796 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO
ministros presentes se s. exa. tem conhecimento do modo brioso e arrojado como o commandante do forte procedeu.
Faço esta pergunta por simples formalidade, que aliás me parece necessaria, porque desejando eu apresentar um voto de louvor a este illustre militar, é natural perguntar primeiro ao governo até que ponto é verdadeiro este facto, mencionado nos jornaes estrangeiros; e é uma formalidade, porquanto a origem d’estas informações é, segundo se le nos jornaes d’esta manhã, a mais fidedigna, a mais competente, porque é de um dos europeus libertados pelo commandanto do forte, e que eram prisioneiros do rei de Dahomé, chamados Chaudoin e Pietr.
Quem cita este facto é um dos prisioneiros, o sr. Edmundo Chaudoin, o qual relata, que quando os europeus estavam em Ajuda, desejando libertar-se da prisão que lhes tinha sido imposta pelas auctoridades dahomeanas, reclamaram o auxilio do governador portuguez.
Eis a noticia:
«No dia 7 de maio os prisioneiros chegaram a Ajuda, e dois delles, Chaudoin e Pietri, resolveram dirigir-se ao forte portuguez e pedir ao governador Santos para tomar os francezes sob a sua protecção.
«A resposta do governador é simples, conta Chaudoin, é a de um coração intrepido, de um verdadeiro soldado. «Estimarei, respondeu-nos, que se refugiem no forte e combateremos juntos emquanto houver um cartucho. No emtanto, como governador portuguez e como soldado, faço as minhas reservas e protesto contra qualquer acção da França em Ajuda e no Dahomé.
«Combinou-se então que pretextariamos um convite para jantar no forte; convidariamos até Zizi-Doqué e Zoglimé para nos acompanhar, e uma vez no forte declarar-lhes-iamos que não sairiamos d’ali mais.
« O governador Santos deu-nos então dois revolvers para o caso de nos serem precisos.
«Voltámos á casa Regis; o cabeceira não vê inconveniente algum no jantar, não desconfia de cousa alguma, e cerca do meio dia, sem nos apressarmos, como que de passeio, entrámos no forte portuguez, acompanhados de Zizi-Doqué e de Zoglimé, aos quaes significámos então que ficariamos ali sob a protecção da bandeira portugueza.
«Os dois homens ficaram estupefactos e foram prevenir o chefe. Entretanto, sentámo-nos á mesa, onde nos esperava um excellente jantar.
«Passámos a noite no forte; o governador Santos mostra-se jubiloso por nos ter podido salvar, dizendo-nos que no dia seguinte elle proprio nos acompanharia até á praia com os seus soldados.
«No dia seguinte, Santos disse ás auctoridades do rei de Dahomé:
«Não tenho muitos soldados, mas eu proprio acompanharei os europeus até á praia com os meus soldados. Ai d’aquelles que me atacarem! Poderei ser morto, mas Portugal saberá vingar a minha morte.
«As auctoridades ficam aterradas e consentem em nos deixar partir. O governador Santos fez armar seis dos seus melhores soldados com cem cartuchos, veste-se de grande uniforme, e um hora depois saiamos todos acompanhados por aquella pequena força e bem resolvidos a não nos deixar prender outra vez.
«Os prisioneiros francezes não são atacados, podem passar a barra, e depois de alguns segundos estavam salvos.»
Como a camara vê, não póde ser mais fidedigna a noticia, são os proprios prisioneiros do rei selvagem os que dão testemunho da maneira briosa como o commandante Santos os acolheu, o qual não só ameaçou as auctoridades dahomeanas de ficarem responsaveis por qualquer mal que acontecesse áquelles europeus, emquanto estivessem debaixo da sua protecção, mas portou-se de uma maneira verdadeiramente briosa.
Isto é tão honroso para a nação portugueza e para a classe militar, que eu julgo digno da justiça d’esta camara o fazer-se aqui honrosa menção do procedimento brioso e distincto d’este bravo militar, e entendo que a camara honra-se dando-lhe um voto de louvor.
Em todo o caso, não mando a proposta para a mesa, sem ouvir o governo, comquanto não possa haver parte mais segura nem mais authentica do que os proprios prisioneiros, que contam a forma por que foram libertados, e dizem que se não fosse o capitão Santos elles ainda estariam prisioneiros.
E agora que estou com a palavra, para não obrigar o sr. ministro que me faça o favor do responder, a levantar-se duas vezes, eu perguntarei a s. exa. se o governo tenciona chamar as reservas ás armas, ou antes ás fileiras.
Faço esta pergunta, porque se o facto é verdadeiro, sr. presidente, parece extraordinario que o governo o pratique, porquanto o ministerio da guerra tem n’este momento organisada em Lisboa uma brigada de instrucção, que podia ser aproveitada no cordão sanitario.
Eu sei, sr. presidente, que é altamente conveniente instruir o exercito, mas temos a attender em primeiro logar ás circumstancias extraordinarias em que nos encontramos, e que essa medida é altamente lesiva não só para os reservistas, como para o thesouro, que vae gastar uma somma importantissima.
Quando realmente uma epidemia nos ameaça, não me parece conveniente estarmos a obrigar uma parte do exercito a estes trabalhos violentos, porque segundo fui informado, uma outra brigada de instrucção, que acaba de ser dissolvida e que andou n’estes exercicios, teve uma enorme quantidade de baixas. Não sei porque é que escolhendo-se em todos os paizes do mundo, para estes exercicios, o outono, nós havemos de preferir esta epocha.
Repito, o que me parece inconveniente, é que o governo vá chamar as reservas ás fileiras.
Sendo o sr. ministro da guerra o competente para responder a esta pergunta, e como s. exa. talvez não chegue antes de se entrar na ordem do dia, para não ter novamente de pedir a palavra, eu desde já declaro que seria muito mais conveniente aproveitar a brigada de instrucção para o cordão sanitario, do que o chamamento dos reservistas.
Outro ponto de que fui informado, e me parece merecer a attenção do governo, e com Isto não faço mais do que ser o transmissor de informações que me merecem toda a confiança, é que os soldados no serviço do cordão sanitario não recebem rancho e sim 300 réis por dia. Não me consta que por outras occasiões, em identico serviço assim se procedesse.
Isto traz grandissimos inconvenientes. O cordão sanitario, como todos sabem, é uma longa fila de soldados e que teem de ser bem alimentados. Pelas outras occasiões armavam-se barracas onde se fazia o rancho, agora segue-se outro systema, dando 300 réis para alimento, e d’aqui resulta que o pobre soldado tem de ir buscar o alimento a qualquer povoado, e muitas vezes ha de succeder, achando-se mais proxima uma aldeia hespanhola, elles irem buscai o a essa aldeia, em vez de ir a uma povoação portugueza que lhe fica muito mais distante, e ahi temos estabelecida a communicação por áquelles mesmos que estão incumbidos de a impedir.
Resumindo, as minhas perguntas são as seguintes: primeira, se o governo póde dar explicações ácerca do procedimento brioso do commandante do forte de S. João Baptista de Ajuda, a que se refere a imprensa estrangeira: segunda, se é intenção do governo chamar ás fileiras os reservistas, subsistindo, no caso affirmativo, as considerações que sobre tal medida acabo de fazer.
(O digno par não reviu o seu discurso.}
O sr. Ministro da Fazenda (Franco Castello Branco):— Levanto-me eu, sr. presidente, por parte do go