legislação belga, o visto do tribunal não recue senão sobre documentos respectivos a despezas incertas e nunca sobre, as despezas certas.

Este ponto foi esclarecido n'uma emenda feita pela commissão de fazenda d'esta casa.

Ahi se dispõe que para as despezas certas não se torna necessario o visto.

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Convem advertir, e nos relatorios de diversos tribunaes de contas muitas vezes se tem insistido n'isto, que a designação dos vistos em relação ás despezas não constitue de nenhum modo uma apreciação politica da marcha dos governos.

Permitta-se que no desordenado das minhas observações eu volte a fallar da divida fluctuante.

No projecto determina-se que sejam ministrados ao tribunal de contas todos os esclarecimentos em relação a esta divida.

Acho conveniente que se prestem esses esclarecimentos, mas eu quereria tambem que o tribunal de contas apresentasse uma declaração especial acerca da divida fluctuante.

Em Hespanha, onde o tribunal de contas não tem apresentado relatorios que respeitem a epochas muito proximas, sobre a administração financeira em geral; com tudo com relação á divida fluctuante não tem sido assim, e os relatorios do mesmo tribunal com referencia a essa divida são de annos muito chegados, e isto mostra que n'aquelle paiz se entende, que se não deve demorai: a fiscalisação sobre a mencionada divida por parte d'aquella estação.

Creio, pois, que seria de maxima conveniencia que o tribunal de contas apresentasse a declaração a respeito da divida fluctuante no praso mais proximo possivel; porque, desenganemo-nos, apesar de todas, estas precauções muito louvaveis tomadas n'este projecto, ha de haver difficuldades praticas para realisar o optimo fim a que elle se propõe.

Quanto aos creditos supplementares direi que houve uma occasião em que se determinou que elles não existissem, e pareceu-me digno de elogio que se providenciasse de modo que se fechasse a porta por uma vez a esse recurso pouco
regular.

Pois bem, nunca houve effectivamente tantos creditos suplementares como depois que elles foram prohibidos, creio que por uma lei de 1866, se bem que o regulamento de contabilidade de 4 de janeiro de 1870 estabelece esses creditos.

Ha esta especie de anarchia entre aquelle regulamento e a disposição legal que declarava que taes creditos ficavam prohibidos.

Comtudo deve fazer-se justiça ao pensamento em que se inspirou o ministro que propoz a sua abolição, que foi o sr. Fontes Pereira de Mello; S. exa., acabando com esses creditos, e permittindo-os sómente nos casos imprevisto e de grande urgencia, teve por finai fazer, do orçamento uma verdade. Por consequencia foi um pensamento louvavel, ao qual, repito, se deve fazer inteira justiça; e eu estimaria que todos os homens politicos, fosse qual fosse o partido a que pertencessem, tivessem como ponto de contacto certos principios em que todos podessem estar de accordo. D'isso não resultaria inconveniente á administração do paiz; pelo contrario, lhe traria proveito.

Mas voltemos aos creditos supplementares, e a proposito direi que em França se auctorisam esses creditos pelas especiaes condições pae se são na administração financeira dáquelle paiz com relação á divisão dos exercicios. Os creditos supplementares são ali indispensaveis pela rasão de existirem annos financeiros correspondentes aos annos civis d'onde resulta que o orçamento, é apresentado com quinze mezes de antecedencia do exercicio financeiro a que elle se refere.

Este inconveniente foi votado pelos homens mais distinctos da epocha da melhor administração financeira da França epocha chamada de restauração, e da qual um dos homens mais eminentes na politica, Luiz Blane, disse não ter duvida em chamar áquella administração financeira modelo das administrações.

O barão Louis, o sr. Villelle e o sr. Laserre indicavam a necessidade do anno financeiro principiar em julho, e entendiam elles que isto era um remedio efficaz para que não existissem os creditos supplementares.

E o que acontece entre nós? Temos o remedio efficaz e temos a doença!

Ora, sr. presidente, o que se vê é que este assumpto da existencia dos creditos supplementares não é tão facil que não tenha dado logar a apresentarem-se muitas asserções encontradas, sem que, comtudo, deixasse de se provar que em todos os paizes se tenha a final julgado impraticavel a sua extincção, que só podia ser possivel na Inglaterra; porque a necessidade de recorrer a elles provém de que o orçamento nunca é uma verdade, e apenas na Inglaterra é que se approxima muito da verdade.

N'essa nação, como eu já tive a honra de dizer á camara em outra occasião, o orçamento é calculado com tal precisão que em quinze annos só tres vezes as despezas excederam a somma designada nó orçamento, e apenas em dois annos as receitas não chegaram á cifra calculada.

