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DOS BARES. 249

Sessão de IO de Abril. 1843

8PRESIDIU O SR. CONDE DE VILLA REAL – E ULTIMAMENTE O SR. VISCONDE DE SOBRAL

MEIA hora depois do meio dia foi aberta a Sessão, a que estiveram presentes 34 Dignos Pares – Os Srs. Duque de de Palmella; Marquezes de Fronteira, de Loulé, das Minas, de Ponte de Lima, e de Santa Iria, Condes do Bomfim, do Farrobo, de Lavradio, de Lumiares, da Ponte de Santa Maria, de Rio Maior, de Semodães, e de Villa Real; Viscondes de Fonte Arcada, de Laborim, de Oliveira, de Sá da Bandeira, da Serra do Pilar, e de Sobral; Barões de Ferreira, e de Villa Ornellas, Serpa Saraiva, Magiochi, Tavares de Almeida, Pessanha, Geraldes, Cotta Falcão, Silva Carvalho, e Serpa Machado. - Tambem esteve presente o Sr. Ministro da Justiça.

Lida a Acta da Sessão precedente, ficou approvada.

O SR. SECRETARIO CONDE DE LUMIARES: - O Sr. Secretário Machado participou, que não podia assistir á Sessão em consequencia do fallecimento de sua Mãe; e eu peço ao Sr. Presidente consulte a Camara se permitte, que se pratique o que é costume, de serem os Membros desta Camara desanojados pelos Secretarios, e ao mesmo tempo dar-lhes os sentimentos da parte da Camara. (Apoiados.)

Assim se resolveu.

O SR. CONDE DE LIVRADIO: - pedi a palavra para mandar para a Mesa a seguinte declaração (leu.) - Está tambem assignada pelo Sr. João José Vaz Preto Geraldes.

Declaração.

Declaro que votei contra a interpretação, que esta Camara na Sessão de 8 do corrente mez Abril deu ao Art.º 39.º da Carta constitucional. Sala da Camara dos Pares 10 de Abril de 1843. – Conde de Lavradio – Vaz Preto Geraldes.

O SR. SILVA CARVALHO: - Eu tenho uma declaração de voto para assignar, tambem nesse sentido...

O SR. VICK-PRESIDENTE: — Mas eu tenho a fazer uma observação sobre a declaração do Sr. Conde de Lavradio, que é a respeito da palavra — interpretação.

O SR. SILVA CARVALHO: — Então eu pela minha parte retiro-a de onde me propunha a consignala.

O SR. CONDE DE LAVRADIO: — Sr. Presidente, eu estou prompto a retirar a palavra interpretação, logo que se me demonstre que a resolução, que tomou a Camara no outro dia, não foi interpretação do Art.° 39.º da Carta Constitucional; e logo que isso me fôr provado, retiralla-hei, e a substituirei por aquella que fôr mais propria; mas parece-me, que a resolução, que a Camara tomou, importa nada menos, que a interpretação do Art.° 39.° da Carta; e que resolveu ella?... Foi, que segundo a Carta não havia senão Pares hereditarios; e o que é isso senão interpretar o Art.º 39.°, sobre o qual havia uma duvida tão fundada, que foi necessario perto de quatro horas para tomar essa resolução, e ainda muitos dos
Dignos Pares ficaram na convicção, de que a interpretação deste Art.° era outra, e eu tambem, e por isso ainda estou na convicção, de que a resolução que nós tomámos, no outro dia, não vale nada; por que é necessario, que a Camara dos Srs. Deputados dê a mesma interpretação, e que o Poder Moderador assim convenha; quer dizer: - que em quanto se não publicar uma Lei com todas as formalidades prescriptas na Carta Constitucional, interpretando-se esse Art.º; esta Lei, que estamos discutindo, quando chegar á Camara dos Srs. Deputados, ella póde restabelecer outra vez o Art.°, que nós retirámos; mas torno a repetir —logo que a Camara próve, que não foi interpretação, eu retiro a palavra e a substituirei por outra,

O SR BARRETO FERRAZ: — Sr. Presidente, o que me parece esteve em discussão na Sessão passada, foi a questão prévia suscitada pelo Digno Par o Sr. Ornellas, e sobre isto é que recahio a votação da Camara. Eu desejava, que V. Ex.ª tivesse a bondade de mander ler a Proposta apresentada pelo Digno Par, para então vêr se tem logar os termos, em que se explicou no seu voto o Sr. Conde de Lavradio.

(Satisfeito, proseguiu) Não sei se consta da Acta os termos, em que foi posta á votação... (Foi lida a Acta). — Ora o que me parece é, que não está exactamente na Acta, o que se passou nesta Camara na Sessão de hontem; e creio que o Sr. Presidente, que tomou agora a Cadeira, estará mais certo de que o modo, pôr que se pôz á votação, foi differente daquelle em que estava concebida a minha Proposta:, eu pela minha parte declarei, e outros Dignos, Pares tambem disseram, que não se achavam habilitados para votar nesse negocio, sendo a questão apresentada daquelle modo. Parece-me, que o Sr. Presidente pôz á votação n’outros termos, e o que a Camara votou foi, que haveria Pares hereditarios.

O SR. VICE-PRESIDENTE: — Parece-me, que a declaração era hereditarios; e segundo a Proposta do Digno Par não se podia tractar dos vitalicios.

O SR. BARRETO FERRAZ: — Então a Camara não interpretou, disse que não havia logar a tractar de Pares vitalicios: por consequencia, parece-me que a declaração de voto, que quer fazer Digno Par, não tem logar.

(O Sr. Conde de Villa Real deixou a Cadeira da Presidencia, que foi occupada pelo Sr. Visconde de Sobral.)

O SR. ORNELLAS ........ (*)

O SR. SILVA CARVALHO: — Pedi a palavra para uma declaração de voto que eu faço, e tambem assignou o Sr. Duque de Palmella.

(*) Por fallecimento do antecedente Redactor, verificou-se na Secretaria da Redacção á falta de muitos discursos, á qual se torna insanavel; porque, passados mais de tres annos, já não existem as notas tachygraphicas delles, nem a seus Oradores (quando o quizessem), seria possivel produzi-los, passado tanto tempo. Entretanto, vão collocados em logar competente os nomes dos Oradores, de cujos discursos ha falta, e de alguns desses mesmos se consignará, resumidamente, aquelles de que havia extracto.

Esta observação é applicavel aos mais casos, em que se apresente aquella falta, por effeito da qual (não curando da causa), talvez se empatasse tanto a publicação das Sessões.

1843 – ABRIL 63

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Declaração.

Declaro que votei, que a Camara reconhecia não só Pares hereditarios, mas tambem vitalicios. Sala da Camara 10 de Abril de 1843. — José da Silva Carvalho - Duque de Palmella.

O SR. VICE-PRESIDENTE: - Esta declararão esta nos termos de se lançar na Acta.

Assim se resolveu.

O SR. SERBA MACHADO: - Parece-me que a questão versa – se a declaração do Sr. Conde de Lavradio deve ser inserida na Acta do modo, em que está concebida. – Eu julgo que ella se refere ao que houve, ou seja pelos, temos que disse o Sr. Ornellas, o facto é, que se deo uma intelligencia, ou interpretação, por que na verdade a houve: se e uma interpretação authentica de Lei, ou doutrinal... será isso o que póde questionar-se: por tanto, a questão é dos effeitos, e não da existencia, por que foi uma interpretação; e se é uma interpretação da Carta, devia. ter principio na Camara dos Srs. Deputados, e nós deviamos depois, confirála, ou não; e a mim o que me parece é, que foi uma interpretação doctrinal, que não passa de ser a opinião da Camara, para deduzir os principios, que se seguem; e com intendemos assim a Carta, é interpretação doutrinal para tractar os Art.°s; que, dizem respeito aos Pares hereditarios, e tractamos do principio reconhecido pela Camara: — Por consequencia dizer interpretação, ou intelligencia, parece-me que está, na faculdade do Digno, Par e podemos admittir a sua; declaração como exacta. — Eu estou_ em que não foi interpretação authentica;; mas tem, grande effeito;, por que, serve para regular a discussão dos Ari.ºs do Projecto e rejeitá-los, e devemos approvar os outros, que são coherentes com isto, e sobre o que parece-me, que não devemos acceitar a Proposta de declaração do digno Par o Sr. Conde de Lavradio, e depois regular os effeitos...

O SR. VICE-PRESIDENTE: - Eu quando propuz á votação a Proposta do Sr. Ornellas, não intendi que a Camara dava essa interpretação, e só que por ora não tractava sobre este objecto, por que, pelo Projecto do Sr. Barreto Ferraz, não tinha logar occupar-se da questão dos Pares vitalicios: esta foi a intelligencia que eu dei. – Continua a discussão se deve ser admittida a declaração do Sr. Conde de Lavradio. – Tem a palavra o Sr. Visconde de Laborim.

O SR. VISCONDE DE LABORIM: - Sr. Eresidente, eu creio que a questão versa a respeito da decisão, que a Camara tomou sobre este objecto: isto é, se a Camara tomou uma decisão interpretativa, ou se tomou uma decisão, possuida da idéa de que a Carta envolve um principio, de eterna verdade: creio que esta é a questão, Se esta é a questão, direi a fórma, por que eu considerei á votação da Camara A votação da Camara, Sr. Presidente, não foi como se tem dito até aqui, interpretativa, foi decisiva; (O Sr. Daniel d’Ornellas: - Apoiado.) os Dignos Pares que votaram neste sentido, não votaram por se persuadirem, de que assim, se devia interpretar, a Carta; votaram com o sentido, de que a Carta assim decidia: (Apoiadps) e em abono da verdade me parece, que votaram com todo o conhecimento de causa; por que, o dizer-se Sr. Presidente, que a Carta Constitucional falla em Pares hereditarios, e em Pares bitalicios, permitta-se-me que diga — falla em Pares hereditarios, calculando que esses Pares effectivamente são aquelles, a quem por direito de successão lhes pertence o Pariato. Debaixo destes principios, é que eu votei; e então assento, que a Carta Constitucional, quando diz que — os Pares são hereditarios, ou vitalicios... (O Sr. Daniel d’Ornellas- — Ou não: falta-lhe conjunção disjunctiva, são hereditarios, e vitalicios.) Pois bem, tanto melhor - Pares vitalicios e hereditarios, ou hereditarios e vitalicios; (O Sr. Visconde da Serra do Pilar: - Apoiado.) quer effectivamente dizer, que estes Pares que succedem aos Pares vitalicios, gozam da mesma honra, de que gozavam os seus antecessores; mas não se refere á primeira parte, por que essa primeira parte, é relativa á segunda. Debaixo destes principios parece-me (ao menos eu assim o tenho para mim), que não votei sobre interpretação directa, nem; indirecta; sobre o que se tem divagado, e sobre o que. Excellenyemente disse o Sr. Serpa Machado, eu não fiz interpretação, julguei que a Carta Constitucional assim o determinava; e quando analysei estes dous principios, vi que um se referia ao hereditario, em quanto o hereditario se referia áquelle a quem pela herança, pertencia o Pariato. Debaixo destes principios, é que. eu assentei que esta segunda palavra não se, referia á primeira, mas sim ao herdeiro que tambem tinha direito de ser Par hereditario.

O SR. CONDE DE LAVRADIO: — Eu declarei que estava prompto a reformar a minha declaração, se acaso os Dignos Pares, que fallassem deppis de mim, me convencessem de que não tinha razão; mas SS. Ex.ªs, pela leitura da Acta, e em tudo, quanto disseram, vieram corroborar ainda mais, a minha opinião. Veio corroborar a minha opinião, principalmente o que disse o Sr. Daniel d’Ornellas, o qual referiu com muita habilidade, tudo quanto se passou; o que elle tinha dito; e até as suas intenções, que eram combinadas perfeitamente com o meu modo de pensar:, acaba de fallar o meu digno amigo, o Sr. Visconde de Laborim, que em tudo corroborou a minha opinião; isto é, que nós apresentámos aqui uma interpretação á Carta: S. Ex.ª disse, que nós não apresentámos uma interpretação, mas que decidimos o modo, por que deviamos intender; aquelle Art.°, e a isto é que eu chamava até agora interpretação; interpretação é saber qual é a intelligencia que tem tal ou qual disposição, ou Art.° da Lei:, a intelligencia foi, que segundo a Carta não haviam duas qualidades de Pares — hereditarios, e vitalicios. Esta foi a intelligencia, que a maioria da Camara deu no oitro dia;, quer dizer, interpretou o Art.° da Carta deste modo. Portanto, parece-me que estou no meu direito de insistir, em que a minha declaração seja inserida na Acta, tal qual a mandei para a Mesa.

