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Supponha V. ex.ª que esta camara não se constitue em tribunal de justiça senão no fim da sessão ou depois d'ella fechada. Eu desejo saber dos dignos pares, membros da commissão, de que servia a garantia depois de fechada esta casa? Depois do processo não ha que fazer. Emquanto esta camara exercita as suas funcções legislativas não póde o digno par usar da sua garantia, porque esta no banco dos réus; depois da sentença dada, a garantia não serve de nada. Se é absolvido, volta para a camara, na sessão seguinte, em virtude da sentença; se o tribunal o condemna a prisão correccional, está claro que, estando preso, não póde funccionar, e só depois de acabar a sentença volta ao estado anterior; de modo que a doutrina da commissão dá em resultado a inutilidade da garantia. A minha é que não, porque decide já que venha o digno par, deixando o mais para quando a camara for constituida em tribunal de justiça. Esta é que é a verdade. Pergunto pois para que serve a garantia? Se a camara se constituir em tribunal no fim da sessão, o digno par vem aqui, mas a garantia foi-se. Embora digam que depois de constituida a camara em tribunal usará d'ella, morreu a garantia, inutilisou-se a garantia.

Sr. presidente, o argumento é este, e ainda nenhum digno par citou uma unica lei que prove que a camara não possa desde já decidir este negocio. Todas as rasões de equidade são a favor do digno par. Supponhamos mesmo que não é porque esteja suspenso do exercicio dos seus direitos politicos, e por pundonor e respeito á decisão do poder judicial, que indiciou o sr. Barreiros, que este digno par deixa de vir aqui. Não deve a camara respeitar a dignidade do nosso collega, que deixa de vir aqui porque esta vergando debaixo da suspeita de um crime? Pareceme que isto é tão claro que salta a todos os olhos.

Sr. presidente, vê-se do que disse o sr. relator da commissão n'um longo argumento, que a decisão que a camara ha de tomar, constituida em tribunal de justiça, é uma ratificação de pronuncia. Sabe a camara o que é ratificação de pronuncia? Aqui não póde haver ratificação de pronuncia, porque a ratificação de pronuncia é um acto feito perante os jurados, que julgam segundo a sua consciencia, e não apreciam as provas segundo as disposições legaes; mas quanto á camara constituida em tribunal de justiça ha de obrar, não pela sua consciencia, mas pelas regras legaes.

Disse tambem o illustre relator da commissão que = o artigo 4.° da lei de 1849 era uma doutrina regulamentar da carta =. Será, mas eu não vejo tal, não vejo senão que a camara constituida em tribunal de justiça ha de regular-se pela legislação que regula o supremo tribunal de justiça quando conhece em ultima instancia os crimes. Diz-se aqui alguma cousa a respeito da garantia? A lei é para o julgamento dos crimes e erros de officio, por isso não se póde decidir se ha de ou não deliberar a camara que continue ou deixa de continuar o par indiciado no exercicio das suas funcções.

Sr. presidente, o digno par por melindre e pundonor não apparece n'esta camara. É necessario que se côrte este fio, e que se habilite s. ex.ª a entrar n'esta casa a tomar o seu logar desassombradamente. Esta é a questão.

Tenho dito.

O sr. Silva Cabral: — Sr. presidente, o digno par admirou-se de algumas proposições avançadas pelos dignos pares que sustentaram o parecer da commissão; não tinha a minima rasão para isso, e eu vi antes com assombro, com o maximo assombro, que o digno par se desse ao insano e inglorio trabalho de amontoar palavras sobre palavras e phrases sobre phrases, para em ultima analyse não dizer nada conducente e aceitavel com relação á materia. Sr. presidente, scire leges non est verba earum tenere, sed vim acpo-testatem.

O digno par esqueceu este principio, esta luminosa regra de hermeneutica, que muitas vezes deve ter ensinado na cadeira do magisterio, em que foi tão illustre e tão insigne; e em contraposição com ella, e com outras não menos ao alcance das idéas dos menos eruditos, veiu sustentar doutrinas que não podem deixar de ser repellidas pela logica, pela critica, pela hermeneutica e pela sciencia politica; o digno par esqueceu tudo isto absolutamente, e na falta de rasões solidas, ou ao menos apparentemente aceitáveis, appellou para o sentimentalismo, invocando ora o pundonor e brio, ora a camaradagem do cavalheiro inculpado; como se a justiça se podesse dobrar por essas considerações (apoiados), ou podesse adoptar-se similhante theoria sem concorrer a minar pela base a existencia da sociedade civil (apoiados).