Entre nós, sr. presidente, já um distinctissimo estadista que faz parte d'esta camara extinguiu, como disse, os creditos supplementares, mas como os creditos extraordinarios continuaram a existir o resultado foi nullo.

É, portanto, para mim incontestavel que se não póde acabar com a pratica dos creditos supplementares. O que me parece, pois, que é necessario é estabelecer um certo numero de precauções para que se não abuse d'elles, e a isso visam algumas disposições do projecto que se discute.

Entretanto eu associo-me á observação apresentada pelo digno par, o sr. Serpa, de que de certo tempo para cá todos os ministros têem mais ou menos procurado evitar de recorrer a esse expediente, diligenciando que o orçamento seja uma verdade. E a idéa de que os creditos supplementares só sejam auctorisados antes de feitas as despezas é excellente, e seria tambem uma precaução.

O que, todavia, eu entendo que seria melhor era que podessemos acabar de todo com os creditos supplementares; como, porém, é impossivel prescindir d'elles, é bom que as precauções tornadas no projecto se estabeleçam? porque ellas modificam os inconvenientes que resultam da possibilidade de se recorrer immoderadamente aos creditos supplementares.

Mas, ainda com relação a este ponto. Nós citámos o que se tem feito em França, conforme e nosso costume; e os francezes são a muitos respeitos dignos do serem imitados, e são effectivamente habeis financeiros; ha alguns pontos, comtudo, em que não podem servir de modelo.

Já se; vê, portanto, que esta circumstancia só não era sufficiente para que se podesse contar inteiramente com a efficacia da fiscalização procedente de uma boa contabilidade; no entanto eu tambem estou de accordo, em que o projecto nos dá toda a garantia de que os effeitos correspondam ao nosso desejo. O mais difficil, porém, sr. presidente, é achar os empregados com as qualidades necessarias, porque, emquanto ao numero, creio que não haverá difficuldade em encontrar quem deseje tomar parte na exploração do orçamento.

A respeito do orçamento rectificado, entendo que foi um bem serviço feito pela administração que encetou esta publicação porque n'elle examinam-se, como actos de expediente, certas despezas que ali vem mencionadas, e que deviam ser objecto de projectos de lei especiaes; comtudo, sempre foi um melhoramento introduzido no nosso estado actual.

Sr. presidente, vejo o sr. ministro da fazenda e os membros da commissão tão empenhados, em acabar com a situação anormal em que nos achâmos ha tanto tempo, que não tenho duvida em approvar o projecto; mas não obstante essa approvação, hei de mostrar, quando se discutir o orçamento, que ainda se podem ter em attenção alguns expedientes que nos hão de dar garantias de que a desigualdade entre a receita e a despeza póde desapparecer. Entretanto, no estado actual, é já alguma cousa poder -se conhecer que, se as despezas excedem as verbas votadas, não excedem a legalidade com que foram feitos.

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O sr. Conde de Valbom: - Approva o projecto e enumera as vantagens que d'elle resultarão; não espera, porém, resultado completo d'essa reforma, porque não ha pessoal habilitado para a executar.

(O discurso do orador será publicado quando s. exa. devolver as notas.)

O sr. Presidente: - Vae ler-se uma mensagem que acaba do chegar, vinda da camara dos senhores deputados.

Leu-se na mesa e é a seguinte:

Um officio da presidencia da camara dos senhores deputados, enviando a proposição de lei que auctorisa a camara municipal do concelho de Meda a levantar do cofre da dotação das estradas do mesmo concelho as quantias de que for carecendo para occorrer ás despezas de construcção do novo edificio das Caldas de Longroiva.

Às commissões de administração e de obras publicas.

O sr. Conde do Casal Ribeiro: - Pede a palavra para explicar o seu voto favoravel ao projecto em discussão, que considera de muita conveniencia e de reconhecidissima opportunidade. Não póde deixar de sympathisar com o que é a sancção legal do parecer da commissão de fazenda d'esta camara em 1875, parecer que foi elaborado pelo seu illustre e prezadissimo amigo o sr. conde de Valbom. Esse trabalho da commissão de fazenda que tantas vezes fôra invocado, e cujo alcance se pretendêra exagerar, não significava senão o cuidado que nos inspirava uma certa tendencia financeira. Que este projecto não nos levava ao paraizo financeiro, mas que era um passo consideravel e importante no melhoramento da situação da fazenda publica. Se estivesse presente na occasião em que se votaram os projectos financeiros do governo, declara que lhes daria o seu voto, porque entende que a questão de fazenda é inadiavel, e que os peiores impostos, que pesam sobre o paiz são o deficit e os encargos de uma divida que absorve mais da metade da receita.