O SR. CONDE DE VILLA REAL: — Eu sinto muito verdadeiramente achar-me em opposição com o meu nobre amigo, que apresentou, esta declaração. Lamento igualmente, que nós perdessemos quatro horas dessa discussão, sem que por isto eu queira dizer, que S. Ex.ª foi a causa. (Apoiados.) — Eu. Estava naquella Cadeira (*), quando veio para a Mesa essa declaração, e então a minha objecção não foi ao voto

(*) Aponta para a Cadeira da Presidencia

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Do Digno Par, por que não sendo elle motivado, deve lançar-se na Acta. A minha objecção referia-se á palavra – interpretação – que o digno Par inseriu; por que bem sabemos, que a interpretação, como já se definio, é a intelligencia da Lei. Esta palavra – interpretação – posta, e consignada na Acta, e approvada pela Camara, daria fundado motivo a censura contra a mesma Camara. – Ora, eu não creio, que o digno Par queira (e de certo não quer) fazer censura a uma Camara, em que se vem sentar todos os dias, a queira insistir na conservação de uma expressão, que envolveria esta censura. Opponho-me a que ella se lance na Acta de baixo dos principios, que declarei, isto é, que a Carta Constitucional reconhece Pares hereditarios. Sobre este ponto não ha duvida nenhuma. – Eu repito, o que sempre tenho expressado quando se tem fallado nesta questão, que – a qualidade de Pares hereditarios é essencial na Carta – Se ella considera tambem, como indicam alguns dignos Pares, a possibilidade de haver Pares vitalicios (o que eu não admito), não é possivel contestar, que hoje são todos Pares hereditarios. Isto não é duvidoso, por que foi debaixo desse principio, que já temos admittido alguns Dignos Pares, os quaes tem tomado assento nesta Camara. A minha observação, pois, versa sómente sobre a palavra – interpretação – por que a Camara não deve sanccionar, que se lhe attribua uma interpretação da Carta pelo que toca a haverem Pares hereditarios, e tambem vitalicios.

Uma interpretação da Carta não toca só a esta Camara; e eu não desejo por fórma alguma, que se rasgue a Carta; opponho-me, por isso a que se lance na Acta a declaração levando escripta a palavra – interpretação.

O SR. TAVARES DE ALMEIDA: - Quando a proposta do digno Par, o Sr,. Ornellas, se pôz a votação, entendeu-se que ella não estava redigida de maneira, que podesse recair sobre a materia della, uma votação; por que da maneira em que a proposta, não nos levava a resultado nenhum; e eu peço a V. Ex.ª o favor de a mandar ler. (Satisfeito proseguiu) Ahi está a verdade do que eu acabei de dizer. É evidente, pois, que isso só se poderia fazer por effeito de uma interpretação; mas esta Camara só por si não o podia fazer; e por que então todos nós nos vissemos muitos perplexos a tal respeito, moveu-se uma questão de ordem, em resultado da qual se decediu, que se separasse do projecto, tudo quanto tendia á qualidade de Pares vitalicios, deixando ficar tudo o mais que dizia respeito á hereditariedade do Pariato. A Camara não fez nenhuma interpretação authentica; não havia proposta nenhuma para esse fim; e ainda mesmo, que a houvesse, não podia ser, sem que seguisse os tramites do regimento; e é sabido, que havia de ir depois para a outra Camara. Foi pois neste sentido que eu votei, Sr. Presidente; e como cada um tem direito a declarar o como votou, eu não me opporei por isso á declaração, que mandou para a mesa o Digno Par, o Sr. Conde de Lavradio: S. Ex.ª pensa que a Camara interpetrou; mas a Camara está no seu direito declarando tambem, que não interpetrous, e neste sentido eu mando para a mesa a seguinte declaração, a fim de ser lançada na Acta. (leu.)

Declaração.

Proponho que a Camara, na votação de hontem sobre a Proposta do D. Par Sr. Ornellas, não intepetrou, nem podia interpetrar authenticamente o Art. 39.º da Carta Camara dos Pares em 10 de Abril de 1843. – Tavares de Almeida.

O SR. VISCONDE DE LABORIM: - Eu simplesmente quero declarar, que quando votei não interpretei a Carta, e que todas as razões que dei, foram para MOSTRAR, QUE A INTELLIGENCIA, QUE EU DAVA Á Carta era, que os Pares em quanto durava a sua vida eram vitalicios, gosando desta dignidade; e que depois do seu fallecimento, os seus successivos legitimos eram hereditarios: por outra, que em quanto o Par vivia, a Carta se explicava pela palavra vitalicios; e depois de morto se explicava pela palavra vitalicios; e depois de morto se explicava pela palavra hereditario: nesta intelligencia foi que eu votei.

O SR. SERPA MACHADO: - Esta Camara é composto de pessoas muito illustradas, e eu a todos faço essa justiça, mas tambem todos hão de convir, em que ha certos termos proprios, os quaes têem mais obrigação de os saber aquelles, que são da profissão. Os juristas sabem muito bem, que a palavra – interpretação, tem a significação vulgar, ou juridica, que todo o homem, que tem direito para executar á Lei, tem direito para a entender doutrinalmente, mas não authenticamente. Isto posto, é por que o Digno Par, o Sr. Conde de Lavradio, não diz que nós o fizemos authenticamente, diz doutrinalmente; parece-me então, que não póde haver inconveniente algum em se lançar a sua declaração na Acta, por que o que ella diz, é exacto com aquillo, que na veradde se passou. A Camara, porêm, decidirá como melhor lhe parecer.

O SR. ORNELLAS..

O SR. CONDE DE LAVRADIO: - Eu não fiz censura nenhuma á Camara pela resolução, que tomou; nem pelas quatro horas, que se gastaram em discutir esta materia, aliás tão importante, para tractar a qual nem o dobro, ou mais horas seriam de sobejo, attenta a sua gravidade. Agora torno a repetir, que tudo quanto se tem dito, mais me confirmou na minha idéa, e accrescentarei, que supposto eu não seja jurisconsulto de profissão, a minha intelligencia chega a fazer-me conhecer, a differença que ha entre interpretação authentica, ou doutrinal: a authentica se se póde dar por uma lei. Agora querer-se duvidar, de que houve uma interpretação doutrinal sobre o Art. 39.º da Carta, isso na verdade corresponde a negar, que o sol brilha ao meio dia: pois o que nós fizemos não foi decedir, que o Art.º 39 da Carta admitte Pares vitalicios, e Pares hereditarios, havendo com tudo outros Srs., que opinaram que a Carta só admittia uma especie de pares?! Esta é a verdade do que se passou, e tambem é verdade, que depois viemos á força bruta, e a Camara decediu, que o Art.º 39 só fallava de uma qualidade de Pares. Eu, por tanto, penso hoje do mesmo modo, como pensava antes de hontem; e se houvesse inquisição, e lá me mettessem, eu lá mesmo havia de dizer o mesmo. A Camara, porém, decida o que quizer, mas peço, que me deixem livre o meu cerebro; e para eu não tomar mais tempo, concluo dizendo – que não cedo das expressões, que escrevi na minha declaração.

O SR. VISCONDE DA SERRA DO PILAR: - A Camara não interpretou o art.º, nem o precisa fazer em presença do determinado do Decreto de 30 de Abril de 1926; e não póde por se em dúvida, que

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A Carta quer, que os Pares do reino de Portugal sejam hereditarios.

O SR. BARRETO FERRAZ: - A maioria da Camara certamente reconhece; que não tem direito a regular o cerebro, ou os discursos do Digno par, cujos talentos todos respeitam; mas a maioria da Camara tem direito, para fazer sustentar as suas decisões, e a não consentir, em que os outros se intromettam a governar nos seus cerebros, e a interpretar arbitrariamente as suas intenções.

O digno Par teria direito a exigir, que a sua declaração fosse admittida nos termos propostos, se effectivamente a questão prévia, apresentada pelo digno par, o sr. Ornellas, fosse posta á votação nos termos, em que está concebida, e se as rasões, que moveram s. Ex.ª a apresenta-la fossem as mesmas, que movessem a Camara a votar; mas V. Ex.ª sabe muito bem, que eu reclamei sobre o modo, pelo qual ella estava organisada; e s. Ex.ª propo-la de differente maneira, da que na realidade ella estava concebida. O meu illustre Collega, que se assenta no banco superior, já disse o sentido, em que votou; eu farei o mesmo; e outros digno Pares, estarão no mesmo caso de o fazer. O sentido em que eu votei já estava expresso no preambulo do meu voto em separado do Projecto, e vinha a ser, que não era este o logar proprio de se interpretar a Carta e intendi que os meus illustres Collegas, que formam a commissão, só foram encaregados de apresentar um Projecto, que regulasse a successão do Pariato, e não de tractar se os Pares eram vitalicios, ou hereditarios: eis-aqui a razão, porque me não pude conformar com o Projecto da commissão, por quanto o que se quiz saber, foi a maneira pela qual os Membros desta Camara deveriam succeder, e nunca o entrar-se na interpretação do Art.º da Carta Constitucional: foi este o sentido em que votei, e tambem alguns Dignos Pares, e permitta-me o Sr. Serpa machado dizer-lhe, que sendo a sua opinião muito justa, não póde ter logar para o caso, por que não tractamos, (ao menos eu não trectei) de interpretação authentica, nem doutrinal, mas de desempenhar aquillo, que tinha sido commettido a Commissão, que era o apresentar um Projecto, pelo qual se regulasse a successão ao pariato, e nada mais.

Q SR. CONDE DE VILLA REAL: ~ O Digno Par que acabou, e faljar disse, que não entrava na questão da intelligencia das palavras; mas de facto, elle fallou, nessa questão; e para que eu possa dizer alguma couza, peço a V. Ex.ª. que mande ler a declaração do Sr. Conde de Lavradio, e depois a do Sr. Silva Carvalho. (Satisfeito, prosseguiu) O Digno Par que acabou de fallar, referiu-se muitas vezes á maioria, e minoria. Tem-me acontecido em diversas occasiões, estar na minoria, e então entendo, que estando vencida qualquer questão contra o meu voto, cessou para aquelle caso a minoria, nem maioria, na Camara. (O Sr. Conde do Bomfim: — Apoiado), Julgo por tanto, que senão deve usar destas expressões. Não quero, porêm, suscitar uma questão accidental sobre isto, ainda que tenho tanto direito, como outro qualquer, a emittir a minha opinião; mas. há uma differença notavel entre a declaração do Sr. Silva Carvalho, e a do meu nobre amigo, o Sr. Conde de Lavradio: a do Sr. Silva Carvalho diz — eu intendo que a Carta diz isto — e a do Sr. Conde de Lavradio diz - eu intendo que os outros Dignos Pares. interpetraram Carta deste, modo —o que é inteiramente diverso, por que na primeira declaração está consignada simplesmente a intelligencia, e interpetração que, dá o seu author. (O Sr. silva Carvalho: - Apoiado), e a outra accrescenta á intelligencia que o Digno Par dá ao Art.ª, a sua interpetração sobre o modo pelo qual a maioria da Camara intende o Artigo. Ora eu assento, que nisto o digno Par sahiu um pouco do principio, que quiz estabelecer de reservar para si, e para o seu cerebro, o direito de interpetrar as suas palavras, visto que quiz interpetrar as palavras dos outros, e a idéa que tinham no seui cerebro. Isto constitue uma grande differença entre as duas declarações.

O SR. TAVARES DE ALMEIRA: - Eu mandei para a Mesa tambem uma Declaração. (O Sr. Vice-Presidente: - Creio que é posterior); mas peço licença para a retirar, depois da declaração do illustre Auctor da Proposta. Eu intendo que a questão é de lana coprina; que não tem resultado nenhum, nem utilidade, nem effeito; por quanto, cada um lança na sua declaração, o que quer, e tem na sua intelligencia; e pelo que me respeita, estou certo de que a Carta estabeleceu Pares vitalicios e hereditarios simultaneamente; mas eu julgo que a Camara, não votará sobre este objecto: eu não tenho susto de dizer qual é a interpretação da Carta, e repito, que ela intende Pares hereditarios, e vitalicios ao mesmo tempo, e não de uns, e outros: entretanto quem o intender por outra maneira, tambem póde estar no seu direito.

Foi retirada efectivamente a Declaração do digno par.

O SR. VISCONDE DE LABORIM: - Seja-me licito fazer uma declaração. Eu não sei se a Camara terá authoridade, (francamente fallando) para inhibir um Digno Par de apresentar na Acta qualquer declaração, principalmente quando é declarar a sua idéa eu intendo que a Camara não o póde fazer; por quanto, dizendo-se que um Digno Par lançara na Acta uma declaração; não quer dizer outra cousa mais, do que foi este, ou aquelle o seu sentido: logo, não lhe podendo a Camara negar isso, intendo que só na fórma por que ella vinha concebida, é que poderia haver alguma duvida; e por tanto, se S. Ex.ª quizer apresentar uma declaração como a do Sr. Silva Carvalho, intendo que a Camara não lhe póde negar este direito: quando esta minha declaração de nada sirva, ao menos serve para mostrar ao Digno Par, que sou de opinião, que na Acta seja a sua consignada. Ora, direi, que a Camara deu uma execução á Carta: mas não uma interpretação doutrinal; por que nós não tractavamos de objecto determinado, mas de thése.