Sr. presidente, póde a camara em objectos d'esta natureza regular-se por outros principios e por outras regras que não sejam a lei e a constituição?...

Pundonor e brio todos nós devemos ter e respeitar em todos os nossos similhantes; mas estes sentimentos moraes não devem complicar com as noções de justiça; justiça acima de tudo, porque é o primeiro e mais alto dever que nos impõe a sociedade (apoiados).

Admirou-se o digno par que o nobre visconde de Gouveia viesse aqui apresentar as suas idéas sobre o duello, quando não se tratava agora de similhante questão! Por amor de Deus! Não foi o digno par, que assim censurou um trecho fugitivo de erudição, quem primeiro fallou sobre esse ponto, quando não vinha para o caso em questão? Não foi respondendo as reflexões de s. ex.ª, sobre o duello, que o sr. visconde de Gouveia declarou quaes eram as suas idéas a tal respeito? Foi o digno par mesmo quem provocou essa declaração, e repara que outrem lhe seguisse o exemplo?... Aonde a sensatez do reparo?...

Perguntarei ainda ex abundanti se a proposta, que o digno par mandou para a mesa, tem alguma relação proxima ou remota com a doutrina do duello, no sentido e no campo em que o digno par a tomam, e n'aquelle em que a tomou tambem o digno par visconde de Gouveia? Precisâmos nós saber a. historia e a origem do duello; carecemos de demonstrar a sua conveniencia ou inconveniencia para decidirmos esta questão? Necessitamos porventura discutir e tratar se elle é um acto moral ou immoral; e em que sentido o codigo o condemna ou tolera? A questão é decidir-se se o digno par, de que se trata, deve ou não ser suspenso das suas funcções n'esta casa; e por consequencia devemos considerar a especie n'estes unicos, restrictos e verdadeiros termos; devemos combina-la com todos os principios constitucionaes; devemos examinar bem se esses principios estão de accordo com aa idéas do auctor da proposta, e tirar em seguida a conclusão que se deve tirar; isto é, se a proposta de s. ex.ª póde ou não ser adoptada.

Sr. presidente, o digno par andou pela lua tratando esta questão. Entendeu que a lei de 15 de fevereiro de 1849 não vinha nada para o caso, assim como que nada significam ou importam para a questão os artigos invocados pela commissão em seu parecer, a saber: os artigos 820.º e seguintes, e os artigos 765.° e 778.° da novissima reforma judiciaria; e concluiu portanto que o parecer da commissão não assentava em bases seguras, não sendo por isso aceitavel. Ora o digno par, que é tão illustrado, e que, pela sua especialidade, deve estar habilitado para compulsar toda a historia parlamentar, não deve ignorar, e de certo conhece, que se a commissão não seguisse os principios que apresentou no seu parecer, a consequencia seria pouco logica, porque, primeiro, contrariaria absolutamente a jurisprudencia parlamentar tão antiga, como é o estabelecimento da camara dos pares; segundo, porque contrariaria os principios constitucionaes, que não são esses a que se referiu o digno par, mas outros muito differentes (apoiados).

Sr. presidente, a camara dos pares tem os seus arrestos e a sua jurisprudencia; jurisprudencia que, entre nós, como em todos os parlamentos, deve constituir regra invariavel de procedimento e acção em quanto não for revogada por uma determinação contraria, opportuna ilegitimamente sanccionada: não ha nada n'esta especie que se deva reputar immutavel, o progresso das idéas, como a variação das circumstancias, tornam muitas vezes necessaria a conveniente alteração (apoiados).

O regimento por que se regula a camara dos pares constituida em tribunal de justiça, não é só o de 1861; ora eu vou mostrar á camara os escrupulos com que se tratou esta questão nos annos de 1843 e 1848, escrupulos que deram logar á promulgação da lei de 15 de fevereiro de 1849 para poder conhecer se a todas as luzes, como tudo tende a condemnar as doutrinas que o digno par nos apresentou.