(O discurso do orador será, publicado na integra quando s. exa. devolver as notas tachygraphicas.)

O sr. Presidente: - Vae votar-se o projecto na sua generalidade.

Consultada a camara, foi approvado.

O sr. Presidente: - Vamos entrar na especialidade, e na discussão eu creio que deverá entrar tambem o plano junto.

Leu-se, na mesa o artigo 1.° e o plano junto.

O sr. Presidente: - Está em discussão o artigo l.º e o plano junto, e as alterações feitas pela commissão.

O sr. Barros e Sá: - Mando para a mesa una additamento, que é feito á emenda da commissão.

(Leu.)

Additamento ao § 1.° do artigo 16.° do plano:

Os juros da divida publica fundada serão satisfeitos por meio de recibos individuaes na fórma que for determinada nos regulamentos. = Barros e Sá.

O sr. Presidente: - A commissão classificou de emenda o que rigorosamente me parece uma substituição ao artigo 16.° que tem dois paragraphos, e o digno par o sr. Barros e Sá addiciona-lhe ainda outro paragrapho por parte da commissão, que é o seguinte:

(Leu:)

Foi admittido á discussão.

O sr. Vaz Preto: - A hora está a dar; não obstante usarei da palavra para dizer a v. exa. que me parece inconveniente que o artigo 1.° seja votado conjunctamente com o plano, que contém diversos artigos.

O sr. Presidente:- Creio que o artigo 1.° não póde deixar de entrar em discussão com o plano junto, aliás não significa cousa nenhuma, porque elle diz o seguinte.

"Artigo 1.° É approvado na parte em que depende de sancção legislativa o plano de reforma da contabilidade que vae annexo á presente lei, e d'ella faz parte."

O sr. Vaz Preto: - Eu desejo que v. exa. ponha em discussão o plano em separado, porque ha, artigos d'elle com os quaes eu concordo, mas ha outros sobre que desejo fallar e fazer diversas observações; por isso entendo que é muito melhor irmos por partes.

Peço a v. exa. que consulte a camara.

O sr. Presidente: - O que se tem feito sempre não é o que o digno par deseja que se faça, agora, no entanto eu vou consultar a camara.

Vozes repetidas: - Deu a hora!

O sr. Presidente: - Como deu a hora, a primeira sessão terá logar ámanhã, 12 do corrente/ e a ordem do dia é a continuação da que estava dada para hoje, e mais os pareceres n.ºs 77, 78 e 79.

Está levantada a sessão.

Eram cinco horas da tarde.

Dignos pares presentes na sessão de 11 se maio de 1880

Exmos. srs.: Duque d'Avila e de Bolama; João Baptista da Silva Ferrão de Carvalho Mártens; Marquezes, de Ficalho, de Fronteira, de Sabugosa, de Monfalim; Arcebispo de Evora; Condes, de Avilez, de Bomfim, de Cabral, do Casal Ribeiro, de Castro, de Gouveia, de Podentes, da Ribeira Grande, de Samodães, de Rio Maior, de Valbom, da Torre, de Bertiandos; Bispo eleito do Algarve; Viscondes, de Alves de Sá, da Asseca, de Bivar, de Borges de Castro, de Chancelleiros, de Portocarrero, da Praia, da Praia Grande, do Seisal, de Soares Franco, de Villa Maior, de Valmor, de Algés; Barão de Ancede, Mello e Carvalho, Quaresma, Sousa Pinto, Barros e Sá, D. Antonio de Mello, Couto Monteiro, Fontes Pereira de Mello, Rodrigues Sampaio, Serpa Pimentel, Costa Lobo, Coutinho de Macedo, Barjona de Freitas, Cau da Costa, Xavier da Silva Palmeirim, Carlos Bento, Eugenio de Almeida, Sequeira Pinto, Montufar Barreiros, Fortunato Barreiros, Margiochi, Andrade Corvo, Mendonça Cortez, Mamede, Pestana, Martel, Braamcamp, Baptista de Andrade, Pinto Bastos, Castro, Reis e Vasconcellos, Mancos de Faria, Mello Gouveia, Mexia Salema, Mattoso, Luiz de Campos, Camara Leme, Daun e Lorena, Seixas, Vaz Preto, Franzini, Mathias de Carvalho, Placido de Abreu, Carneiros, Thomás de Carvalho, Ferreira Novaes, Vicente Ferrer, Seiça e Almeida.

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