O SR. CONDE DE LAVRADIO: - Agradeço ao Digno Par a bondade, que teve de expender as suas razões, para que fosse admittida a minha declaração; mas eu devo declarar, que não só estou satisfeito, mas até satisfeitissimo, porque consegui o meu fim, que era a fazer vêr qual tinha sido a minha opinião, e ella certamente lá ha de apparecer na Acta, ainda mesmo não sendo admittida, por que disso ha de nella fazer-se mensão; no caso de se não fazer na Acta de ámanhan, ha de-se apresentar no Diario da Camara; mas quando mesmo se não mencionasse, via-se o sentido em que eu tinha fallado.

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O SR. VICE-PRESIDENTE: - Essa é a vantagem das discussões publicas.

O SR. CONDES DE VILLA REAL: - O meio mais simples é declarar cadaum as suas opiniões. Quando não sejam approvadas, o publico sempre as ha de avaliar, e formará o seu conceito a respeito do modo de pensar de cadaum.

Resolveu-se gue a declaração do Digno Par Conde de Lavradio não fosse inserida na Acta.

Passou-se então a mencionar a correspondencia:

].º Um Officio da Camara dos Srs. Deputados, enviando um Projecto de Lei creando dous Curadores; geraes dos Orphãos na Comarca do Porto. - Passou á Secção de Legislação.

2.° Duas reprisentãções dos Pharmaceuticos de Monte Alegre, e Valença do Minho, ambass no sentido de outras recentemente recebidas. - Remetteram-se á Secção de Megocios internos.

O Sr. Visconde de Ponte Arcada partecipou, que o Sr. Marquez de Abrantes, por molesto, não podia concorrer á Camara.

O SR. VISCONDE DE SÁ DA BANDEIRA: - Pedi a palavra para lembrar a S. Ex.ª, que, quando fosse possivel, houvesse de dar para Ordem do dia, o Projecto que tracta da obra da Valla da Azambuja, visto ser importante o poder o Governo contractar guantes antes esse objecto.

Passou-se então á Ordem do dia, que é a discussão do Projecto N.° 33. (o da Commissão ), sobre o qual occorreu aquelle incidente, sendo o mesmo Projecto, subsidiado pelo N.° 31 de voto em separado do Sr. Barreto Ferraz. - (V. pag. 62 col. 1.ª)

O SR. VICE-PRESIDENTE: - Á vista da decisão da Camara, será mais conveniente tomar-se por base da discussão o Parecer em separado: entretanto, se a Camara quizer, que se siga outro methodo, seguir-se-ha.

O SR. BARRETO FERRAZ: - Quando hontem um Digno Par, e meu particular amigo, depois da votação pediu, que o Projecto voltasse á Commissão para o pôr em harmonia com a votação da Camara; eu oppuz me com o fundamento, de que estava acabada a differença principal, que havia entre o Projecto, e o meu voto em separado; e eu cedi do meu Projecto para ser tomado como texto da discussão, reservando-me o direito de apresentar, como Substituição, alguns dos Art.ºs do meu voto, quando se tractasse de discutir os differentes Art.ºs na especialidade; e então lembrava, que seria bom passar-se ao juizo da Camara a votação do Projecto na sua generalidade, e sendo approvado, se passasse á especialidade: entretanio V. Ex.ª adoptará o methodo, que lhe parecer mais rasoavel.

O SR. VICE-PRESIDENTE: - Não ha de certo inconveniente; mas parece-me mais vago, que o Parecer da Commissão sobre Pares vitalicios... Está aberta a discussão na generalidade.

O SR. SILVA CARVALHO: - Este Projecto está já discutido na generalidade, e se V. Ex.ª quizer propôr á Camara, que se procedesse á discussão na especialidade, podem os Dignos Pares, que o quizerem, propôr a cadaum dos Art° em particular, as suas emendas.

O SR. VICE-PRESIDENTE:- - Perguntarei á Camara se approva, que se passe á discussão especial dos

Passando-se á especialidade, entrou em discussão o

Art. 1.º São Pares hereditarios todos aquelles, cuja Carta Regia, de nomeação for passada pura, e simplesmente sem declaração alguma.

O SR. BARRETO FERRAZ: - Sr. Presidente, parecerá talvez extraordinario, que eu, tendo adoptado quasi pelas mesmas palavras o 1.° Ar.° do Projecto da maioria da Commissão, me levante agora para combatêlo; mas hontem um Membro d'esta Camara me suscitou a idéa, de que, este Art.º vinha a ser um contra senso, e contra o que eu disse no meu Parecer; por que intendendo que só se tractava de Pares hereditarios, e não vitalicios, escusado era dar a difimição dos Pares hereditarios, pois para elles, e só para elles, é que são as habilitações, de que tracta esta Lei. - Por tanto, eu propunha, que se eliminasse este 1.° Art.º, ou se concebesse por outra maneira (leo.)

Proposta.

Proponho a eliminação, ou nova redacção do art.º 1.º A. Barreto Ferraz.

O SR. SERPA MACHADO: - Eu desejava fallar sobre a Proposta, que quer fazer o Sr. Barreto Ferraz, e ainda que a não mandou para a Mesa fallarei antes disso. -Convenho, em que e menos necessario este Art.° depois da resolução, que se estabeleceo, para á admissão dos novos Pares; mas intendo o mais como para estabelecer a fórma, com que se expessam estas nomeações; e o que se intende n'este sentido, é marcar a fórma como devem ser passadas as Cartas Regias da nomeação dos Pares, e não havia inconveniente em fixiar este formulario; e mesmo para evitar o dizer-se - existem Cartas deste modo; e, se continuam a existir, então é escusado marcar novo formulario,que possa, servir de pretexto para differençar uns dos outros Pares; e seria conveniente adoptar-se como formula prescripta para continuar a observar-se. - Por tanto não reputo o Art.° escusado, e deve conservar-se. (O Sr. Visconde de Laborim. Apoiado)

A Proposta do Sr. Barreto Ferraz foi enviada á Mesa, e admittida para entrar em discussão juntamente com o Art.°. a que respeita

O SR. CONDE DE LAVRADIO: - (Sobre a Ordem); e unicamente para notar, que este, e o Art.° 2.° já estão eliminados pela votação, que teve logar hontem; e por isso é que pedi a palavra sobre a Ordem, por que cuidei, que se estava discutindo o Art.º 3.°

O SR. ORNELLAS....

O SR. SERPA MACHADO: - A decisão que nós tomamos hontem, não foi uma interpretação authentica como já se disse, e deve-se apenas tirar della uma conclusão pratica; e a interpretação doutrinal só podemos enunciala, mas não manda-la para a outra Camara, por que é um principio, que nós derivamos della; e o unico meio de a fazer efficaz, é approvar o Art.º, senão a decisão de hontem vem a ser nulla; e ainda que é em principio valiosa, não constituiu uma Lei, e não temos outro meio de incorporála. - Eu sou o primeiro, que não duvido do principio; e assim, não indo na Lei, a decisão de hontem não póde ter effeito, e isto é como consequencia immediata; ou então dar-se outra redação de maneira, que exclua essa responsabilidade; mas agora não admittir na Lei nem o princi-

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pio, nem a consequencia, parece-me que é fazer uma cousa inutil: eu considero a votação de hontem como um principio, mas estabelecer como principio essa votação, e não tirar a consequencia e que me parece inutil.

O SR. SILVA CARVALHO: - Sr. Presidente, este Projecto foi feito para regular a successão do Pariato (Apoiados); isso está estabelecido pela Carta; e por consequencia não temos mais nada a legislar sobre Pares hereditarios, e só devemos regular as condições para a admissão ao Pariato: portanto, julgo o 1.° Art.° inconveniente, e não tenho duvida, em que elle se elimine, assim como o 2.º, e que passemos ao 3.°

O SR. VISCONDE DE LABORIM: - Eu levanto-me para apoiar á opinião do meu particular amigp, o Sr. Serpa Machado, e até, Sr. Presidente, intendo necessario estabelecer o principio, por que se o não fizermos, e a Lei fôr estabelecida como está no Projecto, não se exclue a idéa de - vitalicios - e póde de novo suscitar-se outra vez a questão, se pela Carta existem Pares vitalicios; e seria idéa nova consignar na Lei o principio estabelecido na Carta? - Não; e tanto não é, que se estabelecem neste Projecto Art.ºs consignados na Carta; e então em logar de eliminar-se, estabeleça-se um Art.º geral na conformidade da Carta, por que deste principio, é que deve correr o Projecto: portanto, levanteime para apoiar a Proposição do Digno Par o Sr. Serpa Machado.

O SR. VICE-PRESIDENTE: - Se o Sr. Serpa Machado quer fazer uma Proposta, mande-a pava a Mesa.

O SR. SERPA MACHADO: - Fazer proposições a respeito de objectos tão graves sobre o joelho, não e possivel: eu não poria: senão as proprias palavras, declarando que os Pares são hereditarios na conformidade do Decreto de 30 de Abril de 1826: portanto fazer uma referencia áquelie Decreto, e o unico modo, que me lembra, e nesse sentido é que mandarei uma emenda para a Mesa.

O SR. ORNELLAS.....

O SR. CONDE DE VILLA REAL: - Ávista do que acabou de expender o Sr. Visconde de Laborim, e Serpa Machado, eu nada mais tenho a dizer.

O SR. DUQUE DE PALMELLA: - O meu voto, como a Camara toda sabe, foi em conformidade do Projecto, que tinha apresentado um Membro da maioria da Commissão: entretanto, a Camara decidiu positivamente sobre a questão prévia apresentada pelo Digno Par o Sr. Ornellas, que não admittia a existencia de Pares vitalicios: em conformidade, pois, desta determinação da Camara, parece muito regular, que se elimine o Art.º 1.° e 2.°, passando-se á discussão do 3.º - Nisto não ha difficuldade, porque não vejo necessidade de substituir esses dous Art.ºs

O SR. SERPA MACHADO: - É para tornar mais claro. (leu)

Emenda.

Estando determinado, pela Carta Constitucional e pelo Decreto de 30 de Abril de 1826, que os Pares do Reino sejam hereditarios, bastará que a Carta Regia seja passada pura, e simplesmente sem declaração alguma, para ter o seu effeito. - Serpa Machado.

E proseguiu: Por este modo consigna-se, e declara-se, que aquelle titulo é sufficiente, e estabelece-se como um formulario: portanto, parece-me que assim não ha a menor incoherencia, nem se poderá tirar argumento, de que se poderão estabelecer differentes cathegorias.

Agora; lembra-me o Sr. Conde de Villa Real, que as Cartas Regias podem continuar a ser passadas como até agora: isso depois poderá a Commissão emendar na redacção, por que está feita com tanta pressa, e é difficultoso fazer as cousas bem, quando não são meditadas.

A emenda foi admittida.

O SR. VICE-PRESIDENTE: - Effectivamente as redacções feitas aqui, raras vezes saem perfeitas, e eu proporei á Camara, que no caso de passar a emenda, citasse á Commissão para a redigir nesta conformidade.

O SR. BARRETO FERRAZ: - No caso que não se vença eliminação, proponho esta nova redacção.

Proposta (2.ª)

São Pares hereditarios todos aquelles, que pela Corôa foram, ou houverem de ser nomeados Membros da Camara dos Pares. - A. Barreto Ferraz.

Admittiu-se.

O SR: SILVA CARVALHO: - Estas Emendas estão já discutidas...?

O SR. VICE- PRESIDENTE: - Não estão: tracta-se da primeira de eliminação do Art.º, e depois se tractada das outras, segundo o que se vencer a respeito daquellas.

O SR. SILVA CARVALHO: - Bem.

0 SR. VISCONDE DE LABORIM: - Sr. Presidente, mando tambem para a Mesa a minha Proposição, ou comO lhe queiram chamar: eu redigida assim (leu.)

Emenda.

Sendo os Pares hereditarios pElo Art.° 39.º da Carta Constitucional.

O SR. DUQUE DE PALMELLA: - Eu peço licença ainda para em muito poucas palavras expor á Camara, que considere as graves, e gravissimas consequencias de qualquer expressão, interpretação, ou intelligencia; e a deliberação da Camara parece-me, que fica prehenchida, passando-se, desde já á discussão do Art.° 3.°

O SR. VISCONDTR DE LABORIM: Sr. Presidente, eu proponho que a minha Emenda seja lida, por que nós aqui não votamos a medo, mas segundo as nossas idéas.

Leu-se e admittiu-se

O SR. CONDE DE VILLA REAL: - Versa a questão sobre a eliminaçãó do Art.º?

O SR. VICE-PRESIDENTE: -Sim, Senhor.

O SR. CONDE DE VILLA REAL: - Eu intendo, que a eliminação do Art.° deixa a Lei sem base, e é indispensavel, pela votação que houve n'outro dia na Camara, que haja um principio sobre o qual se estabeleçam depois, as regras da hereditariedade: por tanto, eu seria incoherentc com o voto, que dei, se acaso approvasse a eliminação pura, e simples do Art.° sem que seja substituido por outro. - Intendo muito bem, que os Dignos Pares, que votaram contra o principio, insistam na sua eliminação, por que votam de accordo com as suas idéas; mas os que votaram sobre o principio são contradictorios, se votarem pela eliminação do Art.° puro e simples.