Em 1843 nomeou-se uma commissão para rever o regimento da camara dos pares constituida em tribunal de justiça, commissão de que fizeram parte os caracteres mais eminentes da camara; entre elles conta se v. ex.ª, assim como o digno par já fallecido; e de quem me lembro com saüdade, o meu amigo, o sr. Manuel de Serpa Machado, o sr. visconde de Oliveira, o sr. conde de Laborim e outros. Tratava-se de saber, porque até ahi tinha-se seguido opinião contraria, se sómente os pares, que haviam assistido á primeira sessão da camara constituida em tribunal de justiça, eram os competentes para julgar. A commissão, na sua maioria, decidiu que sim, isto é, que só aquelles que tinham comparecido na primeira sessão deviam continuar o processo. Este foi o parecer da maioria da commissão; mas o sr. conde de Lavradio, nosso digno presidente, e o sr. Manuel de Serpa Machado afastaram-se d'esta opinião, decidindo-se pela proposta do sr. conde das Antas, na qual se exprimia a idéa de que deviam ser chamados todos os pares, porque a carta as sim o indicava, e não se podia fazer de modo algum uma excepção a esta regra.

O parecer da commissão foi posto á votação, e a camara rejeitou-o, approvando a proposta do sr. conde das Antas, quero dizer, não admittiu a idéa de que só deviam ser chamados os pares que tinham assistido á primeira sessão da camara constituida em tribunal, mas todos os pares que constituiam a camara, porque todos tinham direito a isso; direito que lhes vinha pela carta, e que por isso ninguem podia privar d'elle os membros da camara. V. ex.ª muito pugnou por esta doutrina, e avançando mais apontou para os artigos 8.°, 9.°, 10.° e 11.°, e outros do regulamento, que tinha relação com a materia de que se trata, e disse que era preciso que houvesse uma lei para fixar verdadeiramente a jurisdicção da camara constituida em tribunal; porque embora lhe pertencesse regular exclusivamente a parte da policia dos trabalhos da camara, em virtude do artigo 21.° da carta, tudo que tocava aos direitos dos individuos, a direitos de defeza, não podia deixar de ser determinado por uma lei positiva em face do artigo 145.° § 10.° da carta constitucional (apoiados).

Este negocio assim permaneceu até 1848. Veiu 1848, e então outra commissão propoz, e a camara approvou, o principio que vem hoje consignado no nosso actual regimento com relação ao juiz relator, lembrando-se ao mesmo tempo, conforme a opinião de V. ex.ª, a necessidade de uma lei que regulasse a competencia do processo de uma maneira positiva. Ora esta lei é exactamente a de 15 de fevereiro de 1849. E o que diz esta lei? Diz positivamente que n'esta materia se seguirá o processo que esta marcado na novissima reforma judiciaria e leis vigentes, para os crimes e erros de officio perante o supremo tribunal de justiça.

(Interrupção do sr. Ferrer, que se não ouviu.)

Ora realmente não me parece isso proprio da sciencia do digno par. Eu vou já responder a esse áparte que lhe não faz muito honra, não posso deixar de o dizer; porque o supremo tribunal julga em primeira e ultima instancia em taes processos, e a pronuncia não póde nunca competir-lhe como ultima instancia (apoiados). É preciso attender a que ha dois actos—primeiro o preparatorio, e em segundo logar o plenario, embora especial n'este caso, mas o necessario para o julgamento final em sessão plena.

Veja o digno par, e medite no artigo 4.° da lei de 15 de fevereiro, e depois, como é indispensavel, em todas as disposiçoes concordantes da novissima reforma judiciaria, e ha de encontrar que a sua duvida e interpretação realmente não lhe fazem honra. (Uma voz: — Basta.) Se o: digno par, que disse basta e a quem parece incommodar o rigor do raciocinio esta cansado de me ouvir, feche os ouvidos; mas eu fallo para a camara e para o paiz, a quem devo as minhas idéas (apoiados).

Parece-me que o negocio não esta esgotado, mesmo com' relação aos principios constitucionaes, de que desgraçadamente o digno par, o sr. Ferrer, não obstante a sua grande illustração que todos lhe reconhecem, e eu com especialidade, aberrou completamente.