O SR. SILVA CARVALHO: - Sr. Presidente, eu não voto aqui nem por medo, nem receio; nunca tive

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medo, nem o tenho no meu caracter publico,quando como tal desempenho algum officio; mas tenho muito medo e receio quando na minha mão está evitar o mal e o não faço, e tenho medo das consequencias futuras de alguma indiscrição, que possa, commetter; e este medo é justificado. - Está consignado na Carta Constitucional, que os Pares são hereditarios: tudo quanto fôr pôr isto em duvida, ha de trazer certamente para o futuro muito más consequencias, e envolver em grandes difficuldades; ha de tornar-se qualquer decisão, que se queira agora consignar n'esta Lei ácêrca de Pares, como em questão, que não terá bons resultados: para que é pôr nac Lei questões? -- A nossa missão foi estabelecer as condicções de regular o Pariato, e sobre isto é que calculámos sobre os differentes Projectos, que se nos apresentaram (este que vem á discussão); e pareceu á maioria da Commissão, que esta seria tambem a occasião de regular os Pares vitalicios; a Camara decediu que não os havia, ou que não tractava aqui disto; fosse: como fosse, o que temos, a fazer, é regular a successão dos Pares hereditarios. - São considerados todos os Srs.; que se sentam nesta Camara como Pares hereditarios, por que tem um titulo, que os habilita; como taes; e qualquer alteração, que se fizesse, parecia pôr em duvida isso, ou seja que se dê uma fórma ás novas Cartas, ou declarando que essas Cartas eram esse titulo; tudo e por em duvida; e para que e isso? É para estabelecer mais claro, que são hereditarios? Não está já na Carta, e não ha interpretação em votar sobre o Art.°? Já está dito tudo sobre um ponto, que está decidido pela Camara. Não ha pois contradicção em se eliminar o Art.º por que já está decidido, que a Carta só entende Pares hereditarios. Digo pois, que tudo quanto fôr deixar ficar o Art.° assim ou por outra qualquer fórma, nunca ficará de tal modo, que não produza de futuro embaraços. Em consequencia: é minha opinião, que o Art.º deve eliminar-se

O SR. TAVARES D'ALMEIDA: - Eu tambem voto pela eliminação do Art.º tal qual está concebido, por que elle tem palavras, que complicam com as votações, que já estão feitas: entretanto, desejo que se diga alguma cousa, para fixar francamente esta idéa - quee os Pares são hereditarios - Agora direi, que era melhor remetter á Commissão todas as emendas, que estão sobre a Mesa, e não se votar agora nenhuma dellas; e digo isto, Sr. Presidente, por que já na Sessão passada, quando aqui se votou que este Projecto fosse á Commissão, eu convenci-me inteiramente, de que se assim se não fizesse, nós a cada passo nos haviamos de ver embaraçados; por que é sabido que fazendo-se emendas no decurso, de um debate, não é possivel entrar bem na materia dellas, nem fazer boa obra, por que o juizo não tem a pauza precisa, para bem encarar, o assumpto por todas as faces.

Concluo, portanto, dizendo, que é minha opinião, que as emendas voltem á Commissão, e que não se, vote agora sobre nenhuma dellas:

O SR. VISCONDE DE OLIVEIRA: - O Art.º 1.º, Sr. Presidente, está manifestamente em contradicção com uma decisão da Camara; e tanto assim, que se tem proposto, e sustentado vigorosamenie a sua eliminação, ou que de novo seja redigido; e em verdade, Sr. Presidente, não ha necessidade alguma de estabelecer no Projecto um principio reconhecido pela Camara, até mesmo pelo que nelle está consignado. Diz o Art.º 3.º - que a dignidade de Par herda-se: - logo, é evidente, que ella não é vitalicia; porque, com essa dignidade ninguem o poderia transmittir aos seus successores. Portanto, sou de opinião, que se elimine o Art.°

O SR. CONDE DE VILLA REAL: - Eu tarabem devo declarar, como o fez o Digno Par o Sr. Silva Carvalho, que não tenho medo quando faço a minha obrigação; mas o Digno Par agora apoiou, o que eu disse, por tal maneira, que mais me convenceu, de que elle queria inculcar a existencia de um grande perigo. Não considero, porêm, que o possa haver, tenho mais receio de que se ponha em duvida importancia do Pariato. Todos o devemos sustentar, por que a Carta o estabelece com muito acerto, e por que é contra o Pariato, que dirigem os seus ataques todos os que querem derrubar a Monarchia. Occupando eu, pois, um logar nesta Camara em virtude da Lei fundamental, hei de defender essa Lei, ou succumbir com ella. Disse o Digno Par, que a Commissão fôra nomeada para regular a hereditariadade do Pariato: sendo assim, o Digno Par deve confessar, que a Commissão merece censura por ter ultrapassado a sua missão, e ter tractado tambem de Pares vitalicios. Concluo portanto dizendo, que é necessario especificar-se alguma cousa no sentido das idéas, que eu, e outros Dignos Pares temos emittido, ou seja no l.° Art.º ou no 3.º, conforme lembrou o Digno Par, o Sr. Tavares de Almeida.

O SR. BARRETO FERRAZ: - Eu só direi duas palavras, por que não quero tomar o tempo á Camara. O Digno Par, o Sr. Tavares de Almeida, propõem que sejam remettidas as emendas, que estão sobre a Mesa, á Commissão; mas a mim parece-me, que primeiro que tudo se deve propôr a eliminação; por que a admittir-se esta, não ha então logar a emendas: todavia se a Camara intender que em todo o caso as emendas devem ir á Commissão, eu não me opporei a isso.

O SR. SILVA CARVALHO: - Eu já disse que a incumbencia da Commissão foi o regular as condicções de succeder no Pariato: a Commissão intendeu, pois, que no Art.º 39.° se comprehendiam Pares hereditarios, e vitalicios, e nisto não foi ella contra o que a Camara lhe determinou: fez o que devia. A Camara, porêm, depois deste facto intendeu, que a intelligencia que ao Art.° dava a Commissão, era mal feita: não me resta outra cousa se não obedecer a essa decisão.

O SR. DUQUE DE PALMELLA: - Não se póde sustentar, que a Commissão excedeu á sua missão, se não esquecendo-se; o que se passou nesta Camara. É verdade que a nomeação da Commissão foi para regular á successão do Pariato; mas immediatamente depois, apresentou aqui o Sr. Conde de Lavradio um Projecto de Lei, no qual se consignava á idéa de Pares vitalicios, e de Pares hereditarios: este Projecto foi remettido á Commissão, e desde esse momento julgou ella, receber tambem a missão de considerar a idéa proposta. Considerou, e formulou um novo Projecto, no qual a maioria da Commissão admittiu a entidade Pares vitalicios, por intender, que, segundo, a Carta podiam existir, as duas especies: dous dos Membros da Commissão intenderam o contrario, e por isso apresentaram o seu voto em separado. Parece-me, que tanto uns como outros cum-

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priram com o seu dever, sem que possa dizer-se, que a Commissão excedeu o encargo, que lhe fôra dado.

Tem-se fallado aqui em medo: eu creio que se deve excluir absolutamente essa idéa; não póde haver receio algum, quando nesta Camara se desempenha o dever de legislador, e se cumpre com o juramento, que se prestou ao tomar assento nella; nem vejo que se de motivo para haver medo, nem em um, nem em outro sentido: pôde, porém, haver considerações prudentes de conveniencia futura, desejos de evitar collisões com outros ramos do Poder Legislativo; e em fim, o reconhecimento de que a exclusão da idéa de Pares vitalicios não importa absolutamente, para a Camara, a obrigação de declarar a maneira, por que assim intendeu a Carta nesta parte. Os Membros da Camara, que na Sessão passada, votaram, para que se não admittisse a especie de Pares vitalicios, esses é que ficariam em contradicção comsigo mesmos, se quisessem que se estabelecesse agora neste Projecto, e de uma maneira explicita, a idéa que elles então julgavam se devia excluir. Pretende-se, que a Commissão foi nomeada estrictamente para propôr o modo de succeder no Pariato: nesse caso digo eu, que a Lei não deve conter, provisões, que não sejam relativas a essa successão, e torna-se inteiramente inutil, que nella se insira uma profissão de fé da Camara, que não é suscitada por nenhum motivo apparente. Parece-me, pois, que ficariam mais de accôrdo com as suas proprias idéas os Membros da maioria desta Camara, que votaram a favor da questão prévia do Digno Par, o Sr. Ornellas, não exigindo agora que essa doutrina, que elles desejavam pôr de parte, seja de novo apresentada neste Projecto de Lei. Eu considero que o voto, que a Camara deu, em summa não importa outra couza mais, do que a rejeição do Projecto do Sr. Conde de Lavradio, que havia sido remettido á Commissão, e que ficou em pé a primeira missão, que ella recebêra, quanto ao modo de regular a successão dos Pares hereditarios.

O SR. VISCONDE DE LABORIM: - Mando para a Mesa o seguinte requerimento, que diz (leu.)

Requerimento.

Regueiro que se consulte a Camara sobre - se estando na Carta a hereditariedade do Pariato, se deve consignar no 1.° Art.° do Projecto este principio. - Visconde de Laborim.

O SR. DUQUE DE PALMELLA: - Peço que se proponha se se admitte á discussão.

Não foi admittido.

O SR. CONDE DE VILLA REAL: - Eu creio que os Dignos Pares, que votaram n'outro dia pelo principio como elle ficou reconhecido, não approvam este Art.º; e com tudo a sua eliminação não me parece, que involva a rejeição do principio, por que eu votando a favor da sua eliminação, considero que enecessario substituilo por um novo, como já se indicou.

Approvou-se tanto a eliminação do Art.º 1.º, como a 1.ª parte da Proposta (1.ª) do Sr. Barreto Ferras, juylgada prejudicada a 2.ª parte. As emendas dos Srs. Visconde de Laborim, e Serpa Machado, e Proposta (2.ª) do Sr. Barreto Ferras, foram rejeitadas.

O Art.º 2.º, concebido nos seguintes termos eliminou-se por se intender prejudicado, em virtude do que se vencera a respeito do 1.°

Art.° 2.° São Pares vitalicios aquelles, que forem declarados taes na Carta Regia de nomeação.

Entrou em discussão o

Art. 3.° A dignidade de Par herda-se por varonía de legitimo matrimonio na linha directa descendente, segundo as Leis dos Morgados deste Reino.

O SR. BARRETO FERRAZ: - Sr. Presidente, já na Sessão passada, quando tractámos deste Projecto na generalidade, eu fiz uma breve analyse de todo elle, e disse, que me parecia não estar o Art.° bem redigido, e com sufficiente clareza; ou que, pelo menos, delle senão deprehendia a idéa, que tiveram em vista os seus Auctores: diz o Art. (leu.) Talvez que a intenção dos illustres Auctores do Projecto fosse, que esta successão não passasse da linha directa masculina, com exclusão da fémea e collateral; porêm no segundo periodo se torna confuza, e de alguma sorte se vem a annullar esta intenção, por quanto diz - segundo a Lei dos Morgados deste Reino. Ora sendo-lhe a Lei dos Morgados deste Reino applicada, tanto aproveita ao filho varão, como ás fémeas, e aos collateraes; não se póde saber qual e o modo de successão no Pariato. Se porêm se quer limitar a successão unicamente á linha recta masculina descendente, impugno inteiramente esta idéa, e offereço a doutrina do Art.° 2.° do meu voto, no qual segui outro systema: nelle adoptei em parte o que linha sido adoptado no primeiro Projecto apresentado pela Commissão. Ora, neste Art.° 2 ° da Substituição digo eu (leu.) Numa palavra, intendo que deve-se comprehender as differentes hypotheses, chamando nelle á successão fémeas collateraes, por que me pareceu mais regular o adoptar-se, para a successão do Pariato, essas mesmas disposições, que regulam a dos Morgados; por quanto, não sendo admittida entre nós a Lei salica, era melhor e mais conforme com os habitos do Paiz, que fossem formadas aquellas pessoas, que pela Lei dos Morgados tinham direito á successão. Por tanto, eu ainda insisto na idéa, de que sejam chamados á successào do Pariato hão só os da linha masculina, mas da fémea, e collateral, e quando esta minha opinião não mereça a attenção da Camara, ao menos peço que o Art.º leve uma nova redacção, afim de o tornar mais claro.

Substituição do Art.º 2° do Projecto N.° 34, ao Art.º 3.° do Projecto N.° 33.

Art. 3.º A dignidade de Par herda-se por varonía de legitimo matrimonio nas linhas descendentes, segundo as Leis que neste Reino regulam a sucsão dos Morgados. No caso de recahir a successão em fémea, o filho varão desta, que succeder no vinculo do avô, fica habilitado para o Pariato, logo que entre na fruição deste vinculo, e extincta a linha recta descendente, passa áquella das collateraes, a que passar o vinculo do Par fallecido, segundo a mesma ordem de successão.

Entrou em discussão.

O SR. VISCONDE DE FONTE ARCADA: - Eu pedi a palavra para dar a explicação de uma couza, que já está providenciada; isto é, queria saber, visto o Projecto N.° 33 ter ligação com o do N.° 34 do Sr. Barreto Ferraz, se seria possivel tractarem-se promiscuamente; mas já vejo que sim, porque o Digno Par offereceu uma Emenda a este mesmo Projecto: por consequencia, poderá continuar a discussão

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de um, e fallando-se igualmente do outro. (O Sr. Vice-Presidente Assim: se abriu a discussão.) Uma vez que assim se intende, e a discussão vai caminhando, eu tornarei a pedir a palavra na discussão de outros Art.ºs, para apresentar algumas emendas á Camara.

O SR. CONDE DE VILLA REAL: - Sr. Presidente, eu tambem julgo, que o Art.º correspondente do voto em separado do Sr. Barreto Ferraz poderia substituir o do Projecto, na sua primeira parte; mas devo declarar, que sobre a doutrina deste mesmo Art.º, na segunda parte e que faço a objecção. Já a impugnei no primeiro Projecto, e por isso o assignei com declaração - Sou de opinião, que o Pariato deva passar como aqui se declara ao descendente varão legitimo (leu). No mesmo Art.° do Sr. Barreto Ferraz assim se determina (leu). Mas na segunda parte do Art.º diz-se, que recahindo o Pariato em femea, pela falta desta successão o seu filho, no Pariato. Mesmo adoptando-se este principio; excluiria os collateraes, como me parecria ser a mente do Digno Par. (O Sr. Barreto Ferraz: - Eu não excluia os collateraes;) Sendo assim, não posso deixar de dizer que eu penso, que a successão do Pariato só deve ser simplesmente por varonia, em linha recta, e que para passar a outras linhas, será preciso uma graça especial; de maneira que se considere extincto, ou recaia o Pariato em femea, ou passe o morgado ao collateral.

O SR. VICE-PRESIDENTE: - Queira V. Ex.ª mandar para a Mesa a sua emenda.

O SR. CONDE DE VILLA REAL: - Não faço emenda nenhuma: apresento a minha idéa.

O SR. SILVA CVRVALHO: - Sr. Presidente, esta materia é um pouco difficil, e difficil mesmo é o fallarse nella: entretanto a Commissão intendeu dever excluir mão só as fémeas, como os collateráes (Apoiados.)

A instituição dos Pares é mui differente do que a antiga instituição dos morgados; e mal se póde comparar com inglezes e francezes, onde antigamente havia uma certa constituição do Pariato, e outros requesitos para; estes Pares do Reino, o que não ha em Portugal. O Pariato não é um privilegio, como alguns julgam, mas sim uma garantia social: intendeu-se necessaria a Camara dos Pares constante, e independente para conservar um equilibrio entre os dous Poderes, isto é, para evitar o da parte do poder popular, e ao mesmo tempo oppôr-se á invasão do Poder Real, e para isto requerem-se algumas condições mas a essencial é o conhecimento de sciencias de cadaum delles: está claro que a mulher não póde legislar, nem, pôde, ser investida desta alta magistratura, de modo nenhum; nem tambem ha conveniencia nenhuma, em que passe aos collateráes, mas só se transmitta, esta dignidade de que a filho, que ha de ser por este representado, e elle que tem direito, a essa representação, manda-o educar, e a si mesmo se educa, para fazer preencher as condições, que se marcam neste Projecto, o que não póde acontecer; aos collaterraes, por quanto elles por uma esperança remota, não se hão de habilitar: para virem a ser Pares, e conseqnentemente não pódem cumprir a sua missão: portanto, é necessario que a mão do tempo vá renovar a Camara, e não seguir-se a Lei dos morgados; porque, aconteceria em pouco tempo ver-se esta Camara ser a propriedade de umas certas familias, as quaes governariam a Nação simplesmente, porque nasceram d'aquelles primeiros, que fôram Pares do Reino.

A Commissão julgou, que devia restringir a successão do Pariato, o mais que fosse possivel, marcando unicamente que ella só teria logar em filhos pela linha masculina, excluindo-se as linhas femininas, e collateráes. Neste sentido exarou a Commissão o seu Projecto, e sendo-lhe presente as idéas do Sr. Barreto Ferraz, não pareceu estar resolvida a julgar, que seria essa a doutrina a seguir nesta materia.

O SR. DUQUE DE PALMELLA: - O Sr. Barreto Ferraz começou, por notar alguma obscuridade na redacção deste Art.° 3.°: a este respeito nada direi, por que, se se julgar que elle não está bem claro, pôde dar-se-lhe nova redacção, no caso de vir a ser approvado. S. Ex.ª apresentará os termos em que deseja, que seja concebido, e o Art.° voltará á Commissão para ficar sem a apparente contradicção; digo apparente, por que intendo, que a successão do Pariato se transmitte de paes para netos, por varonia de legitimo matrimonio, e pela linha recta descendente, excluindo as femeas, e os collatreaes.

Quanto á materia, os Membros da Commissão, que redigiram o art.º, fôram coherentes com suas ideás, de que houvesse o direito de transmittir o Pariato; naquelles individuos, que fossem Pares hereditarios; mas ao mesmo tempo limitado por maneira tal, que se não tornasse perpetuamente propriedade de algumas familias, e de modo que a Camara dos Pares podesse ser successivamente renovada, já pelo uso da prerogativa Regia, já por obra do tempo. Quando a successão recahisse em femea, claro, é que devia ficar suspensa; e por tanto a questão é se o direito de successão deverá depois resuscitar nos descendentes dessa femea. Ora, é bem de suppôr, que a prerogativa Real, na maior parte dos casos, segure o direito, que vier a faltar nessa linha descendente, quero dizer, sempre que a familia for benemerita, ou illustrada, ou que a sua memoria seja honrosa para o Paiz. A Commissão julgou conveniente a limitação prescripta, afim de dar logar á renovação successiva dos Membros desta Camara.

Em quanto á successão em linhas collateraes, devo ponderar, que apresenta graves inconvenientes, que todos podem facilmente avaliar: se a successão entrasse nas linhas collaleráes, ella viria a passar de umas familias para outras, e alguma vez seria possivel, que passasse a familia, que não tivesse os meios, nem as outras circumstancias necessarias para o desempenho deste cargo. Nem a Commissão, propondo o Art.º como está, se afastou do espirito da nossa legislação: antes veiu a adoptar exactamente, o que está prescripto na Lei mental a respeito da successão dos bens da Corôa, a qual exclue as femeas, e os collateráes.

Por consequencia intendo, que o Art.° fica bem como está, e que apenas carecerá de alguma emenda de redacção, a fim de resalvar qualquer pequena contradicção apparente, que por ventura possa apresentar, comparando uma phrase com outra; por que em fim é claro, que a successão, de que ahi se falla; é segundo a Lei dos morgados.

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O SR. TAVARES DE ALMEIDA: - Sr. Presidente, o Art.° que está em discussão, é o 3.° do Piojecto da Commissão: eu não posso conformar-me com elle, e prefiro antes o da Substituição do Sr. Barreto Ferraz. (leu.) As reflexões que até agora se tem produzido para approvar o Art.° da Commissão, e rejeitar o da Substituição, não me persuadem, por que a Carta diz - que o direito do Pariato é hereditario - As Leis de succeder, nas heranças estão consignadas no Codigo, e Leis Portuguezas; e parece, por tanto, partindo deste principio, que este direito deveria ser regulado pela Lei das successões, e este e o sentido mais obvio, que póde ter a Carta. - O direito do Pariato é uma herança: quaes são as Leis que as regulam? - É o direito commum, por isso mesmo que não ha nenhum outro especial, e aqui está a interpretação, que eu julgo a mais genuina da Carta: entretanto a Camara quer fazer limitações, que por ventura poderá fazer; mas não votarei que seja, tanto como quer a Commissão.

Uma das razões que se produzem a favor do Art.° da Commissão, e a de que seria de conveniencia politica renovar-se, ou reformar-se esta Camara successivamente, e não fazer della um monopolio da aristocracia; mas tambem e razão aquella, pela qual se poderá defender, e sustentar o direito hereditario do Pariato, qual e a razão da independencia dos Pares, e estes são mais independentes tendo este direito por herança, de que tendo-o pela merce do Soberano; por que, os Pares sabendo que o seu direito passa para seu filho, e póde passar para seu neto, serão mais independentes do que aque11es, que estão debaixo da mercê do Throno, para que esse seu neto por femea obtenha o Pariato. (Apoiados.) - Por tanto, Sr. Presidente, ainda quando se intenda, que deve renovar-se a Camara, para trazer, as illustra coes novas, e as novas aristrocracias, que não são só dos pergaminhos, mas tambem a dos bens da fortuna, por que essa tem mais pezo na sociedade ainda assim isso nada tolhe o direito de succeder no Pariato; por que, como este deve ter qualificações para os Pares, que hão de succeder, e que os constitua aptos, e dignos de exercer tal emprego, não ha inconveniencia nenhuma, quanto a mim, em dar mais latitude ao direito de succeder. O que se faz importante é, que os individuos que succederem nesta Camara sejam daquelles, que tenham intimos interesses no bem geral do paiz, e possuam as qualificações precisas; é se ha interesse em que se renove a Camara, isso não nos compete, e ainda o ha maior na independeecia dos Pares, e essa dá-se mais no 2.° Art.° da Substituição do Sr. Barreto Ferraz, do que no Art.° da Commissão de que tractamos.

Isto que acabo de dizer, é relativamente á successão em linha descendente: agora em quanto á collateral, disse-se tambem, que devem ser excluidos todos, por que póde recair em familia, que não seja digna de exercer este alto emprego: é possivel; mas se a este direito de succederem os collateraes se pozer uma limitação, não poderá dar-se sem esse deffeito? - O herdeiro collateral póde estar desde um até muitos gráos de distancia, e admitto que estando muito remoto, poderá vèrificar-se o inconveniente; mas estando em muito menor distancia por exemplo, que seja irmão do Par falecido, não admitto que seja d'outra familia;, e seja pessoa indigna de ir ao Pariato; e ainda menos quando tenha as condicções, que o Art.º 3.º do Projecto exige, que elle tenha: tambem pôde ser, que, restringindo este direito de succeder no Pariato para excluir os collateraes, tambem isso póssa influir na independencia, que deseja tenham todos os Pares, e por estas: considerações, e outras, que podia fazer, parece-me que o Art.° da Substituição está melhor, do que o do Projecto da Commissão; quero dizer, que no direito de succeder possa succeder o neto por femea; e quero dizer, que é direito dos collateraes seja até ao segundo gráo, contado pelo direito canonico; por que em qualquer das duas hypoteses não se verificam as razões, que tem objectado os Dignos Pares, que tem fallado a favor do Parecer da Commissão, e contra a Substituição do Sr. Barreto Ferraz.

O SR. CONDE DE VILLA REAL: - Sr. Presidente,, eu concordo perfeitamente, com o que acaba de dizer o Digno Par, sobre a independencia do Pariato, e debaixo deste principio é que eu considero, que foi muito bem estabelecido, e determinado pelo Legislador, que os Pares fossem hereditarios; Não posso, por fórma alguma considerar, que a renovação da Camara seja sufficiente motivo, para se não sustentar o principio da hereditariedade, e para o atacar: esta renovação: sempre ha de ter logar, por que apparecendo com o tempo homens conspicuos, ou que prestem serviços ao seu Paiz, deverão ser chamados a esta Camara por esse motivo. Todos reconhecem, e desejam, que nesta Camara venham a ser admittidos todos aquelles homens, que estejam nestas, circumstancias: assim se ha de renovar esta Camara muito naturalmente.

Impugno, porêm, a idéa de se transmittir o Pariato ao neto, quando recáia em femea, por que não se póde transmittir o que se não pôde exercer, e uma mulher não póde exercer as funcções de Par.

Tambem foi por esse mesmo principio, que eu considerei, com os outros Membros da Commissão, que se deviam excluir os collateraes; por que, em muitas occasiões se ha de dar a mesma circumstancia, que aos collateraes, que herdem os morgados, em virtude de ter recahido a successão em femea: havendo tantos casos destes, concordei com a opinião dos Membros da Commissão, excluindo na generalidade os collateraes; por que, não convem estabelecer illlmitadamente este direito de successão ao Pariato.

Não teria, porêm, duvida em concordar,(pela minha parte), que, esta exclusão não fosse tão absoluta como a do Projecto, determina, mas fazendo-se-lhe qualquer excepção, a qual sempre deve ser debaixo da idéa, de que a successão ao Pariato nãe possa ser transmittida por femea; isto é, que a successão só possa passar ao irmão, e não mais. Mas isto mesmo é preciso muito meditado, - por que póde ter inconvenientes. Não affirmo, por tanto, que deffinitivamente annua a esta idéa.