Sr. presidente, a prova da vacillação de espirito do digno par sobre a materia que se discute é essa duplicação de propostas que mandou para a mesa. Ao principio queria que a camara decidisse se o digno par, de quem se trata, devia ou não ser suspenso das suas funcções; agora quer que a camara decida desde já que póde vir funccionar, ou então que a camara se constitua immediatamente e quanto antes em tribunal de justiça. Ora isto quer dizer que é digno par não confia muito na primeira parte da sua proposta, e que não esta muito seguro em sua consciencia da sua procedencia e justiça, porque de certo de maneira nenhuma (se assim não fosse) recorreria á idéa da segunda parte da mesma proposta, que é contraposição á primeira, e que contém a idéa da commissão. E isto uma contradicção que eu não esperava da sisudeza e illustração do digno par.

O sr. Ferrer: — Peço a palavra.

O Orador: — Sr. presidente, eu digo e comecei por dizer = scire leges non est verba earum tenere, sed vim ac potestatem =; o digno par apresentou a sua proposta; é preciso fixar bem a sua idéa, e fixando-a expor á camara, com toda a simplicidade e o mais breve possivel, a historia do processo.

Sr. presidente, foi remettido o processo a esta camara. Que fez V. ex.ª? Cumpriu o regimento no artigo 7.°, e cumpriu-o religiosamente, mandando o processo á commissão do legislação. Para que foi á commissão de legislação? Fixa-o, determina-o o dito artigo 7.°, para que com o seu parecer a camara podesse resolver se o processo devia ou não seguir os seus termos ulteriores, e constituir-se em tribunal de justiça. Qual foi o parecer da commissão? Foi esse mesmo, em conformidade com o regimento, que é lei da casa. Que decidiu a camara? A camara decidiu que se proseguisse nos termos ulteriores, e se constituisse em tribunal de justiça.

Agora pergunto a V. ex.ª, sr. presidente, qual era a sua obrigação? Era não admittir proposta alguma em sentido contrario á deliberação da camara, que com esta tinha concluido as suas funcções como braço do poder legislativo C apoiados).

A proposta que o digno par mandou para a mesa era, a olhos vistos, incongruente, porque nós temos lei, legem hábemus, e n'esta materia de processo não podemos apartarnos d'ella, porque constitue uma garantia constitucional (apoiados). O regulamento diz:

«Tomada a resolução de que o processo siga os termos ulteriores, o presidente designará o dia em que o tribunal se deve reünir.»

Decidido portanto o parecer da commissão, como foi decidido, não se podia fazer outra cousa senão marcar-se o dia em que deve effectuar-se o julgamento...

O sr. Miguel Osorio: — Peço a palavra sobre a ordem.

O sr. Visconde de Algés: — Peço a palavra sobre a materia.

O Orador: — Sr. presidente, o regimento, n'este ponto, não é cousa que se ponha de parte. E no mesmo caso em que me referi á historia da jurisprudencia parlamentar, a verdade é que, tratando-se de um processo relativo a um digno par, que não esta presente, de rapto com violencia, e de outro, de resistencia á justiça, quiz se alterar o regimento, e a commissão, como a camara, salvaram illimitadamente esta especie, como impossivel de verificar-se, porque tocava com os elementares principios de defeza, e contrariava redondamente as regras constitucionaes (naquelle momento, se entende) embora para o futuro se alterasse; mas que n'aquelle momento, e para uma cousa dada, não se podia de maneira alguma altera-lo. E o mesmo que eu digo agora com relação á actualidade; nós temos um regimento, e de mais a mais um regimento que é effeito da lei de 15 de fevereiro de 1849, por consequencia não podemos altera-lo emquanto estiver o negocio pendente, porque o contrario era alterar as condições da justiça e da defeza, o que não é licito a corpo nenhum, porque esta previsto na carta, no artigo 145.°, § 10.° que diz que nenhum cidadão será julgado senão pela auctoridade competente, por virtude de lei anterior, e na forma prescripta na mesma lei. Ora, se a lei de 15 de fevereiro de 1849 e regulamento de 8 de agosto de 1861 são as leis que regulam o processo da camara dos dignos pares constituida em tribunal de justiça, como havemos pois nós alterar a marcha ali prescripta?

E assim, sr. presidente, a questão esta por este lado completamente elucidada, porque se temos lei, como temos, devemos cumpri-la; se não é boa emendemo-la, mas para o futuro, porque não é n'esta especie dado fazer leis ad hoc, por estar aqui envolvida a verdadeira garantia, não só das pessoas accusadas, mas da sociedade.

Sr. presidente, agora viremo-nos para a analyse do artigo 27.º da carta, esse artigo mereceu ao digno par uma apreciação especial. O digno par não póde deixar de con-