O SR. SILVA CARVALHO: - Sr. Presidente, esta herança do Pariato não é a herança de um titulo, de uma terra, ou de uma fortuna; esta herança do Pariato, é outra qualidade de herança; é a de fazer Leis; e ás mulheres não podem ser aqui admittidas para as fazer; e para a herdar é necessario, que aque1le a quem se deixa esta herança tenha capacidade; é uma couza que para o caso se requer, e as mulheres não podem ter essa circumstancia, e por tanto não podem succeder no Pariato, o que seria

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uma anomalia injustificavel. Mas diz-se que e para sustentar a independencia desta Camara: tanta a tem o herdeiro como o outro; e o Par que se senta aqui não é para ter relações com o Governo. Eu não intendo, nem admitto, que tal successão passe aos collateraes: o que eu não quero admittir e o principio, isto é, admittir os collateraes pela successão dos morgados, em que faltando, as linhas rectas passam aos collateraes. Mas é necessario, diz-se, uma independencia, para sustentar a liberdade do Paiz, e não para distruila; mas quem quererá vêr o poder de Legislar sempre depositado em umas poucas! de familias, que em breve poderão governar o Paiz á sua vontade? - É por isso, que esta herança do Pariato e deve restringir o mais possivel: admitta-se o filho varão por descendencia, até ahi muito bem, pôde disculpar-se; mas d'ahi por diante, os filhos das femeas e os collateraes, que são outras familias, e podem não ser habilitados para vir aqui, por que um collateral, que nunca se lembraria de ser Par, não procura habilitar-se para isso, e vai tomar occupações differentes. - (Uma voz: - Não venha cá) Mas ha de vir; e que poderá fazer se não teve educação, nem se preparou com os meios necessarios para isso? - Não vem se não fazer mal ao seu Paiz, e á Corporação a dentro da qual sem tomar logar; e o filho já se educará para ser Par, por que conta com isso: tudo o que é passar d'aqui para; fóra, traz! inconvenientes. - Eu disse, que esta qualidade de herança não está nas mesmas circumstancias dos outros casos, e isto julga-se urma theoria admissivel: para maior garantia das instituições do Paiz; mas essa garantia ha de ser sustentada por homens, que desempenhem essas funcções, e não pode estender-se muito álem daquelle, a quem primeiro foi dada; e eis-aqui o motivo, por que a Commissão deu o seu Parecer, segundo as idéas que lhe foram presentes, e que meditou.

O SR. MINISTRO DA JUSTIÇA: - Sr. Presidente, direi muito pouco, por que esta materia está esgotada por uma e outra parte; mas ouvi daquelle lado da Camara uma proposição, que me pareceu involver nada menos, do que uma questão prejudicial á doutrina, que se discute por quanto ouvi ao Digno Par, não estar esta Camara no direito de regular, a hereditariedade do Pariato, e via na Carta que desde que se estabeleceu, que eram hereditarios, era pelas Leis do Paiz que regulavam, a herança desses direitos, então não podiam regular alguns dos principios da Ordenação, e com referencia: ao Direito commum publico. - Eu levantei-me, pois, para impugnar esta proposição do Digno Par, e parece-me que a Camara está no seu direito para discutir as regras da successão do Pariato; por que, a Carta Constitucional:, quando disse que os Pares, eram hereditarios (e assnm o intendo), não quiz estabelecer, que ficasse ao arbitrio do Legislador o regular o modo, de succeder no Pariato: o que certamente importa essa determinação da Carta, é, que todas as successões, que se déssem antes de haver uma Lei especial para as regular, se teria que recorrer á Ordenação do Reino, e ás mais Leis extravagantes que regulam, as successões, para decidir esta questão; mas isso não impede, que esta Camara faça já uma Lei para regular isto, que é uma herança especial, e que por isso deve tambem ser regulada por: uma Lei especial; nem póde deixar de ser assim, por quanto as Leis da successão, assim como quaesquer outras podem ser alteradas, não contra direitos adquiridos, mas em relação ao futuro; e se esta faculdade eatá no dominio do Legislador a respeito de quaesquer heranças, muito mais o devia estar no caso, de que actualmente se tracta.

Descendo pois ao exame da doutrina direi, que eu intendo, que entre ambos os extremos, que se têem estabelecido, talvez que um meio termo se possa admittir analogo ás circumstancias, e conveniencias do Paiz. Alguem, como o illustre Auctor da Substituição, quer dar um direito mais extenso, e quasi illimitado, ao modo de succeder ao Pariato, quando o Parecer da Commissão quer outra couza; por que limita esse direito á varonia descendente, excluindo as fémeas. Em quanto a mim intendo, que a doutrina do Parecer da Commissão se póde defender, por que, ella está em harmonia com as Leis do Paiz; mas poder-se-ha reduzir isto a meio termo, approvando-se parte do Art.º, e ficando redigido assim (leu.) Eu creio que é insustentavel o argumento de levar a successão até aos collateraes; e admittida ella, eu não sei por que não se havia de levar até ao segundo, ou terceiro gráo. Ainda mais me resolvo a seguir esta doutrina, por que o mesmo argumento, que eu apresentei, não colhe em toda a sua, extensão; é verdade que o Foro grande de fidalgo quebra na fémea; mas é de costume, quasi seguido, o dar-se de novo essa Graça ao hontem, que casa com essa pessoa; mas como se verificaria isto no Pariato? A filha do Pai: que casasse, é muito natural, verificar em seu marido a dignidade de Par, e então, é por todas estas razões, que eu adoptaria Art.° da Substituição do Digno Par o Sr. Barreto Ferraz, menos na sua ultima parte.

O SR. SERPA MACHADO: - Nós não podemos fallar nesta materia, sem comparar o Projecto do Digno Par o Sr. Barreio Ferraz, com o outro da Commissão. O Projecto, estabelece tão sómente a successão em relação á varonia, e exclue as fémeas; e o Sr. Barreto Ferraz, admitte as fémeas, e tambem o neto Eis-aqui pois os pontos de differença que ha entre um, e outro Projecto. É sabido de todos, que o meio de remover as difficuldades, que se podem dar para sustentar, o Pariato, é a independencia; um dos requisitos para a independencia é a riqueza; e o outro a illustração. Pareceu á Commissão, e muito bem tem parecido, a todos, que têem escripio sobre esta materia, que o meio de lhe, dar essa independencia é a combinação de todos estes meios; por que, o Par que tiver riqueza sufficiente, o que tiver uma provada illustração, tem certamente independencia, e outro meio de independencia, é, o não precisar para a continuação do Pariato, de nova graça do Poder Real. Um Par, assim cc"nstituido, está habilitado para prehencher as funcções, legislativas; e por isso tudo quanto tender á combinação destes tres elementos, aperfeiçoa esta instituição.

Em quanto porêm á successão de varonía, tanto um como outro Projecto são conformes; e em presença das disposições, que se contém nos Art.ºs seguintes, não póde haver duvida, ou inconveniente algum, em que se admitta a succesão por varonía. Pelo que respeita, porêm, ás fémeas, é claro que não é possivel, que ellas tenham assento aqui. Em quanto á clausula de chamar o neto, parece-me de importancia, e eu dou a razão: o por que se per-

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mitte a successão a favor do filho, é para que o Pai não esteja com sujeição absoluta ao Poder Real, a fim de que esse Poder, nomeie depois, por sua morte, o filho para o Pariatô: se assim não fosse, succederia que muitas vezes o Par havia de adular o Poder Real, só com vista de ser seu filho, depois de sua morte, nomeado Par. Parece-me, pois, que se nós queremos sustentar a independencia do Pariato, e se elle depende de deixar livre o Avô, ou o Pai, para poder deixar a seu neto ou filho, essa dignidade, que elle já tinha recebido do Poder Real; e isso a meu ver muito attendivel, e intendo que as considerações, que acabo de fazer, são dignas de attenção pela sua importancia. Agora, pelo que pertence aos collateraes, tambem tenho minha duvida; por que, os motivos que haveria para chamar uns, havia de haver tambem para os outros; parece-me por tudo isto, que deviamos parar na segunda innovação, que faz o Projecto; e em quanto á outra, ou parar nos collaleraes, ou, quando muito admittir os irmãos; ou por outra fórma, admittir-se a primeira, e a segunda ampliação do Digno Par o Sr. Barreto Ferraz, e rejeitar-se a terceira. Concluo, por tanto, dizendo, que não nos deve ficar tolhida na nós, que devemos marcar o modo desta successão ao Pariato, o estabelecermos as regras, que o devem regular de futuro.

O SR. DUQUE DE PALMELLA: - Peço perdão por dizer ainda algumas palavras ácêrca do Art.° Creio que a camara não póde tomar qualquer decisão sobre elle, senão adoptando, uma base certa - a do direito, ou a da conveniencia: (O Sr. Silva Carvalho: - Apoiado.) se adoptar a base do direito, absolutamente, não póde pôr-lhe limitações, e deve então prescrever, que o Pariato se herda segundo, a Lei dos morgados indefinidamente: assim como nos morgados permanece a successão em quanto existe sangue do instituidor tambem no Pariato deve ella permanecer, em quanto houver sangue do primeiro Par. Isto, porêm, apresentaria inconvenientes, alguns dos quaes tem sido ponderados, entre outros o de não se verificar senão de tempos a tempos, e mui raras vezes, a extincção da linha de qualquer Par, não podendo por tanto a Camara ser continuamente renovada, ou (por assim dizer) refrescada com a admissão de novos elementos. Nem me parece, que um tal inconveniente fique remediado (como disse um Digno Par, meu amigo, e parente) pela prerogativa, que habilita o Soberanos a nomear novos Pares; por que neste caso, conservando-se sempre o numero dos Pares em virtude do mais amplo direito de successão, as nomeações da Corôa augmentariam esse numero, em disproporção evidente com a natureza, e organisação deste ramo do Podêr (Legislativo. Nós estamos fazendo uma Lei regulamentar, fundada sobre um dos Art.ºs da Carta, na qual se declara, que os Pares são hereditarios: ora a Camara, pela sua votação em uma Sessão anterior, considerou que os não havia senão dessa especie (e eu, como me cumpre, submetto-me á sua deliberação, àte por que ella não discorda do principio consignado na Carta Constitucional): logo, não póde tambem deixar de admittir a successão ao Pariato na varonía por linha recta descendente; quero
dizer, que o filho de um Par seja o herdeiro de seu pae. Os Membros da Commissão (que comigo assignaram o projecto), intenderam porém, que ahi se devia limitar a successão nesta magistratura; e para isso fundaram-se em uma razão de analogia, que eu já aqui indiquei, e que vou agora desinvolver mais claramente.

&A creação do Pariado considerou-se ao principio como annexa a um titulo de grandeza do Reino: ora, todos sabem, que pelas nossas Leis a successão dos titulos, mesmo daquelles que são denominados de juro e herdade, assim como a successão dos fóros, quebra na femea, e nos collateraes: por consequencia, e evidente a analogia da successão do Pariato, com a dos titulos, aos quaes na sua origem o cargo foi annexo, e que pareceram quasi indispensaveis para lhe dar aquella consideração patente, que deve ter. Se a Camara se julga authorisada a constituir direito nesta materia, a legislar novamente, não ha motivo então para admittir a successão por femeas, excluindo os collateraes; porque em tal caso seria preferivel admittir os collateraes proximos em gráu de parentesco, e excluir os mais distantes; mas,admittindo-se o principio juridico do direito da successão, deve dar-se-lhe, a latitude propria, e deixar tudo ás suas consequencias Entretanto, não sei se uma disposição neste sentido seria muito conforme ás idéas do tempo, á condição social do Paiz, e á mente do Legislador da Carta.

O direito que se adquire ao Pariato, pelo titulo de nomeação, é o direito de uma magistratura, que se deve exercer para beneficio da Nação: por se considerar, que a independencia dos Pares era conveniente, é que se estabeleceu a sua hereditariedade; mas não se póde inteiramente applicar a esta magistratura as mesmas regras, que se applicam á successão dos morgados, ou de uma propriedade, cujo fim e unicamente a fruição dos que a possuem, com reversão obrigada para os successores, e não com vistas no beneficio de outras classes da Nação: n'uma palavra - parece-me que esta Camara será ainda inteiramente, aristocratica, se se limitar a declarar, que a successão será da maneira indicada pela Commissão, isto é, na varonia por linha recta descendente .Todavia, creio que não serão muitos os casos, em que o Soberano deixe; de contemplar o neto do Par, por femea, com a graça de uma no meação nova, nem até aqui ha exemplo, de que se negasse este favor, pelo que diz respeito a titulos, ou a gráus de nobreza, o que deve; ensinar a mesma pratica á respeito dos Pares. Se a Camara, porém, intender em sua sabedoria, que convem estabelecer como regra fixa, e de direito (aquillo que de facto estou persuadido que se verificaria), que a successão recaia no neto do Par por femea, póde assim determinalo.

Eu concordo, em que esta modificação ao Art.° proposto pela Commissão, é de todas as mais admissivel; por que, não acarreta os mesmos inconvenientes, que se notam na transmissão do Pariato nos collateraes, ou seja limitando os gráus de parentesco, que pódem succeder, do que resultaria injustiça manifesta a respeito de alguns delles; ou seja deixando ir a successão até ao infinito, pois nesta hypothese e para recear que, pelo decurso do tempo, origine litigios, confusões, e difficuldades. Sobre tudo convem não perder de vista, que uma tal permanencia, ou antes indestructibilidade desta magistratura em certo numero de familias, de al-

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gum modo transcende o espirito de similhante instituição.

O SR. BARRETO FERRAZ: - Sr. Presidente, quando eu offereci, como substituição ao Art.º 3.° do Projecto da Commissão, o Art.° 2.º do meu voto em separado, disse, que se aparecessem na discussão rasões, que me convencessem, eu não teria duvida em a por de parte, e me contentaria unicamente, em que ao Art.° do Projecto se désse uma nova redacção, a fim de que não admitisse duvida, nem tivesse obscuridade. Na discussão, que já vai sendo longa, tem-se apresentado varias idéas, e algumas dellas de muito pêzo; mas eu ainda não estou bem convencido: portanto insisto, em que o Art.º do Projecto da Commissão não deve passar. Eu peço á Camara, que não considere este meu Art.° isoladamente, por que elle tem intima ligação com os Art.ºs seguintes, nos quaes proponho; que á successão do Pariato se regule como a dos morgados.

Sr. Presidente, o objecto que se deve ter em consideração, e em quanto a mim a mais principal, é que na confecção desta Lei se concilie o respeito devido ás prerogativas da Corôa, com a independencia da posição social dos Pares: este objecto é o que eu principalmente considerei, e me propuz conciliar, e como meio de o conseguir, me decidi a lembrar a instituição dos morgados.

Esta instituição, digo, que eu apresentava como base principal do Projecto, trasia comsigo a necessidade de reguLar esta successao; e então o mais natural seria o seguir-se aquella Lei, que até agora tinha regulado a successão dos morgados; e qual era a principal? A Lei de 3 de Agosto de 1770, e nesta é chamada a succeder não só a linha recta descendente dos filhos varões, mas tambem das filhas, e igualmente a dos collateraes; e então não só por analogia, mas por força da natureza do objecto, de que se tractava, intendi que era mais obvio o seguir-se, para a successão do Pariato, as disposiçoes da mesma Lei e em todas as suas differentes hypotheses. Mas disse o meu nobre amigo, o Sr. Silva Carvalho, que senão podia adoptar esta idêa, porque á instituição do Pariato não era feudal, mas philosofica: convenho em que não seja instituição feudal, por que na minha humilde opinião, reconheço, e estou persuadido, de que, ainda quando na primeira creação de Pares se quizesse compôr a Camara do modo, porque foi aqui inculcado, não era isso possivel, porque na realidade não havia entre nós elementos para isso. Sr. Presidente, o feudalismo filho primogenito, ou irmão gemio do despotismo, nunca felizmente ganhou raizes entre nós: tivemos sim, homens illustres, que fizeram grandes, e importantes serviços a Portugal, já por acções heroicas, e já por famozas descobertas &c. que fizeram conhecido, e respeitado o nome Portuguez. Estes varões distinctos, e benemeritos, foram com toda a razão premiados pelos nossos Soberanos, que com elles repartiram muitas das terras, que lhe ajudaram a conquistar, e lhe concederam alguns outros privilegios, regalias, e distincções honoroficas; mas o feudalismo com todos os seus direitos absurdos, oppressivos, e immoraes, nunca foi conhecido entre nós, como o foi na França, na Alemanha, e em outras Nações do Norte. Não foi, por tanto, feudal como se inculcou, essa primeira creação de Pares; foi sim aristocratica; nem podia deixar de o ser, por que essa é a sua principal naturesa, e essencia; mas se esses nomes distinctos merecerão), com toda a razão, ser contemplados em consequencia da illustração, que lhes resultava dos serviços de seus antepassados, parece-me, que com igual justiça tem sido posteriormente contemplados outros nomes, que devem a sua illustração, não aos serviços dos seus Avós mas aos que elles proprios tiveram a fortuna de prestar ao seu paiz, e dos quaes seus descendentes, com igual direito, poderão para o futuro gloriar-se.

Com quanto, pois, não seja na minha opinião esta primeira instituição do nosso Pariato instituição feudal; parece-me, que tambem não e philosophica no sentido, em que afigurou o meu illustre amigo. Ella tem alguma cousa mais de positivo, e deve ser ligada, quanto fôr possivel, com o systema, habitos, e legislação antiga. Sr. Presidente, não tenho vergonha de dizer nesta Camara, que, segundo, a minha opinião, todas as reformas para se poderem verificar, e ganhar raizes, devem ter por baze os antigos costumes, habitos, e legislações dos povos para quem se applicam; e digo mais, que por falta de se attender a estas circumstancias é que muitas das reformas, entre nós praticadas, tem provado tão mal, e nos tem suscitado gravissimos embaraços. Ora, tendo nós como effectivamente já temos na nossa legislação uma baze que podesse regular esta successão do Pariato; porque razão não devemos adoptar esta legislação para a regular? Eu convenho, e concordo com a idéa emittida pelo Sr. Ministro da Justiça, que nós temos plena liberdade para larçar mão desta, ou aquella legislação, é em fim para tractarmos deregular esta successão, ou seja a Lei por que se regula a successão dos morgados, ou a Lei que regula a successão dos prazos, ou em fim a dos bens allodiaés; mas eu, segundo o meu systema, introduso os vinculos, que já tem uma legislação feita, e algumas das suas provisões não são para desprezar; e por que não as havemos de adoptar para regular a successão do Pariato? - Peio que pertence á successão em linha recta, vejo que não tem sido muito combatida. O nobre Duque de Palmella, que acaba de fallar, no fim do seu discurso disse que - não tinha duvida que fosse admittida a successão por femeas; o que tenho visto mais combatido e a successão na linha collateral; mas eu já disse, que para ser coherente com os meus principios, adoptei todas as successõds dos morgados, e por isso não podia, deixar de admittir os collateraes. Portanto, reconhecendo que a legislação, que os manda admittir, póde ser modificada, e não impiica, em que se faça separação desta linha; tambem não tenho duvida, em que se elimine a parte relativa aos collateraes, mas insisto, e insistirei sempre, para que a successão do Pariato se faça na conformidade da dos vinculos em todos os gráos da linha recta descendente. Esta é a minha opinião.

O SR. MARQUEZ DE LOULÉ: - Sr. Presidente, eu intendo, no meu modo de vêr esta questão, que o meio de poder tomar uma decisão sobre o Art.° 3.°, deve ser a maneira pela qual a Camara votar sobre os Art.ºs seguintes, respectivamente ás habilitações: pela minha parte, se essas habilitações fôrem taes quaes estão no Projacto, ou maiores, não terei duvida nenhuma; em votar pela substituição do Sr. Barreto Ferraz: se pelo contrario diminuirem as habilitações, tanto de saber, como de fortuna, sendo

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inferiores áquellas, que tem sido dadas pelo Projecto; eu votarei, para que o direito de hereditariedade se restrinja o mais possivel. Portanto, eu pediria, como questão de ordem, que se deixasse esta questão em pé, e passasse a votar sobre os seguintes Art.ºs

O SR. TAVARES DE ALMEIDA: - Sr. Presidente, eu pedi a palavra, por que sinto que não fosse bem entendido pelo Orador, que se seguiu a fallar depois de mim, o Sr Ministro da Justiça. -- Eu disse, e repito, que, quando a primeira vez li a Carta, e vi que o Pariato, ou antes a Camara dos Pares, era composta de Membros hereditarios; as primeiras idéas, digo? que me occorreram, foi que este termo hereditario - devia regular-se pelo Direito, que determina o modo de succeder nas heranças, e que existe no Paiz; mas eu não podia dizer, nem direi, que o Podêr Legislativo não possa alterar as Leis desta successão a respeito do Pariato. (Apoiados.) - Eu não disse, nem podia dizer, que o Direito commum de succeder nos bens allodiaes, seria o meio de succeder no Pariato: esta interpetração, na intelligencia que se deu ás minhas palavras, não foi exacta, mas foi trocada; e tanto o foi, que eu mesmo conclui por fazer limitações ao direito amplo de succeder, por que disse, que na linha descendente, quando a successão recahisse em femea, fosse transmissivel, mas não passasse além dos filhos desta, e que nos collateraes não passasse além do segundo gráo: não é preciso, por tanto, attribuir-me uma intelligencia, que não tive. - Eu ainda presisto no que disse, e creio que estão em pé as razões, com que o digno Auctor da substituição defende o seu Art.°

Disse aqui um Digno Par, (para excluir o direito de succeder as femeas), o qual se senta adiante deste banco - as mulheres não hão de vir aqui legislar - A fallar a verdade creio, que ninguem ainda o suppoz; mas o que diz o Art.° da substituição é que o direito fica suspenso até haver neto varão, que venha exercer este direito; e hão diz, que as mulheres venham aqui legislar. - Tambem não sei que possam haver razões, que justifiquem só a successão para varonia mo primeiro gráo, e ainda não vi produzir argumentos, que excluindo o segundo gráo ficasse igualmente mantida a independencia muito necessaria na camara dos Pares, em respeito á successão do Pariato. Parecia-me muito natural, que este direito o podesse herdar o neto do Par, que o tivesse por sua mãi, filha do mesmo Par; e espero que nisto não haverá a maior objecção. A maior, segundo observo, é a respeito dos collateraes; e as razões, que ouvi produzir contra, eram - que se este direito, fosse a um gráo muito remoto, pederia succeder pessoa, que não fosse digna deste logar; mas as que pretendem limitar a successão collateral ao primeiro gráo, e quando muito ao segundo, excluem os mais remotos, e indefinidos, e com isso excluem, tambem a objecção, que se lhes faz; e se ha inconvenientes em deixar esse indefinido, será tambem uma injustiça não, deixar nenhum; direito aos collateraes em qualquer gráo. Sr. Presidente, admitte-se que succeda o neto, que está no segundo gráo, e não se admitte, nem se quer no primeiro aos collateraes; admitte-se que este direito possa ser regulado, para descendentes, e não, se admitte que se regule para collateraess? Diz-se - o direito, dos collateraes trará inconvenientes, sendo indefinido - eu mesmo o reconheço; mas não se poderão limitar esses inconvenientes restringindo os gráos? - Seguramente.

Um Digno Par disse - que virá aqui fazer um collateral? - Virá fazer o mesmo, que o Digno Par, e eu; ha de vir occupar uma destas cadeiras, se estiver, habilitado, e se não o estiver não vem cá; virá se tiver um rendimento sufficienie, como deve ter o filho do Par; se tiver a educação necessaria, que deve ter o filho do Par; se tiver a capacidade intellectual, que deve ter o filho do Par. O collateral, que pelo direito, por que se succede nos morgados, mostrar que é o herdeiro da casa, e representa a familia do Par fallecido; não intendo que deva ser excluido, quando se não dão os inconvenientes do indefinido para ir a um gráo remoto, por isso que limito a successão ao primeiro, ou segundo gráo, limitação que esta Camara póde fazer, tirando inconvenientes que ponderou outro Digno Par. Se o collateral hão tiver: as habilitações, não vem cá, assim como não virá é filho do Par se as não tiver: o neto que, as não tenha, tambem cá não vem. - Por todos estes motivos, eu mando para a Mesa uma substituição, que restringe ainda o Art.º da substituição do Sr. Barreto Ferraz, e que vem a ser. (leu.)

Substituição.

A dignidade de Par herda-se, segundO os morgados, pela linha de varonia descendente. Na falta de filho póde succeder o neto por femea filha do Par fallecido. Quando não houver os referidos descendentes, succederá o collateral até ao primeiro gráo. Camara dos Pares em 10 de Abril de 1814. - Taavares de Almeida.

Foi admittidaa.

O SR. VlSCONDE DE FONTE ARCADA: - Sr. Presidente, eu pedi a palavra para insistir na questão de ordem do Sr. Marquez de Loulé,que vem a ser - discutirem-se em primeiro logar os Art.ºs das habilitaçôes, dos Pares, para entrarem no Pariato, e depois tractar-se do outro - e eu considero tanta mais razão n'esta moção de ordem do Sr. Marquez, quanto, vejo, que muitos dos Dignos Pares, serão levados a votar de um, ou outro modo as habilitações, que houvessem depropôr-se para os novos Pares: por isso insistirei, em que se tracte primeiro d'esta questão, do que da outra; porque me parece dever-se tractar primeiramente das habilitações, que os Pares devem ter, ou para serem nomeados taes ou para succederem no Pariato.

O SR. VICE-PRESIDENTE: - É um addiamento...

O SR. DUQUE DE PALMELLA: - Sobre esta questão de ordem, e sobre a Proposta do Sr. Tavares de Almeida, que foi admittida á discussão, direi em primeiro logar, a respeito da primeira, que me opponho a ella, por que tenderia a fazer perder inteiramente a discussão de hoje, que ficava nulla, por que, a hora está adiantada, e creio que a Camara se acha habilitada para votar. A respeito da segunda nolo, que alguns dos Dignos Pares, que escrupulisam em tornar parte na votação deste Art.°, não hesitam em introdusir no Projecto uma innovação maior, do que todas áquellas, que querem considerar no presente Art.° Atrevo-me a dizer, que não ha um exemplo de qualificações de educação exigido em Camara alguma, nem hereditaria, nem electiva, de qualquer paiz constitucional: assevero pois, que é esta uma innovação muito consideravel.

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e que todavia a Camara parece disposta a admittir.

Sou um dos Membros da Commissão, que admittiu no Projecto essa innovação, com a qual plenamente concordo; porêm digo, que ás òbjecçõès que se tem feito, ao Art.° 3.°, que regula a successão, e ás razões em que se sustentam, são todas tiradas de principios geraes, e de considerações de alta politica e conveniencia, que nada tem com a questão das habilitações. Pelo contrario sustento, que as habilitações, uma vez que se admitiam, complicarão ainda mais o Art.° sobre a successao. Os Dignos Pares, que pretendem fazer passar: á successao aos collateraes, devem explicar se o collateral, em quem recahe o Pariato, não tiver as qualificações, necessarias, transmilte o direito a seu filho? ... (0 Sr. Tavares d'Almeida: - Morre.) Já isso é uma explicação, que cumpre consignar, posto que não vejo fundamentos de direito para similhante regra, e apenas haverá alguma razão de conveniencia, por que ella se estabeleça. Se porêm se admittem só razões de conveniencia, mil outras poderão ainda adduzir-se ás que já foram apresentadas, as quaes devem não menos ter-se em conta nas hypotheses relativas á linha descendente. Tambem estas carecem de alguma explicação, principalmente no caso de successao por femea: tendo o direito ficado dormente, se o successor não estiver habilitado, é necessario declarar previamente se esse Direito se transmitte ao neto do Par, até mesmo por que no Art.º 5.º se diz... mas este beneficio, (o da transmissão;) não se estenderá álem dos netos; e não e bem claro se esta disposição se refere ao neto do Par, ou se ao da sua herdeira. N'uma palavra, tudo isto reclama explicações, que são mesmo indispensaveis, uma vez que, se admittam as qualificações, e não se adopte o principio, puro, e simples, que propôz a Commissão.

Em minha, opinão, este principio removeria um grande numero de inconvenientes, sendo o primeiro de todos, a idéa da existencia de uma porção de familia, ou de uma casta privilegiada na qual estivesse quasi exclusivamente radicada a posse desta, magistratura. Eu admitto, e ninguem mais do que eu reconhece a conveniencia, de que os Pares sejam independentes: entretanto, os argumentos inferidos da hereditariedade, podem, alguma vez ser erroneos; por que tudo neste mundo tem limitações. Parecendo, tambem conveniente, que a Corôa possa exercer frequentemente o direito, da nomeação, torna-se necessario, que se verifiquem algumas extincções de Pariatos; aliás esse direito ha de ser exercido com muito mais parcimonia, e a pratica, tem mostrado, no numero das rodas, que constutuem a machina, cujo fim é o equilibrio do systema constitucional, entra, e tem um grande logar a faculdade do Soberano nomear Pares. A Camara não deve, por tanto, perder de vista, que essa faculdade ficaria muitissimo limitada, sempre que se tornasse sobre modo difficil a extincção dos Pariatos. (Apoiados.}

Não reconheço, nas observações expendidas por varios Oradores, o motivo pelo qual se affirma, que a determinação da Carta - que os Pares são hereditarios - contenha implicitamente a idéa, de que esta hereditariedade se ha de regular pelo direito, que regula a herança dos vinculos, e não pelas regras, que se observam a respeito daquillo, que é honorifico neste Reino: pelo contrario, o Pariato é uma magistratura, e uma honra. É certo que nenhuma magistratura (que eu saiba), tem sido entre nós objecto de herança; mas parece rasoavel, que as Leis que regulam a das honras, regulem tambem nesta do Pariato.

Um Digno Par, Membro da Commissão, que fallou neste assumpto, fez-nos uma succinta, posto que excellente narração historica, para mostrar que nunca houve feudalismo em Portugal. É verdade: nunca os houve neste Paiz da especie, que existiu em outras Nações da Europa, com a exacção de certas contribuições; e as prerogativas de senhor feudal quanto á obediencia, e servidão da parte de seus feudatarios; entretanto, houve com effeito um systema de feudalismo em Portugal, o qual ainda não está de todo extincto. Um feudo não significa outra couza mais, do que o estabelecimento de propriedade hereditaria, sem limitação de tempo, e reconhecondo a supremacia de um chefe, ou morgado: eis o sentido que lhe: dou (excluindo todas as idéas humiliantes, que essa denominação n'outros paizes traz comsigo), e foi por isso, que em outra occasião sustentei, que a Camara dos Pares, na sua primeira creação, tivera uma feição verdadeiramente feudal, e assim ficaria sempre sendo, em toda a extensão (não odiosa da palavra), se á dignidade de Par se annexassem importantes vinculos: em tal caso teriamos uma instituição feudal, o que não julgo admissivel, nem conveniente na epocha actual, especialmente para o nosso Paiz.

Conserve-se, pois, esta magistratura hereditaria, mas da maneira a mais restricta; quero dizer, pela transmissão de pai para filho, e embora se entenda tambem do avô ao neto, quando a successão venha a recahir em fémea; ou estabeleça-se por Lei uma couza, que de facto costuma acontecer ordinariamente, e que por ventura aconteceria, ainda que no Projecto se não consignasse.

Concluo sustentando o Art.° tal qual está concebido; mas estou conforme em admittir todas as correcções de redacção, que se julgem necessarias para o tornar mais claro.

O SR. BARRETO FERRAZ: - Em quanto ao que disse o Digno Par, o Sr. Duque, de Palmelia, eu observarei, que se S. Ex.ª tivesse tido a bondade de ler o meu Projecto, veria que no Art.º 7.º está providenciada a circumstancia a que S. Ex.ª se referiu, por que o Art.º diz. isto (leu.); e daqui já se vê, que, não poderá dar-se esse inconveniente, que se receia. Em quanto, porêm, a dizer S. Ex.ª, que poderia haver algum susto pela má impressão, que produziria na opinião publica, se se fizesse privativa de certas castas, ou familias, a dignidade de Pares, e fechando a porta desta Camara a muitos outros, que se considerassem com merecimento para ser nella; admittidos: eu responderei a isto dizendo, que a razão de S. Ex.ª prova de mais, e que então devem, segundo esse principio, excluir-se todos Pares hereditarios.

Reparei tambem, em que S. Ex.ª por alguma fórma me increpou, por eu ter dado a intender, que nunca tinha havido em Portugal o direito feudal; mas S. Ex.ª veio depois, a concordar com a minha doutrina, por que disse, que o tinha havido, más não como em França, e Allemanha; e era isso exactamente o que tinha affirmado S. Ex.ª accrescen-

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tou, que havia entre nós couza, que se parecia com isso, que era uma porção de bens obrigada por uma modica pensão a reconhecer os direitos dominicaes: permitta, porêm, S. Ex.ª que eu diga, que isto vem a ser prazo da Corôa, e entre prazo e feudo, ha uma differença muito grande; e esses mesmos prazos da CorÔa já não existem entre nós, porque foram abolidos pelo Decreto de 13 de Agosto. -- Parece-me, pois, que a minha opinião ainda fica em pé.

O SR. CONDE DE LAVRADIO: - Eu não vou combater nem uma, nem outra couza; nem tambem approvar nenhuma dellas: o fim para que pedira palavra foi, para pedir um esclarecimento, e saber como hei de votar. Segundo a idéa que mais tem vogado na Camara, a qualidade de Par é uma couza, como tendo a natureza de morgado: ora, nos morgados - succede-se de differentes, modos; lá, em quanto ha descendentes do instituidor do morgado, vão succedendo nelle as linhas, conforme a sua ordem; mas quando se acaba o sangue do Instituidor, volta-se para traz, e vai-se buscar o descendente mais proximo do Instituidor, e não a linha, que tem mais representação; e muitas vezes não vai á linha, do irmão mais velho, vai á linha do irmão mais moço, e ás vezes mais remoto.

Perguntarei, pois (visto que o Pariato está considerado como morgado), como é, e para quem deve passar o Pariato, quando se acabar esta successão? Por que vejo que acabados os descendentes, vem o collateral, e ha de se ir andando para traz. Peço, pois, quese me esplique a quem vai esta alcaidaria mór?

O SR. TAVARES DE ALMEIDA: - De tudo quanto se tem dito, nada podia induzir o Digno Par, a fazer uma similhante comparação: isto não é alcaidaria mór, é uma magistratura muito alta, é muito digna. A hypothese que figura o Digno Par, nunca se póde dar, nem verificar.

A questão de ordem do Sr. Marques de Loulé foi rejeitada. - Passando-se á votação do Art.° 2.° do Projecto N.° 33 da Commissão, e substituição pelo Art.° 2.º do Projecto N.°34 do Sr. Barreto Ferraz, foi. o 1.°approvado até á palavra -descendentes - e o resto prejudicado pela approvação do §.°, que lhe additou as palavras, desde - segundo - até - dosmorgados - e desde - No caso - até - desde vinculo -- e o mais delle rejeitado. -- A substituição do Sr. Tavares de Almeida, foi rejeitada na especie, em que terminar" succeder o collateral em primeiro gráo.

O SR. SILVA CARVALHO: - Mas quando o Par não tiver vinculo, o neto ha de succeder no Pariato?

O SR. VICE-PRESIDENTE: - A solução dessa duvida fica para a immediata Sessão, que será ámanhan, em que continuará a discussão deste Projecto. - Está fechada a Sessão.

Eram quatro horas e meia.

N.° 57. Sessão de 11 de Abril. 1843.

(PREESIDIU O SR. VISCONDE DE SOBRAL.)

fOI aberta a Sessão pela uma hora da tarde: estiveram presentes 28 Dignos Pares -- os Srs. Marquezes de Fronteira, de Ponte, de Lima, e de Santa Iria; Condes de Bomfim, de Lavradio, de Lumiares, de Paraty, da Ponte de Santa Maria, de Rio Maior, e de Semodaes; Viscondes de Fonte Arcada, de Labofim de Oliveira, da Serra do Pilar, de Sobral, e de Villarinho de S. Romão; Barões de Ferreira, e de Villa Pouca; Barreto Ferraz, Osorio, Gambôa e Liz, Ornellas, Serpa Saraiva, Margiochi, Tavares de Almeida, Pessanha, Geraldes, e Serpa Machado.

Lida a Acta da Sessão precedente, ficou approvada.

O SR. SECRETARIO CONDE DE LUMIARES: - Tenho a honra de partecipar á Camara, que na fórma da sua resolução de hontem, passei a desannojar o Digno Par o Sr. Polycarpo José Machado, o qual, depois de agradecer esta prova de consideração, me pedio fizesse presente á Camara, que não poderia concorrer ás Sessões da presente semana. - (A Camara ficou inteirada.

Agora apresentarei a seguinte

Declaração.

Declaro que na Sessão de hontem votei pela emenda do Digno Par Tavares de Almeida, ao Artigo 2.º do Projecto N.° 34. - Conde de Lumiares.

Mandou-se escrever na Acta.

Mencionou-se depois um Officio da Presidencia da Camara dos Srs. Deputados, acompanhando uma Mensagem da mesma Camara, que incluia um Projecto de Lei sobre serem indemnisados das preterições, que estivessem soffrendo, os Officiaes do Exercito preteridos pelos acontecimentos politicos, desde 10 de Septembro de 1836. - Passou á Commissão de Guerra.

O Sr. Visconde da Serra do Pilar teve a palavra para apresentar esta

Proposta.

Proponho que o intervallo do meio dia á hora e meia se destine: para o trabalho das Commissões, e que áquella hora se abra a Sessão, e feche ás cinco. - Palacio das Côrtes 11 de Abril de 1843, - Visconde da Serra do Pilar.

O SB. VISCONDE DE LABORIM: - Reserva-se tempo para as Commissões? Que tempo se reserva, é hora e meia?... Quando principia?...

O SR. VICE-PRESIDENTE: - Póde a Proposta ficar para segunda leitura de ámanhan.

O SR. VISCONDE DR LABORIM: - Muito bem.

A Proposta ficou para segunda leitura.

O SR. VICE-PRESIDENTE: -- Passâmos á Ordem, do dia, que é o seguimento da discussão dos Projectos de Lei sobre à hereditariedade do Pariato. (V. pag. 248 col. 2.ª)

O SR. BARRETO FERRAZ: - Eu pedi à palavra antes de entrar na Ordem do dia, por que me parece, que para a boa ordem das idéas, e collocação das materias, era melhor, antes de passar á discussão do Art.° 4.º do Projecto da Commissão, se desse logar aos Art.ºs 3.°, 4.°, e 5.º da minha substituição,

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